quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Ciências, determinismo, reducionismo, relativismo




Textos deste blogue que serão aqui citados






1. Qual é o interesse filosófico da desconstrução das ciências, em que estas são parte activa da argumentação fenomenológica? Pode aliás haver um inconveniente, para um cientista a quem aconteça ler um texto que pretenda ‘desconstruir’ a ‘sua’ ciência, é uma espécie de suspeita de proprietário em relação a um vizinho que esteja a querer mudar os limites do seu jardim, a entrar no dele: mas o que é que este filósofo sabe da minha ciência? Ele quer-se fenomenólogo, mas quem sabe dos fenómenos de que se trata nos laboratórios somos nós, os cientistas, não os filósofos. E é óbvio que tem razão, o não especialista não sabe praticamente nada do que se passa num laboratório científico. A recíproca também é verdadeira: o cientista não sabe grande coisa de filosofia, ainda menos da que se pretende desconstrutiva, e pode pretender com boa fé, como Edgar Morin me respondeu em tempos a um e.mail, que há disjunção total entre ciências e filosofia. Aí já o filósofo porá uma objecção: as ciências não se esgotam no laboratório que escapa ao não especialista, são os próprios cientistas que escrevem livros de divulgação para leigos em que as partes laboratoriais mais complicadas são simplificadas e em que as questões filosóficas aparecem com alguma frequência, por vezes os próprios autores o reconhecem. É que as ciências são filhas históricas da filosofia e da definição que ela inventou como sua operação de base, não como laboratório, mas como o seu ‘escritório’ inventor de essências e conceitos, incluindo aqueles de que o cientista se serve para articular as suas hipótese e teorias. Desde Platão, que colocou os seus ‘definidos’ no céu, Formas ideais eternas e imutáveis predominando sobre as coisas terrestres que as reproduziam mimeticamente: o céu e os deuses (astros) predominando sobre a terra e os humanos desde as mitologias, marcou-se assim a filosofia como ontoteologia (Heidegger), o que é eterno explica o que nasce e é mortal. É certo que Aristóteles operou um “retorno às coisas” e ao seu movimento, mas como se disse noutro texto (“Movimento e causalidade”), a ousia – substância essência – prevaleceu sobre os acidentes do seu contexto, como a interioridade sobre a exterioridade; aliás, com o cristianismo Platão regressou em força – o Criador celeste de que cada criatura terrestre é originado – e inclusive platonizou o aristotelismo medieval. É certo que Kant, que deu autonomia às ciências europeias, colocou Deus, alma imortal e coisa em si (substância) fora do alcance do entendimento, mas ao pretender que fez uma revolução copérnica colocou o sujeito da razão como o ‘sol’ em torno do qual giram as ‘coisas’ do ‘realismo’ cristão: desloca assim a ontoteologia do par Criador / criatura para o par sujeito / objecto, este definido como fenómeno cujo movimento é analisado no laboratório de Newton, aquele o que prevalece enquanto sede do conhecimento. João Paisana mostrou muito bem na sua tese sobre Fenomenologia e Hermenêutica. A relação entre as filosofias de Husserl e de Heidegger como este cortou com aquele justamente ao denunciar o ‘objecto’ como já delimitado do seu contexto, já ‘definido’, e ao reclamar, por assim dizer pelo ‘humano quotidiano’ contra o ‘filósofo conhecedor’, o Dasein como ser no mundo, isto é, alguém feito pelo seu contexto, por exemplo, pelos usos que aprende, ilustraria eu.

