tag:blogger.com,1999:blog-82083528974350467172024-02-08T10:02:20.492-08:00Filosofia mais Ciências 2Fernando Belohttp://www.blogger.com/profile/17937204465115284686noreply@blogger.comBlogger236125tag:blogger.com,1999:blog-8208352897435046717.post-5868692084758421192018-11-30T07:33:00.004-08:002018-11-30T07:33:52.233-08:00A verdade das ciências
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<br />
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<span class="Apple-style-span" style="font-size: large;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><b>Ciências físicas, químicas e zoológicas<o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><b>Ciências da linguagem (exemplo do evangelho de Marcos)<o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><b>Ciências das sociedades<o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="FR"><b>A vagarosa crise climática<o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-layout-grid-align: none; mso-pagination: none; tab-stops: 28.0pt 56.0pt 84.0pt 112.0pt 140.0pt 168.0pt 196.0pt 224.0pt 252.0pt 280.0pt 308.0pt 336.0pt; text-autospace: none;">
<span lang="FR"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span></span><span lang="FR" style="font-family: TimesNewRomanPSMT; mso-ansi-language: EN-US;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span></span><span lang="EN-US" style="font-family: Helvetica; mso-ansi-language: EN-US;"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span lang="EN-US" style="font-family: TimesNewRomanPSMT; mso-ansi-language: EN-US;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>1. </span><span style="mso-ansi-language: PT;">A verdade na perspectiva da fenomenologia geral, é bem de ver, que há
outras perspectivas em filosofia que eu não pratico: se as ciências trabalham
(laboram) sobre determinado tipo de fenómenos, é no que dão a conhecer do <i>movimento
</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">deles que consistirá a sua
verdade, a qual é também a verdade d</span><span lang="FR">a respectiva cena de
reprodução, de circulação.</span><span style="mso-ansi-language: PT;"> A
dificuldade consiste em que a experimentação laboratorial é sempre de fragmentos
que se acrescentam uns aos outros, sem que o fenómeno inteiro (e ainda menos a
sua cena de reprodução) venha ao laboratório. Para se chegar à descrição
teórica dele e da cena há que voltar ao exterior do laboratório, donde ele foi
colhido, para compreender o seu movimento nessa cena, deduzindo como é esta que
dá as regras procuradas desse movimento, que é sempre <i>reprodutivo</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, tanto nas repetições quotidianas dos vivos, como
nas alterações, incluindo gerações e fabricos, mortes e lixo ou reciclagem.
Será nesta relação entre experimentação laboratorial e teoria do fenómeno
reproduzindo-se na cena dos seus congéneres que estará a verdade de tal ou tal
ciência, das cinco grandes ciências com as quais se elaborou a fenomenologia
geral aqui praticada, na esteira da fileira Husserl, Heidegger e Derrida. É
certo que neste blogue me repito muito, não sei se há leitores que o frequentam
suficientemente para se impacientarem com essas repetições, mais provável sendo
que o carácter estruturalmente fragmentário dum blogue assim torne difícil a
sua compreensão para quem vem apenas uma ou duas vezes. Quando se chega a uma
idade provecta como a minha com um problema bastante amplo e complexo, sem se
ter já pachorra para ler muita coisa que se publique, é natural que as variadas
questões deste grande problema venham à inquietação de quem busca ainda
compreender o que sempre falta. Certo é, por exemplo, que o motivo dos duplos
laços responde a esta questão da verdade de cada ciência, segundo os duplos
laços dos seus fenómenos que só ela permitiu compreender, no conjunto com as
outras e com a fenomenologia da desconstrução de Derrida. (Tanto ele como
Heidegger passaram essencialmente pela fenomenologia de Husserl, mas se nenhum
deles se quedou nela, ambos permitem o retorno aos fenómenos fora do par
sujeito / objecto que era ainda o âmago da fenomenologia segundo Husserl. É a
possibilidade desse retorno, que nenhum deles praticou, que aqui se chama
fenomenologia geral). <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="FR">2. Retomando o fio.
