Textos deste blogue que serão aqui citados
1. Qual é o interesse filosófico da
desconstrução das ciências, em que estas são parte activa da argumentação
fenomenológica? Pode aliás haver um inconveniente, para um cientista a quem
aconteça ler um texto que pretenda ‘desconstruir’ a ‘sua’ ciência, é uma espécie
de suspeita de proprietário em relação a um vizinho que esteja a querer mudar
os limites do seu jardim, a entrar no dele: mas o que é que este filósofo sabe
da minha ciência? Ele quer-se fenomenólogo, mas quem sabe dos fenómenos de que
se trata nos laboratórios somos nós, os cientistas, não os filósofos. E é óbvio
que tem razão, o não especialista não sabe praticamente nada do que se passa
num laboratório científico. A recíproca também é verdadeira: o cientista não
sabe grande coisa de filosofia, ainda menos da que se pretende desconstrutiva,
e pode pretender com boa fé, como Edgar Morin me respondeu em tempos a um
e.mail, que há disjunção total entre ciências e filosofia. Aí já o filósofo
porá uma objecção: as ciências não se esgotam no laboratório que escapa ao não
especialista, são os próprios cientistas que escrevem livros de divulgação para
leigos em que as partes laboratoriais mais complicadas são simplificadas e em
que as questões filosóficas aparecem com alguma frequência, por vezes os
próprios autores o reconhecem. É que as ciências são filhas históricas da
filosofia e da definição que ela
inventou como sua operação de base, não como laboratório, mas como o seu
‘escritório’ inventor de essências e conceitos, incluindo aqueles de que o
cientista se serve para articular as suas hipótese e teorias. Desde Platão, que
colocou os seus ‘definidos’ no céu, Formas ideais eternas e imutáveis
predominando sobre as coisas terrestres que as reproduziam mimeticamente: o céu
e os deuses (astros) predominando sobre a terra e os humanos desde as
mitologias, marcou-se assim a filosofia como ontoteologia (Heidegger), o que é eterno explica o que nasce e é mortal. É certo que Aristóteles
operou um “retorno às coisas” e ao seu movimento, mas como se disse noutro
texto (“Movimento e causalidade”), a ousia – substância essência – prevaleceu sobre os acidentes do seu contexto,
como a interioridade sobre a exterioridade; aliás, com o cristianismo Platão
regressou em força – o Criador celeste de que cada criatura terrestre é originado
– e inclusive platonizou o aristotelismo medieval. É certo que Kant, que deu
autonomia às ciências europeias, colocou Deus, alma imortal e coisa em si
(substância) fora do alcance do entendimento, mas ao pretender que fez uma
revolução copérnica colocou o sujeito da razão como o ‘sol’ em torno do qual giram as ‘coisas’
do ‘realismo’ cristão: desloca assim a ontoteologia do par Criador / criatura
para o par sujeito / objecto, este definido como fenómeno cujo movimento é
analisado no laboratório de Newton, aquele o que prevalece enquanto sede do
conhecimento. João Paisana mostrou muito bem na sua tese sobre Fenomenologia
e Hermenêutica. A relação entre as filosofias de Husserl e de Heidegger como este cortou com aquele justamente ao
denunciar o ‘objecto’ como já delimitado do seu contexto, já ‘definido’, e ao
reclamar, por assim dizer pelo ‘humano quotidiano’ contra o ‘filósofo
conhecedor’, o Dasein como ser
no mundo, isto é, alguém feito
pelo seu contexto, por exemplo, pelos usos que aprende, ilustraria eu.
Discurso e texto
2. Eis o ponto que se oferece à desconstrução: o
primado científico do fenómeno analisado no laboratório sobre o que,
cientificamente ignorado, permanece fora, como contexto. Exemplos: a
bio-molécula dum medicamento e os efeitos secundários dela noutras moléculas
não testadas, as peças testadas duma máquina e a poluição que ela provocará
(para não falar das análises teóricas económicas feitas sobre as estatísticas
do passado e as crises que a sua aplicação provocam, como temos visto e
sofrido, onde é o próprio carácter científico das teorias que creio em causa).
