1. Os economistas gabam-se de a
ciência deles ser a ‘mais matemática’ das ciências sociais, mas enganam-se
tantas vezes que não se percebe de que é que se gabam; pior, ultimamente
revelam-se impotentes para obstarem às consequências terríveis duma especulação
financeira que tomou os freios nos dentes e anda a comprar ao desbarato as
economias produtivas mais frágeis, depois de as ter incentivado a
desenvolverem-se com base no crédito fácil. Truques dignos duma qualquer fábula
de La Fontaine, a inventar se não a há já. E vê-se a multidão de economistas de
todo o gabarito a acharem que não há alternativa. Ciência exacta? Ainda que não
exacta: que tipo de ciência?
2. Para vislumbrar uma resposta: o
que é que faz da Física, Química e Bioquímica ciências exactas? Não é tanto a
teoria interpretativa, que tem as suas falhas como qualquer saber de humanos,
mas a sua dupla matematicidade: as equações algébricas que se inventaram para dar conta das medidas de movimentos variados, deslocamentos, correntes
eléctricas, transformações moleculares, etc. Ora essas medidas relevam da
tradição geométrica que o século XVII algebrizou (curvas em coordenadas
cartesianas correspondentes a equações) e têm a propriedade de os seus
resultados, em unidades convencionadas, se destinarem a ocupar as variáveis dessas equações e a verificá-las (‘verdade’ duma ‘igualdade’), qualquer que seja a
proximidade das interpretações teóricas delas, discutida frequentemente entre
os cientistas. As medidas dependem de técnicas diversas (régua, relógio,
balança, etc.), consoante a dimensão da experimentação laboratorial, e é usando
por sua vez, de forma politécnica, as equações e aplicando as técnicas de
medida que a engenharia constrói mecanismos capazes de movimentos concertados
segunda as descobertas experimentais. Mas é sempre ao tipo de
fenómeno singular, com experimentações científicas repetidas, que corresponde a
equação física. Galileu mediu o tempo da bolinha a correr pelo plano inclinado
com uma balança que pesava água, dizendo que “as diferenças e proporções” são
as mesmas, ainda que com unidades de medida diferentes: a equação é sempre
satisfeita com os diversos resultados de qualquer experimentação laboratorial
concreta. Isto não existe em Economia.
3. Os fenómenos de cujo saber a
Economia se ocupa são os do mercado, compras e vendas, segundo uma ‘língua’ de preços em unidades monetárias,
oscilando conjunturalmente, língua que todos os agentes devem conhecer, já que
é desses preços que se fazem os custos mais complexos dos orçamentos de cada
unidade social, empresa ou família. Se se pergunta em que é que consiste o
laboratório da Economia, percebe-se logo uma diferença importante: não há nada
de geométrico nele nem de equações algébricas cujas variáveis correspondam a
técnicas de mensuração. Essencialmente, o laboratório dos economistas, cuja
manipulação lhes dá um saber que mais ninguém tem de outra forma qualquer,
consiste nas estatísticas em
seus arquivos, os principais sendo oficiais. Elas não podem ter em conta os
fenómenos singulares do mercado, com é óbvio, cada compra e venda, cada custo e
cada orçamento, e está aí uma primeira diferença em relação às ciências
exactas: elas registam somas aritméticas de milhares desses fenómenos, contando com o ‘equivalente’ que a moeda é –
outorgando preço – a qualquer mercadoria para não precisar de ter em conta as
diferenças entre elas, adentro duma região de fenómenos estatisticamente
seleccionados. Na estatística – interesse e limite dela –, os fenómenos
económicos encontram-se misturados e quanto mais se subir em generalidade
económica, maior é a mistura. E o que é que se sabe que releve de
cientificidade? Movimentos sociais económicos, dados pelas diferenças entre
estatísticas correspondentes a dois períodos de tempo, comparando as
respectivas taxas: estas não têm dimensão, apenas cresceram ou diminuíram. Por
definição de ciência social, o ‘singular’ desaparece, donde que nenhuma técnica
exacta seja possível aos economistas, cujo saber é sempre de aproximações
(nunca há 100%), sempre com uma forte componente de interpretação.
4. Ora, esta é necessariamente politica e a razão é simples. Se alguém preocupado com a
solidariedade social pode pensar que o fenómeno crucial da Economia enquanto
ciência seria tratar a maneira de decidir a partilha justa do que se ganha com
a venda do que abastece o mercado de mercadorias entre os lucros dos que
investem o capital na maquinaria e os salários dos que laboram com esta, deverá
saber que não há nenhum critério rigoroso, aritmético ou científico para essa
decisão: os seus critérios são sempre políticos, de concertação ou de luta
social, com intervenção ou não do Estado. Ora, nas estatísticas, os lucros vêm
nas rubricas financeiras relativas ao capital, enquanto que os salários não
aparecem, vêm na contabilidade dos “custos sociais”, a dimensão politica
essencial entre ambos não joga nas interpretações feitas com base nas
estatísticas que os economistas fabricam e consultam, fica escondida nelas. O
que se chama ‘neoliberalismo’ vive dessa trapaça.
Público, 22 de outubro de 2015 [ligeiramente modificado]
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