1. Mergulhemos num dos fenómenos mais
fabulosos da linguagem humana : seja um texto de paixão, a sua escrita ou
leitura, um poema. Por exemplo que muito me comove, a Carta a meus filhos
sobre os fuzilamentos de Goya,
de Jorge de Sena. Este poema pode ser analisado por um linguista ou por um
semiota, por um especialista de literatura poética. Ele está aí, em papel
inscrito, diante do leitor qualificado, que o lerá várias vezes, para a frente
e para trás, dissecará as palavras, as rimas, os ritmos, as aliterações ou
consonâncias, as cadências, que sei eu ?, o que se pode chamar a estrutura
significante.
Mas também as imagens, as metáforas, as figuras poéticas, os temas, as ideias,
os conteúdos, etc., o que se chama sentido. Ligá-lo ainda a outros poemas do mesmo
autor, encontrar-lhe constâncias de estilo, de temas e de figuras, relacioná-lo
com a sua biografia, a sua época, e por aí fora. Analisa-se o que lá está, já
produzido, depois de escrito, depois de lido. Aceitemos que se trata de um bom
leitor, que o resultado seja bem interessante e nos dê uma leitura nova, mais
sugestiva, do poema.
2. Mas falta-lhe qualquer coisa que é o
que aqui nos vai interessar : o ‘movimento’ que o escreveu, como escrit-ura, antes de ele ficar escrito ;
o movimento de leit-ura
de quem o leu como poema, antes de o analisar. O sufixo sublinhado, –ura, diz esse movimento, aberto ao
fut-uro, de
fazer : ‘poesia’ vem do verbo grego poiein, fazer (versos) como arte (technê) humana. E fazer implica a
espacialidade do que é assim feito, o tempo de o fazer. Como arte implica um paschein, uma paixão dizemos nós, um
certo turbilhão do movimento afectivo que o escreveu ou leu. Também escrever
implica quem o escreveu, como ler implica quem o leu como outro, destinatário daquele, que para
se ser lido se escreve. E enfim, as tais figuras poéticas e os tais temas só
têm sentido porque falam de ‘algo’, acontecimentos ou emoções, como muitas
vezes se diz, que se crê serem exteriores ao poema, referir a realidade dita extra-linguística,
serem outra
coisa do que o poema. Ora, o que aqui me importa, é que, no movimento de escrever ou de ler, nada
disto que nós não podemos dizer senão cada coisa à sua vez, distinguindo-as
umas das outras, nada disto se dá como distinto e muito menos separado do poema.
3. Este movimento tem qualquer coisa dum
arrebatamento, dum enlevo, dum rapto. O –ura, da escritura como da leitura, diz esse
movimento que rapta o escritor ou leitor à sua serena adesão de si a si, à sua
consciência de si, que o (en)leva no jogo espácio-temporal do poema, dos seus
fonemas e acentos e ritmos, das suas letras e palavras e figuras e frases, que
arrasta também indissociavelmente o complexo e plural sentido do poema,
intrinsecamente inerente à estrutura significante, que traz com ele aquilo de
que ele fala, que impede de separar sujeito – escritor (ou leitor) e objecto – poema. Que permite mesmo quiçá
ao leitor ‘ouvir’ a voz do poeta a dizer o poema sem lhe ter conhecido o tom
nem o timbre, como se para o leitor ele falasse e a distância entre ambos se
atenuasse quanto fazer se pode, no rapto aquele que é raptado pela escrit-ura e
aquele que é raptado pela leit-ura entrando em cumplicidade artística, a qual
se pode tornar numa cumplicidade de vida tal que nunca mais o leitor se aparte
deveras do poeta que o habita na memória que perdura do poema, podendo este,
por exemplo, vir alucinar aquele em sonho, como que lhe dizendo : ‘não sou
mais outro, mas doravante sou em ti, sou teu antepassado que não mais te
largará, habitantes que somos os dois do poema que em ti habitamos’. Ou mais
prosaicamente, escrever com o poeta outro poema ainda.
4. Foi o que tentei dizer à entrada como
fenómeno fabuloso da linguagem, e pode-se entendê-lo de outras linguagens de
outras artes, músicas ou pinturas, de encontros amorosos a que o termo
arrebatamento mais facilmente se aplica, ou experiências espirituais de
conversão, ou ainda de textos fortes de pensamento que um dia connosco boliram
de maneira a nos sentirmos também pensadores. Assim Malebranche encontrando um
livro de Descartes numa livraria de Paris e exclamando : “moi aussi je
suis philosophe”, ou o jovem Corregio que vendo pintar um pintor que veio à sua
cidade saíu correndo : “anche ío sono pittóre”, ou outro jovem que descobre
a sua vocação para realizador de cinema vendo e revendo deslumbrado West
Side Story, ou
Léo Ferré cantando Beethoven : “must es sein ? … cela est !”, ou
Pascal no seu memorial de fogo, encontrado cosido no bolso interior do seu
casaco : “ […] depuis environ dix heures et demie du soir jusques environ
minuit et demi, Feu. ‘Dieu d’Abraham, Dieu d’Isaac, Dieu de Jacob’, non des
philosophes et des savants. Certitude. Certitude. Sentiment. Joie. Paix. Dieu
de Jésus-Christ […]”. Ou ainda, mas como dizer o ‘coup de foudre’ ?, o tempo
que muda qualitativamente tal é a intensidade que o amor provoca, esbatendo em
névoa o mundo em redor, os dois amantes não sabendo já quem são do que um em
outro passa e vem, “amada en al amado transformada”.
