Ter publicado Le Jeu des Sciences avec Heidegger et Derrida, um livro de 1000
páginas em dois volumes em francês foi um erro ou foi uma chance? A questão é
minha, claro. A editora, que não tem grande reputação mas publica imensos
títulos universitários que mais nenhuma quer, propôs-me que reduzisse o tamanho,
mantendo embora dois volumes, mas com sorte consegui vencer a resistência. Num texto que
não facilita, pois pede ao leitor curiosidade em seis disciplinas diferentes,
sem ter nome filosófico em França, quando a gente nova hoje só lê inglês – oh!
miséria do pensamento que valha – e a Internet fabrica leitores apressados à
pressão, parece ter sido um erro, face à única chance: a de o livro existir,
pode-se encontrar por acaso ou conselho.
Porquê ter optado por tal dimensão?
Só tenho um motivo, mas ele consola-me ainda que fique como único leitor:
aquele texto foi uma aventura da escrita, foi-se pensando enquanto se escrevia;
se posso dizer sem falsas modéstias, a sua escrita, com tudo o que ela teve de
aleatório, impôs-me respeito: percebe-se que ela me ultrapassa, devido às
leituras que fui intercalando com ela. E se venho à questão, foi por me ter
apercebido que uma das coisas que esse texto esclarece na sua estrutura é a impossibilidade de dissociar
na proposta formulada o que releva da tradição fenomenológica e o que releva
das várias ciências. Com efeito, o segundo capítulo, consagrado a Husserl,
Heidegger, Prigogine e Derrida, é dedicado ao motivo de cena, com os de redução, de doação retirada ou
dissimulada do Ereignis, de
produção de entropia e de suplemento e estrição respectivamente, que farão
parte da composição desse motivo por vir, mas esta não lhe foi possível fazer, composição que virá apenas no cap. 7, após a descrição de quatro disciplinas
científicas (que aliás fornecem outras componentes, inesperadas, como o retiro
regulador a compor com o estrito, as pequenas repetições e o acontecimento e a tese da verdade). Aliás os cap. 1 e 2 só foram escritos entre o 6º e o 7º. Mas quanta coisa só
veio depois, nomeadamente quase todo o 2º volume que não estava previsto quando
acabei o 9º capítulo (final do 1º volume). Apenas o motivo de duplo laço (double bind) vinha do acontecimento do pensamento que esteve na origem da escrita.
É claro que não conseguiria nunca
publicá-lo em português. L’Hamartan, que eu não conhecia (foi o José Gil quem
me falou nela para este caso), foi a única chance.
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