Toda a experiência, como qualquer experimentação científica, é fragmentária por
definição, retirada que é do grande caos das coisas ; pede por isso para
ser integrada num conjunto de mais experiências, numa <i>teoria</i></span><span lang="FR"> coerente de experimentações </span><span style="mso-ansi-language: PT;">que forme um sentido: de <i>reprodução</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">. Quer daquele que experimente e vai integrando, melhor ou pior, no que
aprendeu doutras experiências que foi tendo, quer das unidades a que pertence,
quer ainda com a razão que de leituras lhe vem, enquanto experiências também de
sentidos das coisas, do mundo. No que diz respeito às ciências, a teoria a
partir da composição dos fragmentos diz respeito ao que se retitui fora do
laboratório, na cena de reprodução dos fenómenos em estudo: a verdade dessa
ciência consiste na <i>descoberta da lei de reprodução desses fenómenos, que é
a lei da própria cena que os dá</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">
lei do tráfego das viaturas automóveis, lei da gravitação (Newton) e das
alianças químicas </span><span lang="FR">feitas de duplas de electrões e fotões</span><span style="mso-ansi-language: PT;"> (Feynman), lei da selva (Darwin com bioquímica),
da aliança e da guerra </span><span lang="FR">(Lévi-Strauss e Clastres)</span><span style="mso-ansi-language: PT;">, lei da verdade da linguagem. Verdade no sentido
em que estas leis <i>determinam as anatomias</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> dos entes, <i>os paradigmas</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">
das unidades sociais.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><b>Ciências físicas, químicas e zoológicas<o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">3. No que diz respeito às ciências físicas e
químicas, a verdade delas consiste teoricamente nos três campos de forças
atractivas – nucleares, electromagnéticas e da gravidade – que estruturam os
graves do nosso planeta e todos os outros astros. Bastará considerar que uma
explosão nuclear tem como consequência que as partículas dos núcleos atómicos
se livram não apenas das forças nucleares mas também das outras duas, para se
ter uma ideia de centralidade delas. Quanto à cena de reprodução, a verdade
destas duas ciências manifesta-se claramente na eficácia das técnicas a que, de
forma polivalente em relação às suas várias regiões científicas com alguma
autonomia entre elas, elas têm dado origem desde a invenção da máquina a vapor
de Watt, ainda que esta como o dínamo eléctrico de Gramme tenham sido prévias à
respectiva teoria, mas no contexto aberto pela física desde Galileu e Newton.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span lang="FR">4.
Em relação às ciências zoológicas, também posso ser abreviado, </span><span style="mso-ansi-language: PT;">já que o que terei que dizer tem sido frequentemente
aqui exposto. A verdade que a bioquímica trouxe à biologia anterior consistiu
na descoberta do ciclo biológico do carbono, desde a maneira como na
fotossíntese o CO<sub>2</sub> transmite glicose às plantas, com moléculas
preciosas de carbono, decisivas em todas as moléculas de que se faz a vida
(excepto água e oxigénio), como algumas dessas moléculas, chamadas proteínas,
são sintetizadas nas células (pois que não existem senão no próprio metabolismo
celular desde a sua invenção, deduz-se da teoria semântica da evolução de
Marcello Barbieri) a partir de aminoácidos que os animais vão ter que comer
noutros vivos, plantas ou animais: donde que a anatomia de qualquer espécie
animal, vertebrada ou invertebrada, tão diferentes umas das outras, tem que ser
fabricada de forma </span><span lang="FR">a</span><span style="mso-ansi-language: PT;"> permitir esta caça e a fuga a ela. Quanto à verdade da cena que assim fica
esclarecida, o seu desenho ficou esplendorosamente feito por Charles Darwin,
apesar do (confessado várias vezes) vazio bioquímico da sua demonstração e
apesar de os bioquímicos serem cépticos em relação à sua “luta pela
existência”, isto é, apesar de os bioquímicos </span><span lang="FR">parecerem</span><span style="mso-ansi-language: PT;"> não ser capazes de aliarem a sua teoria com o
darwinismo. E no entanto a “selecção” das variedades e formas de raças por
criadores de animais e de plantas mantém-se um laboratório, crê o leigo, de
verificação possível de como nessa selecção haverá dois tempos, o da variedade
ser escolhida e cultivada e só depois ela se tornar hereditária, ganhar genes
adequados a ela. É que nessa selecção, que deu a ideia de “selecção natural” ao
