1. O problema do desemprego não é
apenas económico, custos, descontos, subsídios, sustentabilidade. É antes
disso, chaga maior das sociedades, um problema politico que tem a ver com o
direito à vida de cidadãos, iguais a todos os outros perante a Lei, com o mesmo
peso de voto em eleições. Esta consideração sobrepõe-se à primeira e é tida em
conta na Constituição que propõe o pleno emprego (art. 58). Mas não passa dum
desejo piedoso pela simples razão do discurso económico ser determinado por uma
metáfora fatal que se impõe como uma evidência, tipo “não há dinheiro, qual
destas palavras não compreende”? (Vítor Gaspar, ao tempo de ministro). Ora, a
palavra que eu não compreendo é ‘crescimento económico’, quando ela é usada por
toda a gente, à direita como à esquerda como condição essencial para criar
emprego.
2. Nascer e crescer são as
manifestações mais aparatosas da espantosa propriedade dos vivos que é a
fecundidade, a generosidade da vida, o que os Latinos chamaram natura, de nascer, e os Gregos phusis, de phuô, crescer. Foi o que provocou o espanto dos seus pensadores, como do menos
resulta o mais, que Aristóteles teorizou com a noção de ousia, substância e essência, dando assim o
conhecimento de que a Europa se fez. É que tudo nasce pequenino e frágil
(semente, ovo, embrião, bebé), arriscado, e depois crescem (livremente as
plantas, os animais em proporção harmoniosa dos seus órgãos) até ganharem uma
dimensão adulta, muito variável com as espécies (ervas, arbustos, árvores, animais
sem e com vértebras) e nas mais complexas também com os indivíduos, mais altos
ou baixos, fortes ou magros. O crescimento chega aos seus limites em extensão,
nos humanos foi tempo de aprender os usos sociais, em seguida passa a ser de
maturidade, densidade, para se exercer como adulto, ganhando experiência,
conhecimento do mundo.
3. Do ponto de vista do crescimento
social, nós Europeus temos duas tradições diferentes. A romana é um princípio
antropológico de expansão e de
conquista, é o princípio imperial cujas fronteiras dependem apenas da
capacidade dos exércitos; também os princípios civis, o direito, a cidadania e
a língua se estenderam aos povos bárbaros ocupados, os nossos antepassados
lusitanos perderam a sua língua substituída pelo latim. A tradição grega é
inversa, é um princípio antropológico de restrição às cidades, ‘naturais’ (Aristóteles contra
Platão), cada cidadão grego era estrangeiro (meteca) nas outras cidades, sem
Estado grego, criando no exterior colónias de cidadãos gregos que imitam a
metrópole (Mileto, Éfeso, Siracusa), a sua língua vingou até hoje, apesar duma
longa sujeição ao império otomano. Mas fecundou os bárbaros que não falavam
grego, a começar pelos Romanos, com a cultura que resultou justamente desse
princípio antropológico de restrição: duas invenções deles foram decisivas para
a nossa modernidade: uma, juntamente com a do laboratório de Galileu, Newton e
outros, foi a da definição,
que estabelece limites a um só
sentido essencial das palavras com que se argumenta, essências sem contexto nem
tempo nem lugar nem sujeito, é aquilo a que chamamos razão. A outra, a democracia, foi o estabelecer limites políticos de razão à expansão das casas ricas em detrimento
das pobres, cada uma tinha um voto na assembleia.
4. A terra, planeta de rochas, mares
e atmosfera, de minerais inertes, não cresce; ora é de minerais que são
constituídas as tecnologias, que têm assim os limites ecológicos de serem recursos da terra. Natureza de vivos tem como regra primeira a
alimentação deles, as sociedades humanas têm como primeiro dever ecológico
assegurar a alimentação dos seus cidadãos, os salários, o pleno emprego e o
estado social, hoje também a preservação do ambiente dos vivos. Estas duas
vertentes, a técnica dos engenheiros e os mercados dos economistas, ditam os
limites ecológicos e sociais: se se entender o emprego como questão ecológica
(à maneira da encíclica de Francisco), digamos que a economia e a ecologia
deveriam fundir-se numa só ciência ‘eco’, a do crescimento económico e dos seus
limites, uma economilogia.
5. Onde é que está o problema? É na
metáfora do crescimento quando utiliza os números. Estes servem para medir e
contar, o tamanho dum garoto, 70 ou 90 cm, a idade, 4 ou 5 anos: é o garoto que
cresce, uns números são maiores do que outros, mas nenhum cresce. E não têm
limites, desde o zero ao oito deitado sem fim, como tem o crescimento, cujos
limites são os daquilo que os números contam ou medem, vêm-lhes de fora, donde
também vem o querer sempre números maiores. E como a economia só se conhece através
de números, tratados metaforicamente, foi na sua vertente financeira, regulada
por Roosevelt na crise dos anos 30 e desregulada por Reagan quando acelerou a
electrónica e o respectivo desemprego (operários e escriturários), que a coisa
se agravou com as novas velocidades: perdeu a sua relação às economias concretas
e jogou a fundo com a busca de números maiores, com a cumplicidade dos actores
sociais, especuladores e economistas, políticos e jornalistas, de todos os que
se fascinam com números grandes ligados a dólares ou euros. Os números
crescem nas imaginações, numa metáfora que serve de evidência ao paradigma
dominante. Como também ‘crescem’
as coisas negativas, o desemprego, a pobreza, as desigualdades. Que serão ‘resolvidas’
com o crescimento da economia, dizem, sabendo ou não que nunca se chega ao
patamar em que se acha que se cresceu, enfim. É esse o logro.
6. Se se partilhassem os empregos que há pelos que
não o têm e se se levasse a sério as alterações climáticas, diminuiria
eventualmente o PIB, aumentaria o emprego e a sustentabilidade das actividades
humanas. As contas a fazer serão complicadas, mas para que é que serve a ciência
ecologinomia (ou economilogia)?
Público 15 de Julho 2015
Sem comentários:
Enviar um comentário