Discurso e texto
2. Eis o ponto que se oferece à desconstrução: o primado científico do fenómeno analisado no laboratório sobre o que, cientificamente ignorado, permanece fora, como contexto. Exemplos: a bio-molécula dum medicamento e os efeitos secundários dela noutras moléculas não testadas, as peças testadas duma máquina e a poluição que ela provocará (para não falar das análises teóricas económicas feitas sobre as estatísticas do passado e as crises que a sua aplicação provocam, como temos visto e sofrido, onde é o próprio carácter científico das teorias que creio em causa). De forma geral, num par indecidível pensamento / discurso (linguagem), teoria / experiência, planetas / campo das forças gravitacionais, cargas eléctricas / campos electro-magnéticos, organismo / ambiente, fruto do laboratório / ‘realidade’ extra laboratorial, a definição decide pelo definido, circunscrito (pelo conhecimento que o sujeito dele tem) sobre o contexto donde foi buscado, contexto que é a sua origem complexa, indeterminada. O que pretendo é que a desconstrução, segundo o exemplo no mesmo texto do automóvel, permite ligar a máquina saída do laboratório com a lei do tráfego que lhe determina a anatomia, ligar o laboratório e o seu fora como cena de circulação com suas regras, que o engenheiro replica no aparelho do carro e na sua articulação com o respectivo motor (de explosão ou eléctrico). Este exemplo será suficiente para se perceber que o filósofo não tem pretensão nenhuma de ‘ensinar ciência ou engenharia’ mas apenas a olhar as coisas de maneira adequada ao que cientistas e engenheiros fazem, é do retorno às coisas que a fenomenologia se reclama.

3. “Uma das definições do que se chama desconstrução seria a tomada em conta deste contexto sem bordo, a atenção mais viva  e mais larga possível ao contexto e portanto um momento incessante de recontextualização” (Derrida, Limited Inc., Galilée, ver texto sobre o “exorbitante”). Esta citação confirma o que acabo de propor: ter em conta com o definido, com o laboratório, o contexto donde ele foi retirado. Mas ela segue-se de outra coisa que merece atenção. “A frase, que para alguns se tornou uma espécie de slogan, em geral tão mal compreendido, da desconstrução (“não há fora-de-texto”), não significa senão que não há fora-de-contexto. Sob esta forma, que diz exactamente a mesma coisa, a fórmula teria sem dúvida chocado menos”. Esta formulação convida a deslocar o que propus como retorno às coisas: em vez de olhar as coisas de maneira adequada, ler de maneira adequada os textos que cientistas e engenheiros escrevem sobre o que fazem, sobre o que Khun chamou paradigma (ver texto no blogue). E o que é que Derrida chama texto e que distingue de discurso (a “órbita”? “[...] de maneira um pouco convencional, chamamos aqui discurso à re­presentação actual, viva, consciente dum texto na experiência da­queles que o escrevem ou o lêem [...] o texto transborda sem ces­sar esta representação por todo o sistema dos seus re­cursos e das suas leis próprias [...]” (De la grammatologie, p. 149). Quando se fala ou se escre­ve, ninguém pode ter consciência das leis linguísticas e textuais que operam no discurso que diz ou escreve, somos inevi­tavelmen­te transbordados por efeitos textuais não conscientes (mas legíveis por outros, já que segundo regras da língua, como um analista consegue decifrar o que outros não lêem). “O escritor escreve em uma língua e em uma lógi­ca de que, por definição, o seu discurso não pode dominar absolu­tamente o sistema, as leis e a vida própria. Ele não se serve delas senão deixando-se duma certa ma­neira e até um certo ponto gover­nar pelo sistema. E a lei­tura deve sempre visar uma certa relação, desapercebida do escritor, entre o que ele comanda [o seu ‘discurso’] e o que ele não co­manda dos esquemas da língua que usa [do texto]. Esta relação não é uma certa repartição quantitativa de sombra e de luz, de fraqueza ou de força, mas uma estrutura significante que a leitura crítica deve pro­duzir”. Qualquer texto é sempre heterogé­neo, a sua busca de homogeneidade (ou discur­so) é jogo de vários textos e seus embates. É essa heterogenei­dade (ou texto) que a leitura ‘desconstrutiva’ de Derrida pro­cura (mais do que exibir) fazer ressaltar em seus confli­tos, de ma­neira a que ga­nhem nova força de pensamento no contexto da nossa mo­dernidade, aju­dem a pensar conflitos e crises. Dito de outra maneira. A linguagem permite-nos falar (ou escrever) sobre coisas passadas, ausentes, ficções e erros, inclusive, trazendo-as ao texto entre falantes (ou leitores), não é precisa para dizer o copo presente na mão ou à vista. Mas também o pode dizer, e quando o diz, é como se o copo não estivesse lá; lá, aonde? Na chamada realidade, ele ‘está’ nas frases que o dizem e para isso servem, para as coisas ditas desaparecerem enquanto ‘presença natural’. Ver o exemplo de Derrida sobre o “céu azul” no texto sobre o “exorbitante”.
4. O paradigma segundo Kuhn tem a grande vantagem de dizer o que se pensa e faz num laboratório, sem corte entre teoria e experiência. Sem ter em conta os ‘excessos’ singulares devidos a quem escreve, pode ser transposto como motivo fenomenológico das ciências sociais. Mas cada texto de um ou mais cientistas cabe no motivo derridiano de órbita, relevando da singularidade de cada texto e no caso das ciências da sua correlação correcta (ou não) com o paradigma. Desconstruir, será exorbitar este, já que Kuhn definiu o paradigma seguindo a ‘consciência’ dos cientistas. Corresponde ao que o seu autor tem em vista, ao seu ‘discurso’ consciente, ao que ele quer dizer. Exorbitar é ir além dessa órbita propositada, ir ao ‘texto’, buscar excessos à órbita que não se dão à vista desarmada. A questão é saber se o critério do diagnóstico de oposições desapercebidas é suficiente, inscritas na tradição do saber por definições e laboratórios; isto é, como estabelecer o diagnóstico da supremacia da substância, da essência (definição), sobre a cena / campo, o diagnóstico da ontoteologia que os cientistas herdaram de Aristóteles sem saber. Não creio que haja um ‘método’ a seguir, mas apenas atenção a sintomas dessas oposições. Mas só há sintomas para uma abordagem filosófica, no caso são os textos de Heidegger e Derrida que oferecem uma margem donde sintomas se podem ler, astuciosamente. Se posso invocar dois exemplos pessoais, os das minhas leituras do evangelho de Marcos e da Poética de Aristóteles, foi sobretudo o S/Z de Barthes que me guiou e curiosamente em ambos os casos aconteceu que foram chaves preciosas dessas leituras a consideração do termo logos no texto grego que as traduções modernas restituem com termos diferentes segundo o contexto, inviabilizando uma leitura textual. Sintoma no primeiro caso foi o duma contradição entre duas camadas do texto. Isto é, não havia nenhum ‘método’ além da abordagem que Barthes propunha, ler o texto nas suas diferenças (conotações e códigos) e não nas crenças do leitor.

