1. O espanto dos economistas com
o aumento do desemprego que não cabe nos seus modelos alargados até 20 anos,
faz pensar que será pouco tempo, que deveria ser de 200 anos, isto é, deveriam
repensar a economia em termos de história da civilização. O que está a ser
vivido como flagelo intolerável poderá então aparecer como promessa, nessa
perspectiva positiva ser possível encontrar outras medidas.
2. Dois textos
estarão na base do pensamento ocidental sobre a sociedade: o livro bíblico do
Deuteronómio e a República de Platão, bem diferentes entre si mas ambos
reformadores por motivos de justiça social e com base numa ética de solidariedade
exigente; o primeiro com uma ‘promessa’ de abundância como resposta a essa
solidariedade, as utopias do segundo só nos dois últimos séculos ecoaram e
fracassaram, como o povo israelita também tinha sido incapaz do que lhe fora
proposto pelos seus profetas.
3. No entanto, por
outras vias históricas, o século XVIII reformulou este motivo da promessa, ao
inventar a máquina como abundância social e ligeireza de vida, como possibilidades imensas de
produção de coisas ‘impossíveis’ até aí e como substituição da pena que o
trabalho sempre representou para os humanos por uma energia inédita, não mais
biológica dos músculos humanos e dos animais domésticos, reelaborada da que a
terra e o céu nos fornecem. [Ora, esta promessa da ligeireza de vida destinava-se
apenas aos que até aí se sujeitavam, como escravos e criados, ao ‘servil’ de
que os nobres se abstinham: foi a burguesia, nem aristocrata nem popular, quem
esteve em condições (únicas na Europa, nem na China nem na Índia nem no Islão
havendo classe equivalente) dessa invenção por razões filosóficas que agora não
vêm ao caso].
4. O que é que
espanta os economistas? É difícil escapar à ideia de que o desemprego que
grassa desde os anos 70, na Europa pelo menos, é o fruto do enorme progresso da
automatização electrónica, das economias de trabalho humano trazidas pelos
robôs e pelos computadores. Enquanto que no após guerra a produção de bens baratos,
automóveis, electrodomésticos, apartamentos em betão armado, se dirigia à
população que os produzia e recebia também a sua parte, os seus salários de
produtores sendo o seu orçamento de consumidores. E foi isso que permitiu a
expansão das classes médias, como se diz, os trabalhadores de escritório e de
outros serviços, toda a gente lucrou com isso. Ora bem, a vaga electrónica actual
atingiu sobretudo o trabalho humano, o dos operários e dos escritórios. E eis
o escândalo: este cumprimento parcial mas fulgurante da promessa da máquina –
não em recessão, mas com aumento dos bens produzidos, dos PIB – foi feito não como libertação,
como redução substancial do tempo de trabalho, quantas vezes tão monótono e
embrutecedor, mas como catástrofe social, como exclusão de partes
significativas da população activa desses frutos tão esperados. O que me
espanta a mim é que não apareça nas discussões que andam em torno deste flagelo
a parte de promessa que nele se esconde; quantificar não apenas os números das
dívidas e do crescimento dos lucros, mas também o modelo da diminuição das
horas de trabalho, que dê para repartir salários para todos: há matéria em
França desde 1995 para se perceber as possibilidades e dificuldades dessa via.
Economistas, ao trabalho!
Público, 6 de Junho 2012, excepto [ ]