mestre inglês, praticamente desaparece a “luta pela existência” própria da lei
da selva.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><b>Ciências da linguagem (exemplo do evangelho de Marcos)<o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">5. As ciências da linguagem e da sociedade põem
problemas mais delicados, no que à verdade diz respeito. Mais do que na
Linguística estrutural originada em Ferdinand de Saussure, que é um pouco como
a Aritmética e as quatro operações da tabuada, uma análise da lógica interna
duma língua com verdade por assim dizer imanente que é a </span><span lang="FR">da</span><span style="mso-ansi-language: PT;"> construção dos seus vários paradigmas
(fonológico, sintáctico, morfológico e sintáctico-semântico) que podem servir
para aferir a correcção dos discursos ou textos, os seus erros, é nas chamadas
Semióticas – leitura de textos – que a questão da verdade se porá. </span><span lang="FR">Nos áureos anos 60 do estruturalismo francês, quando a semiótica foi
relançada, buscavam-se homogeneidades estruturais em que o semiota-leitor não
se imiscuiria, munido de modelos que se quereriam universalizar, ciências
humanas enfim. Era o que estava subjacente ao projecto de R. Barthes em 66, no
texto “Introdução à análise estrutural das narrativas” (<i>Communications</i></span><span lang="FR"> <i>8</i></span><span lang="FR">): criar um modelo capaz de convir às
“inumeráveis narrativas do mundo”. Nesse modelo figurava Greimas que no mesmo
ano publicava <i>Sémantique structurale</i></span><span lang="FR"> onde, com
clareza meridiana de louvar, se deslinguisticizava a par e passo o texto de
tudo o que nele fosse ‘significante’, em sentido saussuriano, para se poder
então trabalhar com “semas”<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn1" name="_ftnref1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[1]<!--[endif]--></span></span></a>,
mais tarde enquadrados em “quadrados semióticos”, duma maneira que permitiria
que tais análises pudessem fazer-se sobre uma qualquer versão dum texto em
qualquer língua. Como foi o ideal europeu da filosofia e das ciências ditas naturais :
sujeito fora/acima das línguas e dos textos. Como a definição, operação
elementar do texto gnosiológico (filosofia, ciências, lógica), isola um só
sentido ou significado no polissémico significante para poder ‘pensar’ (uma
coisa de cada vez, Aristóteles) e argumentar. Esta maneira de fazer, sem a qual
não estaríamos aqui, seus descendentes ainda que suspeitosos porventura, era
uma arma contra a polissemia literária, a metáfora poética, e foi obviamente
fecunda, desde que não se tratasse de semiótica de textos literários. A Escola
Semiótica de Paris produziu sem dúvida muitos bons textos de leitura, quero
crer mais pela astúcia dos leitores do que por virtude do método. O campo fôra
semeado fora do texto e não faço injúria ao meu mestre Barthes ao pô-lo nesta
vizinhança com Greimas, com cujo projecto ele mesmo rompeu nos anos seguintes
e publicou o fruto dessa ruptura, a fabulosa e singular leitura da novela <i>Sarrasine</i></span><span lang="FR"> de Balzac, cujo título <i>S/Z</i></span><span lang="FR"> assinalava como
o trabalhar minucioso da língua do texto balzaciano fôra até ao eco do conflito
da novela nas iniciais efeminizantes do masculino e masculinizantes do feminino.
Ora, tal leitura minuciosa do texto e da sua língua só se revelava possível na
singularidade do texto lido, nos antípodas da semiótica universalizante antes
delineada. Que Barthes não renunciara totalmente a algo como uma ligeira
metodologia, capaz de leitura de textos variados, provam-no alguns outros
exercícios de leitura, sobre as versões francesas duma novela de E. Poe e de
dois textos bíblicos, do antigo como do novo Testamentos<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn2" name="_ftnref2" style="mso-footnote-id: ftn2;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[2]<!--[endif]--></span></span></a></span><span lang="FR" style="font-size: 9.0pt;">.</span><span lang="FR"> Mas foram tentativas qu
não chegaram a nenhuma cientificidade no campo da semiótica. mas por essa porta
que prossegui por minha conta e risco : o primeiro texto com que me
confrontei, <i>Lecture matérialiste de l’évangile de Marc. Récit, pratique,
idéologie</i></span><span lang="FR"> (Cerf, 1974), também depois com textos
filosóficos<span class="MsoFootnoteReference"> <a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn3" name="_ftnref3" style="mso-footnote-id: ftn3;" title=""><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[3]<!--[endif]--></span></a></span>.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span lang="FR">6.
