Porque é que a Filosofia da
Linguagem é coisa recente?
O ser no mundo, viragem na história do pensamento europeu
A questão da escrita pela primeira vez em
filosofia
É a aprendizagem que faz de nós seres no mundo
1. Qual é a
relação entre ambos? Porque é que só no século XX é que se autonomizou nas
universidades a disciplina da Filosofia da Linguagem, que ensinei na Faculdade
de Letras de Lisboa, em dependência de Heidegger e Derrida bem como da da Linguística
estrutural? A questão foi-me posta há uns dias.
Porque é que a Filosofia da
Linguagem é coisa recente?
2.
Quem quer que seja bilingue pode fazer a experiência mental de pensar algo,
trivial ou filosófico, e perceber que o faz sempre numa das línguas que conhece
mas também que por vezes não consegue traduzir literalmente, exactamente, o que
pensa numa das línguas e o que
pensa na outra. Esta experiência permite perceber que pensamento e linguagem
não se excluem, aquele vem sempre com esta,
mas também que não coincidem: o mesmo pensamento é traduzível, isto é, pode ser
dito com palavras e regras sintácticas e morfológicas completamente diferentes,
tanto que a gente que fala numas delas não entende o pensamento de quem fala
nas outras. Mas só aproximadamente, o que implica que alguma resistência opõem
as línguas a desaparecer na tradução, a marcar assim que sem língua não se
pensa, no sentido corrente da palavra pensamento. [1]
3. Se esta
experiência parece tão concludente, porque será que só na última centena de
anos, digamos a partir do Tratactus lógico-philosophicus de Wittgenstein (1922), a questão da relação entre
pensamento e linguagem veio a ser colocada explicitamente como questão
filosófica? Os grandes Gregos, Platão e Aristóteles mormente de quem a
filosofia nos veio, herdeiros da definição que Sócrates inventou, não deram por
ela? Claro que sim, diz-se no Sofista que “pensamento e discurso são a mesma coisa, só que o discurso interior
que a alma tem consigo mesma sem voz recebeu o nome especial de pensamento (dianoia) [...] mas a corrente sonora que sai da boca recebeu
o nome de discurso (logos)”
(263e). Isto é, para ele o logos,
discurso, é também pensamento, e não lhe vem à cabeça opô-los, como nós fazemos
quando nos habituámos a traduzir logos por razão ou pensamento e a deixar cair o discurso, a linguagem.
Porquê? Porque nem Platão nem os seus contemporâneos fizeram a experiência
proposta acima, eles não eram bilingues e não traduziam línguas “bárbaras”, que
sabiam existirem mas não lhes interessavam: não tinham necessidade de distinguir
entre pensamento e linguagem por razões filosóficas. Mas há que acrescentar que
o uso da definição instituiu um texto gnosiológico sem verbos, à base de
cópulas (é / são e equivalentes) argumentando com essências intemporais e sem
contexto, isto é um texto que tende à exactidão que as narrativas e as opiniões
alegremente ignoram, dedicadas à riqueza polissémica das palavras. Ora é desta
que a definição se defende o mais que pode, da literatura, das metáforas e
outras figuras, dos ritmos e rimas da sonoridade. Há pois desde a escola
socrática de filosofia um antagonismo entre a definição como sua operação fundamental
e a linguagem em que ela se escreve, lê, discute. Entre pensamento e linguagem,
apesar da citação do Sofista que
aduzi.
4. A necessidade
da tradução só aparece com o helenismo: a cultura grega, incluindo a filosofia,
espalha escolas pelas cidades mediterrânicas após a conquista da Grécia pelos
Macedónios, Filipe e Alexandre, este o que fundou Alexandria, a capital cultural
do futuro império romano. Com efeito, Zenão de Cítio, o primeiro estóico, era
duma língua materna semita e só na escola é que aprendeu grego. Quando Cícero
traduz a célebre definição aristotélica do humano como zôon echon logon, animal (ou vivo) que tem discurso, fá-lo em termos
de animal racional deixando cair
a linguagem (ratio, sem oratio
ou verbum) e foi
essa tradução que a universidade medieval herdou e transmitiu à Europa.
