sábado, 12 de novembro de 2011

Cérebro e computador

1. Permita-se-me uma pequena reacção à entrevista de Ed Boyden (Público de 10/11/11) que é um bom exemplo do que é a investigação neurológica pelas bandas americanas, com a ressalva de um A. Damásio que deveria ficar infeliz se a lesse. Na sua juventude de sucesso, E. B. é uma figura simpática, mas a sua ingenuidade entusiástica deixa ver bem as lacunas do paradigma dominante na actual neurologia, submetido às inteligentes questões de Ana Gerschenfeld. Ele deverá ser um excelente engenheiro de laboratório, em geral nisso os Americanos são muito bons. Mas o laboratório não é tudo: ele arranca o fenómeno a estudar à cena do Mundo e cria condições experimentais de determinação que permitam conhecimentos, experiência a experiência, sempre fragmentariamente. E por isso é necessária, antes e depois, uma teoria adequada do que se passa na cena do Mundo a que o fenómeno é restituído e é quando se pode verificar a compreensão que se ganhou.
2. É o paradigma que E. B. exibe, socorrendo-se de exemplos de investigações que se estão a fazer ou de ‘há quem pense que’, de ‘escolas de pensamento’; por vezes são investigadores de informática, que têm problemas de paradigma equivalentes quando tomam o cérebro como modelo para os computadores. Sabendo embora que o cérebro não funciona em código binário O/1, estes neurólogos acham que “é possível representar seja o que for com um código digital”, e E. B. cai na armadilha que Ana G. lhe estendeu: que virá a ser possível, embora “muito difícil, muito difícil”, “colocar as nossas memórias num disco rígido e recuperá-las em caso de Alzheimer”!
3. A questão da comparação entre cérebro e computador está viciada nos pressupostos: que o cérebro serve para calcular e pensar, iludindo que os cérebros humanos que fazem isso são essencialmente muito parecidos com os de chimpanzés ou de cães, os quais são incapazes de calcular e pensar como os computadores. Os nossos cérebros animais foram inventados pela evolução para gerir a alimentação e a respiração e para caçar e fugir a ser-se caçado, é para isso que há ‘neurónios’ articulados com hormonas e outras químicas. Calcular deve-se à invenção de números, pensar à invenção de línguas, que, com técnicas de habitação, introduzem – aprendendo-se – nos nossos cérebros lógicas sociais, variáveis com as antropologias: o nosso cérebro é simultaneamente um órgão biológico e social. O computador é só social.
4. Um último ponto: “se substituirmos as células uma a uma por pequenos computadores que reproduzem exactamente o que cada célula faz”, diz E. B. a dado momento, e eu não queria acreditar nos meus olhos. A especificidade dos neurónios enquanto células animais é de, com muitas centenas de sinapses, fazerem redes com milhares de outras células e assim se afectarem umas às outras formando, redes com redes, um cérebro auto-afectado e afectado pelo mundo. Isto é, ‘um neurónio’ não existe por definição: neurónio é sinapses! Vê-se bem como fazem falta neurólogos teóricos, capazes de articular o trabalho de laboratório com a cena do mundo.

1 comentário:

Luis de Barreiros Tavares disse...

Se bem compreendi, as experiências do cérebro arrancadas da cena do mundo para o laboratório deverão ser restituídas à cena nas condições não só biológicas mas sociais que são as do cérebro? Mas como pode o neurólogo reflectir sobre estas questões, também na sua dimensão filosófica se, no próprio caso do Ed Boyden, «nem um filósofo conhece», tal como salienta na entrevista? Embora seja um rapaz novo, com trinta e poucos anos, já podia ter conhecido algum.

Saudações