De forma geral, num par indecidível pensamento / discurso (linguagem), teoria /
experiência, planetas / campo das forças gravitacionais, cargas eléctricas /
campos electro-magnéticos, organismo / ambiente, fruto do laboratório /
‘realidade’ extra laboratorial, a definição decide pelo definido, circunscrito (pelo conhecimento que o sujeito
dele tem) sobre o contexto donde foi buscado, contexto que é a sua origem
complexa, indeterminada. O que pretendo é que a desconstrução, segundo o
exemplo no mesmo texto do automóvel, permite ligar a máquina saída do laboratório com a lei do
tráfego que lhe determina a anatomia, ligar o laboratório e o seu fora como cena
de circulação com suas regras,
que o engenheiro replica no aparelho do carro e na sua articulação com o
respectivo motor (de explosão ou eléctrico). Este exemplo será suficiente para
se perceber que o filósofo não tem pretensão nenhuma de ‘ensinar ciência ou
engenharia’ mas apenas a olhar as coisas de maneira adequada ao que cientistas e engenheiros fazem, é do retorno
às coisas que a fenomenologia se
reclama.
3. “Uma das
definições do que se chama desconstrução seria a tomada em conta deste contexto
sem bordo, a atenção mais viva e mais larga possível ao contexto e
portanto um momento incessante de recontextualização” (Derrida, Limited Inc., Galilée,
ver texto sobre o “exorbitante”). Esta citação confirma o que acabo de propor:
ter em conta com o definido, com o laboratório, o contexto donde ele foi
retirado. Mas ela segue-se de outra coisa que merece atenção. “A frase, que
para alguns se tornou uma espécie de slogan, em geral tão mal compreendido, da
desconstrução (“não há fora-de-texto”), não significa senão que não há
fora-de-contexto. Sob esta forma, que diz exactamente a mesma coisa, a fórmula
teria sem dúvida chocado menos”. Esta formulação convida a deslocar o que
propus como retorno às coisas: em vez de olhar as coisas de
maneira adequada, ler de maneira adequada os textos que
cientistas e engenheiros escrevem sobre o que fazem, sobre o que Khun chamou paradigma (ver
texto no blogue). E o que é que Derrida chama texto e que
distingue de discurso (a “órbita”? “[...] de maneira um pouco convencional,
chamamos aqui discurso à representação
actual, viva, consciente dum texto na experiência daqueles
que o escrevem ou o lêem [...] o texto transborda sem cessar
esta representação por todo o sistema dos seus recursos
e das suas leis próprias [...]” (De la grammatologie, p.
149). Quando se fala ou se escreve, ninguém pode ter consciência das
leis linguísticas e textuais que operam no discurso que
diz ou escreve, somos inevitavelmente transbordados por efeitos textuais
não conscientes (mas legíveis por outros, já que segundo regras da
língua, como um analista consegue decifrar o que outros não lêem). “O escritor
escreve em uma língua e em uma lógica de
que, por definição, o seu discurso não pode dominar absolutamente
o sistema, as leis e a vida própria. Ele não se serve delas senão deixando-se
duma certa maneira e até um certo ponto governar
pelo sistema. E a leitura deve sempre visar uma certa relação,
desapercebida do escritor, entre o que ele comanda [o seu ‘discurso’] e o que
ele não comanda dos esquemas da língua que usa [do texto]. Esta
relação não é uma certa repartição quantitativa de sombra e de luz, de fraqueza
ou de força, mas uma estrutura significante que a leitura crítica deve produzir”.
Qualquer texto é sempre heterogéneo, a sua busca de homogeneidade
(ou discurso) é jogo de vários textos e seus embates. É essa
heterogeneidade (ou texto) que a leitura ‘desconstrutiva’ de Derrida
procura (mais do que exibir) fazer ressaltar em seus
conflitos, de maneira a que ganhem
nova força de pensamento no contexto da nossa modernidade,
ajudem a pensar conflitos e crises. Dito de outra
maneira. A linguagem permite-nos falar (ou escrever) sobre coisas passadas,
ausentes, ficções e erros, inclusive, trazendo-as ao texto entre falantes (ou
leitores), não é precisa para dizer o copo presente na mão ou à vista. Mas
também o pode dizer, e quando o diz, é como se o copo não estivesse lá; lá,
aonde? Na chamada realidade, ele ‘está’ nas frases que o dizem e para isso
servem, para as coisas ditas desaparecerem enquanto ‘presença natural’. Ver o
exemplo de Derrida sobre o “céu azul” no texto sobre o “exorbitante”.
