1. É confrangedor ver como o
paradigma vigente pode enganar tanta gente. Então não é que uma classe politica
dirigente que diz estar empenhada em combater o desemprego encontra como medida
politica aumentar o tempo de trabalho da função pública de 35 para 40 horas e
acabar com alguns feriados, isto é, tapar alguns empregos possíveis? É óbvio
que este tipo de medidas revela uma pura politica de contabilistas, que não tem
nada a ver com emprego ou desemprego, já que as contas a acertar são de
capitais, não há outras, gentes não contam senão como ‘custos de produção’,
isto é, como factores de produção por assim dizer mecanizados, instrumentos,
máquinas.
2. Ora, pensando bem nesta linha
percebe-se uma lógica diferente de possibilidades politicas, percebe-se por
exemplo que grandes empresas que mudam para mãos administradoras que se propõem
reformá-las procedam ao despedimento de milhares de trabalhadores sem que isso
pareça afectar o funcionamento interno da produção e da burocracia correspondentes,
antes pelo contrário. É que isso só é possível porque as novas tecnologias
electrónicas substituem as energias musculares e/ou cerebrais desses que são despedidos. Não foram elas que provocaram a grande onda de
desemprego que se foi gerando nas últimas três décadas enquanto os números de
produção subiam e aumentavam vertiginosamente os lucros das grandes empresas,
novas e algumas velhas que se adaptaram?
3. Mas não basta considerar a
história recente para encarar duma maneira certa esta questão, é preciso
pensá-la à luz da história do Ocidente: porque é que as outras grandes
civilizações, da China, da Índia, do Islão, não vieram até onde os nossos
antepassados chegaram e só se abriram recentemente à herança para receberem
justamente a tecnologia? A questão tem interessado historiadores de
competências variadas mas dos que eu conheço nunca têm em conta o factor que
originou a diferença, há 25 séculos, a invenção da definição por Sócrates que
sobretudo Aristóteles aplicou aos vários saberes da sua época, gerando a lógica
que tornou possível a geometria de Euclides 20 anos depois; ele instituiu o
texto gnosiológico de argumentos sobre essências intemporais e sem contexto que
as escolas de filosofia foram transmitindo e as universidades medievais receberam
para transmitirem por sua vez – escolas e livros impressos – a Galileu, Newton
e seus contemporâneos, que se consideravam filósofos que usavam geometria.
Houve a lendária história de cientistas europeus, tendo um fabricante de
instrumentos para os laboratórios deles, James Watt, conseguido enfim inventar
um dispositivo que distinguia uma fonte de energia de vapor de água e a possibilidade
de a ligar a máquinas de diferentes trabalhos: a máquina que a electricidade e o petróleo depois
melhoraram fortemente teve como resultado óbvio substituir o trabalho muscular de produções
cada vez mais variadas, multiplicar
as possibilidades de emprego e vir a aligeirar a dureza dos trabalhos.
Começando com horários enormes e condições pavorosas de ecologia interna em
fábricas e minas, a história da redução dos horários de trabalho e da melhoria
das suas condições é uma das partes nobres do século XX, juntamente com o
desenvolvimento científico e tecnológico.
4. Foi o que a tecnologia electrónica
veio ultimar, forçando ainda mais à redução dos horários de trabalho, o que o pensamento único económico-político
traduziu em desemprego crescente, tornando flagelo o que é historicamente
promessa de vida melhor para todos (já que os maiores lucros são hoje de
empresas com pouca gente, haveria quiçá que pensar numa taxa sobre a maquinaria
electrónica das empresas com coeficientes segundo os postos de trabalho
dispensados). Chegado aqui o filósofo deixa de ter competência para continuar,
atento embora à corrente minoritária que propõe o decrescimento para nos salvar
mas sabendo da grande dificuldade que lhe põe a globalização. Mas o que há que
afirmar claramente é que a história de pensamento que foi evocada faz dos seus
grandes heróis os antepassados de todos os humanos (iluminismo) e não apenas dos ‘pobres de espírito’
que só pensam em contas de números a crescer, que são a completa negação das
grandes paixões intelectuais e muitas vezes espirituais que fazem, juntamente
com os santos e os artistas, o admirável leque dos humanos que valem por nós,
nos guiam para cima e para a frente. Dá vontade de chorar pensar que o grande
saber que tornou possível a modernidade desaguou no meio social que provocou
esta borrasca económica de que Madoff é o símbolo, de ganância.
5. Urgente, urgente, é estabelecer
leis europeias que obriguem os capitais a obedecer às eleições democráticas das
várias nações da U. E., como as que vêm aí na Grécia, Espanha e Portugal.
Público, 5 de Janeiro 2015
P. S. O argumento de como foi a aventura do pensamento
greco-europeu (com o cristianismo, aliás, a relação de criação entre Dus e cada
vivo ou coisa tendo reforçado o efeito da definição como ontoteologia) que gerou a modernidade nas sociedades europeias prova-se também pelo
facto de que nenhuma sociedade fora das que lideraram o progresso ocidental e
veio depois a beneficiar dele, o pôde fazer sem pôr em primeiro plano a escola
para ensinar o que o Ocidente descobriu e inventou.
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