quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Movimento e Acontecimento (Ereignis)


(pequena nota)

1. Em http://filosofiamaisciencias2.blogspot.pt/2015/05/os-passos-que-o-tempo-da.html escrevi que o motivo de movimento em Aristóteles era prioritário sobre o de tempo, que Ser e Tempo privilegia no título. Era uma espécie de critica a Heidegger, mas o tempo nesse grande texto é, tanto quanto me parece lembrar-me, a temporalidade do Dasein, do ser no mundo, o qual, ‘ser’, se destaca contudo do que será o Ser posteriormente, o que dá e retém a doação. Se creio certo que o motivo aristotélico de ‘movimento’ não aparece explicitamente em Heidegger, é provavelmente porque restringido ao ‘ente’ e deixando as suas marcas nos ‘acidentes’ que, relevando do movimento e portanto do tempo, como que se ‘substancializam’ como ‘qualidades’ do ente, que duram, permanecem. Tudo coisas com que Heidegger está rompendo. Como parece testemunhar o texto sobre a phusis em Aristóteles de 1940 (Questions II), em que a análise da ousia se faz como o que se explica pelo movimento, mas sem que este ganhe qualquer primazia (escrevo esta pequena nota de cor, sem ter ido olhar de novo os textos, segundo o que creio ser a lógica do pensamento heideggeriano).
2. Ora, Tempo e Ser, a conferência de 1962 que se apresenta como o acabamento do percurso que vem desde 1927, torna claramente o tempo como dependente do que o dá ao ente, e isso que o dá (não sendo por certo o movimento, de nível ôntico) tem em todo o caso precedência sobre o tempo, pois que de nível ontológico. A temporalidade do ente deve relevar do nível ôntico, onde se passam os movimentos e os acontecimentos, com que o Ereignis não se confunde (embora, contra uma observação de Derrida, acho que se deve traduzir por Acontecimento, sentido corrente de Ereignis em alemão): a diferença ontológica em 62 é entre o ontológico Ereignis (que é ‘nada’) e os ônticos tempo e ser (só em entes que ‘são’), senão o texto perderia todo o sentido. Enquanto que em Aristóteles, a ousia parece ser o nível ‘ontológico’ e os movimentos relevarem do ‘ôntico’, do fenomenológico ou physico, já que a ousia é tratada na Metaphysica aquém ou além do movimento, em Heidegger 62 haverá saída da ontoteologia (em Aristóteles, esta predomina por definição!) como atesta justamente o motivo de Acontecimento com a sua pluralidade anterior à unidade de cada ente que se jogue, seja doado e/ou transformado, nos acontecimentos dados. É por isso que creio poder falar em acabamento de 62 em relação a 27, já que a ruptura deste com Husserl, segundo a lição de João Paisana, foi justamente com o ‘objecto’ definido, retorno ao quotidiano do Dasein, isto é início da saída da ontoteologia.
3. O que Heidegger não fez nos seminários que comentam Tempo e Ser nem nos seguintes foi tirar a conclusão desta viragem – deste III Heidegger! – para o Dasein. Nunca o ser no mundo é dito ou aludido como doado em multiplicidades pelo Acontecimento (ou pela Terra – Mundo dos anos 30, quando o termo de Ereignis lhe surgiu).

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