Estará o leitor interessado em saber como demonstrou
Newton o heliocentrismo, em conhecer as razões desta 'crença' que nos liceus
nos impingem contra a evidência dos nossos olhos? A dificuldade dessa
demonstração tem a ver com a relatividade do movimento do céu e da terra: desta
não se pode senão ver o sol a nascer e pôr-se; é necessário um meio que permita
arbitrar cientificamente entre o heliocentrimo e o nosso geocentrismo, que seja
neutro em relação a ambas as partes. Eis como Newton o conseguiu [1]. Apresentada numa sequência de seis
‘Fenómenos’, a demonstração faz-se em torno de duas das três leis de Képler: a
3ª: há uma relação constante entre o perímetro da órbita dum planeta e o tempo
durante o qual ele a percorre; a 2ª: as áreas dessa órbita, percorridas num
tempo t, são-lhe proporcionais. As duas leis de Képler são
demonstradas primeiramente para os satélites de Júpiter e de Saturno (1º e 2º
fenómenos); esta prova é portanto feita a partir dum ponto de observação
estrangeiro quer aos dois planetas quer aos seus satélites, portanto fora da
relatividade do movimento. Prova em seguida que Mercúrio, Vénus, Marte, Júpiter
e Saturno rondam em torno do sol (3º fenómeno). Prova da 3ª lei de Képler para
esses 5 planetas e para o movimento da ‘terra em torno do sol, ou do sol em
torno da terra’ (4º fenómeno). Portanto esta lei não permite decidir entre
hélio e geocentrismo, o que faz a 2ª lei de Képler: ‘se se toma a terra para
centro das revoluções dos principais planetas, as áreas que eles descrevem não
são proporcionais aos tempos; mas se se olha o sol como o centro dos seus
movimentos, encontrar-se-ão então as suas áreas proporcionais aos tempos’ (5º
fenómeno). O 6º consiste na mesma lei para a relação da lua à terra. Mas as
demonstrações dos 1º, 2º, 3 e 4º fenómenos implicam a suposição ‘que as
estrelas fixas estejam em repouso’, cuja prova experimental dependia da medida
das suas distâncias à terra, que só foi conseguida no princípio dos anos 1830.
[1]
No início do Système du Monde (a seguir aos Principes
mathématiques de philosophie naturelle,
trad. fr. de Mme Châtelet).
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