Deus, não se o pode provar, mas obsta ao
pensar fenomenológico[1]
Inumeráveis são todavia os que foram
provados por Deus na história
1. Que o Deus do Ocidente, meio grego, meio hebreu, tenha ‘morrido’,
como Nietzsche anunciou, isto é, que o Ocidente se tenha secularizado, não quer
dizer que a fé cristã tenha desaparecido, que só alguns atrasados se reclamem
dela. A história levaria a pensar que, pelo contrário, as épocas de relativismo
como a nossa são propícias à eclosão de afirmações espirituais. Quem não
conhece crentes bastante cultos? As igrejas modernizaram-se em assembleias,
minoritárias sem dúvida, de pessoas de fé pessoal e convicta, abundam grupos
carismáticos, e parece que a maior parte dos Ocidentais secularizados, sem
frequentarem as igrejas senão esporadicamente, guardam no entanto uma espécie
de crença vaga em Alguém que governa este mundo: sendo parte de nossa herança
cultural, não será fácil de desaparecer, ainda que tenha perdido a sua relação
antiga, enquanto religião holística, aos usos sociais. Tratar-se-á aqui de
tentar colocar os aspectos intelectuais e espirituais da questão de Deus, para
além do fim do monoteísmo como religião do Ocidente. A modernidade mudou, revolucionou
o contexto tradicional desta questão, o das sociedades dominantemente agrícolas
(em que parentesco e economia faziam uma unidade social, a casa), e é esse o problema capital: como qualquer outra questão, esta
não é abordável senão num contexto que dê sentido à argumentação. O que torna
em regra diálogo de surdos os debates entre crentes e ateus, é justamente a
diferença dos contextos que suportam os argumentos, a diferença dos paradigmas,
o que se pode chamar o princípio moderno da relatividade. Já que os contextos são históricos, uns e outros têm antepassados
comuns, pode-se esperar que, por difícil que seja de diagnosticar, haja algo do
contexto da modernidade que trabalha os discursos contemporâneos que permita
abordar a questão.
Deus, não se o pode provar, mas obsta ao
pensar fenomenológico
2. Pode-se provar Deus, a sua existência?
Pode-se pensá-lo? Duas vias do pensamento ocidental alternaram na resposta a
esta questão, segundo a maneira do pensar que se desdobrou a partir da definição
como determinação em relação à phusis[2], a Terra de Heidegger. Por um lado, a tentativa de responder ao
espanto diante da própria força da experiência de pensar[3] levaria a privilegiar a eternidade,
a colocar o acento na fonte do próprio pensar, as Formas ideais de Platão: os
entes vivos e as coisas são determinados, delimitados por elas, permanecendo
separados delas da distância que há entre o céu e a terra. Pelo outro lado,
responder ao espanto diante das regularidades que se repetem na terra em seres
tão diferentes em sua contingência de nascer, crescer se alimentando e morrer,
privilegiaria o conhecimento da reprodução incessante
em seus ciclos, acentuando a possibilidade de pensar a autonomia relativa da phusis nos seus motivos (a causalidade de Aristóteles em seus quatro
sentidos), segundo o outro sentido filosófico da palavra determinação: não já
separação, retorno às próprias coisas. A questão posta por esta segunda via
será a da ligação desta causalidade, desta motivação do movimento dos vivos com
o Primeiro Motor imóvel postulado. Foi aonde Tomás de Aquino foi buscar as suas
célebres cinco maneiras de demonstrar a existência do Deus cristão. Digamos, de
forma breve, que se tem aqui uma maneira ‘afirmativa’ de pensar Deus, dita por
‘analogia’, a dificuldade maior sendo a de poder garantir a validade da
causalidade do campo do sensível quando ela se desloca para o mundo
inteligível, da ‘criação’ metafísica. E ter-se-ia na primeira via o que se
chama a ‘teologia negativa’, que negaria de cada predicado terrestre quando
atribuído ao Deus celeste a ‘determinação’ que o opõe ao seu contrário: se Deus
é o princípio das Formas ideais eternas que permitem atribuir predicados aos
entes terrestres, ele não poderia ser passível dessa determinação entendida,
quer como definição – ele é infinito –, quer como causalidade – ele é
ab-soluto, sem laços, não é senão por ele, ‘causa sui’, não causado por outrem.
Autarcia total, incognoscível da terra: Outro sem medida com os humanos que o
pensam, donde recebem o pensamento.
3. Na terminologia da tradição, idealismo e
realismo nomeariam estas duas vias: dos dois pensadores que mais terão
contribuído para a construção do edifício da teologia medieval e européia, Agostinho
relevaria do primeiro através de Plotino, Tomás d’Aquino sobretudo do segundo
mas deixando aberto um lugar no seu sistema ‘afirmativo’ para a via negativa,
já que a ideia cristã de criação e a manutenção da imortalidade da alma (contra
Aristóteles) impedem de separar nitidamente as duas vias[4]. Com efeito, a dimensão inteligível da alma coloca-a do lado de
Deus, em relação ao corpo de que é a forma, e a relação alma / Deus do (neo)
platonismo é fortemente reforçada pela trilogia das virtudes teologais, fé,
esperança e amor, na sua relação à revelação divina. Por outro lado, o Deus
hebraico-cristão só pode ‘intervir’ na história dos humanos, ao invés da
autarcia do Primeiro Motor e do Um plotiniano, porque já lá está, cada ente
sendo criado e conservado na existência por ele (com a ajuda da providência
estóica). Será esta dimensão ‘criadora e conservadora’ do Deus europeu que as
filosofias clássicas (Descartes, Malebranche, Berkeley, Leibniz) valorizarão
muito fortemente, exarcebando a oposição alma / corpo como interior / exterior,
para quebrar a sintaxe dos quatro sentidos da causalidade aristotélica.