5. Para evitar que estes exemplos induzam
uma concepção romântica da inspiração poética ou do pensamento, que me é
estranha, sublinho que, ainda quando corrigindo posteriormente partes de um
texto, o escrever implica sempre algo de aventuroso, duma certa errância, de
‘acontecer’ virem tais palavras ou frases inesperadamente, sem que haja domínio
ou contrôle do que se escreve por quem escreve (que não é pois ‘sujeito’
gramatical e causal do verbo escrever) ; mas também que só faz poesia quem
leu e ouviu muita poesia já, como só pensa quem pensamento já longamente leu.
Mas não se trata apenas de fenómenos ‘sublimes’ : quando dizemos de alguém que
está absorvido na leitura dum romance ou dum jornal, que não dá sequer pelas
conversas à sua volta, não se pode dizer que a leitura o raptou ? E de uma
dessas conversas que seja suficientemente interessante, não se dirá depois que
até nem se deu pelo tempo passar ?
6. Ora, e é o ponto, entender tais
fenómenos como fenómenos de ‘linguagem’ implica que a esta se dê um outro
estatuto do que o tradicional ‘instrumento do pensamento’, ‘meio de
comunicação’, ‘signo’ de coisas ou ‘expressão’ de ideias, maneiras essas de
sistematicamente secundarizar ou derivar o que estes exemplos mostram poder
revelar : a pujança de metamorfose da vida dum humano. A palavra
‘linguagem’, com os seus sentidos habituais, é porventura inadequada para dizer
esta pujança imensa, mas se algo do que chamamos discurso, texto ou obra, se
presta por vezes a experiências tão fortes, então há que concluir que as
experiências mais triviais de ‘linguagem’ que todos temos, desde meninos muito
meninos, têm elas também a potência imperceptível de nos fazerem humanos no
jogo com os outros humanos. Com Heidegger podemos falar aqui de habitação na
terra, dizendo ele da arte por vezes, do sagrado outras, que dão “a medida da
habitação do humano”, habitar na terra como mortais sendo a sua essência8. Também Derrida, generalizando o termo
escritura, fala da “inscrição em geral, […] (quer) a inscrição na palavra
(quer) a inscrição como habituação sempre já situada”9.
7. Dito de outra maneira, se se
reconhecem os fenómenos a que se aludiu – e podíamos acrescentar ainda o que
nos faz rir e o que nos faz chorar, nos abala assim o corpo de estremecimentos,
ou ainda, aceitando a sugestão de Carlos Amaral Dias de que se trata em tudo
isto aqui de “loucuras provisórias”, haverá também as questões das loucuras
como sofrimento e exílio dos outros – se se reconhece pois que esses fenómenos
têm a ver, não apenas é certo, mas essencialmente sempre, com o que chamamos
linguagem, não será necessário ter estudado muito de filosofia para se perceber
que não haverá nenhuma tradição filosófica sobre a linguagem que permita pensar
estas questões. Eis o desafio que, recorrendo a Heidegger e sobretudo a
Derrida, aqui se procurará aceitar.
O triângulo poesia, filosofia, ciências
8. Aproveitemos esta pequena reflexão
sobre a poesia para caracterizar, de forma muito sumária um texto como poético
ou literário : a predominância do trabalho de escrita na estrutura
significante, na literalidade da letra, mas sem que o termo predominância
implique a mais pequena subordinação do sentido à letra, ambos sendo
indissociáveis por definição (se dizer se pode, já que a definição dissocia).
Ou a resistência do poema ao resumo, à paráfrase, à explicação, e mesmo à
tradução noutra língua, a qualquer equivalência de sentido entre o que o poema
diz e o que se julgaria ser (e nunca é) o ‘mesmo’ sentido dito de forma não
literária, a mesma ‘mensagem’ diria o teórico. Seja um exemplo de Fernando Pessoa.
“Baste a quem basta o que lhe basta / o
bastante de lhe bastar”,
verso que nunca se poderá dizer equivalente a este
outro :
“Triste de quem é feliz ! / vive
porque a vida dura / nada na alma lhe diz / mais que a lição de raiz / ter por
vida a sepultura”,
ou ainda
“ […] sem a loucura que é o homem / mais
que a besta sadia, / cadáver adiado que procria ? “
Dizer que é o mesmo ‘tema’ é ignorar o poema.
9. Por definição, disse. E dizendo-o,
estou já a falar da diferença entre a poesia (que lhe resiste, à definição) e a
filosofia, que não é a diferença do pensamento – a alta poesia pensa – mas da
forma de dizer o pensamento. O alvor da filosofia grega – de que a tradição
europeia é filha – foi a definição que Sócrates ‘inventou’, consumando a
ruptura com a literatura poética até aí dominante na Grécia. Definir um termo,
uma palavra, atribuindo-lhe um sentido exacto que permita argumentar com outras
igualmente definidas, separando pois esse sentido de outros sentidos veiculados
por essa palavra na linguagem de todos os dias, é o gesto primeiro do discurso
filosófico, que o torna como busca predominante do sentido, subordinando-lhe
inequivocamente a estrutura ou letra significante que o diz. Enquanto que o
poeta pensa na
letra, o filósofo ‘quereria’ pensar além da letra.