Enquanto o latim foi língua única da cultura universitária, como o grego fora a
de Atenas, apenas o chamado nominalismo, o de Occam (sec. XIV) e não o de
Abelardo (sec. XII), interveio nesta questão mas mais atento a outra versão do
que à relação entre pensamento e linguagem, à relação de qualquer deles com
aquilo que pensam e dizem, com a chamada ‘realidade’ (das ‘coisas’, res em latim). Também Platão guardava a unidade entre o logos e o que ele diz, a mesmidade do dizer e do ser: “o discurso, desde que
seja um, é necessariamente sobre qualquer coisa, é impossível que ele seja
sobre nada” (Sofista 262e), isto é Platão guardava a mesmidade de Parménides
entre o dizer, o pensar e o ser, tal como Aristóteles[2].
O nominalismo separa as ‘essências’ – nomes mentais – da ‘substância’ das
coisas existentes, abrindo caminho à ideia
europeia.
5. Com efeito,
quando no século XVII alguns pensadores, Descartes, Galileu ou Locke, começam a
escrever em línguas vernáculas e iniciam o movimento de abandono do latim,
encontram-se não tanto com o novo dilema da tradução (levantado por Heidegger e
Derrida) mas com o escândalo da pluralidade e variedade de línguas, isto é, de
elas serem “particulares” a cada povo, face à razão que se quererá promover como “universal”. A ideia, aliando-se a outras subjectividades do
conhecimento, sensação, percepção, imaginação, etc, será a grande ferramenta
dessa universalidade que avançará ao longo da Europa clássica sobre a
ignorância, ou melhor, sobre a instrumentalidade das línguas, dos seus signos.
Paradoxalmente, foi a força da linguagem que a ocultou até Wittgenstein a
trazer à luz, ficando aliás ofuscado, já que quando recomeçou a filosofar após
a escrita do Tractactus foi para
o demolir! Havia algo que não batia certo na maneira como a linguagem era
pensada.
6. Com efeito, a modernidade europeia está no extremo oposto
de Parménides, de tal maneira que nos é difícil de entender o que é que esse
antigo pensador pensava, assim como as leituras que se fazem habitualmente de
Platão e de Aristóteles são à maneira europeia, como se fossem gente que ‘tinha
ideias’ e que as escreveu (Heidegger: esses dois pensavam sem conceitos!). Qual
é o retrato que se pode fazer desta nossa maneira de pensar? O duma separação completa entre quem pensa e as ‘coisas’ (a
realidade) que pensa, as ideias como ‘interioridades’ e a tal ‘realidade’ no
exterior, a linguagem sendo então um ‘meio’ de ex-pressão das ideias dessa interioridade ou um ‘meio’
de comunicação entre duas interioridades. Há aqui uma separação correlativa,
desde Platão, da da alma e do corpo, do inteligível e do sensível, do puramente intelectual como uma ‘ideia’ (ou uma
‘alma’) e do material como os sons ou os riscos da linguagem (ou um ‘corpo’).
Reduziu-se a linguagem a um ‘meio’ ou a um ‘instrumento’, que ainda por cima
tem o terrível defeito de variar com os povos, de ser incapaz de universalidade,
mas também de ser ‘popular’, a coisa de toda a gente, de receitas, histórias e
risos, ao contrário da nobreza do pensamento a que ela está subordinada, dessa
experiência rara de alguns filósofos. Em suma, um Lord e o seu criado. A lógica
formal que se desenvolveu durante o século XX tirou a conclusão radical: as
línguas ditas (pejorativamente) ‘naturais’ estão pejadas de ‘ambiguidades’, não
servem para pensar, para se ser exacto há que recorrer aos caracteres de tipo
matemático, já que para se ser ‘rigoroso’ nem a definição é suficiente aos
olhos de lógicos. Eis a caricatura do desafio que se põe a uma Filosofia da
Linguagem.
O ser no mundo, viragem na história do pensamento europeu
7. A maneira
que fui encontrando para lhe responder passou pela compreensão progressiva da
escrita de Heidegger e da de Derrida, sem deixar de ter em conta que eles não
teriam sido possíveis sem a modificação do solo do pensamento ocorrido a partir de Marx (J.-L. Nancy), a que se
seguiram Nietzsche e Freud, os três chamados “mestres da suspeita” nos anos 60
e 70 franceses, mas também Darwin e os linguistas comparativos até Saussure e
Benveniste, sem esquecer também que ambos esses dois grandes escritores
pensadores começaram por ser leitores assíduos da fenomenologia de Husserl, um
pensador aparentemente longe destes que evoquei e mais próximo das questões
clássicas de Descartes e de Kant, mais capaz por isso (graças à
intencionalidade da consciência, não ‘substância’ mas “consciência de alguma
coisa”, ultrapassa o dualismo sujeito / objecto) de permitir a grande viragem
de Ser e Tempo (1927), do sujeito
e sua consciência para o ser no mundo, o humano como exterioridade (ek-sistência) e temporalidade (cuidado),
como finitude (ser para a morte). “Pensamento” e “ser” serão motivos
heideggerianos constantes que abrirão lugar para a linguagem (Sprache inclui língua e fala) e para a consideração da
poesia como montanha vizinha da do pensamento, a poesia que foi sempre excluída
por definição da filosofia, por fazer as
suas delícias de figuras polissémicas (que provocam o horror dos lógicos) e das
sonoridades das palavras, ritmos, rimas e consonâncias[3].