Determinação sem determinismo
5. Dito isto, podemos voltar à questão inicial deste texto, supondo os exemplos que dei no texto sobre Movimento e causalidade: qual é o interesse filosófico da desconstrução das ciências? Ele incide nomeadamente na reelaboração da teoria de modo a elucidar a relação entre laboratório e cena de circulação dos fenómenos que ele analisou nas suas componentes: ora, é na ignorância dessa relação que se alojaram os três debates filosóficos importantes do século XX que cita o título deste texto. Comecemos pelo determinismo. Bem antigo na tradição filosófica, pelo menos deste Agostinho de Hipona, dependente da relação entre Criador e criatura, ele foi, implicitamente pelo menos, sempre um pressuposto das novas ciências europeias e da importância crucial da relação causa – efeito que elas buscam. Ora, como sugeri em Porque é que as ciências precisam de laboratório?, o laboratório justifica-se por criar condições de determinação que tornem possível encontrar correlações de tipo causa – efeito, o que tem como consequência que fora dele as ciências não conhecem determinações, o contexto aonde vão buscar o fenómeno a analisar dá-se-lhes como indeterminado, o que significa que o determinismo é uma projecção indevida do que se passa no laboratório fora dele, sobre o que não se conhece, não foi analisado. As causas efeitos são apenas de peças, digamos, de fragmentos, os ‘todos’ não são susceptíveis de análise senão fragmentariamente, como é óbvio no caso do automóvel. Mas igualmente na biologia molecular, que analisa transformações químicas mas não o conjunto de todas as que ocorrem no metabolismo duma célula, muito menos um órgão dado, etc.
6. Para as várias ciências que, da biologia em diante, se ocupam de vivos creio suficientes os exemplos que dei e a conclusão geral: onde uma dessas ciências encontra regras, elas jogam em situações aleatórias, susceptíveis de variações com os contextos. Nenhuma dessas ciências encontra determinismos. São as ciências da energia e da matéria, a física e a química, que merecem alguma atenção. O caso do automóvel, das máquinas em geral, dos robots inclusive, parece claro também, o trabalho delas sendo susceptível de aleatório. Se se objecta o condutor do carro como introduzindo um elemento estranho ao analisado em laboratório e justificando a adequação ao aleatório do tráfego, a resposta é simples: ele tem que aprender a conduzir, isto é, a tornar-se uma peça do carro, a peça piloto encarregada da ‘causa final’ do movimento. E quando não há piloto nos movimentos de inertes? Temos que indagar o que é a inércia. Supondo a resistência à desintegração dos átomos devida às forças nucleares dos seus núcleos, a inércia é a oferta dum grave à lei da gravidade segundo as condições de temperatura (forças electromagnéticas moleculares que permitem, por exemplo, haver água, gelo e vapor) e portanto a ser movido quando forças do seu contexto o atinjam. Mas também forças electromagnéticas moleculares poderão oferecerem-se a transformações químicas quando da proximidade de contacto, de contexto, com outros graves, no que se poderia chamar inércia química. Dito isto, é óbvio que o nosso planeta está cheio de movimentos de inertes sem pilotos, sem finalidades, casuais, que se provocam uns aos outros por gravidade ou química. As rochas vulcânicas, tipo granito, são um exemplo, bem como as lavas e as rochas metamórficas (basalto) ou as sedimentares com os seus fósseis, rochas essas que são classificadas justamente segundo o aleatório dos movimentos que lhes deram origem, as erosões sendo outro exemplo. Ou o clima e seus ventos e chuvas, as correntes dos rios e dos oceanos, são sempre movimentos de inertes cheios de aleatório em que o interesse dos laboratórios e das suas medições é justamente o de compreender de forma mais geral o que se passou e o que se pode vir a passar. Determinismo?