10. Quanto às ciências – adentro do mesmo
tipo gnosiológico de textos definidores e argumentativos que a filosofia –,
podemos caracterizá-las pela relação inextricável que nelas se estabelece, em
cada uma à sua maneira, entre um estrato teórico que define e argumenta e um
outro que trabalha (em laboratório ‘labora’) e experimenta. Donde resulta um
carácter intrinsecamente regional das ciências, que se institutem em função dum
domínio delimitado de entes ou fenómenos científicos, susceptíveis justamente
de experiência laboratorial. Ao invés, o discurso filosófico, ainda que
admitindo uma relativa disciplinarização académica (ontologia, estética, ética,
epistemologia, etc.), separa-se das experiências ‘particulares’ que o filósofo
em seu percurso humano e de pensamento faz, e estabelece-se num plano
‘meta-experimental’, no sentido que o prefixo grego ‘meta-’ ganhou no termo
tradicional de metafísica. Nas respectivas práticas, a diferença entre
filosofia e ciências manifesta-se porventura bem na maneira como a primeira
retorna incessantemente aos velhos textos do seu percurso de vinte e cinco
séculos, enquanto que as segundas, novas e sedentas de novidade, assentam o
essencial da sua prática no que consideram adquirido na contemporaneidade.
11. Ora, tanto filosofia como ciências,
enquanto se ocupam do que à linguagem diz respeito, não podem ter em conta
senão textos já escritos, sobre os quais possam exercer as suas análises e
definições, bem como métodos experimentais (comutação linguística, por exemplo).
O que dá a entender que, se queremos ter em conta o movimento da linguagem como escrit-ura ou
leit-ura, alguma distância haveremos de estabelecer com os discursos da
tradição filosófica e científica.
O jogo do ‘a’ e do ‘e’
12. A introdução do neologismo
‘différance’ foi imagem de marca dos textos de Derrida desde 1967 até aos
primeiros anos da década seguinte, com a pequena provocação de que a
‘escrit-ura’ é ‘anterior’ à linguagem oral. Intraduzível, esta diferença aposta
à palavra francesa ‘différence’, à maneira dum erro de ortografia, não é
susceptível de ser ouvida em discurso oral e dá-se apenas à leitura dum texto
gráfico, escrito. E como ‘différance’ não tem qualquer sentido sem
‘différence’, pode-se dizer que não se trata duma nova palavra, nem dum novo
conceito, mas dum jogo filosófico que, ao sublinhar que não existe oposição de fundo entre linguagem oral e
escrita, rejeita o privilégio que toda a tradição ocidental – desde Sócrates
(que se recusou a escrever) até hoje, passando nomeadamente por quem não devia,
pelo Curso de Linguística Geral de Saussure e por Freud – sempre deu à linguagem oral como
mais perto do pensamento da ‘alma’, reduzindo a escrita alfabética a uma mera
transcrição dos sons da voz, atribuindo-lhe o malefício venenoso10 (Fedro de Platão) de se poder ausentar do que a
escreveu, de poder durar para além da sua morte, de poder traír as ‘intenções’
do seu autor. Rejeitar esse privilégio do oral (e do pensamento) e fazer valer
a positividade do escrito – foi assim, por uma questão nunca antes colocada,
que Derrida entrou na filosofia – não implica inverter simplesmente a
subordinação metafísica (a escrita não é ‘mais’ do que a fala) mas deslocá-la
para um outro lugar filosófico, em que a linguagem oral – uso social que permite
reproduzir os outros usos sociais –, no seio da condição mais geral dos humanos
como habitantes da Terra (Heidegger), releva também ela da inscrição (nos
cérebros dos meninos se inscreve por aprendizagem), das mãos humanas que traçam
um território para viverem, caçarem, se enfeitarem, casarem, etc., para
habitarem em suma. A voz que fala e as mãos que trabalham (trabalhar é
inscrever uma obra) são contemporâneas da humanidade dos humanos, a inscrição
(Derrida dirá também trace,
traço que traça, inscreve, marca vestígios – ‘traces’, em francês – que duram,
como um caminho, uma senda aberta na floresta, por exemplo) tão antiga quanto a
oralidade.
13. O grande renovador da Linguística
europeia do século XX, Ferdinand de Saussure, compendiou a sua novidade epistemológica
no aforismo feliz : “na língua não há senão diferenças, sem termos
positivos”11. Por exemplo : diante duma elipse
0, só se decide que se trata dum algarismo [0,13] ou duma letra [0lha
cá !] pelas diferenças com o contexto. Derrida radicalizará : nem no
discurso, nem no texto, nem em qualquer nível do que quer que chamamos
‘realidade’, não há senão diferenças, diferanças, diferendos. E tudo se faz por
inscrições (traces,
rastos) que traçam tais diferenças. Ora, o verbo latino differre tanto significa ‘produzir
diferenças’ como ‘diferir’ no sentido de adiar : é esta dimensão temporal
do verbo que o substantivo ‘diferença’ não tem e ‘diferança’ introduz.
