1. David Marçal e Carlos Fiolhais mostram como ler
um texto que critica as suas próprias posições é susceptível de
desentendimentos tais que nem merecem resposta taco a taco (nome, título,
editora, data, não chegam para identificar um psiquiatra?). Pretendem
claramente denunciar a minha capacidade de argumentação, a qual não se deu como
a dum ‘cientista’, que não sou, apesar de ter tido na minha juventude uma
licenciatura em engenharia civil pelo IST, antes de vir a ensinar Filosofia da
Linguagem na Faculdade de Letras de Lisboa. A tese de doutoramento sobre a
epistemologia da Linguística estrutural abriu-me inesperadamente acesso à
questão da relação entre a fenomenologia (Husserl, Heidegger, Derrida) e as principais
descobertas científicas do século XX, a saber a teoria do átomo e da molécula,
a biologia molecular, interdito do incesto e exogamia como nó do social
(Lévi-Strauss), a dupla articulação da linguagem, a teoria das pulsões de
Freud. O interesse desta descoberta (ver o meu blogue filosofia com ciências[1]) é antes de mais filosófico, mas as várias
ciências são reorientadas fenomenologicamente umas em relação às outras. As
ciências foram geradas adentro da filosofia (Galileu e Newton consideravam-se
filósofos da natureza), foi Kant quem as separou da metafísica permitindo-lhes
ganhar autonomia conceptual e metodológica. Essa tarefa esgotada nos seus
efeitos, é pelo contrário a questão da unificação dos saberes que é hoje um dos
mais graves problemas do conhecimento, a que esta aliança entre ciências e
filosofia permite uma achega, contando nomeadamente com Prigogine. Dito isto,
vamos à homeopatia.
2. A leitura do texto póstumo de Jacques
Benveniste, Ma vérité sur la ‘mémoire de l’eau’, 120 páginas na Teia, mostra que, ao contrário do que consta nos mentideros cientistas que Fiolhais e Marçal repetem como verdade
revelada, ele resolveu laboratorialmente a questão da homeopatia sem ter no
entanto conseguido explicar teoricamente essa solução experimental[2].
A história da ciência e da técnica europeia tem muitas situações destas,
soluções empíricas de questões que não se entendem teoricamente. Um dos casos
mais conhecidos é o da máquina a vapor, comercializada em 1776 e que só foi compreendida
teoricamente com a termodinâmica um século depois. Durante um século, o seu
paradigma científico permaneceu ‘eficaz’ empiricamente, adiado o seu complemento
teórico; pode-se pensar que seja actualmente a situação da homeopatia, eficaz como terapia de medicina e em busca de
complemento teórico à experimentação laboratorial conseguida em vários
laboratórios, como Benveniste conta num texto duma honestidade límpida. Porque
é que a história dele não contará, só a dos que o não leram e repetem apenas o
que ouvem ou lêem?
3. Não defendi a homeopatia como ciência, digo no
início do § 3 do meu texto de 29/01 que não tenho competência para isso. Cito
dois Prémios Nobel ambos vivos, um médico laureado pelos seus trabalhos sobre a
sida, o outro físico inglês laureado em 1973, que conheceu de perto Benveniste.
4. “Em recente entrevista concedida
à revista Science de 24 de
dezembro de 2010, o virologista Luc
Montagnier,
ganhador do prémio Nobel de Fisiologia e Medicina de 2008 pela descoberta do HIV, defendeu Benveniste, que se tornou
alvo de chacota (ganhou o antiprêmio
IgNobel) e
descrédito quando declarou que a diluição alta usada em homeopatia tem efeitos biológicos. Montagnier publicou pesquisa relatando
a detecção de sinais electromagnéticos produzidos por "nanoestruturas aquosas" de sequências de DNA bacteriano biologicamente ativas. "Benveniste
foi rejeitado por todos, porque estava muito à frente. Ele perdeu tudo - seu
laboratório, seu dinheiro (...) Eu acho que ele estava em grande parte certo. O
problema era que seus resultados não eram 100% reprodutíveis", declarou Montagnier. "Não
posso dizer que a homeopatia está certa em tudo. O que posso dizer agora é que
as altas diluições estão corretas. Altas diluições de alguma coisa não são
nada. São estruturas de água que imitam as moléculas originais (...) Há uma espécie
de medo em torno desse tema na Europa. Disseram-me que algumas pessoas têm reproduzido
os resultados de Benveniste, mas têm medo de publicá-los por causa do terror
intelectual promovido por pessoas que não entendem isso," completou o virologista”
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Jacques_Benveniste).
5. “Em relação aos seus comentários
sobre afirmações acerca da homeopatia, as críticas centradas sobre a
quantidade incrivelmente pequena de moléculas presentes numa solução depois de
ter sido diluída repetidamente são algo que não tem sentido, já que os defensores
dos remédios homeopáticos atribuem os seus efeitos não às moléculas presentes
na água, mas às modificações da estrutura da água. Uma simples análise pode
sugerir que a água, sendo um fluido, não pode ter uma estrutura do tipo que tal
imagem exigiria. Todavia casos como os dos cristais líquidos, que fluem como um
fluido normal e podem manter uma estrutura ordenada em distâncias
macroscópicas, mostram os limites de tais maneiras de pensar. Não houve, tanto
quanto eu saiba, qualquer refutação à homeopatia que permaneça válida
actualmente depois de se ter em conta este ponto concreto. Um tema relacionado
é o fenómeno, afirmado por Yolene Thomas, colega de Jacques Beneviste, e
outros, como bem estabelecido experimentalmente, dito a “memória da água”. Se
for válido, isso terá um significado além da homeopatía em si mesma e atesta a
visão limitada da comunidade científica moderna que, em vez de se apressar a
provar tais asserções, a sua única resposta foi expulsá-las da discussão.” (Brian D. Josephson,
University of Cambridge) [3]
Público, 18/02/2015
P. S.
P. S.
Sr. Fiolhais, catedrático rima com dogmático quando em vez de dizer ‘no
estado actual do conhecimento científico, tal coisa não pode ser compreendida’,
diz ‘tal coisa nunca será compreendida’. Foi esta atitude que Max Planck
caracterizou dizendo que “a verdade nunca triunfa, são os seus adversários que
morrem”.
Por mim, não tenho competência para saber se a homeopatia é ou não
científica, se cura ou não. Mas sei avaliar a honestidade intelectual do texto
em que Jacques Benveniste conta o que fez e o que lhe fizeram gente assim.
Tenho dito.
2º P. S.
2º P. S.
Enviei este textozinho ao Público, Cartas à Directora, a 25 de Fevereiro, até hoje, 2 de Março, não foi
publicado, porventura por perceberem que não é à Directora que se dirige.
Faz-me confusão que um catedrático não saiba discutir sem ofender aqueles com
quem discute, nem sequer sabe ler os argumentos. Nunca tomei partido pela
homeopatia contra a medicina oficial, nem sequer sou ‘pela’ homeopatia; o que
fiz foi discutir o carácter dogmático da argumentação fiolhaisiana. Aliás,
tinha tido dois contactos epistolares com ele que me pareciam implicar que ele
tivesse alguma consideração por mim como autor. O dogmatismo varreu isso duma
forma eloquente. Assim como acha que as suas ‘opiniões’
valem mais do que as de gente com prémio Nobel. Porquê? O que é que ele já descobriu
que dê tanto peso ao que opina?
[2] Uma hipótese arriscada : http://filosofiamaisciencias2.blogspot.pt/2015/01/uma-adenda-jacques-benveniste.html
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