sexta-feira, 22 de novembro de 2013

O risco de publicar 1000 páginas en francês


Ter publicado Le Jeu des Sciences avec Heidegger et Derrida, um livro de 1000 páginas em dois volumes em francês foi um erro ou foi uma chance? A questão é minha, claro. A editora, que não tem grande reputação mas publica imensos títulos universitários que mais nenhuma quer, propôs-me que reduzisse o tamanho, mantendo embora dois volumes, mas com sorte consegui vencer a resistência. Num texto que não facilita, pois pede ao leitor curiosidade em seis disciplinas diferentes, sem ter nome filosófico em França, quando a gente nova hoje só lê inglês – oh! miséria do pensamento que valha – e a Internet fabrica leitores apressados à pressão, parece ter sido um erro, face à única chance: a de o livro existir, pode-se encontrar por acaso ou conselho.
Porquê ter optado por tal dimensão? Só tenho um motivo, mas ele consola-me ainda que fique como único leitor: aquele texto foi uma aventura da escrita, foi-se pensando enquanto se escrevia; se posso dizer sem falsas modéstias, a sua escrita, com tudo o que ela teve de aleatório, impôs-me respeito: percebe-se que ela me ultrapassa, devido às leituras que fui intercalando com ela. E se venho à questão, foi por me ter apercebido que uma das coisas que esse texto esclarece na sua estrutura é a impossibilidade de dissociar na proposta formulada o que releva da tradição fenomenológica e o que releva das várias ciências. Com efeito, o segundo capítulo, consagrado a Husserl, Heidegger, Prigogine e Derrida, é dedicado ao motivo de cena, com os de redução, de doação retirada ou dissimulada do Ereignis, de produção de entropia e de suplemento e estrição respectivamente, que farão parte da composição desse motivo por vir, mas esta não lhe foi possível fazer, composição que virá apenas no cap. 7, após a descrição de quatro disciplinas científicas (que aliás fornecem outras componentes, inesperadas, como o retiro regulador a compor com o estrito, as pequenas repetições e o acontecimento e a tese da verdade). Aliás os cap. 1 e 2 só foram escritos entre o 6º e o 7º. Mas quanta coisa só veio depois, nomeadamente quase todo o 2º volume que não estava previsto quando acabei o 9º capítulo (final do 1º volume). Apenas o motivo de duplo laço (double bind) vinha do acontecimento do pensamento que esteve na origem da escrita.

É claro que não conseguiria nunca publicá-lo em português. L’Hamartan, que eu não conhecia (foi o José Gil quem me falou nela para este caso), foi a única chance.

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