Tentaremos ilustrar como a différance ou trace de Derrida busca dizer o que acima
chamámos ‘movimento’ como escrit-ura ou leit-ura, o momento que rapta tanto
escritor como leitor. “A estrutura geral da trace imotivada faz comunicar na mesma
possibilidade e sem que se as possa separar senão por abstracção a estrutura da
relação ao outro, o movimento da temporalização e a linguagem como escritura”12.
14. Voltemos à página do poema de Jorge
de Sena : vemos
aí frases, palavras, letras, intervalos brancos entre estas e um pouco maiores
entre aquelas, maiores ainda entre parágrafos, acentos e sinais de pontuação.
Tudo “termos positivos”, segundo o aforismo de Saussure. Mas não basta este
‘ver’ para ler o poema : se este estiver escrito em sueco, vemos aquilo
tudo e não lemos nada. Para ler, é preciso aprender os jogos de diferenças entre letras e
entre palavras, é preciso aprender as regras desses jogos de diferenças, nas quais
regras (entre as quais as palavras) consiste a língua (portuguesa) em que o poema está
escrito. A diferença não se ‘vê’, não releva do ‘puro’ sensível, daquilo a que
se chama percepção (o que se vê, ouve, apalpa), é diferença entre grafias sensíveis13 ; por ser ‘entre’, tem que se
‘ver’ estes sensíveis, portanto também a diferença não é ‘puro’ inteligível,
mas algo que resiste a esta tão forte oposição da tradição filosófica e teológica do
Ocidente. Implicando o olhar, ela não se reduz ao olhar ; implicando a
inteligência, não se reduz a esta também, não releva nem da alma nem do corpo,
e aqui temos uma primeira razão pela qual a metafísica, suportada pela oposição
entre estas duas instâncias (na definição heideggeriana), não pôde deixar de
secundarizar a linguagem como ‘instrumento’ ou ‘meio’, sob pena de se lhe
abalarem os alicerces, os fundamentos14.
Espaçamento e temporalização
15. Se escrever ou ler é um ‘movimento’,
o tempo é-lhe essencial. Mas também a espacialidade : a das linhas e
versos do poema, as quais linhas não existiam ainda no papel em branco. A
linearidade espacial é produzida pelo movimento de inscrição de diferenças,
incluindo os seus intervalos, sem os quais não somoos capazes de ler. Leia, se
fôr capaz :
erassobreerassesomemnotempoqueemerasvemserdescontenteéserhomemqueasforçascegassedomempelavisãoqueaalmatemassimpassadososquatrotemposdoserquesonhouaterraseráteatrodododiaclaroquenoatrodaermanoitecomeçougréciaromacristandadeeuropaasquatrosevãoparaondevaitodaaidadequemvemviveraverdadequemorreudomsebastião.
Com dificuldade, não é, sobretudo se não conhecer o poema. E
se as letras se inscrevessem umas por cima das outras ? (o que o
computador não permite exemplificar sequer, mas era possível nas antigas
máquinas de escrever). Escrever (e ler) é produzir este espaçamento linear, que
permite também segmentar tal ou tal frase e enxertá-la noutro texto, como
citação. Ninguém pode pretender que se trata aqui de fenómenos acidentais :
é inerente à escrita. E será fácil de perceber que também é inerente ao
discurso oral, cada palavra sai depois da outra, numa sucessão espacial sonora,
sem que os sons se possam atropelar. Derrida chamou espaçamento a esta produção de diferenças espaciais,
característica essencial da linguagem humana.
16. Ora, este espaçamento é indissociável
do tempo da sua ‘produção’, que a tradição filosófica não recorreu por acaso,
de Aristóteles até Hegel15, à
figura espacial da linha
para representar o tempo. Mas a temporalização da escrita joga noutro sentido
também. Quando lemos (ou ouvimos) um texto, temos que ir retendo na memória o
que lemos como condição de entender o que vem e, da mesma maneira, lemos na
expectativa do que virá a seguir, que vem completar o que já lemos (‘suspense’
dum romance, mas também estrutural numa conversa, mesmo trivial.). Na leitura
do texto, é essencial este jogo de diferenças entre as várias partes do texto,
lidas uma de cada vez, é estrutural este jogo de retenções et de protenções,
entre antes e depois, esta temporalização que é a leitura. Como é, essencialmente, a
escrita do que escreve que, ao inscrever um verso, adia, difere, os versos
ainda não escritos, retendo os já escritos. Diferança, escreveu Derrida. O que
pode ser vertiginoso, quando se percebe que as palavras de cada frase se
sucedem instante a instante, sem que nunca o ‘sentido’ do que se escreve ou lê
esteja em nenhum deles, mas tão só neste jogo de reenvios e adiamentos. Pode-se
sempre resumir melhor ou pior o sentido dum texto, mas que seja por vezes
necessário fazê-lo significa que nunca ele está em ‘sítio’ nenhum16, é a rêde de diferenças extremamente
complexa que ele é, em seus fios, como um textil.