4. O paradigma segundo Kuhn tem a grande vantagem
de dizer o que se pensa e faz num laboratório, sem corte entre teoria e experiência. Sem ter em
conta os ‘excessos’ singulares devidos a quem escreve, pode ser transposto como
motivo fenomenológico das ciências sociais. Mas cada texto de um ou mais
cientistas cabe no motivo derridiano de órbita, relevando da singularidade de
cada texto e no caso das ciências da sua correlação correcta (ou não) com o
paradigma. Desconstruir, será exorbitar este, já que Kuhn definiu o paradigma
seguindo a ‘consciência’ dos cientistas. Corresponde ao que o seu autor tem em
vista, ao seu ‘discurso’ consciente, ao que ele quer dizer. Exorbitar é ir além
dessa órbita propositada, ir ao ‘texto’, buscar excessos à órbita que não se
dão à vista desarmada. A questão é saber se o critério do diagnóstico de
oposições desapercebidas é suficiente, inscritas na tradição do saber por
definições e laboratórios; isto é, como estabelecer o diagnóstico da supremacia
da substância, da essência (definição), sobre a cena / campo, o diagnóstico da ontoteologia que os cientistas herdaram de Aristóteles sem
saber. Não creio que haja um ‘método’ a seguir, mas apenas atenção a sintomas
dessas oposições. Mas só há sintomas para uma abordagem filosófica, no caso são
os textos de Heidegger e Derrida que oferecem uma margem donde sintomas se
podem ler, astuciosamente. Se posso invocar dois exemplos pessoais, os das
minhas leituras do evangelho de Marcos e da Poética de Aristóteles, foi sobretudo o S/Z de Barthes que me guiou e curiosamente em ambos os
casos aconteceu que foram chaves preciosas dessas leituras a consideração do
termo logos no texto grego que
as traduções modernas restituem com termos diferentes segundo o contexto, inviabilizando uma leitura textual.
Sintoma no primeiro caso foi o duma contradição entre duas camadas do texto.
Isto é, não havia nenhum ‘método’ além da abordagem que Barthes propunha, ler o
texto nas suas diferenças (conotações e códigos) e não nas crenças do leitor.
Determinação sem determinismo
5. Dito isto, podemos voltar à questão inicial
deste texto, supondo os exemplos que dei no texto sobre Movimento e
causalidade: qual é o interesse
filosófico da desconstrução das ciências? Ele incide nomeadamente na reelaboração da teoria de modo a elucidar a relação entre laboratório e cena de
circulação dos fenómenos que ele analisou nas suas componentes: ora, é na
ignorância dessa relação que se alojaram os três debates filosóficos importantes
do século XX que cita o título deste texto. Comecemos pelo determinismo. Bem
antigo na tradição filosófica, pelo menos deste Agostinho de Hipona, dependente
da relação entre Criador e criatura, ele foi, implicitamente pelo menos, sempre
um pressuposto das novas ciências europeias e da importância crucial da relação
causa – efeito que elas buscam. Ora, como sugeri em Porque é que as ciências
precisam de laboratório?, o
laboratório justifica-se por criar condições de determinação que tornem possível encontrar correlações de tipo
causa – efeito, o que tem como consequência que fora dele as ciências não
conhecem determinações, o contexto aonde vão buscar o fenómeno a analisar
dá-se-lhes como indeterminado, o que significa que o determinismo é uma
projecção indevida do que se passa no laboratório fora dele, sobre o que não se conhece, não foi analisado.
As causas efeitos são apenas de peças, digamos, de fragmentos, os ‘todos’ não
são susceptíveis de análise senão fragmentariamente, como é óbvio no caso do automóvel.
Mas igualmente na biologia molecular, que analisa transformações químicas mas
não o conjunto de todas as que ocorrem no metabolismo duma célula, muito menos
um órgão dado, etc.
6. Para as várias ciências que, da biologia em
diante, se ocupam de vivos creio suficientes os exemplos que dei e a conclusão
geral: onde uma dessas ciências encontra regras, elas jogam em situações aleatórias, susceptíveis de variações com os contextos.