Trata-se de <i>textos singulares</i></span><span lang="FR">, o que permite </span><span style="mso-ansi-language: PT;">inclui-los numa abordagem fenomenológica de
retorno às coisas, à ‘coisa’ que é um texto singular. </span><span lang="FR">O
que implica, é óbvio, que se trate de textos fortes, que inovam e buscam eleger
leitores, seja em que domínio fôr. A primeira condição: autor e leitor lêem o
mesmo texto, <i>o mesmo</i></span><span lang="FR"> no sentido da estrutura
significante tal como ela é dada na impressão tipográfica. Palavras, regras da
língua, códigos textuais de corpus pertencem à sociedade (ou ao paradigma da
instituição), são de todos, sem o quê nenhuma leitura seria possível. O que
assinala a força dum texto (mesmo que não recente) é, apesar de tal mesmidade
(e sem ter em conta a descontextualização que as traduções e a história vão
produzindo ao substituir gerações de leitores), o modo como ele <i>resiste à
leitura</i></span><span lang="FR">, nomeadamente à primeira abordagem, assim como
não se deixa ler da mesma maneira pelos diferentes leitores. </span><span style="mso-ansi-language: PT;">É essa força que cria alguma história, abre
paradigmas: é aonde se pode buscar a sua verdade como fecundidade. Mas há-de se
poder encontrar a fonte dessa verdade no próprio texto</span><span lang="FR">.
Seja então o caso do <i>evangelho de Marcos</i></span><span lang="FR">,
resumidíssimamente. </span><span style="mso-ansi-language: PT;">A primeira consideração
a fazer tem a ver com o facto de ser tido como um “livro religioso”, como os
outros textos bíblicos, mas as narrativas dão-se num contexto claramente
politico: o da ocupação da Palestina pelos Romanos (uma ocupação que, antes
deles, já tinha mais de 8 séculos por reinos diversos) </span><span lang="FR">e
de resistência a essa ocupação, sobretudo na Galileia onde, segundo o texto, se
passou o essencial da narrativa (9 em 15 capítulos). Ora, a religião de Israel
foi fundada pelos Profetas numa aliança com o seu Deus, que prometia liberdade
e grandeza ao povo aliado desde que fiel à Lei de Moisés. Uma literatura
apocalíptica de havia dois séculos a essa parte </span><span style="mso-ansi-language: PT;">anunciava a vinda de Deus ou do seu Messias para os salvar, os que fossem
encontrados justos. A primeira e a última palavra atribuída ao protagonista,
Jesus, são elucidativas. “Os tempos cumpriram-se e o Reino de Deus está
próximo; mudai de vida e acreditai na Boa Notícia” / “meu Deus, meu Deus,
porque me abandonaste?”. Um apocalipse de fim do mundo é anunciado mas a
narrativa acabou no abandono do anunciador. Num texto de 15 capítulos, 13 são
de sucesso aparente da promessa, e os 2 últimos terminam em tragédia, com
anúncio posterior da ressurreição do executado. Toda a naarrativa entretém o <i>suspense</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> a um leitor desprevenido, com Jesus a escolher um
grupo de discípulos e a atrair multidões a quem ensina algo de novo e a curar
os doentes que se lhe apresentam, mas também aparecem precocemente adversários
ligados ao poder de Jerusalém que se concertam para o perder. Tendo em conta
este perigo, Jesus recorre à estratégia de evitar as cidades e em Jerusalém de
clandestinidade durante as noites, de dia pregando abertamente no Templo
apoiado pelo favor da multidão, que os chefes temem. Além deste código
estratégico, um outro propõe a questão de saber quem é este profeta, de que
autoridade se reclama (solução: é o Messias esperado); ora, o próprio Jesus por
três vezes se retira para rezar, em tempo de procurar esclarecer a escolha estratégica
face ao agudizar da narrativa. Isto é, <i>ele não sabe de avanço o que vai se
passar</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> (confirmação: este tipo de
passagens será atenuado ou apagado pelos evangelhos seguintes). Leituras para
compreender e estratégias de clandestinidade para se proteger dos adversários
mostram bem que ele não quer morrer mas cumprir a sua missão numa narrativa de
incerteza da qual faz parte, a dado momento, a decisão de subir a Jerusalém e
enfrentar a sua proclamação do Reino de Deus com os guardiães do Templo e
governantes do pais sob a vigilância dum procurador romano. Ora bem, essa
subida a Jerusalém (cap. 10) é pautada por um triplo <i>discurso de predição </i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">por Jesus do desfecho que será contado nos dois
últimos capítulos. Estas predições jogam claramente em contradição com a <i>lógica