A relação estrutural ao Outro
17. É este ‘movimento’, espaço – tempo –
jogo – de – diferenças17 que nos absorve quando escrevemos
ou lemos. Somos,
onticamente se se pode dizer, esse jogo ou movimento durante esse tempo, como
se tudo o resto que somos também, estivesse ‘retirado’, ‘esquecido’ (à maneira
como está esquecida a digestão que neste momento em nós se faz, ou a circulação
do sangue, tipo de coisas de que podemos ganhar consciência em certas
condições, se nos doi o estômago, por exemplo, ou buscamos estar em relaxe). É
este jogo que nos impede, ao escrevermos ou lermos, de coincidirmos connosco
mesmos em con-sciência, de coincidirmos com a situação existencial no mundo em
que estamos (Dasein),
donde como que somos raptados ou arrebatados ao escrever ou ler, raptados de
nós mesmos, da nossa identidade próprias, para sermos, em sentido que quereria ôntico,
o poema. E esse poema que somos é o jogo de diferenças da sua escrita ou leitura, em seu
espaçamento – temporalização. Diferança ainda. Ora, como o que escreveu o poema
também foi,
em sentido ôntico também, esse jogo de diferenças enquanto o escreveu,
encontramos necessariamente esse Outro quando o lemos. Passa-se o mesmo quando
escutamos alguém falar, ele é o que está dizendo e nós somos o que estamos
ouvindo, o mesmo texto ou discurso é relação
estrutural ao Outro. Mesmo e Outro indissociavelmente somos nestes fabulosos fenómenos de
linguagem. E como isso é assim desde criancinhas, desde o sermos iniciados no
jogo de escutar e de falar, como nós somos isso desde sempre, o que os outros
nos disseram (e rapidamente esquecemos em geral) é a condição do nosso falar,
fica em nós como vestígios (traces) dos outros18. Mas
não sem diferendos, sem zangas e castigos, sem polémicas e debates, como
condição de auto-nomia
nossa, isto é, de não ficarmos sujeitos sem defesa à hetero-nomia dos outros, à lei social
que eles em nós inscrevem, apagando-se eles porém. Enigma de grande espanto. As
regras da linguagem, as suas leis, são-nos comuns a uns e outros (assim como as
de outros usos sociais quotidianos), são condição do que chamamos comun-icação, de nos entendermos sendo
diferentes19. Que esta comunicação
seja sempre-já atravessada pelos debates da nossa autonomia, de querermos con-vencer o outro do que achamos ser a
‘nossa’ razão ou verdade como diferente da do outro, explica que comunicar seja
também frequentemente não comunicar : nossos percursos singulares, de
retenções (que chamamos memória), nossa idiossincrasia, que faz com que leiamos
o mesmo poema
de maneira diferente do seu autor e doutro leitor. A diferança é pois relação
estrutural ao Outro e diferendo com ele (em francês, ‘différent’, ‘différant’ e
‘différend’ soam todos ao mesmo, só graficamente diferem).
18. Mas tratando-se de regras de uma
língua como condição de entendimento do outro, quem quer que conheça essas
regras pode sempre entender também o que dizemos ou escrevemos, para além
daquele a quem é destinado. O que escrevo, todos os que sabem ler o podem ler,
o que digo, as paredes têm ouvidos para ouvir, como se diz. Por isso todos os
estratagemas e dissimulações20 usadas
para guardar segredos, desde a secretária (móvel e as suas gavetas fechadas à
chave) ao secretário (o que está nos segredos do patrão). Mas também a
possibilidade sempre, de jure, ainda que de linguagem cifrada se trate, de tais segredos serem
desvendados, possibilidade aliás correlativa do risco inverso, de o
‘verdadeiro’ destinatário poder sempre não receber (ou não entender) o que lhe
foi enviado21.
19. Há outra coisa ainda nesta relação
estrutural ao Outro : aquilo de que se fala, o que o poema diz ou conta, o
que ele refere como referente (em termos de linguista) e que, como é óbvio, é
‘materialmente’ diferente, ‘outro’ do que as palavras ditas ou escritas. Se
conto o acidente que tive ontem, as palavras ditas são ‘sonoras’, materialmente
diferentes do acidente como tal, o referente da narrativa contada dá-se como
‘exterior’ a essa narrativa, outro do que ela ; também um crime o é em
relação com a (ignorância da) sua narrativa pelo detective que o investiga.
Irredutivelmente palavras e coisas. Posso inclusivamente contar coisas que só
ouvi ou li, que não presenciei, posso até mentir, inventar um acidente como
desculpa dum atraso, fingir, fazer ficção, autobiográfica ou não, nunca o
próprio sabe bem. E no entanto não posso separar as palavras que digo daquilo que elas
dizem, sob pena de não dizer nada, de só fazer ruídos. Contra a tenaz tradição
segundo a qual a linguagem representaria a ‘realidade’ de que fala, a tornaria
‘presente’ em sua ausência, há que dizer que um discurso ou texto é aquilo de que fala ; “pensar (dizer) e ser são o mesmo”
(Parménides). Não há ‘interior’ nem ‘exterior’ aqui, nem intra-linguístico (ou
pura imanência do discurso) nem extra-linguístico (transcendente). Sabendo que
Heidegger não separa discurso e pensamento, podemos ler o que ele diz deste
como sendo verdade também daquele : “se nós todos neste momento pensamos
daqui mesmo [Darmstadt, onde ele fazia uma conferência] na velha ponte de
Heidelberg, o movimento
[eu sublinho] do nosso pensamento até esse lugar não é uma experiência que
seria simplesmente interior às pessoas aqui presentes. Bem pelo contrário,
quando pensamos na ponte em questão, pertence ao ser desse pensamento que nele
mesmo ele se
mantenha em todo
o afastamento que nos separa desse lugar. Daqui nós estamos ao pé da ponte lá
em baixo, e não por exemplo, ao pé do conteúdo duma representação alojada na
nossa consciência”22. Se a linguagem não é aquilo de
que ela fala, ela não é nada, só barulho23.
