1. Esta questão chegou a um ponto
que venceu a minha resistência em meter-me outra vez ao barulho. E digo outra
vez porque na discussão dos anos 80 contribuí para evitar algo que me pareceu
muito grave na proposta de então: retirar todos os acentos às palavras
exdrúxulas. Um dos argumentos que usei, alem dum de ordem estatística sobre as
divergências luso-brasileiras que precipitavam a drástica decisão, foi a de que
os ministros e outros têm com frequência que ler textos que os seus assessores
escreveram para eles e onde aparecem por vezes palavras caras que
ninguém diz e que, sem os acentos, iriam provocar muitos risos na assistência.
Mas essa guerra acabou bem.
2. Acontece contudo que essa
regra de acentuar todas as exdrúxulas é de 1911, não existia antes, o que
permite relativizar estas questões, que não são, como muitos pretendem
apaixonadamente, de lesa pátria. Senão, haveria que reclamar o regresso das consoantes
duplas, affirmação, belleza, ou os ph em philosophia e na pharmácia. O que me
parece justificar essa paixão é sentir-se uma pessoa que escreve, escritor ou
não, atacado em algo de muito pessoal: a sua espontaneidade em escrever
depressa e bem.
Assim como não se vê uma lei que obrigue a gente de Lisboa a falar à moda do
Alentejo ou da Madeira, também é desmedida uma lei que nos obrigue a ‘dar
erros’ no que escrevemos. 1ª conclusão: a lei não pode obrigar adultos
experientes nas suas escritas, privadas ou públicas.
3. O que é que, por outro lado,
me parece certo no Acordo lusógrafo? Tem a ver com a escrita oficial, sem
dúvida, mas não creio que para ‘unificar’ as escritas: há brasileiros que
escrevem como nós e outros que quase não entendemos. A vantagem mais pragmática
parece-me ser a seguinte: nos usos da Teia global, quer os seus motores quer os
endereços, contam com todas as letras e com todas as suas faltas, e desse ponto
de vista parece-me obviamente claro que é muito melhor que haja uma só
ortografia no que aos textos oficiais diz respeito. Mas ao mesmo tempo, esses
usos estão a dar cabo de todas as ortografias, toda a gente faz abreviações de
rapidez nas mensagens e nos mails e nos blogues, e por aí fora, o que deve ser
um quebra-cabeças para qualquer professor de português, muito maior do que o
que o Acordo possa provocar.
4. Ora, é nas escolas que a
questão é complicada, porque a quem está a aprender a escrever o problema das
consoantes mudas não se põe (a mim, sim, porque não as digo mas leio-as!). E aí
julgo que o Ministério da Educação tem pertinência em propor uma lei destas.
Poupem-nos a nós, os mais velhos, deixem que o tempo nos leve e que daqui a
umas boas dezenas de anos já seja como em relação aos dois ll ou ao ph, igual
para todos.
Fernando Belo
professor jubilado de Filosofia da Linguagem na Faculdade
de Letras de Lisboa durante mais de 25 anos, com doutoramento sobre a
epistemologia da Linguística saussuriana