de incerteza</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> da narrativa, com o
não saber e a necessidade de avaliar o que se vai passando e de elaborar
estratégias para evitar justamente o que sucederá após essas predições: estas
não têm pois sentido narrativo, relevam do discurso do narrador, que já sabe o
desfecho do que está a contar e corrige de antemão a execução na cruz com o
anúncio duma futura ressurreição. Mas ao fazer assim, dá um estatuto
‘sobre-humano’ ao protagonista (que os ‘milagres coadjuvam) e coloca esse
desfecho trágico não apenas como ‘não trágico’ mas como <i>plano de Deus</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, em contraste abissal com a narrativa: com a
agonia de Gethsemani, com o espanto dos discípulos diante do túmulo vazio onde
o crucificado fora sepultado e sobretudo com o “meu Deus, meu Deus, porque me
abandonaste?”, dito em aramaico e traduzido em seguida para grego, o que
sublinha a sua historicidade.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">7. Qual a razão próxima desta tripla predição,
confirmada pelo final da narrativa? É de garantir ao leitor confiança numa
outra predição do protagonista no cap. 13, sobre o fim do mundo que fora o
anúncio inicial da narrativa, o qual é anunciado – “leitor, compreende” – com
alusões nítidas ao desastre do Templo de Jerusalém, o ‘adversário simbólico do
Messias’, pode-se dizer. A verdade da escrita do texto consiste neste anúncio
escatológico que interpreta a derrota de Israel face aos Romanos no ano 70 como
o início do fim do mundo. Mas essa verdade da redacção do texto</span> <span lang="FR">e da sua contradição narrativa / predição</span><span style="mso-ansi-language: PT;"> foi negada pelos acontecimentos: todos os que conheceram Jesus morreram e
ele não voltou, a olhos judaicos não era portanto o Messias. Donde que os
textos tenham passado para mãos gregas, segundo um processo de que escrevi a
“génese, do dogma da incarnação”, neste blogue (23/02/2018). A verdade dos
textos bíblicos no mundo cristão passou a ser lida pelos olhos dogmáticos e
mitológicos, com “redenções”, almas salvas do Diabo para Deus, etc. No caso de
Marcos é “Nosso Senhor” que, filho de Deus, faz milagres e ressuscita,
ressuscita-se enquanto Deus ou é ressuscitado? O que se tira das leituras
litúrgicas, nos melhores casos, são lições de moral mais ou menos metafóricas. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">8. A verdade do texto perdeu-se completamente, a
própria noção de texto é inexistente, mesmo na exegese histórico-crítica até há
40 anos. Foi por essa razão que foi possível a um simples licenciado em
teologia, leitor de R. Barthes e doutros estruturalistas que revelaram o jogo
das diferenças linguísticas e textuais, <i>recupera</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">r como pioneiro <i>dezanove séculos mais tarde</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> <i>a verdade desse velho texto</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, que fazia fraca figura ao pé dos outros três e
dos seus belos discursos que ele ignorava, adstrito que estava a que aqueles
que transcrevesse fossem bem inseridos na sua trama narrativa, nomeadamente a
sua peça das parábolas das sementes (cap. 4), que jogam uma viragem estratégica
do protagonista. A astúcia foi a de relacionar o texto com a sociedade que o
produziu, através do motivo barthesiano de <i>códigos, que são os mesmos na
narrativa e na sociedade contexto dela</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, sendo a dimensão politica e de confronto social dela que a dogmática
cristã ignorou. A verdade dum texto singular, forte, é a fecundidade de
paradigmas textuais que ele abre: Marcos abriu a narrativa de Jesus (que Paulo
ignorou) e a sua forte verdade foi recoberta porque o que ele anunciou se
revelou um fracasso; redescoberta nestes tempos de crise do cristianismo, essa verdade
permite elucidar as razões civilizacionais dessa crise, que é do ter chegado ao
fim a sua fecundidade histórica, para o bem como para o mal.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">9. Este exemplo duma verdade semiótica é sem
dúvida bastante complexo, mas noutros textos filosóficos, como a <i>Poética</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> de Aristóteles ou os de Descartes e de Nietzsche,
a verdade é menos complexa, mais delimitada pelo contexto escolar que os reproduziu.