Ela é sempre a possibilidade24 fabulosa de sermos outras coisas do que aquilo que somos na situação em que
espácio-temporalmente estamos25. Os
discursos e textos, dos outros e nossos, levam-nos, do aqui e agora ao algures
e quando do que eles dizem. Condição de liberdade da nossa tribo (o que
chamamos ‘cultura’), mas também de que o nosso ‘saber’ vá muito mais além do
que experimentamos com nossas mãos, em nossos corpinhos. A ‘realidade’ que
conhecemos, no que diz respeito à linguagem, vem-nos no que ouvimos ou lemos,
no que dizemos ou escrevemos : o nosso ‘saber’ é inscrito como nossa
memória de forma textual : sentido e saber na estrutura significante.
Linguagem como inscrição (trace) imotivada
20. Se sou raptado ao escrever ou ler,
não sou eu a fonte ou causa desse movimento que me arrasta. Donde vem ele
então ? Que causa o suporta ? Vem dele mesmo, como jogo imotivado, sem outra causa que não seja
ele. Escreve Heidegger : “nós gostaríamos de não pensar senão a própria
palavra ; nós quereríamos apenas segui-la. A palavra ela mesma é : a
palavra – e nada fora disso. A própria palavra é a palavra. […] Como é que a
palavra vem a ser enquanto palavra ? Resposta : a palavra fala
[Sprache spricht]”26.
21. Só entendo o texto que ouço ou leio
porque já conheço as palavras e as outras regras desse texto, porque re-conheço,
o re- dizendo
que a linguagem é essencialmente repetição (ou lei, ou regra do jogo, que os
não há sem regras) que dos outros vem sempre-já, ninguém inventou. A nossa
língua portuguesa já era antes do nascimento de cada um dos portugueses actuais
e sobreviverá à sua morte : a língua vem dos Antepassados. Eminentemente
social, não é função dos sujeitos falantes, dizia Saussure. Mas se o jogo
implica regras, estas não podem determinar o jogo de forma a eliminar-lhe a
aventura, o desafio, o risco que lhe é essencial por definição mesma de jogo,
cujas regras só têm sentido porque se trata de situações aleatórias (asim como
o código da estrada só se justifica pelo carácter aleatório do trânsito).
Segmentável pelo espaçamento, sempre comutável, enxertável cada segmento noutro
contexto como citação27, tais
regras muito finas e complexas só têm sentido por, justamente sendo repetição, induzirem sempre alteração na resposta ao que veio a
suscitá-la. Mesmo quando o poeta contemporâneo transgride tal ou tal regra
sintáctica e/ou semântica (assim a ‘metáfora viva’ de Ricœur), tal transgressão
não é alteração da regra, só se entende enquanto referida a ela, como quando se
diz que “a excepção confirma a regra”. Repetição e alteridade :
iterabilidade28.
22. O movimento de escrit-ura ou de
leit-ura é pois uma inscrição, inscreve à mão, traça deixando marcas,
vestígios : as letras no papel, os traços mnemónicos no cérebro29. Só os vestígios ou marcas nos são dados, o ‘movimento’ da trace
ou différance nunca se dá como tal, nem
‘presente’ em si nem no passado que passou, mas também não ‘ausente’, pois que
traça, tem efeitos : não é pois ‘causa’ em sentido físico (nem ‘physico’,
da Physica de Aristóteles), não é nada de substancial, é ‘nada’ que deixa
rastos, e que rapta aquele que a Filosofia pensou como ‘causa’ do pensamento.
‘Coisas’, isto é, diferenças entre sons que não são ‘coisas’, capazes de
durarem séculos, como a língua portuguesa ou a basca por aldeias de
analfabetos, ou o mirandês. Não são coisas de grande espanto ?
23. Há pois, Heidegger também o marcou,
como se sabe, um privilégio da escuta, por onde a linguagem dos Outros nos vem,
antes mesmo de haver voz para responder. Observe-se um bébé em seu berço, que
faz uns poucos sons iguais em todos os bébés de todo o lado, que não é ainda
voz. Ele ouve vozes diferentes : da mãe e do pai, da avó mais velhinha ou
do irmão que já vai à escola, cada um com seu timbre, uns mais agudos, outros
mais roucos, mas ele não vai imitar nenhuma dessa vozes, empiricamente todas diferentes
umas das outras e da que ele terá, o bébé. Cada um de nós ouve vozes diferentes
e entende nelas as mesmas
palavras que repetirá. A tal iterabilidade : ouvem-se vozes (diferentes),
entendem-se diferenças sonoras (repetidas : as mesmas), o que Saussure
chamou significante. Esta diferença essencial entre sons e significantes (na
língua não há sons, só nas falas ; nas línguas apenas as suas diferenças)30, o mestre de Paris e Genebra não soube
tematizá-la epistemologicamente, não tinha filosofia disponível para isso.