4. A grande questão da filosofia, tanto entre
Gregos como entre Europeus
clássicos, é a da contingência de cada
ente terrestre ou sublunar, nenhum tendo em si a sua razão de ser, pois começa
e terá fim, é finito. O seu conhecimento,
filosófico ou científico, implicará sempre saber o que o causou (causa sive
ratio, causa igual a razão, dirá Descartes). Deus
foi assim concebido como Causa (aition) das
coisas pelo platonismo como pelo aristotelismo: através das Formas ideais
eternas no primeiro, criador directo pelos augustinianos, como Occam, Lutero e
os clássicos nomeados acima, Causa primeira e final em Aristóteles e no
tomismo, sublinhando a autonomia relativa das ‘causas segundas’ da phusis. Ora os quatro sentidos da causalidade são, na Physica de Aristóteles, indissociáveis dos quatro sentidos de ousia (donde lhes vem aliás a quadruplicidade) e, quaisquer que tenham
sido as infidelidades do Aquino em relação ao Estagirita, são esses quatro
sentidos que são afastados pela nova Física européia, a de Galileu, Newton[5] e Kant. Duma forma muito grosseira, poder-se-á dizer que a redução
cartesiana desta quadruplicidade unicamente à causa eficiente vai permitir que
esta, em Física, seja equivalente à noção de ‘força’, oposta ao que resta de
‘substância’, como sugere aliás a maneira como Newton terá guardado Deus na sua
astrofísica, a ‘força’, digamos, que colocou na respectiva órbita os planetas
do sistema solar, já que as suas equações e medições apenas explicavam o
funcionamento do sistema, não a sua constituição. Ora, estas medições e
equações laboratoriais operam uma redução da ‘substância empírica’ dos
elementos que são medidos: não o espaço mas diferenças (distâncias entre
lugares), não o tempo nem a massa mas diferenças de tempo (entre momentos) e de
massa, e por aí fora. É esta des-substancialização da Física, integrada por
Kant como matriz da sua Metafísica (J. Vuillemin[6]), que implicará o seu agnosticismo (da razão pura) em relação a
Deus, à Alma e ao Mundo das coisas-em-si (as ‘substâncias’ aristotélicas), isto
é, em relação ao que releva apenas da razão prática, o que diz respeito ao que
está fora do laboratório). Este agnosticismo filosófico, antepassado da
secularização duma civilização moderna em que a Física será a rainha das
ciências, resulta da substituição da Physica aristotélica por este seu rebento
rebelde, que despediu por razões ‘mecânicas’ o par causa / substância (ousia) da antiga phusis. Tratou-se da mais
célebre revolução epistémica, de mudança de paradigmas, e em conseqüência do
contexto dos problemas filosóficos: duma ontobiologia de seres autónomos à
ontofísica de seres inertes, excluindo os vivos e
os humanos[7]. Estes ocupam o lugar exterior do ‘sujeito’ (oposto ao ‘objecto’,
incluindo o seu corpo), que é um sucedâneo da alma, posto em questão por
Darwin, Marx e Freud. Esta revolução do paradigma científico e filosófico faz
parte da revolução global da modernidade, isto é
da transformação das sociedades de casas em
sociedades em que as unidades sociais se estruturam segundo duas redes, a das
instituições (onde os empregos, a economia) e a
das famílias (onde o parentesco). A contingência,
perdida a semelhança divina das almas e reconhecida a historicidade de todas as
coisas, do céu e da terra, tornar-se-á relatividade e finitude, como Heidegger
mostrará em Ser e tempo. Exit assim o Absoluto,
aquele que ocupava sozinho – mono – o lugar causal da antiga barak ou moïra (bênção, sorte, destino) e
polarizara o Bem (Platão e Bíblia), excluindo o mal.
5. Permita-se-me uma digressão recapituladora. A dunamis (potência) de Aristóteles efectua-se (por via acidental) como energeia
(acto, en-ergon, em
obra) pelo poder (arché) escondido da phusis (Heidegger)[8], efectua-se portanto por si mesma (kath’auto), ainda que pedindo actuação de outrem como causa eficiente:
trata-se do sempre surpreendente fenômeno do crescimento. Tomás de Aquino,
segundo E. Gilson[9], compreende a ‘criação’ da ‘existência’ dos entes como energeia, acto divino, de que a respectiva essência (dunamis) não dispõe, abrindo assim neste dispositivo aristotélico (que
despojou do ‘movimento’, reduzido a acidente) o lugar para o Deus cristão
criador: o poder de ‘dentro’ da natureza é ‘activado’ pela criação, sem anular
todavia o jogo acidental das mudanças, respeitando assim a unidade hilemórfica
alma / corpo. É assim que a matéria (a hylê) é
enobrecida e oferecida à Europa, tanto em teologia como em filosofia, sem o quê
o laboratório seria impossível (forte razão para os Gregos não o terem
inventado). Mas esta novidade contém um obstáculo que Galileu e Newton
diagnosticaram: a inércia é a negação desse poder kath’auto, dessa ‘substância’. Na épochê de
Husserl, em sequência de Kant, é esta existência empírica substancial dos
objectos do Mundo que é suspensa, guardadas as idealidades de que se ocupam as
ciências. Heidegger radicaliza este movimento mas noutra direcção[10]: tomando o tempo no sentido do kairos, do acontecimento propício do novo Testamento, ele ‘destroi’ a
substância, anulando a sua oposição ao tempo-acidente: o Ereignis[11] dá ser e tempo aos entes. Este Nada de acontecimento que dá os
acontecimentos permitirá compreender
filosoficamente o que chamarei adiante ben(mal)dição: aí não há já lugar para
Deus, a sua figura tendo sido desconstruida após ter permitido a modernidade.
6. Na linhagem teológica augustiniana, Anselmo
de Cantorbery (1033-1109) parece ter querido prevenir esta possibilidade moderna,
forjando um argumento que não joga directamente sobre a causalidade, que seja
válido a partir apenas da ideia do Ser mais perfeito que se possa conceber, cuja existência portanto terá que ser uma componente necessária
dessa perfeição última. O aristotelismo de Tomás de Aquino opõe a este
argumento a diferença irredutível entre um possível concebido pela inteligência
humana (uma ideia) e a sua existência real[12], enquanto que Kant, que está de acordo com esta contestação, uma
vez que o contexto histórico mudou, relacionará os dois argumentos um com o
outro, aquele a que chama argumento ontológico, o de Anselmo, e os do tomismo,
ditos cosmológicos e físico–teológicos: segundo a sua crítica, estes supõem
aquele. Isto porque os raciocínios de analogia, para conseguirem o ‘salto’ do
sensível ao inteligível perfeito, têm que pressupor a existência deste. Com
efeito, parece que é isso que se passa na argumentação da Summa Theologica (I, II, 3), em que os cinco argumentos dizem o ‘salto’ que
conseguiram por estas fórmulas: “e isto todos entendem, nomeiam, dizem Deus” e
“e isto nós dizemos Deus”, em que ‘todos’ e ‘nós’ designam (os habitantes d)o
contexto monoteísta enquanto assentimento ou consenso como necessário ao
próprio alcance dos argumentos[13]. Ora, esse contexto tornou-se obsoleto na nossa civilização moderna
enquanto tal, podendo dizer-se que o agnosticismo de Kant a antecipa: qualquer
argumento ‘afirmativo’ da razão, dependendo sempre da analogia da causalidade
sublunar, é inadequado para provar o que a transcende radicalmente[14]. O que implica aliás que não se possa provar tão pouco a não
existência de Deus.