O que tem como implicação que o ser no mundo humano, no seu ‘fora’ cuidando da
sua habitação na Terra, encontra as palavras – que lhe interpelam o pensamento
como voz do “ser” – como sendo estruturalmente históricas, o seu sentido modificando-se ao longo do tempo das
civilizações. Heidegger meditará longamente, quer palavras gregas e textos
filosóficos anteriores à definição socrática, quer antigas palavras alemãs[4],
assim como dirá que Platão e Aristóteles “não pensavam em conceitos”, ou seja,
com ‘ideias’ sem palavras. Este motivo do ser no mundo implica uma reviravolta da concepção dos humanos,
não mais almas e corpos, sujeitos ou consciências que podiam “fingir não ter
corpo nem lugar nem mundo” (Descartes)[5].
A questão da escrita pela primeira vez em
filosofia
8. Ao lerem-se
os seminários dos anos 60 (Questions IV),
percebe-se que o Dasein de Heidegger,
“ser-o-aí” ou ser no mundo, não terá cortado completamente com o sujeito
husserliano, já que nunca é dito ele “vir à presença” com doação do Ereignis como qualquer outro ente a quem é doado “tempo e
ser” (1962), Heidegger nunca terá chegado a pensar nessas categorias o nascimento
(que Hannah Arendt tematizará). Apesar da sua pretensão de a grega e a alemã
serem as únicas línguas filosóficas, o pensamento para ele não coincide com a
linguagem, como se guardasse sempre algo de proximidade com o pensador em sua
interioridade, o que Derrida diagnosticou como logocentrismo, relutância em pensar a linguagem como inscrição. É
por esse diagnóstico que o escritor pensador francês entrou em filosofia, pondo
pela primeira vez na história a
questão do estatuto subordinado da escrita em relação à palavra oral, esta
privilegiada devido à proximidade da voz ao pensamento e à alma ou ao sujeito
que pensa, a escrita culpada de se afastar do que escreve, de perdurar além da
sua morte, quando o escritor já não pode responder pelo seu escrito: tal é o
argumento de Platão no Fedro,
argumento dum mestre escola que detesta auto-didactas[6].
Este acentuar derridiano da escrita radicaliza o ser no mundo heideggeriano, já que a língua, não só a ele
pertence, ao ser no mundo, como é do mundo, ‘de fora’ do Dasein ele mesmo ‘exterior’, que ela vem estruturar o
‘dentro’ de quem fala e pensa, que pensa segunda a sintaxe e a fonologia dessa
língua tribal, materna como se diz. Isto implica que a fala pensamento seja
também resultado duma ‘inscrição’[7],
seja igualmente uma escrita (o que não deixaria de espantar Saussure, diga-se
de passagem) da tribo em que se nasce e cresce. Sem o mencionar, Derrida em De
la grammatologie tematiza justamente a
aprendizagem da fala usando a redução husserliana para permitir entender
fenomenologicamente a diferença saussuriana entre os sons (da voz) e o significante
da língua (tribal), aqueles empíricos, fisiológicos (audição e fonação), este
feito de diferenças entre esses
sons (segundo uma dupla articulação, acrescente-se), o que implica que ele não
existe senão nesses sons da voz: são
as diferenças em cada voz que se repetem como as mesmas em todas as falas, tal é a vertigem do pensamento saussuriano, a que o
gramatólogo acrescenta a dimensão temporal que também existe no verbo ‘diferir’
(como adiamento), criando a palavra différance que em francês se lê tal e qual como ‘différence’,
só a escrita permitindo a distinção[8].