Em princípio, uma leitura textual singular será suficiente para chegar à
verdade dum texto, mas essa leitura pede muita energia, que os tempos actuais
apressados não facilitam. O que Marcos permite é justamente a percepção de como
as ‘verdades’ se transformam na história das interpretações. Acrescento aqui a
questão da <i>psicanálise, que é uma semiótica dum texto oral</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, que vem periodicamente ao divã laboratório
prestar-se a transgredir as regras do bom senso e da moral em associações de
ideias que, sob a vigilância do psicanalista, conduzem a rememorações perdidas
e desse passar por um passado que nunca foi presente chegará a um alivio dos
sintomas de sofrimento que trouxe o paciente ao divã, uma <i>cura</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> talvez que será a verdade da psicanálise.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><b>Ciências das sociedades</b></span><span style="mso-ansi-language: PT;"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">10. Pretender dizer qual é a verdade destas
ciências é ainda mais complicado como tarefa fenomenológica: é que o que se dá
como ‘fenómeno’ observável são as <i>unidades locais</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> </span><span lang="FR">e as suas ligações em ordem
à reprodução,</span><span style="mso-ansi-language: PT;"> quer as familiares,
quer as de trabalho, divisão moderna das antigas <i>casas</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> pela difusão das máquinas a vapor e depois eléctricas
que tornaram as unidades de trabalho absorventes dos seus trabalhadores e os
arrancou por períodos diários regulados às unidades familiares. Ora, a análise
dessas unidades é da ordem da antropologia, que forjou os seus inquéritos e
motivos de análise nas sociedades mais simples, sem escrita histórica nem
Estado, ou mesmo, no título feliz de P. Clastres, <i>sociedades contra o Estado</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, que lhes permitiu sobreviver ao longo dos séculos
nas lutas das selvas e dumas contra as outras, mas que lhes ditou a morte
perante ‘sociedades armadas com Estado’. Ora, </span><span lang="FR">a <i>descrição
dos paradigmas das unidades</i></span><span lang="FR"> supõe outras </span><span style="mso-ansi-language: PT;">ciências, quer a</span><span lang="FR"> biologia
aquém, quer a tecnologia e a semiótica além. A base biológica impõe </span><span style="mso-ansi-language: PT;">o</span><span lang="FR">s limites infraestruturais
das </span><span style="mso-ansi-language: PT;">unidades, que têm que garantir a
alimentação, o repouso e a saúde dos seus indígenas; ao que se poderia chamar
super-estrutura da unidade corresponde a tudo o que se aprende para conseguir a
boa reprodução da unidade, donde a preocupação permanente com a iniciação das
crianças e jovens. Então dir-se-á que a <i>verdade de cada unidade consiste
justamente nessa sua reprodução, quer no quotidiano quer ao longo das gerações.</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> Só que essa reprodução sõ se consegue em aliança
com outras unidades, o conjunto de todas reproduzindo-se também, a sua <i>verdade
sendo a das suas crises como da sua reprodução conseguida</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, a qual por sua vez se articula com as outras
sociedades vizinhas</span> <span lang="FR">em alianças, ainda que implícitas</span><span style="mso-ansi-language: PT;">, sabendo-se que a guerra é a lei mais geral
dessas relações de vizinhança. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">11. Esta <i>lei da guerra</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, desde as rivalidades intra-familiares e adentro
das alianças da ordem do parentesco até à formação de castas guerreiras nas
sociedades agrícolas introduz <i>contradições sociais</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> que tanto produzem escolhos na boa reprodução
como promoveram frequentemente invenções de usos e de costumes que se
reproduziram, enxertadas nas reproduções das unidades: a escrita nas escolas
assim como o mercado de produtos de luxo e de armamentos são dos exemplos mais
óbvios, que são deles mesmos índices de comparação entre unidades sociais, quer
