Faz confusão ao filósofo – que de
laboratórios não sabe nada e só atenta na parte teórica dos paradigmas que
pensa as experiências e onde a filosofia está subrepticiamente – ver que os
neurologistas acham que o cérebro é um armazém de memórias, umas aqui outras
ali em regiões especializadas (Público, de 14/04). A especificidade dos neurónios enquanto células, o que os
torna diferentes dos outros 200 tipos de células dos vertebrados, é
afectarem-se mutuamente entre eles e serem afectados peloo exterior, criando
uma rede de sinapses, cada neurónio com centenas ou milhares de ligações a
outros. Essa rede é memória, o cérebro é inteiramente memória do que se
aprendeu. É o que permite deduzir
uma tríade de livros: E. Kandel (À la recherche de la mémoire) mostrou com os seus vermes do mar como uma
pancada forte cria uma sinapse, esta vem pois duma aprendizagem; J.-P. Changeux
(O homem neuronal) mostrara como
essas sinapses formam grafos
de aprendizagem, A. Damásio (O livro da consciência) como os neurónios são o que o humano, qualquer
animal, sabe de si, a sua mente, consciência, com acesso só do próprio, na sua
internalidade, por assim dizer, a que a maquinaria laboratorial não tem acesso.
(No admirável livro de Kandel, ele conta como esteve um ano em Paris e fala de
Changeux como um excelente amigo e excelente neurólogo, mas não lhe passa pela
cabeça que a sua grande descoberta possa aliar-se de forma muito fecunda com a
do amigo!) O que torna claro que os neurólogos ganhariam em saber o que é
aprender: por exemplo, a guiar automóvel, a criar grafos que irão dos olhos,
ouvidos e tactos, atravessam o duplo cérebro, o antigo cortex das emoções e o
novo cortex das estratégias (não dois cérebros, mas um duplo, ensinava
Changeux), e vão até aos músculos que geram os gestos do volante e dos pedais.
E sempre que se guia, esses grafos reforçam-se como habilidade espontânea. Toda a nossa vida de mais ou menos habilidosos é
aprender usos muito variados,
de mexer nisto e naquilo, cozinhar ou fazer cadeiras, falar e ler, e por aí
fora, esses usos sociais devem corresponder a grafos bem complexos em que toda
a rede neuronal é activada do que recebe desse social, da sua tribo (doméstica,
escolar, emprego, convivências...). O cérebro é essa rede, um órgão biológico
e social, em que certas zonas
estão activadas (consciência) e a maior parte do resto se apaga (memória) até
ser precisa e ‘vir’ (‘souvenir’, diz-se em francês) ajudar à consciência. Este
conjunto de memória e consciência, a esmagadora maioria imersa, é o nosso saber, tanto do nosso corpo como do mundo por onde
singramos desde o ventre materno. Dito isto, é certo que não deve ser nada
fácil imaginar hipóteses de experimentações laboratoriais adequadas, vê-se com
Kandel, tão clara a leitura na época dos vermes do mar e tão perdido quando
chegou aos ratinhos.
quarta-feira, 22 de abril de 2015
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