7. É por essa razão que um pensamento moderno (que não pode deixar
de ter uma qualquer aliança com as ciências europeias, já que elas penetram as
nossas instituições e os nossos discursos constituídos no liceu) não pode fazer
intervir Deus na sua argumentação sem correr o risco de se perderem essas redescobertas
preciosas que são a relatividade e a finitude, o belo fruto do retorno
europeu à contingência grega num contexto bem diferente, pós-copérnico, que tenta desconstruir a separação mais velha de todas, a do
inteligível e do sensível, da alma e do corpo, do céu e da terra, do sujeito e
do objecto. Nietzsche compreendeu-o, depois de Kant, Heidegger é o principal
filósofo desta questão no século XX, o seu retorno aos Gregos desenhou a matriz
filosófica do acabamento da nossa modernidade: já não um Ente supremo criador
no lugar do Ser enquanto doações sem fim (a ontoteologia), nem substância nem
eternidade, não mais absoluto, nem causalidade determinista, apenas o jogo
universal sem origem nem fim, sem essências nem substâncias, apenas, digamos,
as oscilações infindas entre repetições quase estruturais e os acontecimentos
(imotivados) entre elas. Deus não foi, como se costumava dizer, o ‘tapa
buracos’ das causas necessárias que as ciências vinham substituir: explicação
bem coxa que substitui um determinismo por outro[15]. Haverá antes que buscar a resposta do lado duma anomalia teológica
que ‘motivou o imotivado’, que fez do dom, da ‘graça’ bíblica, uma ‘causa’
filosófica, esta anomalia tendo parido essa verdadeira monstruosidade que é a
predestinação augustiniana. Ou seja, se houvesse qualquer ‘buraco a tapar’, era
do lado do imotivado, do aleatório, dos acontecimentos: Deus terá sido o que
impede a contingência, o acaso, o sem porquê da rosa[16], sem causa, sem razão necessária, ele foi o primeiro (motor) e o
último, aquele que impede o jogo, a multiplicidade dos dons, a ben(mal)dição da
Terra em sua pujança de vida mortal. Fosse na alma dos pensadores e dos
crentes, na destino pessoal de cada humano, ou na disseminação incessante do
jogo (cruel) da natureza e da história, na existência substancial e efémera,
contingente, finita, de cada ente, vivo ou não, Deus era sempre a arché, o fundamento, o primeiro princípio. Questão sintoma poderia ser a
de saber se se pode colocar Deus sem o corolário intolerável da predestinação,
sem esta ambigüidade entre ‘graça’ e ‘causa’ que fez de Deus um personagem
omnipotentemente arbitrário: mono – causa – primeira de todos os dons, de toda
a ben(mal)dição, do necessário mas sobretudo do aleatório, apagando esta
oposição na homogeneidade do Um-Só, da Causa necessária que não joga aos dados.
Deus ‘quereria’ de antemão, de sua vontade omnipotente e omnisciente, a morte
de qualquer vítima de acidente ou doença prematura. Ora, o que Heidegger nos
deu a pensar no seu motivo de retiro da doação
do Ser (phusis, Terra), e em 1962, do Ereignis, que Derrida buscou de maneira diferente (o motivo de
destinerrância, por exemplo), foi a desconstrução da oposição ontológica entre
a necessidade e o acaso.
8. Com efeito, o que há que pensar é o motivo
do jogo: “o conceito de jogo [...] anuncia, na
véspera e além da filosofia, a unidade do acaso e da necessidade num cálculo
sem fim”[17]. Seja um exemplo de ordem técnica familiar. Um automóvel é estudado
em laboratório na minúcia rigorosa de todas as suas peças, segundo a necessidade
das leis físicas e químicas, mas a concepção teórica que guia o conjunto é a da
sua capacidade de responder em cada momento ao aleatório do trânsito: as
regras de detalhe visam, a um nível global, o aleatório estrutural da
circulação. O mesmo, em bem mais complexo, se passa
com as leis bioquímicas de qualquer animal estudadas fragmentariamente em laboratório
para compreender como é que o conjunto consegue reproduzir-se a si e à espécie
numa cena ecológica em que há que buscar o alimento aleatoriamente e escapar
igualmente de ser alimento dos outros (se a hormona da fome nos empurra
‘necessariamente’ para comer, ela não indica todavia qual o menu). Se a
ideia de Deus é esta separação entre necessidade e aleatório, ela permanece,
juntamente com a oposição interior / exterior[18] (alma / corpo, mundo, sujeito / objecto) o obstáculo por
excelência ao pensamento fenomenológico.
9. Ora bem, sem esta unidade do acaso e da necessidade, das regras e
do aleatório, não se poderia compreender o que se chama o problema do mal ou da
violência, desde o início do pensamento grego colocado como objecção à
omnipotência e à bondade divinas. O aleatório não é acidental nem conjuntural,
é estrutural, a violência também. Duas grandes leis o ilustram. Qualquer
biólogo saberá demonstrar com rigor científico como, sendo o carbono essencial
a qualquer molécula das células dos vegetais e dos animais e, por outro lado,
sendo o número de moléculas de carbono da atmosfera e da biosfera constante, a
vida animal não é possível a não ser que numerosas espécies, ditas herbívoras,
se alimentem de vegetais (que recebem o carbono do CO2 da atmosfera
pela fotossíntese) para fazerem a sua própria substância e em seguida as
outras, ditas carnívoras, os comem a eles, pela mesma preocupação de se
reproduzirem enquanto indivíduos. Esta é a lei da selva, na sua letra biológica. É o desenvolvimento em ferocidade desta
lei, após a invenção precoce da sexualidade, a razão da imensa variedade das
espécies animais, que, mais do que diferenças dos sistemas nutritivos, parece
ser a das astúcias dos predadores e das suas presas, astúcias inscritas pela
evolução nos seus sistemas de adaptação ao aleatório das situações de caça. Às
vezes a situação é-nos apresentada nos documentários, como as leoas caçam as
gazelas: o ‘bem natural’ de umas é o ‘mal natural’ das outras, e se nos
pretendemos defensores dos animais
– defendemos o quê, a fuga das gazelas e a fome das leoas ou a sobrevivência
destas à custa duma daquelas? -, é pelo menos difícil de acreditar num Deus bom
que tenha inventado esta selva infernal.
10. Esta lei da selva é responsável pelos
músculos e os apetites agressivos da espécie humana, como dos outros mamíferos.
E se a invenção da agricultura representou o controle da lei da selva pelos
humanos, não foi sem que antes mesmo, desde os povos ‘selvagens’ segundo Pierre
Clastres[19], até às duas guerras mundiais e às que se lhe sucederam, passando
pelas sociedades monárquicas cujas classes nobres faziam da guerra ofício, se
deva fazer a constatação pelo menos empírica da história dos humanos como
dominada pela lei da guerra: com efeito, o
progresso pode ser medido pela maneira como gradualmente a razão das leis se
foi impondo a esta lei da guerra. Foi da guerra que resultou a primeira grande
chaga da humanidade, a escravatura, que foi admitida tanto pela cultura e pela
filosofia grega como pelo cristianismo europeu. A segunda grande praga foi a
aplicação da lei da guerra à relação da oposição Bem / Mal (Deus / Diabo), o
Bem entendido como a ‘verdade revelada’ oposta às outras crenças ou ideais: a
relação entre verdade e tortura estabelecida pela Inquisição, a instituição do
‘santo ofício’ (como a guerra era o ofício dos nobres)! Esta monstruosa relação
foi retomada pelas polícias dos regimes totalitários de qualquer cor ideológica
que seja. Horror da exterminação sistemática, metódica, burocrática, técnica,
querendo-se exaustiva, do povo judeu, cujos antepassados são também nossos pelo
seu legado, a Bíblia, exterminação que requereu a participação e a cumplicidade
de dezenas de milhar de gentes (“banalidade do mal”) formadas nas escolas da nação
européia que durante o século XIX esteve na vanguarda da cultura humanista, da
nossa filosofia, da nossa música: é a mais forte negação que se possa pensar do
progresso. Se a guerra como batalha de armas parece deixar o seu lugar às
violências dos urbanismos esquecidos e ao crime organizado, das drogas ao terrorismo,
isso permite ver melhor outras guerras: todo o tipo de rivalidades e de
desafios locais e regionais, os desportos sendo os mais vistosos na sua paixão,
e sobretudo, último reduto ‘machista’ sem dúvida, a guerra económica em sua
essencial ‘competitividade’ e o seu cume, a guerra financeira que a crise do
final de 2008 exibiu, com o desencadear dum desemprego massivo que há muito se
não via. Mas é desta guerra também que resultam as poluições que ameaçam o
planeta, a miséria, em números milionários, de tantas populações que foram
‘invadidas’ para a pilhagem dos seus recursos que elas ignoravam, a ‘bêtise’
que os médias e suas publicidades e audiências propagam americanamente e que
veio substituir o moralismo dos pecados mortais e do inferno que laborou
séculos sem fim as populações europeias.
