A recensão por D. Pires Aurélio da Breve história da Filosofia de P. Tunhas e A. Abranches (Expresso 3 novembro 2012) releva dum conceito escolar de
Filosofia (conceptual, exterior ao mundo e à história) e parece ignorar que há
outras maneiras filosóficas de encarar essa história, e portanto de encarar a
questão dum eventual ‘progresso’ da filosofia, desde que esta seja encarada
como parte efectiva da história do Ocidente greco-europeu, como parte decisiva
pelos efeitos que teve nessa história. Se se tem em conta o pensamento de
Heidegger e de Derrida, a importância dada às palavras, à sua tradução, aos
textos, e não apenas aos ‘conceitos’, às ‘ideias’ e seus sistemas, é possível
relevar por exemplo: que não haveria o Ocidente que há sem a invenção da operação
de definição por Sócrates, Platão
e Aristóteles; que o cristianismo não teria passado dum culto oriental do
império romano como outros se o platonismo não tivesse pegado nele desde
Orígenes de Alexandria (início do sec. III); que a diferença da Europa em
relação às grandes civilizações asiáticas foi ter no seu berço a filosofia,
além da Bíblia e do direito romano, isto é, as universidades medievais; que Galileu e Newton consideravam-se filósofos e
de facto inventaram uma segunda operação de conhecimento, após a da definição,
o laboratório científico; que
todas as outras ciências, economia, biologia, psicologia, surgiram também da
filosofia, como as filosofias políticas que vieram ter à democracia.
Várias tentativas de historiadores e economistas
para compreenderem o segredo da modernidade europeia (como E. Jones O milagre europeu, 2002, Gradiva, A.
Schiavone, L’histoire brisée. La Rome antique et l’Occident moderne, 2003, Bélin, K. Pomeranz, La force de
l’empire. Révolution industrielle et écologie, ou pourquoi l’Angleterre a fait
mieux que la Chine ?, 2009, Ère) falharam porque provavelmente têm
também uma concepção puramente conceptual da filosofia, não lhes veio à cabeça
que definição, universidades medievais e laboratório científico fazem parte
estrutural da diferença europeia. Pelos vistos, há filósofos que também não o
sabem.
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