Redução sem reducionismo
7. A redução é de forma geral uma operação de pensamento e conhecimento. A um primeiro nível, as línguas quotidianas operam uma redução, utilizando substantivos (casa, criança, laranja), adjectivos (lindo, caro, amigo), verbos (viver, comer, ser) para trazer ao discurso, à conversa, à escrita, coisas e suas qualidades e movimentações, inúmeros singulares que são reduzidos na sua singularidade, na sua “presença natural”, dizia Derrida, para figurarem no texto em que são ditos. A esta redução primeira, a filosofia grega acrescentou outra, a da definição, criando os textos gnosiológicos de argumentos sobre essências intemporais e incircunstanciais, fora de contexto. O laboratório científico soube da insuficiência desta redução por se ater a textos alfabéticos e acrescentou-lhe a que consiste em reduzir graves às dimensões de instrumentos convencionais de medição de seus movimentos. Pretendi que as Bíblias hebraica e cristã jogaram sobre outras formas de redução propícias a narrativas históricas, e sem dúvida que haverá outras formas de redução, a mais conhecida em filosofia sendo a epochê de Husserl. Cingindo-nos à do laboratório, introduzindo a experimentação no conhecimento, ela é correlativa da determinação que ele cria (o chamado reducionismo epistemológico): é reduzido tudo o que fica fora do laboratório e que portanto equivale à confissão pela ciência de que não conhece esse reduzido indeterminado. Em suma, toda a especialização tem como condição a redução de tudo o que não é ela. Disso sofremos hoje muito, a reclamação por todo o lado de interdisciplinaridade é a da busca de articulações, respeitando fronteiras mas não se resignando a elas.
8. O reducionismo, em sentido pejorativo, é a atitude filosófica – parente próxima do determinismo da ciência (física e economia nomeadamente) – que pretende que as sua leis ‘explicam’, determinam, as leis das outras ciências supostas num patamar mais elevado da ordem das coisas. Mas também este reducionismo ignora o seu  próprio laboratório, a redução que teve de fazer para as suas descobertas: o que implica sem mais que ela não pode saber o que se passa fora do seu laboratório, tal como ignora o laboratório das ciências que quer reduzir às suas leis. Exemplo da ignorância da redução do seu próprio laboratório é o jargão marxista da instância económica que se queria “determinante em última instância”, sem conseguir explicar como é que essa determinação se fazia das línguas[1], por exemplo de grandes variáveis sociais imotivadas (Saussure), já que a instância económica não se entende sem os efeitos da língua nela. Também o fisicalismo, reducionismo de físicos, não explica nada da estrutura das línguas a partir da gravidade ou da Acústica (ao invés da anatomia que explica a dupla articulação da linguagem). Com efeito, Saussure para estabelecer a cientificidade da Linguística estrutural teve que reduzir tanto a Acústica como a anatomia da fonação e da memória cerebral e a relação das falas ao chamado referente (redução do nomenclaturismo), ou seja do próprio ‘sentido’ das unidades linguísticas estudadas, às quais só pede que tenham sentido. Estas reduções foram decisivas para se estabelecer que na língua não há senão diferenças entre sons ou vozes e palavras ou frases, para pôr em questão o substancialismo das línguas, a concepção do signo como relação entre um som e um sentido. É por os sons (e as grafias) não fazerem parte das línguas (só das falas, sendo certo que não há língua fora das falas e textos) que a Acústica não determina nenhuma língua: se determinasse alguma, determinaria todas?
9. É claro que quando se sobe no patamar das ciências, as regras das que ficam abaixo jogam nas novas ciências: por exemplo, as da física, química, biologia e linguística, jogam nas sociedades e nos psiquismos humanos, mas nenhuma delas, nem sociologias e psicologias aliás, ‘determinam’ por exemplo os vários desportos organizados nas sociedades actuais, as regras destes sendo imotivadas entre eles, como se percebe facilmente comparando-as, os com bolas entre si, com ou sem redes, raquetes ou não, maneira de contar vitórias e derrotas, os individuais ou por equipas, e por aí fora. A articulação entre cenas e suas ciências que resultam umas das outras tem que recorrer ao motivo de produção de entropia de Prigogine, como tentei fazer nos capítulos 13 e 14 do meu Le Jeu des Sciences avec Heidegger et Derrida (2º volume).