Este ser uma rede de diferenças da língua permite que a conferência de Janeiro
de 1968 “La différance”[9]
argumente sobre a maneira como a différance – e pois a linguagem duplamente articulada, o
argumento dá-se em contexto saussuriano – resiste à oposição entre o
inteligível e o sensível: não sendo sonora, não é sensível, sendo diferença entre sons sensíveis, não é inteligível, não se despega do sensível (como a alma imortal se
despega do corpo corrupto, do cadáver). Resiste a toda a filosofia
desde Platão a Heidegger. No mesmo texto, a
propósito de Freud desta vez, dir-se-á o enigma da différance: entre a economia das diferenças que se repetem como
o mesmo e o excesso despendido nessa repetição, no caso da linguagem
entre a língua da tribo, a mesma para todos os seus falantes, e as falas destes
em suas vozes empíricas sempre inéditas e os igualmente inéditos sentidos polissémicos,
mais ou menos surpreendentes ainda quando muito perto da trivialidade.
9. Se se quiser
que o pensamento, sobretudo quando é forte e fecundo de novos pensamentos,
releva deste excesso, há que precisar que ele só é entendível pela repetição
que esse excesso implica, sem que se os possa dissociar. Tenho para mim que
neste enigma (no que diz respeito à linguagem e aos outros usos sociais que
aprendemos) se diz o que chamamos liberdade,
o que cada um diz, trivial que seja, é sempre inédito, digno de respeito, de
consideração. Dizer e pensar são o mesmo (sem coincidirem, como se disse logo
no início com o exemplo da tradução). E o que diz respeito às ‘coisas’ (à
‘realidade’) que se dizem pensam, como quer Parménides? Sobre isto, Derrida faz
uma proposta surpreendente: “não há fora de texto” (ver meu texto neste blogue e o de Derrida sobre o exorbitante).
Idealismo inesperado? Não, superação da oposição entre as posições ditas
idealistas e as posições ditas realistas: tudo o que vemos e mexemos do mundo em
que somos, só o podemos ver e mexer por o lermos com olhos e mãos de linguagem (“o olho e o mundo na fala”, escreve ele em A voz e o fenómeno).
Conhecer é sempre reconhecer, implica ter-se aprendido. Com olhos ocidentais,
ficamos perdidos diante dos costumes de outras civilizações. O que fazemos, é
segundo a ‘receita’ aprendida que fazemos, em cozinha como em qualquer outra
rotina: com uma receita nova lida, nas frases que a dizem vem o fazer que as
mãos e os utensílios farão. Como num retrato, está a rapariga, num mapa o
território. O fotografado ou pintado, ou o mapa, não são ‘idênticos’ à ‘coisa’ real
mas são ela ‘mesma’, não são riscos e cores ao acaso, sem o mapa de Portugal
não teríamos um conhecimento geográfico unificado do país. Assim o que se diz,
dum acidente ocorrido, por exemplo, não é o acidente mas é a única maneira de
acedermos a ele se não assistimos, o que se conta é o acidente, detalhes dele, é claro, outros são
possíveis e não se o esgota. Em resumo à maneira de Parménides: conhecer,
pensar, dizer é o mesmo do que
aquilo que se conhece, se pensa, se diz.
É a aprendizagem que faz de nós seres no mundo
10. A linguagem
é uma estrutura social, um uso que serve para aprender outros usos e assim
fazer das crianças adultos da tribo, seres no mundo tribal. Ensinam-se gestos
dizendo-os ou ‘faz-se assim’, gestos que, como na cozinha, repetem a receita
dita. Os usos que os humanos foram lenta e muito dificilmente inventando
tornaram-se mais fáceis de ensinar às gerações seguintes, tornaram-se possibilidades (Ser e tempo) que tanto são as de uma mulher ou de
um homem como do mundo deles. Como qualquer uso, aprender a falar e a pensar,
ou a fazer tal coisa pensando-a em sua receita, significa que a língua e a
cultura da respectiva tribo, comum a todos os indígenas, vem de fora estruturar o dentro de cada um como ser no mundo. Quem ensina, falando
ou fazendo fazer, repete o que a tribo diz e faz de maneira a que o aprendiz
receba (passividade) essa repetição e a repita (actividade) à sua maneira: aprender
é passividade tornar-se actividade espontânea e habilidosa. Voltamos ao enigma da différance que é o da aprendizagem, desta impressão ou
inscrição (cerebral, grafos), escrita de fora que se torna actividade de dentro,
que fará com maior ou menor habilidade, que dirá ‘eu, por mim, acho que...’.