11. Estas duas leis, da selva e da guerra,
pedem controle, sem dúvida, como tarefas humanas – agricultura, uma, busca de
justiça e de paz sempre a prosseguir, a outra –, mas não são um estado de
excepção: são a regra da chamada ‘criação’. À semelhança da lei da selva, que é
condição bioquímica da alimentação e auto-reprodução animal, também a da
guerra resulta, além das forças e energias que da selva vieram aos humanos,
duma condição antropoquímica,
digamos, cujas hormonas desencadeiam ‘envies’ (precisões, desejos, vontades) de
aprender os usos sociais, repetindo os outros, sem as quais ninguém se tornaria
membro adulto da sua tribo; ora estas ‘envies’ de ser como os outros, tão
positivas, correm sempre o risco de se tornarem ‘envies’ de se ser ‘envié’
(invejado) pelos outros, o que está na raiz de toda a emulação e de toda a
rivalidade, da lei da guerra pois. Assim como no caso das leoas e das gazelas,
também aqui não é possível introduzir uma fronteira entre boa e má ‘envie’,
como tenta a educação (a não ser quando já suficientemente amadurecidas) sem o
risco de tolher o próprio dinamismo do crescimento de cada qual. As rebeldias
adolescentes são sempre ambíguas em relação ao bem e ao mal social, como sabe
qualquer educador avisado (necessidade da ‘morte do pai’ para que ele se torne
modelo, explicou Freud).
12. À unidade do acaso e da necessidade
junta-se assim a do bem e do mal, da vida enquanto mortal necessariamente (e
segundo o aleatório): o que acima chamei ben(mal)dição será uma objecção essencial a um Criador ‘bom’, como a história mitológica
parece sublinhar ao ter frequentemente, senão sempre, que lhe acrescentar uma
divindade maléfica compensadora, ou um panteão de deuses rivais, bons e maus
consoante, à imagem dos humanos. A bela conferência de Hans Jonas, Le
Concept de Dieu après Auschwitz. Une voix juive[20], sem se deter sobre
esta segunda objecção, procura responder à primeira à luz da catástrofe da
Shoah: entre bondade, compreensibilidade (o Deus revelador conhece tudo) e
omnipotência, é este terceiro predicado tradicional das tradições judia e
cristã que tem que ser negado, já que os três juntos são insuportáveis. A
potência divina não se pode opor à pujança do universo criado, à autonomia do
seu devir - segundo regras (da matéria, da energia, da vida) e aleatório, como
vimos -, o Deus silencioso em Auschwitz teve que se retirar, deixar-ser o universo[21]; então não será imutável, mas sofredor, afectável, em devir,
preocupado com o risco do não conseguir-se da sua obra, como dizem justamente
os textos antigos da Bíblia hebraica (arrependeu-se de ter criado os humanos,
Gn 6.6-7, sofre por Israel, Is 63.9, etc.)[22]. Jonas modifica a tradição, mesmo bíblica (responde diferentemente
de Job ao silêncio de Deus), mas aproxima-se da tradição da Kabala. Deus permanece
assim dependente do testemunho dos seus Justos, como o comovente extracto do diário
d'Etty Hillesum, morta em Auschwitz: “...uma coisa se torna cada vez mais clara
a meus olhos, a saber, que Vós não nos podeis ajudar, somos nós que devemos
ajudar-Vos a nos ajudar. Ai de nós, não parece de maneira nenhuma que possais
agir Vós mesmos sobre as circunstâncias que nos envolvem, sobre as nossas
vidas. [...] Nós temos que Vos ajudar, temos que defender o Vosso lugar de
habitação em nós até ao fim” (p. 44)[23]. Eis o que nos permitirá passar à segunda parte desta reflexão.
Inumeráveis são todavia os que foram
provados por Deus na história
13. O motivo Deus é assim uma maneira de, na
história ocidental, se ter respondido ao espanto intelectual que levanta a
questão das origens das sociedades humanas e dos outros vivos, bem como do
Universo: questão impossível, já que, segundo Derrida, por onde quer que se
pegue sempre se encontram efeitos da différance,
indecidivelmente repetição com excesso ou diferença (espécie e indivíduo,
língua e fala, e por aí fora): é a repetição que é originária, diz ele, não há
pois ‘origem simples’. Mas nos textos hebraicos e gregos que o lavraram para
nós, o motivo Deus é simultaneamente intelectual e espiritual, tendo vindo – no
Judaísmo de Esdras (séc. V a.C.) e no Cristianismo de após Constantino e
Teodósio (séc. IV) – a tomar a forma de religião para toda a gente, o que
obscurece o seguinte: quer nos textos dos Profetas hebreus e nos que se referem
a Jesus como Messias, quer nos textos gregos que se referem a Sócrates,
mormente a trilogia Apologia, Críton e Fédon, a questão ética da virtude, justiça ou santidade é a questão
fulcral. Os santos e os justos da história ocidental reclamam-se, afora
excepções recentes, de Deus como fonte do seu agir: como ignorar esta
reclamação, apesar do que na primeira parte se disse? Ou seja, a santidade é
possível sem referência a Deus e à tradição que dele se reclama? E nomeadamente ao motivo de alma imortal?
14. “Ninguém me pode ver, diz Yahvé, e
permanecer vivo”, é a lição dum velho profeta (Êxodo 33.20)[25], a que faz eco, no outro extremo da Bíblia cristã, esta palavra de
João: “nunca ninguém viu a Deus” (1ª epístola de João 4.12). Se se ousasse glosar estas duas palavras pelo jogo grego
entre ‘ver’ (idein) e ‘ideia’, isso daria em
termos de teologia negativa: ‘nenhum pensamento pode pensar Deus e permanecer
pensante’, ‘nunca nenhum pensamento pensou Deus’. No contexto da mesma carta de
João (4.8,16), diz-se também: “Deus é amor (agapê)”. Acontece que um ramo da literatura mística, pelo menos cristã
ocidental, diz a experiência do encontro da alma com Deus na linguagem do amor,
do noivado, do casamento, em discursos impregnados de erotismo[26]. J. da Cruz é um dos mais importantes autores da teologia negativa:
o amante não pensa o amado, a experiência que dele faz escapa às palavras do
pensamento. O Amado (“a amada no Amado transformada”) dá-se em cada rasto dos
seus passos, das suas mãos, dos seus olhos, da sua voz, da sua palavra, pode
continuar a ser amado na sua ausência, na “noite do espírito” (tão próxima do
ateísmo), quando ele deixou de estar lá: mas esteve ele alguma vez lá? Não terá
ele sempre já passado com o seu passo, não deixando senão as marcas dum passado
que nunca foi presente, nem ausente (Derrida[27])? Estes rastos são-no também da experiência de sermos arrancados à
nossa tribo (casa, família, instituição), dum rapto, arrebatamento, duma
provação que nos transporta, nos move, nos promete a muito mais do que a tribo,
a “qualquer coisa de misterioso e de glorioso” (Leonardo Cohen): alteração,
metamorfose, conversão, abertura dum caminho inédito sem medida comum com o que
se era antes da provação do amor, antes da paixão ‘inaugural’. Tempo relâmpago,
claro-escuro, tempo fora do tempo, tempo acontecimento, kairos no grego do novo Testamento, tempo tal que não se volta mais atrás.
