texto inédito com alguns anos, que foi resposta a uma pergunta duma jornalista do D. Notícias, que utilizou em seguida o que quis em artigo seu (julho 2005)
1. Há que completar a questão: ‘será que as
mulheres pensam de maneira diferente dos homens?’ É esta a questão que está em
aberto e para a qual as respostas, necessariamente plurais, vão continuar por
várias gerações, creio. Sem este acrescento – com a pressuposição de que os
homens pensam, e então as mulheres? – a pergunta seria ignóbil.
2. Depois há que desconfiar das categorias
‘mulheres’ e ‘homens’: um camponês e uma camponesa, supondo-os inteligentes,
estão mais perto um do outro no pensar deles do que do seu ‘par de sexo’ de um
casal de médicos, também supostos inteligentes, e estes igualmente.
3. Em seguida, o que é que se entende por
‘pensar’? Se se lhe der um sentido razoavelmente exigente, o de inventar pensamentos
que venham a ter futuro, então quase ninguém pensa, nem eu nem você, e aí não
se sabe se o sexo terá algum significado. Se entendermos ‘pensar’ em sentido
da vida quotidiana, de capacidade de ajuizar e decidir nas dificuldades
inéditas que ela ponha, julgo, da minha experiência e observação e do que leio
em livros e vejo em filmes, que facilmente as mulheres são mais espertas e
rápidas do que os homens, talvez porque foram obrigadas por uma longa tradição
patriarcal a serem manhosas para levarem a água ao moinho delas: muitos
provérbios sublinham essa manha, que por vezes até ajuda aos maridos no campo
deles. Mas não é sempre assim, também se encontra o contrário.
4. Se viermos enfim à questão da escrita
literária, das artes, das ciências ditas duras, das matemáticas, a primeira
constatação a fazer é, parece-me, que as mulheres foram sistematicamente
arredadas delas durante séculos e ainda não deu tempo para se criarem tradições
femininas nesses sectores. Ora o que chamamos pensamento implica
essencialmente tradição e sua aprendizagem (aprende-se a pensar lendo e ouvindo
pensamento), e esta ainda se faz em grande parte por género, entre mulheres,
entre homens. A educação mixta é muito recente em todo o mundo ocidental, os
primeiros frutos dela têm levado a maioria das mulheres para os campos
intelectuais mais adequados às tradições femininas, como se conclui do tipo de
profissões que se têm feminizado mais rapidamente. Nas profissões que mais
têm resistido, começa a haver mulheres que se revelam profissionais de valor
mas que são ainda minoritárias, o que lhes dificulta muito ganhar mestria no
pensar. Por isso, a questão está aberta às gerações futuras: elas mostrarão se
vai continuar a haver carreiras intelectuais predominantemente femininas e
outras masculinas.
5. Dito isto, a questão mais difícil é a das
diferenças. Por exemplo que sem dúvida você conhece melhor do que eu, há escritoras
que reivindicam uma escrita feminina e outras que se lhe opõem, há quem diga
que as escritas de Proust, Bernardim Ribeiro e outros homens são femininas. Se
se quisesse pôr a (invenção da) matemática num pólo (de razão) e a poesia no
outro (de letra) e distribuir homens e mulheres segundo esses pólos,
encontram-se também muitos homens do lado de cá, como sempre foi, mas também
muitas mulheres boas ensaistas a revelarem-se tão incapazes de poesia como
muitos homens.
6. Escrevi no texto que me citou, a propósito
da Luce Irigaray, que as questões que ela colocou nos seus primeiros textos –
justamente sobre a feminidade e a sexualidade feminina – me resistem muito
fortemente: elas levar-me iam a crer que certas regiões do pensamento ou
certas maneiras de as abordar poderão ser onde esta diferença melhor se
revele. Mas não estou certo de que não se trate apenas de defeito meu. Há
mulheres filósofas que também lhe resistem, a tomam por ‘essencialista’, isto
é por defensora duma oposição essencial entre os dois sexos. Não julgo que haja
posição neutra que permita decidir.
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