Relatividade sem relativismo
10. A questão do relativismo põe-se de maneira oposta à do determinismo e do reducionismo, que são pretensões filosóficas de alguns cientistas para as suas disciplinas a partir dos respectivos laboratórios ignorando os limites deles (determinação e redução) que anulam essas pretensões. O relativismo é também uma pretensão filosófica mas desta feita contra os cientistas, que parte da ‘realidade quotidiana’, do fora dos laboratórios, mas ignorando estes e as suas descobertas. A relatividade resulta necessariamente da consideração do contexto em relação à definição (de essências) e ao laboratório, como se disse: se as nossas ‘verdades’ filosóficas e científicas resultam dessas duas operações de pensamento redutoras, ter em atenção o que elas não atingem implica a sua relatividade, a não possibilidade trivial de fazer afirmações absolutas em relação a todo esse ‘reduzido’ caótico: é que foi este caos das coisas que pediu a filosofia e as ciências. Este argumento alarga-se em relação às outras civilizações, nomeadamente à literatura sapiencial chinesa, indiana, japonesa, muçulmana, que procederam com outras abordagens às questões do conhecimento. O que significa que o saber das ciências ocidentais (e das filosofias) é estruturalmente relativo à história greco-romana-europeia.
11. A filosofia com ciências que proponho permite que o motivo do duplo laço dê conta duma estrutura das coisas em patamares ‘históricos’ (astros e graves, vivos, sociedades humanas com discursos e textos, psiquismos) que permite conhecimentos de ‘espécies’ nas várias ciências (mesma espécie em indivíduos não idênticos) e saber que esses indivíduos são (coisas) indeterminados no seu duplo laço singular. Permite além disso conhecer as grandes leis das cenas de circulação desses patamares. Assim sendo, esta relatividade é incompatível com o relativismo como cepticismo epistemológico. O triunfo tecnológico das ciências físicas, químicas e bioquímicas, largamente aceite nas sociedades asiáticas desenvolvidas, serve de comprovação da correcção dessas ciências, enquanto que as ciências relativas ao social e ao humano estão largamente longe duma comprovação equivalente, mormente a economia, de que se tem experimentado a sua dificuldade em se articular com as estruturas politicas, que a teoria hoje predominante reduz no chamado monetarismo (texto sobre economia), encerrando-se no seu laboratório.



[1] Staline teve que cancelar a querela entre teóricos e linguistas russos marxistas determinando que a língua não é uma super-estrutura.

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