O destino mudou, uma de-cisão se fez aí entre antes e depois. Fica-se assim
cortado dos seus antepassados, do sagrado de outrora: é nisso que uma tal
experiência é ‘moderna’, podem-se atribuir experiências assim aos Profetas que
escreveram a escrita hebraica[28] e aos Filósofos gregos, mutatis
mutandis[29]. E ainda aos santos de todos os tempos e espaços espirituais. Foi
sem dúvida a fecundidade desta experiência de
santidade que fez os nossos antepassados atribuí-la ao Totalmente Outro, ao
Separado (isto é, Santo) pensado como Criador, fonte da fecundidade da
natureza.
15. Da experiência de (amor por) Deus pode-se
fazer um argumento em favor da existência deste? Retenhamos do Dasein – do pensador da doação (múltipla, não ‘mono’, não ontoteológica)
da fecundidade, doação essa dissimulada, retirada – que o ek-sistir dos humanos
é um -sistere sempre-já fora (ek-), exterioridade, ser-no-mundo[30]; a tão prezada por cada um de nós ‘interioridade’ vem-lhe da aprendizagem,
dos rastos (memória) das experiências passadas, rastos esses que lhe permitem
uma certa distância ou afastamento, um retiro, um Fort-sein[31], em relação ao Da- (proximidade,
ser-o-aí), a esta ex-posição de exterioridade sempre-já. É este retiro que retém
a identidade do humano, guarda-o enquanto ‘ele próprio’ nessas suas ‘saídas’,
nessas experiências mais fortes que o alteram; ele provém dos usos recebidos
dos antepassados, da repetição quotidiana, em que o seu ‘eu’ se vai afirmando,
simultaneamente agindo fora e retirado, repetindo os outros mas segundo o seu
talento, estilo, idiossincrasia, os rastos dos outros (heteronomia social)
ficam esquecidos[32] como condição da sua autonomia, sem o quê seríamos loucos, sempre
presos da exterioridade como alienação: o grande interesse deste motivo
heideggeriano é justamente o de permitir pensar os humanos fora da oposição
alma / corpo, sujeito / objecto, indivíduo / sociedade, como seres-no-mundo
tribal, liberdades finitas reguladas para cenas aleatórias. Por outro lado,
como se sabe, Ser e Tempo[33] é construído sobre uma experiência
de antecipação da morte como mudança duma existência imprópria, inautêntica, em
uma existência própria, autêntica. Tomada na sua etimologia latina, a palavra ex-per-iência diz um per-igo, a saída (ex-) de si, da sua identidade (tribal) assegurada até aí, o risco de per-ecer[34]; uma alteração pois da identidade construída a partir dos seus
antepassados, mortos e vivos: a ex-per-iência é vida / morte / vida, uma morte
na vida, uma sua alteração mais ou menos brutal. Ora bem, esta
ex-per-iência, esta alteração de-cisiva, entre aqueles que sofrem a sua
provação a um nível especificamente ético, há inumeráveis humanos que a
atribuem a Deus, ao totalmente Outro. Mas se o si de cada um é já tecido indefinidamente de outrem, desde a noite dos
tempos ancestrais, como separar este totalmente Outro de todos os outros e de si mesmo? A ex-per-iência tornar-se-á rasto também ela, memória,
outrem-em-si, si-como-outro-mais-si-do-que-si (‘intimior intimo meo’, dizia Agostinho de
Deus: mais íntimo a mim do que o meu próprio íntimo, também vale de outrem,
como os nossos sonhos atestam[35]): como é que ela aguentará a duração, já que haverá outras
experiências sempre possíveis? Não é o próprio que de-cide (a tradição
teológica será unânime nesse ponto); pode-se regressar duma ex-per-iência em
que o ‘si’ se perdeu, pereceu? Quem de-ciderá então? A de-cisão está lá,
indecidida todavia, pode ser que ela seja o futuro do -per- da experiência:
jogando de novo do que chamamos memória, refará a experiência de outra maneira,
reabrindo o campo que ela tinha aberto, impedirá o si perdido de se perder,
perdendo-o novamente. Como conseguir falar de tão fortes experiências, das
seqüelas em toda uma vida do vendaval que a alterou, dos altos e baixos que
inevitavelmente se sucedem?
16. Voltemos à questão: pode-se argumentar Deus
a partir da sua provação, a outros que não a tiveram? O -per- da ex-per-iência
não a torna incomparável a qualquer outra experiência? Diz-se que o amor é cego,
que não vê aquilo que toda a gente à volta vê. Mas é a cegueira dum visionário,
ele vê o que os outros não vêem. É por isso que ele está aquém e além dos
argumentos de pensamento. A palavra ‘Deus’ é dela mesma paradoxal: como
qualquer outra palavra, ela só tem sentido por ele ser recebido a partir do
jogo das diferenças das outras palavras e regras da língua e do discurso, ela é
pois estruturalmente relativa; se, porque diz o ‘ab-soluto’, devesse deter sozinha
o seu sentido, sem depender das outras palavras, seria incomunicável a outrem.
Todavia Michel de Certeau[36] escreveu: “sem dúvida é impossível nomear o que sobrevém e parece
todavia subir de um insondável qualquer da existência, como dum mar que começou
antes do humano. O próprio termo Deus (ou absoluto) recebe mais daí o seu
sentido do que fornece indicações à experiência”. Reencontramos o que havia
sido dito do pensamento e dos argumentos a respeito de Deus: a compreensão do
sentido dessa palavra dependerá sempre de compreensões já dadas antes, do seu
contexto de vida e de prática. E não é isso que sucede a qualquer palavra, seja
mais ou menos usual?
17. São usos, hábitos,
contextos quotidianos, que mudam nessas experiências-acontecimentos de-cisivos
duma vida que nunca mais será a mesma. Nessas grandes provações dos místicos,
dos santos, dum Jesus e dum Francisco de Assis, duma Teresa de Ávila e doutra
de Calcuttá, dum Gandhi e dum Martin Luther King, de tantos e tantos outros,
reconhecidos e anónimos, não são tanto os aspectos mais ou menos
extraordinários da experiência que contam, mas mais o itinerário de fecundidade
forte que ela abre, a ‘bênção’ reconhecível por terceiros, em que o dom se manifesta
em ‘efeitos’ além, tantas vezes muito além dos pobres ‘meios’ utilizados[37], em regra a convicção inabalável e contagiosa. Mas acrescente-se
já: mutatis mutandis, esta desproporção entre
os meios e os efeitos é também estrutural às grandes obras de pensamento, de
arte, ou mesmo de acção cívica e política, inclusive de não crentes[38], como é óbvio[39], melhor dito, de outras maneiras ‘espirituais’ terrestres de se ser
crente. O leitor tem assim a possibilidade de concluir do que venho propondo
que a não possibilidade de provar e de pensar Deus também joga aqui: esta
ex-per-iência como provação atesta das possibilidades inauditas de certos
humanos, de certos realistas que fazem o impossível, em linguagem de Maio 68, sem porventura ser necessário invocar
Deus.
