domingo, 18 de outubro de 2015

Porque é que a Economia não é uma ciência exacta ?



1. Os economistas gabam-se de a ciência deles ser a ‘mais matemática’ das ciências sociais, mas enganam-se tantas vezes que não se percebe de que é que se gabam; pior, ultimamente revelam-se impotentes para obstarem às consequências terríveis duma especulação financeira que tomou os freios nos dentes e anda a comprar ao desbarato as economias produtivas mais frágeis, depois de as ter incentivado a desenvolverem-se com base no crédito fácil. Truques dignos duma qualquer fábula de La Fontaine, a inventar se não a há já. E vê-se a multidão de economistas de todo o gabarito a acharem que não há alternativa. Ciência exacta? Ainda que não exacta: que tipo de ciência?
2. Para vislumbrar uma resposta: o que é que faz da Física, Química e Bioquímica ciências exactas? Não é tanto a teoria interpretativa, que tem as suas falhas como qualquer saber de humanos, mas a sua dupla matematicidade: as equações  algébricas que se inventaram para dar conta das medidas de movimentos variados, deslocamentos, correntes eléctricas, transformações moleculares, etc. Ora essas medidas relevam da tradição geométrica que o século XVII algebrizou (curvas em coordenadas cartesianas correspondentes a equações) e têm a propriedade de os seus resultados, em unidades convencionadas, se destinarem a ocupar as variáveis dessas equações e a verificá-las (‘verdade’ duma ‘igualdade’), qualquer que seja a proximidade das interpretações teóricas delas, discutida frequentemente entre os cientistas. As medidas dependem de técnicas diversas (régua, relógio, balança, etc.), consoante a dimensão da experimentação laboratorial, e é usando por sua vez, de forma politécnica, as equações e aplicando as técnicas de medida que a engenharia constrói mecanismos capazes de movimentos concertados segunda as descobertas experimentais. Mas é sempre ao tipo de fenómeno singular, com experimentações científicas repetidas, que corresponde a equação física. Galileu mediu o tempo da bolinha a correr pelo plano inclinado com uma balança que pesava água, dizendo que “as diferenças e proporções” são as mesmas, ainda que com unidades de medida diferentes: a equação é sempre satisfeita com os diversos resultados de qualquer experimentação laboratorial concreta. Isto não existe em Economia.
3. Os fenómenos de cujo saber a Economia se ocupa são os do mercado, compras e vendas, segundo uma ‘língua’ de preços em unidades monetárias, oscilando conjunturalmente, língua que todos os agentes devem conhecer, já que é desses preços que se fazem os custos mais complexos dos orçamentos de cada unidade social, empresa ou família. Se se pergunta em que é que consiste o laboratório da Economia, percebe-se logo uma diferença importante: não há nada de geométrico nele nem de equações algébricas cujas variáveis correspondam a técnicas de mensuração. Essencialmente, o laboratório dos economistas, cuja manipulação lhes dá um saber que mais ninguém tem de outra forma qualquer, consiste nas estatísticas em seus arquivos, os principais sendo oficiais. Elas não podem ter em conta os fenómenos singulares do mercado, com é óbvio, cada compra e venda, cada custo e cada orçamento, e está aí uma primeira diferença em relação às ciências exactas: elas registam somas aritméticas de milhares desses fenómenos, contando com o ‘equivalente’ que a moeda é – outorgando preço – a qualquer mercadoria para não precisar de ter em conta as diferenças entre elas, adentro duma região de fenómenos estatisticamente seleccionados. Na estatística – interesse e limite dela –, os fenómenos económicos encontram-se misturados e quanto mais se subir em generalidade económica, maior é a mistura. E o que é que se sabe que releve de cientificidade? Movimentos sociais económicos, dados pelas diferenças entre estatísticas correspondentes a dois períodos de tempo, comparando as respectivas taxas: estas não têm dimensão, apenas cresceram ou diminuíram. Por definição de ciência social, o ‘singular’ desaparece, donde que nenhuma técnica exacta seja possível aos economistas, cujo saber é sempre de aproximações (nunca há 100%), sempre com uma forte componente de interpretação.
4. Ora, esta é necessariamente politica e a razão é simples. Se alguém preocupado com a solidariedade social pode pensar que o fenómeno crucial da Economia enquanto ciência seria tratar a maneira de decidir a partilha justa do que se ganha com a venda do que abastece o mercado de mercadorias entre os lucros dos que investem o capital na maquinaria e os salários dos que laboram com esta, deverá saber que não há nenhum critério rigoroso, aritmético ou científico para essa decisão: os seus critérios são sempre políticos, de concertação ou de luta social, com intervenção ou não do Estado. Ora, nas estatísticas, os lucros vêm nas rubricas financeiras relativas ao capital, enquanto que os salários não aparecem, vêm na contabilidade dos “custos sociais”, a dimensão politica essencial entre ambos não joga nas interpretações feitas com base nas estatísticas que os economistas fabricam e consultam, fica escondida nelas. O que se chama ‘neoliberalismo’ vive dessa trapaça.
Público, 22 de outubro de 2015 [ligeiramente modificado]

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