Foi esta noção de aprendizagem que, sendo o segredo do ser no mundo, me parece que Heidegger não chegou a explicitar,
nomeadamente no que diz respeito ao pensamento. Mas posso ser eu quem se
engana, só que o próprio Derrida que, quer na De la Grammatologie quando aplica a redução de Husserl à diferença
saussuriana entre os significantes e os sons, quer quando lê o Esboço
de psicologia clínica (1895) de Freud em L’écriture
et la différence (1967), é da aprendizagem
que se ocupa, o próprio Derrida não o assinala, como se fosse um caso
particular, antropológico, da sua filosofia mais geral, ou como se não desse
por ela. Nunca dei por nenhum grande pensador ter dado importância desconstrutiva
do ‘sujeito’ ocidental à questão da aprendizagem, faz-me confusão.
P. S. - Barthes foi um dos meus grandes mestres de leitura, juntamente com Freud, Althusser e Derrida. Donde que me tenha escandalizado tremendamente quando, na sua lição inaugural ao Colégio de França, para sublinhar a literatura como 'batota', tenha dito e escrito que "a língua é fascista", obriga-nos a dizer. Já Nietzsche escrevera algures que o escritor ou o pensador vive preso nas redes da linguagem, tem que se haver com a sintaxe, sujeito e verbo por exemplo, o que se entende, mas tem também como pressuposto que o pensamento é prévio à língua, ultra individualismo europeu: contestar por anarquismo 'idiota' (idion, o próprio) que sejam os usos sociais e a língua que nos estruturam enquanto sujeitos. Ora, o que tenho mostrado vezes sem conta é que as regras da língua jogam em circunstâncias aleatórias, como uma conversa ou equivalente, onde se tem que reagir ao que nos dizem e não se sabe de antemão. O contrário do 'fascismo': as regras da língua dão-nos o dizer mas deixando dizer, digamos heideggerianamente.
P. S. - Barthes foi um dos meus grandes mestres de leitura, juntamente com Freud, Althusser e Derrida. Donde que me tenha escandalizado tremendamente quando, na sua lição inaugural ao Colégio de França, para sublinhar a literatura como 'batota', tenha dito e escrito que "a língua é fascista", obriga-nos a dizer. Já Nietzsche escrevera algures que o escritor ou o pensador vive preso nas redes da linguagem, tem que se haver com a sintaxe, sujeito e verbo por exemplo, o que se entende, mas tem também como pressuposto que o pensamento é prévio à língua, ultra individualismo europeu: contestar por anarquismo 'idiota' (idion, o próprio) que sejam os usos sociais e a língua que nos estruturam enquanto sujeitos. Ora, o que tenho mostrado vezes sem conta é que as regras da língua jogam em circunstâncias aleatórias, como uma conversa ou equivalente, onde se tem que reagir ao que nos dizem e não se sabe de antemão. O contrário do 'fascismo': as regras da língua dão-nos o dizer mas deixando dizer, digamos heideggerianamente.
[1] Que haja pensamento musical ou de cinema implica uma
concepção metafórica de linguagem; sobre o que se pode ver
http://www.educ.fc.ul.pt/hyper/resources/fbelo.htm, “palavras, números, músicas
e imagens”.
[2]
Trato desta questão no meu texto Da natureza
à técnica, da modernidade antiga à moderna (construção, desconstrução,
reconstrução. (e.book, 7€). O grego ousia, primária (no ente, fora dos ‘acidentes’) e
secundária (género e espécie), com o mesmo nome nas Categorias, será traduzido pelos dois termos latinos
‘substância’ e ‘essência’ respectivamente, e é contra a sua coincidência aristotélica,
defendida pelos realistas, que os nominalistas se rebelam (a novidade vinha do
cristianismo, a teologia então dominando a filosofia).
[4]
São as duas línguas que privilegia como
‘filosóficas’, o que só tem sentido justamente por dar uma importância inédita
às palavras em filosofia.
[5] O livro Heidegger e as palavras da origem da filósofa francesa Marlene Zarader dá uma lindíssima
panorâmica do pensamento heideggeriano da segunda época.
[7]
Criação de sinapsis no cérebro nas
aprendizagens, a crer o neurólogo americano Eric Kandel.
[8]
Também o francês ‘différend’, o diferendo entre
diferentes, se presta ao mesmo jogo, a ser ‘différand’.
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