18. Em todo o caso, na ex-per-iência espiritual
que se reclama de Deus para compreender a sua fecundidade além daquilo que se
pode do seu próprio querer, trata-se sempre de testemunho, e este não prova
nada[40]. A testemunha – Derrida dizia-o na sua passagem por Lisboa no final
de Setembro de 1994 – não faz mais do que dizer ‘crê em mim’. Mas, acrescentava
ele, respondendo pela negativa à questão que lhe puseram da possibilidade de
desconstrução radical do discurso religioso, é igualmente o caso de qualquer
tomada da palavra, de qualquer ‘falo-te’ que implica um ‘crê em mim’, abrindo
ao crédito, à ‘crença’, à confiança do que escuta[41]. Como pois de-cidir decididamente nesta escuta? Com que argumentos
recusar escutar os numerosos textos que nos vêm dessas experiências, que contam
entre as mais fortes de que a história humana guarda as narrativas?[42] Como de-cidir, em nome de quê, que eles se enganaram sobre esse
Deus que eles confessam? Que, ainda que sem o acolhimento dito ‘fé’, não se tem
de escutar o que – com numerosos outros textos e obras artísticas e de pensamento,
com o que se chama cultura em sentido forte – nos permite seguir os nossos
difíceis itinerários humanos, nos dá algo como uma esperança em época tão mal
tratada como a nossa?
19. Assumindo claramente agora o papel de
leitor testemunha, é neste ponto de colocação de leituras em paralelo, a
discerni-las e avaliá-las, é aonde o meu passado de crente me impede de decidir
definitivamente entre fé e ateísmo: nem uma nem o outro. Tanto me é difícil de acreditar
num Ser sobre-humano que teria ‘em suas mãos’ a infinidade do universo (das
suas galáxias a todos os seus átomos e moléculas, as células de todos os
indivíduos de todas espécies vivas) e o conhecimento da intimidade de cada
coração de todos os humanos de todos os tempos, quanto me é difícil de admitir
intelectualmente que os santos, esses crentes por excelência, essas narrativas
de grandes feitos espirituais, os mais ‘impossíveis’ dentre as narrativas
humanas donde colhemos incitação a viver e a navegar mais além, não teriam sido
senão gente ‘enganada’. Como avaliar a afirmação dessas narrativas sem se crer
na existência de Deus?
20. Será necessária, esta alternativa entre crença e engano? Tentar
ultrapassá-la é uma das maneiras de dizer o que está em jogo no pensamento de
Levinas, colocando o que chama ‘ética’ antes e além do que chama ‘ontologia’, o
que não vale senão entendendo ‘ética’ como a valoração da relação ao Outro como
primeira, o que significaria que ele vai paradoxalmente ao encontro da doação
retirada de Heidegger[43] e da respectiva destruição do ‘substancialismo’ metafísico ou
ontoteologia (a ‘morte de Deus’), como se pode verificar na maneira como
rejeita, enquanto ‘ontológicas’, as noções de existência e de essência de Deus.
É possível interpretar o seu recurso à fórmula epekeina tês ousias[44] da República de Platão (509b) como
significando o passo da ex-per-iência acima evocada, passo além das casas e das
suas ‘envies’ (§ 10) para as que relevam da busca incessante dos espirituais,
se dermos à bela palavra ‘espírito’ o sentido etimológico de purificação da
‘respiração’, do ‘sopro’. Esta filosofia do profetismo e da santidade está do
lado da provação traumática do Infinito, defende que Deus não entra na ‘ideia
de infinito’, que não é um ‘conceito’, não cabe na cabeça que a pensa, pensamento
que pensa mais do que ele pensa: Deus, mas também o meu vizinho pobre, o Outro.
Pode-se dizer, por uma citação de Fernanda Bernardo, qual é
o desígnio de Levinas em relação ao santo: “pensar como é que a inquietação, o
cuidado obsessivo do sujeito pela sorte do outro, seu próximo, se faz sentir
nele mesmo, independentemente da sua vontade”[45]. Este impulso à santidade, a efectuar a justiça, corresponde ao seu
motivo de ‘rasto diacrónico’, dum ‘passado’ que nunca foi ‘presente’, que
reenviaria, acrescento eu, a uma tradição de santos e justos aonde, sem se
saber como, se colhe e acolhe esse rasto histórico, nem presente nem ausente. É
aonde buscar o que me parece ser o que merece o nome de Deus: não eterno – não
Ente que seria susceptível de prova –, antes do lado da história ética dos
humanos, sem ser histórico (históricos são os justos), susceptível todavia de
provação. E a não dever ser invocado em vão.
21. Mas quem sou eu, para falar destas coisas que me ultrapassam?
[1] Com alguns
ajustes, trata-se da contribuição para o Seminário A Questão de Deus.
Ensaios Filosóficos,
coord. por M. Leonor Xavier, ed. Zéfiro, 2010, pp. 299-313.
[2] Terei que supor aqui alguns motivos da
tentativa de reformulação da Fenomenologia nos meus textos Le Jeu des
Sciences avec
Heidegger et Derrida, 2
vol., 2007, e o recente La Philosophie avec Sciences au XXème siècle, 2009, ambos editados em Paris pela
L’Harmattan.
[3] Quando esta claramente ultrapassa o que se
aprendeu de Mestres e Antepassados.
[4] A Física aristotélica é em certo sentido
platonizada no tomismo (Belo,
2007, 13.18).
[5] Galilée, Dialogues, Lettres choisies, trad., choix et préface de P.-H. Michel,
introduction aux Lettres de G. Santillana, Paris, Hermann, 1966 e Discours
et démonstrations mathématiques concernant deux sciences nouvelles, introd., trad. et notes de M. Clavelin,Paris,
A. Colin, 1970; Newton, Principes mathématiques de Philosophie naturelle, trad. de Mme du Châtelet, Paris, édition
fac-simile de A. Blanchard (1966).
[7] A Physica é uma filosofia dos entes
enquanto capazes de movimento: geração e corrupção, crescimento e mudança de
qualidade, deslocamento (de lugar), é uma ‘biologia geral’, se dizer se pode,
responde ao espanto dos vivos e da respectiva autonomia. A Física só guarda do
movimento os deslocamentos, as respectivas medidas (distâncias e tempos).
Passou-se assim duma ontobiologia compreendendo os humanos (contingentes,
nascendo e mortais) e o seu saber, portanto duma epistemologia compreendida na
ontologia, a uma epistemologia ontofísica das massas materiais inertes, de que
o humano está excluído, situado no lugar exterior do ‘sujeito’ (oposto ao
‘objecto’ que se mede no laboratório): a epistemologia torna-se uma disciplina
separada da ontologia e ganhará uma grande proeminência filosófica. Coisas que Ser
e tempo questionará.
[8] M. Heidegger, "Ce qui est et comment
se détermine la Phusis", Questions II, trad. fr. de F. Fédier, Paris, Gallimard [1940],
1958.
[10] Paisana, João, Fenomenologia e
Hermenêutica, A Relação entre as Filosofias de Husserl e Heidegger, Presença, 1992.
