quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Filosofia e história




A recensão por D. Pires Aurélio da Breve história da Filosofia de P. Tunhas e A. Abranches (Expresso 3 novembro 2012) releva dum conceito escolar de Filosofia (conceptual, exterior ao mundo e à história) e parece ignorar que há outras maneiras filosóficas de encarar essa história, e portanto de encarar a questão dum eventual ‘progresso’ da filosofia, desde que esta seja encarada como parte efectiva da história do Ocidente greco-europeu, como parte decisiva pelos efeitos que teve nessa história. Se se tem em conta o pensamento de Heidegger e de Derrida, a importância dada às palavras, à sua tradução, aos textos, e não apenas aos ‘conceitos’, às ‘ideias’ e seus sistemas, é possível relevar por exemplo: que não haveria o Ocidente que há sem a invenção da operação de definição por Sócrates, Platão e Aristóteles; que o cristianismo não teria passado dum culto oriental do império romano como outros se o platonismo não tivesse pegado nele desde Orígenes de Alexandria (início do sec. III); que a diferença da Europa em relação às grandes civilizações asiáticas foi ter no seu berço a filosofia, além da Bíblia e do direito romano, isto é, as universidades medievais; que Galileu e Newton consideravam-se filósofos e de facto inventaram uma segunda operação de conhecimento, após a da definição, o laboratório científico; que todas as outras ciências, economia, biologia, psicologia, surgiram também da filosofia, como as filosofias políticas que vieram ter à democracia.
Várias tentativas de historiadores e economistas para compreenderem o segredo da modernidade europeia (como E. Jones O milagre europeu, 2002, Gradiva, A. Schiavone, L’histoire brisée. La Rome antique et l’Occident moderne, 2003, Bélin, K. Pomeranz, La force de l’empire. Révolution industrielle et écologie, ou pourquoi l’Angleterre a fait mieux que la Chine ?, 2009, Ère) falharam porque provavelmente têm também uma concepção puramente conceptual da filosofia, não lhes veio à cabeça que definição, universidades medievais e laboratório científico fazem parte estrutural da diferença europeia. Pelos vistos, há filósofos que também não o sabem.

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