Derrida fê-lo através da ‘epochê’ de Husserl, deslocando esta das idealidades
geométricas ou científicas para aqui : redução dos sons ouvidos,
empíricos, do Mundo, para ressalvar o ser-ouvido fenomenal ou estrutural, as
diferenças (mesmas) entre os sons reduzidos. ‘Transcendental’ em Husserl,
Derrida chamar-lhe-ia mais tarde “quase-transcendental” : apagou, rasurou o
‘transcendental’ após ter passado por ele, após lhe ter permitido os efeitos de
suspensão ou redução do empírico, evitando assim que o ‘sujeito’ falante (que
no caso é escutante) se torne fundamento, como na tradição europeia ocorreu.
Ora bem, é esta diferença quase-transcendental que o bébé entende nos sons que
ouve, como nós todos constantemente, é ela que traçará a sua voz, ‘trace’
(re)produtora duma voz que antes não existia no mundo. Radicalidade desta
iterabilidade que ao repetir altera, inventa uma nova voz.
24. O ‘movimento’ pois vem mas não é
causado : nem pelos pulmões e gargantas e bocas que soam, nem pelas mãos
que riscam, nem pela biologia cerebral, nem pelos usos de habitação da
sociedade que fala para os dizer, as receitas desses usos, nem pelo pensamento
ou razão de qualquer habitante mais sábio ou melhor lembrado. Não há sociedade
humana habitante que não tenha já esses usos e a respectiva linguagem :
que haja diferenças tais, de sociedade para sociedade, que um estrangeiro não
entenda e se confunda do que vê e ouve, eis um argumento – clássico desde os
Gregos – para dizer, não que as línguas são convenções (reuniões de
não-falantes, (con)vindo de áreas diferentes, que acordariam que tal som seria
para tal coisa, e tal outro para tal humano, … que caricatura !), mas sim
que elas são imotivadas,
sem motivo ou causa outra do que o próprio jogo se reproduzir : inscrições
sem origem, pois que sempre-já repetições. Paradoxo duma repetição
originária, que
obriga a abandonar o conceito clássico de ‘repetição’ de um singular original,
bem como o de origem simples. Não há origem que não seja mítica, não há língua
que não seja a dos nossos Mortos.
O texto como dom de muitos
25. Jogo sem motivo pois31, mas motivador de movimentos : que
nos raptam, arrastam, nunca largámos esse nosso motivo inicial. Rapto é tema de
romances de aventuras e de estratégias, de enredos e de ‘suspenses’ : também
assim a escrit-ura e a leit-ura. O que escreve é con-sciente, ciente do ‘seu’ discurso, do que ‘quer dizer’, das suas
‘intenções’. Mas aquilo que se escreve, o texto que o leva e transporta, transborda esse
seu saber que o guia como um fio (pre)meditado, surpreende-o por vezes,
denega-o outras, traz-lhe motivos não previstos, impõe-lhe até continuações que
contra-dizem o que pre-tendia in-tender, e quanto bem isso não é, ventura das
maiores destas paixões de escrever. Estratégia calculada do discurso, única maneira de começar em
qualquer frase, quantas vezes um texto não espera até que essa frase de
arranque venha e traga outras por arrasto – seja um texto de paixão – já que
começo absolutamente necessário não há, a filosofia bem o sabe que tanto o
buscou, a archê,
o fundamento, o princípio, sempre sem êxito, sem saída (aporia : beco sem
saída). Errância do texto que se escreve, sem que se possa opôr necessidade ou regras a
aleatório ou acaso : destinerrância, escreveu e disse Derrida32. E o segredo será : nada – do que
à pena ou à fala vem – vem sem relação de diferença ao que já veio e/ou virá
depois, esta con-temporização é inerente ao jogo diferencial que é o texto, e
nenhum escritor pode saber alguma vez dela, da inextricável rêde de que os vários
sintagmas da escrita entre si são tecidos. Para que o discurso do escritor, o fio que vai
levando a candeia que vai à frente e alumia duas vezes, possa puxar pela
escrita, é necessário que se desatente do que ficou para trás e do que ainda
demorará algumas frases a vir, tem que atentar na frase que está escrevendo (ou
dizendo), nem na anterior nem na posterior, não pode atentar – não há atenção possível, nem
tento para isso – no texto
que assim se
faz, que o (en)leva e o transporta, quase como um barco leva o piloto que o
conduz, atento à procela que se levantou. O i-motivado motiva, diz e faz
simultaneamente. (Re)produz texto, ao mesmo tempo estrutura significante,
sentidos, forças e ‘realidade dita’, pensar e conhecer, verdade e ficção, e
tudo vem dos
Antepassados (ainda que vivos ainda, ou estrangeiros traduzidos) como dom, sem
causa, politeista, inter-texto, dir-se-á : não se fala sem antes ouvir,
não se escreve sem antes ler que a força de pensar também de outrem nos vem. E
a outrem irá depois, é a esperança de quem escreve ou diz. Como a dos pais que
falam ao bébé na expectativa de que ele venha a falar, dos professores que
ensinam na de que os alunos aprendam : que haverá neste mundo que melhor
mereça ser dito ‘esperança’ ? Ou promessa.