[11] M. Heidegger, "Temps et être"
[1962], Questions IV,
trad. F. Fédier, Paris, Gallimard, 1969. Veja-se o meu Heidegger, pensador
da Terra, Centro de
Filosofia da U. Lisboa, 2012.
[12] “Da ideia de ser que existe
necessariamente não se concebe senão a existência necessária em ideia” (Jeanne
Delhomme, “Dieu. La négation de Dieu”, Encyclopédie Universalis).
[13] A lógica comum dos três primeiros
argumentos – segundo a qual o movimento (a mudança), a causalidade eficiente e
a contingência pedem sempre um (outro) precedente sem possibilidade de
retroceder indefinidamente e exige pois um primeiro motor que nada mova, que
mova os outros, necessário por si mesmo – parece ser com efeito a resposta
‘criacionista’ ao problema da origem e da reprodução das espécies, o problema
da galinha e do ovo. Essa lógica parece desmentida pela lógica científica da evolução,
aliás bem mais fiel ao kath’auto aristotélico, já que se trata duma lógica de
crescimento das espécies vivas (os defensores do desígnio inteligente situam-se
na lógica do quinto argumento, segundo a causalidade final, ver § 7n). A
biologia molecular, que nos desvelou os mecanismos extraordinários desta
reprodução, não sabe (ainda) responder, na medida em que se trate de algo que
escapa à experimentação (pelos menos nas espécies mais complexas), duma imotivação,
quase acontecimento, quer nas primeiras células, quer entre uma espécie e
outra. Por outro lado, a postulação dum primeiro Motor cai sob a
desqualificação da busca das origens pela ‘différance’ de Derrida: é a
repetição que é originária, diz ele, maneira de dizer que não houve nunca
origem simples. Sobra no entanto, do lado da Física, uma ‘origem’ sem
compreensão possível, quero crer, até hoje: aquilo a que chamam big Bang, uma
espécie de mito astrofísico que, apesar do ateísmo da maior parte dos físicos,
está mesmo a reclamar um deus. Creio na minha modesta ignorância que haveria
que repensar o percurso até se chegar à formação das estrelas, depois das quais
já uma lógica ‘evolutiva’ parece justificável.
[14] A Física moderna aplicou a sua razão
laboratorial dos dados terrestres aos astros do céu: a astrofísica como região
da física da gravitação implica a anulação da irredutibilidade da oposição céu
/ terra que sustentava a crença holística no monoteísmo.
[15] Há uma bela panorâmica da história
ocidental da problemática do determinismo, desde os Estóicos e Agostinho de
Hipona a Laplace e outros físicos clássicos e contemporâneos e ainda às
ciências estatísticas das sociedades na introdução de K. Pomian ao volume que
ele coordenou, La Querelle du Déterminisme, Paris, Gallimard, 1990, pp. 11-58. É aliás o que
predomina na querela contemporânea sobre a evolução entre neodarwinistas e
defensores do desígnio inteligente. O paradoxo desta questão consiste em que,
constatada de forma indiscutível, a noção de evolução contraria a definição
de reprodução celular,
quer nos tecidos dum organismo, quer adentro da mesma espécie: a célula é
estruturalmente conservadora, cada uma dá origem a duas células iguais a ela. A
invenção precoce da sexualidade explicará as diferenças individuais adentro da
mesma espécie, sobretudo nas mais complexas: mas como se passou de espécie para
espécie? O determinismo genético invoca o acaso das suas mutações, a cuja
ilógica pretende responder a
causalidade final dos criacionistas, obviamente incompatível com a falta de
finalidade dos fenômenos evolutivos (mesmo este termo é suspeito de finalismo,
um fenómeno biológico como os vírus é ‘anti-evolutivo’, veio depois das
células, mais complexas do que eles, e creio que mesmo depois dos organismos).
Ora, a proposta do jogo
como a unidade entre necessidade e acaso (§ 8), regras e aleatório das cenas
ecológicas, permite em princípio entender correlações complexas entre
metabolismo celular e sangue, entre sangue e sistema neuronal e entre este e as
variações geológicas e climáticas da cena ecológica, que serão necessárias e
suficientes para explicar a evolução, a chamada “selecção natural” com base nos
mecanismos da lei da selva: ainda que se admita um Criador, ele respeitaria
integralmente esses mecanismos. Quanto à formação das primeiras células vivas,
o biólogo italiano Marcello Barbieri (Teoria semântica da evolução, Fragmentos, 1987) tem uma proposta muito
aliciante para ela (Belo, 2007, 11.6-10, Belo, 2009, 92-3).
[18] É certo que esta
oposição nos aparece como uma evidência (quase) absoluta, condição do nosso falar,
fazer, pensar, amar, agir, criticar e rebelar-se. Mas essa evidência não é
universalizável por definição, já que se opõe às evidências equivalentes de
todos os outros, é uma clausura insular, a alma ou o sujeito como ‘ilha
inteligível’.
[19] “Os povos primitivos são sempre
apresentados [por viajantes e missionários europeus] como dados apaixonadamente
à guerra” (P. Clastres, "Arqueologia da violência : a guerra nas
sociedades primitivas", in Guerra, religião, poder, [Libre, 77-1] trad. J. A. Santos, Lisboa, ed. 70, 1980, p.
12).
[20] Paris, Payot & Rivages, 1994 (há
tradução portuguesa).
[21] Numa análise do motivo de força ou potência
(dunamis) em Aristóteles,
Heidegger escreve de forma bem mais radical: “A finitude íntima e essencial de
cada dunamis reside na
decisão de ir para um lado ou para o outro, decisão que é exigida por si mesma
e inerente ao seu próprio cumprir-se. Onde há força e potência (Kraft und
Macht), há finitude. É por
isso que Deus não é potente, e ‘omnipotência’ é um conceito que, compreendido
correctamente, desvanece-se em fumo como todos os seus semelhantes. Não é um
conceito que se possa pensar. Ou então, se Deus é potente, é finito e em todo o
caso bem diferente do que pensa a representação comum de Deus, dum Deus que
pode tudo e é assim reduzido a um ente gazua” (M. Heidegger, Aristote, Métaphysique
Q 1-3, De l’essence et de la réalité de la force, [1931], trad. B. Stevens et P.
Vandevelde, Paris, Gallimard, 1991, pp. 159-160). Para quem quiser argumentação
filosófica especulativa actual: Secondo Bongiovanni, La philosophie
italienne contemporaine à l’épreuve de Dieu. Pareyson, Vattimo, Cacciari,
Vitiello, Severino, Paris,
L’Harmattan, 2008.
[22] Deixando o plano da filosofia grega e
regressando à concepção hebraica, o que Jonas faz é propor um Deus ‘finito’,
como diz Heidegger.
[23]
A que ecoa esta citação de Emmanuel Levinas: “É o humano que tem que
salvar o humano; a maneira divina de reparar a miséria consiste em não fazer
intervir Deus nela. A verdadeira correlação entre o humano e Deus depende duma
relação de humano a humano, de que o humano assume a responsabilidade completa,
como se não houvesse Deus com quem contar. Estado de espírito condicionando o laicismo, mesmo
moderno” (E. Levinas, “La laïcité et la pensée d’Israël”, [1960], Les
Imprévus de l’Histoire,
Paris, Fata Morgana,, 1994, p. 183, eu sublinho). ‘Como se não houvesse Deus
com quem contar’: isto põe em questão a noção tradicional de Providência
universal, que aliás a história desmente tanta vez de forma atroz. Que não se
possa provar nem que Deus existe nem que não existe, isso significará
porventura que o universo e o nosso mundo terrestre seriam o mesmo em qualquer
dos casos. No caso afirmativo seria um Deus que respeitaria de tal maneira a
autonomia das coisas, dos vivos e da respectiva evolução, dos humanos e da
respectiva história, que não interferiria nelas como se não existisse.