contemporâneas da mesma sincronia, quer na longa diacronia histórica. Os casos
mais flagrantes são um negativo, a quebra do cosmopolitismo romano no Ocidente
que gerou uma longuíssima ‘crise histórica’ única, a chamada Idade Média, e
outro positivo que, após um processo de recuperação das comunas e universidades
medievais e do (re)nascimento da Europa, veio a eclodir no século XIX como
revolução industrial – o que chamei super-estrutura das unidades conheceu um
desenvolvimento tal que exigiu unidades específicas só para elas, com exclusão
da dimensão da reprodução biológica dos indígenas, deixada às famílias – com a
renovação adequada das universidades e a generalização da escola a toda a
população. A formação consequente de duas redes de unidades sociais, famílias e
empregos, torna as análises científicas muito mais difíceis, tendo de recorrer
a estatísticas que subsumem aspectos diversos duma ou doutra rede ou de ambas,
mas sempre parcialmente: as estatísticas não são fenomenológicas, procuram
suprir o impasse das fenomenologias</span><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn4" name="_ftnref4" style="mso-footnote-id: ftn4;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[4]<!--[endif]--></span></span></span></a><span style="mso-ansi-language: PT;">. Se se quisesse buscar uma maneira fenomenológica
ou antropológica de fazer estas ciências, ter-se-ia de reconhecer para começar
que a ordem do parentesco, que Levi-Strauss colocou como estrutura global das
tribos e assim terá continuado entre as castas nobres e populares, perdeu esse
papel de aglutinador social, que acabou por vir à super-estrutura económica e
financeira do capital, dominando as unidades de emprego (mesmo as políticas dos
Estados)</span><span class="MsoFootnoteReference"> <a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn5" name="_ftnref5" style="mso-footnote-id: ftn5;" title=""><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[5]<!--[endif]--></span></span></a></span><span style="mso-ansi-language: PT;">. A maneira fenomenológica seria de partir dum
dado nó de rede de unidades sociais susceptível de alguma delimitação – uma
zona em crise particular talvez, as crises são boas ocasiões para análises de
laços – e analisar as relações de aliança e de rivalidade entre elas e os fios
que ficam abertos de relações a outras zonas (de aldeia ou bairro a cidade,
região, pais, redes várias – de produção e comercio, de relações politicas e
administrativas, de escolas e médias, etc. Impossível fenomenologia! Sobretudo
se tudo ‘correr bem’, são as crises que poderão revelar algumas ‘verdades’</span><span lang="FR">, negativas, por assim dizer. </span><span style="mso-ansi-language: PT;">de escolas e médias. Será sem dúvida a relação entre as duas redes, as
unidades familiares e as de emprego que será mais difícil, fora das relações
económicas dos salários nos mercados. Mas é provavelmente onde se situa uma das
questões actuais mais tratadas, a da corrupção, como se pode deduzir das
sociedades africanas que ainda têm fortes traços tribais e onde se contam
histórias de políticos de estatuto elevado serem assediados pela sua tribo de
que ele se sente um dever de responsabilidade: a ordem do parentesco é ainda
dominante. Ora bem, acontece que há dois exemplos históricos de sociedades
actuais que poderíamos caracterizar com a maneira de P. Clastres pensar as
sociedades tribais: <i>Grécia e Israel seriam dois casos de sociedades contra o
Estado</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">. No texto acima citado de
23/02/2018, §§ 13-14, faço uma referencia à maneira como estas duas sociedades
que vêm desde a Antiguidade e guardam ainda hoje as suas línguas respectivas,
apesar das grandes perturbações das suas histórias, eram claramente sociedades
endogâmicas em relação aos povos estrangeiros, opondo-se (ou dificultando ao
máximo) ao casamento com mulheres estrangeiras, de gentios num caso, de
bárbaros no outro. No caso grego, costuma-se falar de “cidades-estado”, mas de
facto eram cidades com a mesma língua, religião e literatura mas que eram
fortemente rivais umas das outras, não eram expansionistas, as colónias que
fundaram eram uma nova cidade à maneira das outras; pelo contrario, elas opunham-se
