1. Porque é que a esquerda está encurralada, como
Hollande acaba de mostrar ao largar o seu discurso de há dois anos? Porque
enquanto que a política é local, a chamada globalização é a dos capitais e das
suas guerras, como dizem: ‘competitividade’. Electrónica, ela também é das
palavras, dos números e das músicas, com a diferença de que estas são de borla
para quem as usa e repete, enquanto que moedas e notas têm uma cunhagem ou uma
assinatura política que atribui a cada uma um dado ‘poder de compra’, adequado
à língua dos preços das coisas (oscilante segundo as conjunturas), poder do seu
possuidor que se transmite anonimamente de mão em mão, ao invés da palavra,
número ou nota musical, gratuitas e sociais indissociavelmente. É esse poder apropriado que permite a troca de notas ou moedas por tal ou
tal mercadoria. Quanto aos cheques e cartões electromagnéticos de multibanco ou
de crédito, a assinatura individual e o segredo dos códigos não substituem a
marca política, já que eles exigem a instituição bancária que os edita e que
estabelece a sua equivalência às notas. Assim como as notas obviam ao esgotamento
das moedas, também assim os cheques ao das notas, às malas cheias destas: um
ponto da importância estrutural dos bancos.
2. A propriedade privada do dinheiro,
no bolso e nas contas no banco, asseguram, em sociedades de produção
especializadíssima, a liberdade de escolha do que se compra como estando na
essência do mercado, em vez de
listas de rações distribuídas pelas autoridades (Cuba). Ora, faz parte da
lógica do sistema que a prossecução dos interesses próprios dos bancos (segundo
a sua liberdade) possa jogar contra os dos seus clientes se faltar a devida
regulação, foi o que nos ensinou a crise destes anos de troika, a destruição da
economia, falências e desemprego. A regulação tem falhado, parece, porque teria
que estar ‘dentro’ de cada banco, tal como os escritórios da Troika em Lisboa.
3. Há uma diferença de escala. O
sistema financeiro electrónico é facilmente ‘global’ e rápido, apesar dos
câmbios e da concorrência (das suas redes fazem parte também os off shore), enquanto que a política, a democracia, as
regulações, são essencialmente locais e lentas, seguem as regras dos
Estados-nações, têm apenas um alcance ‘local’. Ora, esta diferença de escala
reflecte-se nos ‘paradigmas’ das políticas locais democráticas consoante os
partidos são de direita e de esquerda: a direita pensa do lado do capital global
(Friedman), a esquerda do lado do social local (Keynes), o que tem como
consequência que a direita pensa e age segundo um paradigma que segue a onda do
capital, a esquerda o da contestação dessa onda. Quando o discurso político de
esquerda consegue ganhar democraticamente e o melhor que pode prometer é salvar
a socialdemocracia, isto é, o Estado social, arrisca-se – Hollande como Obama –
a não conseguir levar as suas promessas avante por pressões que vêm do capital
global e que se impõem à direita como evidências (capitalistas), o chamado
“pensamento único”. Em termos nacionais, é sempre possível equilibrar as contas
que sustentam o Estado social, como Vieira da Silva terá provado, até que, a
culminar uma fase demencial de incitações a empréstimos, a crise da banca
americana veio pôr tudo do avesso. Já o marxismo falhou na Europa por não ter
conseguido ser ‘internacional’ como Marx compreendeu que era a solução: mas o
que sobrou dele foi justamente a social democracia local (dita ‘revisionismo’).
Alguém será capaz de pensar uma ‘esquerda global’?
4. Como panaceia do desemprego, predomina
em todos os discursos uma ânsia do crescimento económico que o mede em termos
exclusivamente monetários (PIB), que se opõe claramente (fora das tais
evidências) à ameaça ecologista, quer climática (e será o terror para toda a
gente, os ricos também), quer das reciclagens impossíveis que um tal
crescimento implicaria, já que parece óbvio que os mais de 2 biliões de
chineses e indianos têm o mesmo horizonte de produção e consumo que americanos
e europeus e que isso será insustentável para o planeta. Ou seja, haverá algo
um dia parecido com uma ‘solução’ após crises ambientais muito fortes que
obrigarão a pensar em termos de economias frugais e solidárias.
5. Se for certa a tese de Piketty, de
que a crescente desigualdade depois dos 30 anos à Keynes do pós-guerra é uma
crescente ameaça à democracia, o capital a dar cabo da liberdade que o dinheiro
oferece, espera o leigo que se trate dum passo decisivo para uma ciência económica
que seja uma verdadeira ciência social, isto é, que tenha como objectivo salvar as sociedades locais, as empresas
e os empregos, que forneça argumentos para a esquerda guiar a sua acção.
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