1. A questão do chamado Rendimento básico
incondicional (RBI) é tratada na nova revista trimestral Electra duma maneira inteligente, pondo em contraste os
argumentos do filósofo André Barata que o defende em dez teses e os do “profissional
de transformação digital” George Zarkadakis (grego, vive em Londres) que o critica.
2. Resumo da posição de A. Barata, a favor do RBI.
“Extinção do trabalho assalariado como um horizonte futuro possível”,
“desmercadorizar o trabalho, devolvê-lo ao campo das finalidades”, “um rendimento universal independente
do trabalho interrompe o ciclo forçado de opressão social”, “uma politica de
rendimentos mais igualitária”, “todos contribuem de forma proporcionalmente
desigual para todos beneficiarem de forma igual”, “não convite ao
individualismo, mas um novo contrato social exigente”, “um novo fôlego para o
projecto europeu”: estas são as sete primeiras teses, as três últimas
debatendo-se com a ambivalência entre uma “social-democracia aprofundando e
alargando o Estado social” e um “mero ajustamento do sistema de produção,
garantia de distribuição de rendimento suficiente” para que “cada novo não
trabalhador não deixe de consumir” e propondo uma “transição de paradigma”, um
“compromisso pela emancipação”.
3. Resumo da posição de G. Zarkadakis, critica do
RBI, que é estatista, “continua a subjugação do cidadão comum a uma oligarquia
económica e intelectual (que geralmente controla o Estado)”. O Estado tem
aumentado muito o seu papel na economia (como ilustram dois gráficos a
propósito dos EUA), “estamos à beira de uma revolta por parte dos cidadãos do
mundo desenvolvido” (como assinalam Brexit, Trump, Syriza, extrema direita
alemã e austríaca, etc.). Duas opções extremas : nacionalizar a economia, isto
é, comunismo; ou um “capitalismo de Estado e o RBI”, “um caminho para o totalitarismo,
seja marxista ou corporativista”. Questão ética também: “a maioria das pessoas
precisa de se sentir valorizada e produtiva, viver uma vida com significado”,
“uma vida de ócio nos limites da pobreza pode não parecer desejável”. “Se não é
o RBI, qual é afinal a solução? Usar a imaginação e pensar para além da
dependência de um tal Estado, em sistemas inovadores em que a inteligência
artificial , com outras tecnologias, potencie a nossa criatividade e
auto-desenvolvimento, não de cima para baixo, mas de baixo para cima. Em suma,
num futuro pós-trabalho, é preciso reinventar a democracia e o significado do
trabalho”.
4. Da argumentação deste, retenho uma das
dificuldades maior da de Barata: dirigindo-se a toda a população, como se chega
lá sem ser através do domínio estatal e como consegui-lo sem conflitos imensos?
Em vez de se desenhar o que será o novo ‘paradigma’, à maneira das antigas
utopias, seria melhor ponderar a situação actual como ameaça de agravamento:
robots e computadores criam desemprego e precariedade, sem que se possa
garantir que será um processo sempre crescente que acabaria com todos os empregos
(que seria o contrário dos economistas que crêem no crescimento económico para
‘depois’ distribuir, aumentando empregos, melhorando salários e subsídios de
desemprego).
4. O diagnóstico deverá ter em conta não apenas o
desemprego (e os subsídios) e a precariedade dos salários, mas ter em conta
também o facto de a maioria dos salários que são propostos à população activa
correspondem a trabalhos monótonos detestáveis para gente cada vez mais
escolarizada e conhecedora das possibilidades de coisas interessantes para
fazer e ter em conta ainda que frequentemente, em férias ou quando chega a
reforma, muits gente fica sem saber o que fazer desse tempo todo livre. Ora, a
primeira medida que se apresenta – mas tendo em conta que este tipo de questões
não se ‘resolvem’ apenas ao nível de uma sociedade, terá que ser um processo
civilizacional – parece ser a da diminuição dos horários de trabalho em ordem a absorver-se tanto o desemprego como a
precariedade (já em 1980 reclamada por André Gorz em Adieux au prolétariat, que glosei largamente em Linguagem e
Filosofia, 1987), a dificuldade
sendo a de que não se tratará de medidas gerais, de leis para todas as zonas da
economia nem para todas as regiões, mas provavelmente de medidas oscilantes com
as conjunturas, pedindo contratos com firmeza adequada a essas oscilações e
vigilâncias sindicais e de fiscalização para evitar manobras contra os
trabalhadores. Sendo talvez uma etapa, já serviria para muita gente se
encontrar na situação de tempo livre a mais e de ir aprendendo a gozá-lo à sua
maneira, provavelmente com solidariedades de bairro, fomentando as municipalidades
associações ou locais mobilados de maneira a interessar actividades muito
variadas, de oficinas de reparação a casas de espectáculos, jogos e encontros.
É claro que há muita gente que tem trabalhos criativos, como se diz, onde se
fazem coisas apaixonantes que exigem estruturas, privadas ou públicas, que não
são improvisáveis em casa ou no bairro.
5. Só a verificação de que o agravamento da
situação se torna incomportável com este tipo de medidas, devido ao desenvolvimento
tecnológico – que entretanto também será afectado pelas questões ecológicas e
de reciclagem de materiais – é que se deverá pôr a possibilidade da criação dum
tipo de RBI, mas destinado apenas a quem o preferir, a quem queira desistir de
hipotéticas melhorias de salários e dum consumo melhorado para poder dedicar-se
às coisas de que gosta: em vez de empregos chatos, tempo para viver. Este tipo
de solução teria a vantagem de não implicar nenhum tempo de ruptura mais ou
menos revolucionária, que haveria de se sujeitar a referendos de resultado incerto,
como se sabe, mas sobretudo de pôr as pessoas a decidirem entre o ‘desgosto de
trabalhar’ e o tempo de viver.
1 comentário:
Interessante!
Enviar um comentário