quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

A Ciência e a falsa ciência


1. O confronto entre medicinas que saudei em 16/11 do ano passado afinal não existiu, nada de diálogo científico do lado ‘ciência’ em relação ao outro lado, o testemunho digno de Paulo Varela Gomes e o depoimento da professora da Faculdade de Medicina da Nova Telma Gonçalves Pereira sobre a prática homeopática, nomeadamente sobre a existência de uma pediatria e de uma veterinária homeopáticas que refutam a acusação de ser apenas um efeito de placebo. Com efeito, tratou-se de denegrir uma prática terapêutica com dois séculos de existência, tratando-a sob a forma de slogan, ‘é só água e açúcar’, como uma ‘falsa ciência’ a que, por consequência, se negam efeitos terapêuticos. Dogmaticamente. O que parece certo é que a homeopatia, ao contrário da vacinação, sua prima pelo princípio da semelhança, não teve até agora sucesso nas tentativas laboratoriais da medicina molecular, donde não ser tida como ‘ciência’ por ela; mas isso significa antes demais uma incompatibilidade ‘experimental’, como a que creio existir, muito mais claramente aliás, face à medicina chinesa e à sua acupunctura (que não precisa de se considerar ‘ciência’ à nossa maneira). Levará isso à negação de efeitos terapêuticos ou apenas ao reconhecimento de diversidade de tradições culturais?
2. O que escandaliza o filósofo é a maneira não científica de abordar a questão. Embora talvez por nenhum dos contendores serem médicos, impressiona a inexistência de qualquer preocupação com os eventuais efeitos curativos da homeopatia: não só não lhes interessa, como negam que sejam devidos à medicamentação; não se pode argumentar dum só caso, dizem, mas sem pensarem nos outros milhares que há, que pode haver, que um cientista a sério ponderará como pondo problema, ainda que não seja ciência; aqui, isso fica excluído, é uma ‘falsa’ ciência. Darei um exemplo noutra área que é belíssimo, contado no livro L’influence qui guérit (a influência que cura) do psiquiatra Tobie Nathan (1994, Odile Jacob), confrontado com problemas mentais da sua clientela emigrante africana nos subúrbios de Paris. A teoria psicanalítica não mostrando eficácia nenhuma nesses casos, além de ter auxiliares indígenas a ajudarem-no a compreender as antropologias em causa, foi visitar curandeiros nos países dos seus doentes, aprender-lhes os mitos e os rituais, para vir em seguida utilizar esses rituais, médico e curandeiro, e conseguir as curas que procurava. Isto é que é um cientista que, encontrando limites da sua disciplina, vai além deles, busca compreender o que é curar.
3. Voltemos à homeopatia. Não tendo competência (mas vi uma familiar que começava a perder cabelo largar as injecções sem efeito dum dermatologista por uma homeopatia que lhe recuperou o cabelo em poucos meses), citarei quem a tenha na polémica que existe e que vá além de slogans roçando o fundamentalismo. No prefácio ao livro de Jacques Poncet, Homeopatia pediátrica, o médico J. Jouanny[1] fala da invenção da homeopatia como primeira medicina experimental (antes de Cl. Bernard!) noinício do s. XIX e diz como o livro de Poncet consegue desvencilhá-la da ganga de explicações sobre as causas das doenças, hipóteses filosóficas nunca verificadas, que a envolveu após a morte do inventor, o alemão Samuel Hahnemann (1755-1843). Este definiu a homeopatia como um método terapêutico cuja medicamentação é uma substância susceptível de criar num indivíduo são um sofrimento (pathos) semelhante (homeo). Três condições: conhecer os sintomas experimentais, tóxicos ou farmacológicos, das substâncias vegetais, animais ou minerais; compreender o conjunto das mudanças na maneira de sentir ou de agir do doente devido à sua doença; usar doses fracas ou infinitesimais para estimular as defesas do indivíduo sem lhe agravar os sintomas[2].
4. A correlação entre a medicina molecular e a homeopatia conheceu uma viragem com a proposta em 1988 do médico francês J. Benveniste: a questão de ser a água que guarda a memória da substância homeopática desaparecida na dissolução, o que o Nobel de Medicina (2008) Luc Montagnier recentemente disse consistir na única explicação para fenómenos que ele próprio encontrou (“J. Benveniste”, Wikipédia). Outro Nobel, inglês de física (1973), Brian Josephson, acolhe a proposta de Benveniste em 1997, dada a diferença da estrutura da água enquanto líquido[3]
[esta frase final está errada, como se pode ver pela versão espanhola do físico de Cambridge em anexo; não só a questão é difícil, como quando a escrevi só tinha lido o texto inglês; o meu inglês é dum aluno de liceu de há mais de 60 anos]








[2] Além da pediatria homeopática que este livro francês expõe, existe uma tese integral de homeopatia veterinária em http://theses.vet-alfort.fr/telecharger.php?id=490.

Público, 29 janeiro 2015-01-29


Anexos

13 janvier 2011 15:14, par Vincent Verschoore
Selon le Dr Luc Montagnier et cinq autres chercheurs, certaines séquences bactérienne et d’ADN virale induisent des ondes électromagnétiques de basse fréquence dans des hautes dilution aqueuses. Ce phénomène semble être démarré par le bruit de fond électromagnétique ambiant à très basse fréquence. Nous interprétons ce phénomène dans le cadre de la théorie quantique des champs. Le phénomène concerné pourrait permettre de développer des systèmes de détection extrêmement sensibles pour les infections chroniques bactérienne et virales.
BRIAN D. JOSEPHSON
  University of Cambridge
En relación con sus comentarios sobre afirmaciones acerca de la homeopatía, las críticas centradas sobre la increiblemente pequeña cantidad de moléculas presentes en una solución después de que haya sido diluida repetidamente son algo que no tiene sentido ya que los defensores de los remedios homeopáticos atribuyen sus efectos no a las moléculas presentes en el agua, sino en las modificaciones de la estructura del agua. Un análisis sencillo puede sugerir que el agua, siendo un flúido, no puede tener una estructura del tipo que tal imagen exigiría. Pero casos tales como cristales líquidos, que a la vez que fluyen como un flúido normal, pueden mantener una estructura ordenada en distancias macroscopicas, muestran las limitaciones de tales maneras de pensar. No ha habido, en mi conocimiento, cualquier refutación a la homeopatía que permanezca válida actualmente después de tomar en cuenta este punto concreto. Un tema relacionado es el fenómeno, afirmado por la colega de Jacques Beneviste, Yolene Thomas y otros de la bien establecida experimentalmente, “memoria del agua”. Si demuestra ser válido, esto tendría mayor significado que la homeopatía en si misma y atestigua la visión limitada de la comunidad científica moderna que lejos de apresurarse a probar tales aseveraciones, la única respuesta suya ha sido rechazarlas de plano.
Após leitura parcial do texto de Benveniste (Ma vérité sur la mémoire de l'eau), dou-me conta de que está aqui em questão uma hipótese da desconstrução derridiana: as moléculas [substância] dissolvidas indefinidamente desaparecem, deixam de ser 'fenómeno', e o que Benveniste atribui a efeitos retidos pela água em que as dissoluções se fazem não consiste senão em (um tecido de) 'diferenças', como exprime o seu recurso a ondas electromagnéticas. Seria o campo de forças electromagnético que sobreviveria na água à dissolução das moléculas que o constituiram. 

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