Nenhuma dessas ciências encontra determinismos. São as ciências da energia e da
matéria, a física e a química, que merecem alguma atenção. O caso do automóvel,
das máquinas em geral, dos robots inclusive, parece claro também, o trabalho
delas sendo susceptível de aleatório. Se se objecta o condutor do carro como
introduzindo um elemento estranho ao analisado em laboratório e justificando a
adequação ao aleatório do tráfego, a resposta é simples: ele tem que aprender a
conduzir, isto é, a tornar-se uma peça do carro, a peça piloto encarregada da
‘causa final’ do movimento. E quando não há piloto nos movimentos de inertes?
Temos que indagar o que é a inércia. Supondo a resistência à desintegração dos átomos devida às forças
nucleares dos seus núcleos, a inércia é a oferta dum grave à lei da gravidade
segundo as condições de temperatura (forças electromagnéticas moleculares que
permitem, por exemplo, haver água, gelo e vapor) e portanto a ser movido quando
forças do seu contexto o atinjam. Mas também forças electromagnéticas
moleculares poderão oferecerem-se a transformações químicas quando da
proximidade de contacto, de contexto, com outros graves, no que se poderia
chamar inércia química. Dito isto, é óbvio que o nosso planeta está cheio de
movimentos de inertes sem pilotos, sem finalidades, casuais, que se provocam
uns aos outros por gravidade ou química. As rochas vulcânicas, tipo granito,
são um exemplo, bem como as lavas e as rochas metamórficas (basalto) ou as
sedimentares com os seus fósseis, rochas essas que são classificadas justamente
segundo o aleatório dos movimentos que lhes deram origem, as erosões sendo
outro exemplo. Ou o clima e seus ventos e chuvas, as correntes dos rios e dos
oceanos, são sempre movimentos de inertes cheios de aleatório em que o
interesse dos laboratórios e das suas medições é justamente o de compreender de
forma mais geral o que se passou e o que se pode vir a passar. Determinismo?
Redução sem reducionismo
7. A redução é de forma geral uma operação de
pensamento e conhecimento. A um
primeiro nível, as línguas quotidianas operam uma redução, utilizando
substantivos (casa, criança, laranja), adjectivos (lindo, caro, amigo), verbos
(viver, comer, ser) para trazer ao discurso, à conversa, à escrita, coisas e
suas qualidades e movimentações, inúmeros singulares que são reduzidos na sua
singularidade, na sua “presença natural”, dizia Derrida, para figurarem no
texto em que são ditos. A esta redução primeira, a filosofia grega acrescentou
outra, a da definição, criando os textos gnosiológicos de argumentos sobre
essências intemporais e incircunstanciais, fora de contexto. O laboratório
científico soube da insuficiência desta redução por se ater a textos
alfabéticos e acrescentou-lhe a que consiste em reduzir graves às dimensões de
instrumentos convencionais de medição de seus movimentos. Pretendi que as Bíblias
hebraica e cristã jogaram sobre outras formas de redução propícias a narrativas
históricas, e sem dúvida que haverá outras formas de redução, a mais conhecida
em filosofia sendo a epochê de
Husserl. Cingindo-nos à do laboratório, introduzindo a experimentação no
conhecimento, ela é correlativa da determinação que ele cria (o chamado
reducionismo epistemológico): é reduzido tudo o que fica fora do laboratório e
que portanto equivale à confissão pela ciência de que não conhece esse reduzido
indeterminado. Em suma, toda a especialização tem como condição a redução de
tudo o que não é ela. Disso
sofremos hoje muito, a reclamação por todo o lado de interdisciplinaridade é a
da busca de articulações, respeitando fronteiras mas não se resignando a elas.
8. O reducionismo, em sentido pejorativo, é a
atitude filosófica – parente próxima do determinismo da ciência (física e
economia nomeadamente) – que pretende que as sua leis ‘explicam’, determinam,
as leis das outras ciências supostas num patamar mais elevado da ordem das
coisas. Mas também este reducionismo ignora o seu próprio laboratório, a redução que teve de fazer para as
suas descobertas: o que implica sem mais que ela não pode saber o que se passa fora do seu laboratório, tal como
ignora o laboratório das ciências que quer reduzir às suas leis. Exemplo da
ignorância da redução do seu próprio laboratório é o jargão marxista da instância
económica que se queria “determinante em última instância”, sem conseguir
explicar como é que essa determinação se fazia das línguas[1],
por exemplo de grandes variáveis sociais imotivadas (Saussure), já que a instância económica não se
entende sem os efeitos da língua nela. Também o fisicalismo, reducionismo de
físicos, não explica nada da estrutura das línguas a partir da gravidade ou da
Acústica (ao invés da anatomia que explica a dupla articulação da linguagem).