8 Essais
et Conférences, 1958, Gallimard, pp. 234-245.
9 De
la grammatologie, Minuit, 1967, p. 410.
10 Um pharmakon, uma droga,
remédio (para a memória) e veneno (a memória descansa na repetição garantida).
11 Curso de Linguística
Geral,
[1916], trad. de José Victor Adragão, Sá da Costa, 1976, p. 202.
12 De la Grammatologie, p. 69, cf.
também a p. 88.
13 Há regras ‘ausentes’ do
que presentemente se ‘lê’. Por exemplo, quando leio a palavra ‘ler’, conto
também com as palavras ‘ver’, ‘ter’, ‘ser’, ‘lar’, ‘lei’, que são
diferentes ; conto com elas – sem pensar nelas, é claro – no sentido em
que ‘ler’ é muito próxima (uma só letra diferente) mas não é nenhuma delas.
Igualmente, quando leio ‘bem’ conto com ‘mal’, que não está necessariamente lá,
mas que dá sentido à palavra ‘bem’. O mesmo se passa com o discurso oral, agora
não em torno do ‘ver’ mas do ‘ouvir’ (se ouço os sons duma fala russa, não os
entendo sem aprender a língua, onde não há senão diferenças). É o motivo
linguístico de paradigma que se joga nesta ‘ausência’, como Saussure teorizou (Curso
de Linguística Geral, p. 211-3).
14 Além de ‘alma’ e
‘corpo’, ‘ideias’, ‘matéria’, ‘sujeito’, consciência’, ‘experiência’,
‘percepção’, quantos motivos pensados como prévios à linguagem, como lhe sendo
exteriores e condição dela. O sintoma mais óbvio : a linguagem não fazia
parte do léxico filosófico europeu.
15 Derrida, « Ousia e
grammê », sobre Heidegger, in Margens. Da Filosofia, ed. Rés.
16 Em rigor, não há o que
os Europeus inventaram como ‘ideia’, se esta é algo ‘em si’, fora destes jogos
da linguagem (5.7-9).
17 Ver o motivo do
Zeit – Spiel – Raum, tempo – jogo – espaço, em Heidegger, Le principe de
raison,
Gallimard, 1962, p. 150.
18 Com a linguagem
também os outros usos da nossa tribo, os mesmos para todos. É a raiz do que os
sociólogos chamam socialização dos indivíduos.
19 Mas não
estrangeiros : os que não têm a mesma lei, são de outra tribo.
20 Por isso também,
a dissimulação nos é estrutural, como, a partir de François Flahault, tentei
dizer em A Conversa, linguagem do quotidiano, Presença, 1991 (ver 6.
10).
21 Sobre
esta questão, ver o último texto de Derrida em Margens. Da Filosofia.
22 Essais
et conférences, pp. 186-7.
23 Como o retrato
da Amália é a Amália, não apenas riscos e cores, como o mapa de
Portugal é
Portugal e não desenhos arbitrários.
24 Uma das
possibilidades, que não há que opôr a outras : a de pintar, de trabalhar,
de ouvir música ou de fazer amor, que sei eu.
25 A tripla
estrutura existenciária do Dasein em Ser e Tempo (§§ 29-34), a
saber o ser-se (estar-se) afectado pelo mundo, a (pré)compreensão e a
interpretação discursiva da situação, implica o que estamos dizendo :
embora não tematizado assim, só pode haver distinção entre as duas primeiras e
a terceira devido justamente a esta diferença introduzida pelo jogo de
diferenças da linguagem.
26 Acheminement
vers la parole, Gallimard, 1976, pp. 14-15.
27 Ver o § 9 do
cap. “Ciências das línguas e dos textos”, Filosofia e Ciências da Linguagem, Colibri, 1993.
28 Marges, p. 375. “Iter :
repetir outra vez” (mesmo e alteridade) ; caminho, em latim (repetição dos
passos, leva do mesmo ao outro) ; ‘outro’, em sânscrito.
29 Os grafos de
J.-P. Changeux, O homem neuronal, [1983], D. Quixote. Ver o cap. “Biologia
e Linguagem” de Filosofia e Ciências da Linguagem, Colibri, 1993.
30 Tratei desta
questão sistematicamente em Epistemologia do sentido. Entre Filosofia e
Poesia, a questão semântica, F. C. Gulbenkian, 1991, I parte.
31 Sem ‘motus’
exterior a ele (‘motus’ é movimento em latim).
32 Ver o cap.
“Psicanálise e Linguagem” de Filosofia e Ciências da Linguagem, Colibri, 1993,
§§ 49-50. “O conceito de jogo anuncia, na véspera e além da filosofia, a
unidade do acaso e da necessidade num cálculo sem fim » (Margens. Da
Filosofia,
p. 9).