sexta-feira, 8 de junho de 2012

Desemprego: flagelo ou promessa?


1. O espanto dos economistas com o aumento do desemprego que não cabe nos seus modelos alargados até 20 anos, faz pensar que será pouco tempo, que deveria ser de 200 anos, isto é, deveriam repensar a economia em termos de história da civilização. O que está a ser vivido como flagelo intolerável poderá então aparecer como promessa, nessa perspectiva positiva ser possível encontrar outras medidas.
2. Dois textos estarão na base do pensamento ocidental sobre a sociedade: o livro bíblico do Deuteronómio e a República de Platão, bem diferentes entre si mas ambos reformadores por motivos de justiça social e com base numa ética de solidariedade exigente; o primeiro com uma ‘promessa’ de abundância como resposta a essa solidariedade, as utopias do segundo só nos dois últimos séculos ecoaram e fracassaram, como o povo israelita também tinha sido incapaz do que lhe fora proposto pelos seus profetas.
3. No entanto, por outras vias históricas, o século XVIII reformulou este motivo da promessa, ao inventar a máquina como abundância social e ligeireza de vida, como possibilidades imensas de produção de coisas ‘impossíveis’ até aí e como substituição da pena que o trabalho sempre representou para os humanos por uma energia inédita, não mais biológica dos músculos humanos e dos animais domésticos, reelaborada da que a terra e o céu nos fornecem. [Ora, esta promessa da ligeireza de vida destinava-se apenas aos que até aí se sujeitavam, como escravos e criados, ao ‘servil’ de que os nobres se abstinham: foi a burguesia, nem aristocrata nem popular, quem esteve em condições (únicas na Europa, nem na China nem na Índia nem no Islão havendo classe equivalente) dessa invenção por razões filosóficas que agora não vêm ao caso].
4. O que é que espanta os economistas? É difícil escapar à ideia de que o desemprego que grassa desde os anos 70, na Europa pelo menos, é o fruto do enorme progresso da automatização electrónica, das economias de traba­lho humano trazidas pelos robôs e pelos computadores. Enquanto que no após guerra a produção de bens bara­tos, automóveis, electro­domésticos, apartamentos em betão armado, se dirigia à população que os produzia e recebia também a sua parte, os seus salá­rios de produtores sendo o seu orçamento de consumidores. E foi isso que permitiu a expansão das classes mé­dias, como se diz, os trabalhadores de escritório e de outros servi­ços, toda a gente lucrou com isso. Ora bem, a vaga electrónica ac­tual atingiu sobre­tudo o trabalho humano, o dos operários e dos escritórios. E eis o es­cândalo: este cumprimento parcial mas fulgu­rante da promessa da máquina – não em recessão, mas com au­mento dos bens produzidos, dos PIB – foi feito não como liberta­ção, como redução substancial do tempo de trabalho, quantas ve­zes tão monótono e embrutecedor, mas como catástrofe social, como exclusão de partes significativas da população activa desses frutos tão esperados. O que me espanta a mim é que não apareça nas discussões que andam em torno deste flagelo a parte de promessa que nele se esconde; quantificar não apenas os números das dívidas e do crescimento dos lucros, mas também o modelo da diminuição das horas de trabalho, que dê para repartir salários para todos: há matéria em França desde 1995 para se perceber as possibilidades e dificuldades dessa via. Economistas, ao trabalho!
Público, 6 de Junho 2012, excepto [ ]