Com efeito, Saussure para estabelecer a cientificidade da Linguística estrutural
teve que reduzir tanto a Acústica como a anatomia da fonação e da memória
cerebral e a relação das falas ao chamado referente (redução do
nomenclaturismo), ou seja do próprio ‘sentido’ das unidades linguísticas
estudadas, às quais só pede que tenham sentido. Estas reduções foram decisivas
para se estabelecer que na língua não há senão diferenças entre sons ou vozes e palavras ou frases, para
pôr em questão o substancialismo das línguas, a concepção do signo como relação
entre um som e um sentido. É por os sons (e as grafias) não fazerem parte das
línguas (só das falas, sendo certo que não há língua fora das falas e textos)
que a Acústica não determina nenhuma língua: se determinasse alguma,
determinaria todas?
9. É claro que quando se sobe no patamar das
ciências, as regras das que ficam abaixo jogam nas novas ciências: por exemplo,
as da física, química, biologia e linguística, jogam nas sociedades e nos
psiquismos humanos, mas nenhuma delas, nem sociologias e psicologias aliás,
‘determinam’ por exemplo os vários desportos organizados nas sociedades
actuais, as regras destes sendo imotivadas entre eles, como se percebe facilmente comparando-as, os com bolas entre
si, com ou sem redes, raquetes ou não, maneira de contar vitórias e derrotas,
os individuais ou por equipas, e por aí fora. A articulação entre cenas e suas
ciências que resultam umas das outras tem que recorrer ao motivo de produção de
entropia de Prigogine, como tentei fazer nos capítulos 13 e 14 do meu Le Jeu
des Sciences avec
Heidegger et Derrida (2º volume).
Relatividade sem relativismo
10. A questão do relativismo põe-se de maneira
oposta à do determinismo e do reducionismo, que são pretensões filosóficas de
alguns cientistas para as suas disciplinas a partir dos respectivos
laboratórios ignorando os limites deles (determinação e redução) que anulam
essas pretensões. O relativismo é também uma pretensão filosófica mas desta
feita contra os cientistas, que parte da ‘realidade quotidiana’, do fora dos
laboratórios, mas ignorando estes e as suas descobertas. A relatividade resulta
necessariamente da consideração do contexto em relação à definição (de
essências) e ao laboratório, como se disse: se as nossas ‘verdades’ filosóficas
e científicas resultam dessas duas operações de pensamento redutoras, ter em
atenção o que elas não atingem implica a sua relatividade, a não possibilidade
trivial de fazer afirmações absolutas em relação a todo esse ‘reduzido’
caótico: é que foi este caos das coisas que pediu a filosofia e as ciências.
Este argumento alarga-se em relação às outras civilizações, nomeadamente à
literatura sapiencial chinesa, indiana, japonesa, muçulmana, que procederam com
outras abordagens às questões do conhecimento. O que significa que o saber das
ciências ocidentais (e das filosofias) é estruturalmente relativo à história
greco-romana-europeia.
11. A filosofia com ciências que proponho permite que o motivo do duplo
laço dê conta duma estrutura das
coisas em patamares ‘históricos’ (astros e graves, vivos, sociedades humanas
com discursos e textos, psiquismos) que permite conhecimentos de ‘espécies’ nas
várias ciências (mesma espécie
em indivíduos não idênticos) e
saber que esses indivíduos são (coisas) indeterminados no seu duplo laço
singular. Permite além disso conhecer as grandes leis das cenas de circulação
desses patamares. Assim sendo, esta relatividade é incompatível com o
relativismo como cepticismo epistemológico. O triunfo tecnológico das ciências
físicas, químicas e bioquímicas, largamente aceite nas sociedades asiáticas
desenvolvidas, serve de comprovação da correcção dessas ciências, enquanto que
as ciências relativas ao social e ao humano estão largamente longe duma comprovação
equivalente, mormente a economia, de que se tem experimentado a sua dificuldade
em se articular com as estruturas politicas, que a teoria hoje predominante reduz no chamado monetarismo (texto sobre economia),
encerrando-se no seu laboratório.
[1] Staline teve que cancelar a querela entre teóricos e
linguistas russos marxistas determinando que a língua não é uma
super-estrutura.
Sem comentários:
Enviar um comentário