[24] Última palavra de Jesus, antes de dar um
grande grito e de expirar, segundo Marcos e Mateus, que lhe vincam a
autenticidade dando a sua versão original em aramaico. Com efeito, é uma
palavra inverosímil face à divinização posterior de Jesus, Lucas apagou-a.
[26] Estes textos, como qualquer outro, relevam
da finitude humana, dão-se à leitura de quem quer que seja. Um leitor
psicanalista lerá neles, sem dúvida, algo que releva da sublimação das energias
sexuais, certas descrições de experiências de êxtase tendo traços muito semelhantes
aos de um orgasmo. Em vez duma explicação por reducionismo determinista (a
sexualidade explica o êxtase), haverá que tentar compreender, na medida do
possível, como é que uma experiência fora do contexto habitual que conduz os
humanos ao orgasmo pode conduzir a um quase orgasmo, quais os deslocamentos
dessa sublimação.
[28] Alguns contam as suas “experiências de
vocação”: Isaías 6, Jeremias 1, Ezequiel 1-3, Samuel 3, Jonas. A de Jesus é
contada em Marcos 1.9-13 e paralelos, a de Paulo nos Actos 9, 22.5-16 e
26.10-18.
[29] Rousseau contou a sua experiência de
mudança pessoal em suas Confissões: “peguei um dia no Mercure de France e, andando e
percorrendo-o, encontrei esta pergunta proposta pela Academia de Dijon para o
prémio do ano seguinte: ‘se o progresso das ciências e das artes contribuiu
para corromper ou purificar os costumes’. No instante dessa leitura, eu vivi
um outro universo e tornei-me num outro homem”. Do ponto de vista cristão, são célebres as
conversões do físico e filósofo Blaise Pascal e de Paul Claudel.
[30] Que fenomenologicamente se traduz na
maneira como a aprendizagem dos usos da sua tribo fazem dele um humano.
[31] J. Derrida (La carte postale de Socrate
à Freud et au-delà,
Flammarion, 1980, p. 342) aproxima o Dasein de Heidegger do Fortsein de Freud (o jogo infantil do Fort/Da em Para
além do princípio do prazer),
o que daria uma espécie de Dafortsein que aqui me inspira.
[34] Como aliás no alemão (Erfahrung, experiência, Fahrt, viagem), creio que se trata do mesmo –per- na semântica latina, a da viagem fora da
segurança do seu território, per-igo de per-ecer entre estranhas gentes, em
suas línguas e usos outros. W. Bromeier, tradutor francês de Heidegger,
"Hegel et son concept de l'expérience" (Chemins
qui ne mènent nulle part, 1962,
Paris, Gallimard) diz numa nota (p. 308) que este ‘-per-‘ “significa o
movimento de atravessar, de ‘percer’ [em francês]”. Ver ‘perig-‘ e ‘peregr-‘ no
Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, 2003, Lisboa, Círculo de Leitores, que, além de
‘experiência’ e ‘perito’, acolhe também ‘peregrino’, mas não ‘perecer’.
[35] Quando, deixados os outros, recolhido só
na noite, olhos e ouvidos fechados, na maior intimidade, se perde a consciência
de si no sono, nesse mais íntimo do que o seu íntimo, encontramo-nos fazendo
parte dum povo de gentes estranhas e familiares, que fazem o que lhes apetecem,
por vezes nos fazem mal, nos levam para onde não sabemos nem sempre queremos.
[37] Como diz a parábola hiperbólica dos
terrenos semeados pela ‘boa prática’ evangélica: os que são semeados “em boa
terra, escutam a palavra, acolhem-na e dão fruto, trinta, sessenta ou cem por
um” (Marcos 4.20; F. Belo, Lecture matérialiste de l’évangile de Marc.
récit, pratique, idéologie,
Cerf, 1974, p. 168). Tinha proposto nessa leitura o conceito de ‘prática
messiânica’ ou eclesial segundo Marcos (prática dos olhos ou fé, dos pés ou
esperança, das mãos ou amor), sem recurso à noção de alma (que a Bíblia ignora,
na sua oposição ao corpo) ou de interioridade. Provavelmente esta é mais acessível...
[38] Por exemplo, Henri Curiel, evocado por um
seu companheiro de luta política, Robert Davezies, Un temps pour la guerre, Lausanne, Age d’Homme, 2002.
[39] É o que dá peso ao argumento de Sócrates
sobre a imortalidade da alma no Fédon (63b-67a), a força da sua experiência de pensamento e
de acção cívica não pode ficar confinada à duração efémera duma vida humana. O
Eterno Retorno de Nietzsche também releva desta força da ‘vontade de pujança’
(M. G. Llansol), que o que se faz seja tal que se possa querer que volte
eternamente.
[40] Este testemunho tem uma longa história,
judaica primeiro, judaico-cristã depois, greco-cristã, romano-cristã, medieval,
européia, mundial, também susceptível duma indagação de tipo fenomenológico, no
sentido aqui usado.
[41] Sem implicar necessariamente
‘ingenuidade’. Com a linguagem recebida dos nossos antepassados, também se
recebe a crença na realidade que ela diz (o que se pode chamar a lei da
verdade, inerente a todas
as linguagens sociais, a reter estruturalmente com as leis da selva e da
guerra), mas também a incitação à dissimulação (e portanto à crítica). Assim os
usos sociais de que a linguagem é parte, trazem consigo, na sua aprendizagem, a
razão que nos ensina a avaliar as crenças que necessariamente essa aprendizagem
traz como ‘pre-conceito’.
[42] Por exemplo, O futuro duma ilusão de Freud é um texto cuja surdez faz pena
pelo seu ‘obscurantismo moderno’, sem fazer análises (como as fez, bem
interessantes, em Moisés e o Monoteísmo), ignorando os factos espirituais fortes (respondeu a
Roman Rolland: “estou tão fechado para a mística como para a música”, citado
por M. De Certeau, "Mystique" da Encycl. Universalis), sem pensamento que valha, indigno do
autor desse texto admirável que é A Interpretação dos sonhos.
[43] Como ele parece dizê-lo na introdução que
escreveu para o livro de Marlene Zarader, Heidegger et les paroles d’origine (há trad. port.), Paris, Vrin, 1986.
[44] Antes de Aristóteles, ‘para além da
realidade’, ousia na
linguagem corrente significando o patrimônio duma casa, que se mantém o mesmo
ao longo das gerações. Em Aristóteles, substância e essência, sentido que
Levinas entenderia, ou ainda ‘ser’.
[45] F. Bernardo, Transcendência e
subjectividade, A ‘subject-illeidade’ ou a responsabilidade ética como
incondição do sujeito em Emmanuel Lévinas, tese de doutoramento, policopiado, Universidade de
Coimbra, 2000, 1º vol., p. 168.
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