a um Estado grego, o que provavelmente lhes foi fatal diante de Filipe da Macedónia,
que as venceu até virem a ser uns e outros vencidos pelos Romanos. Foi
Bizâncio, antes chamada Constantinopla e depois Istambul, que foi a capital do
poder na Grécia até à dderrota de 1453, quando o império otomano a integrou até
1832, na sequência da guerra de independência (1821-29). Ora, ainda hoje o
Estado grego é muito fraco diante da sociedade civil, como se a ordem do
parentesco ainda predominasse. Mais significativo porventura é o caso de
Israel, que se formou na viragem do 2º milénio aC para o 1º pelo rei David,
aproveitando o fim da Idade do Bronze e a crise dos impérios do Médio Oriente
(século XII aC), que durou até ao alvor do século VIII aC, quando se reforça a
série histórica de vassalagens – a Assírios, Babilónios, Iranianos, sucessores
de Alexandre, Romanos – que terminou aquando da Guerra Judaica (66-70 dC) com o
incêndio do Templo de Jerusalém e a expulsão dos Judeus. Ora, a monarquia em
Israel tinha acabado com a derrota face </span><span lang="FR">à</span><span style="mso-ansi-language: PT;"> Babilónia, no início do séc. VI aC, substituídos
com o domínio do Irão por um conselho de sacerdotes do Templo. Mas foi
sobretudo a sobrevivência do povo judaico, em diáspora de mais de vinte
séculos, de reprodução em múltiplos lugares e línguas, conhecendo perseguições
sem fim, ao longo de toda a história da Europa como dos impérios otomano e
russo, história sem Estado, em torno do Livro e respeitando a sua endogamia,
que é inegavelmente a verdade dum povo, um exemplo vibrante de <i>sociedade
contra o Estado</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">. Foi o que o
sionismo quis reverter, bem ou mal (dos palestinianos). <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="FR"><b>A vagarosa crise
climática</b></span><span style="mso-ansi-language: PT;"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">12. O problema com as ciências das sociedades
actuais é o de não haver nenhuma ciência que não tenha senão objectos parciais
– sociologia da educação, da família, do mercado, da saúde, dos médias, da
cultura, e por aí fora – sem sociologia global. Como a economia, ciência dos
mercados, tem como mecanismo fundamental a moeda, que <i>reduz </i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">todas as outras componentes ao seu valor
monetário, e como a moeda intervém em praticamente todas as outras estruturas
sociais que a economia reduz mas onde não é o factor dominante – é a educação,
o bem estar familiar, a saúde, etc – ela apropriou-se dessa função global, que
é indispensável tendo embora um discurso aproximativo que tem muitos limites. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">13. É o que se está a passar com a crise das
alterações climáticas, em que a economia, embora indispensável, é um dos
principais obstáculos, que terá que conhecer viragens decisivas. Sejam as dez
catástrofes climáticas principais, segundo os dois estudos mais recentes<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn6" name="_ftnref6" style="mso-footnote-id: ftn6;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[6]<!--[endif]--></span></span></a>:
<i>“secas, incêndios, inundações, vagas de calor, modificação da cobertura
vegetal, precipitações, subida do nível dos mares, tempestades, reaquecimento,
esgotsmento dos lençóis e dos cursos de água, modificação da composição química
dos oceanos”</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> com seis efeitos
principais sobre a vida humana, “a saúde, a alimentação, a água, a economia, as
infra-estruturas e a segurança, temas desdobrados em 89 sub-rubricas”. “Assim,
mortes e doenças provocadas por inundações ou incêncios ou as vagas de calor,
estragos na agricultura, gado ou pescas após precipitações ou secas, ; efeitos
nefastos sobre a qualidade e a quantidade da água não salgada, destruições de
infra-estruturas em consequência de tempestades e da subida das águas,; percas
económicas e de emprego, da diminuição da produtividade e da crise do turismo
causada </span><span lang="FR">pela</span><span style="mso-ansi-language: PT;">
acidificação dos oceanos e e a deflorestação. Tudo isto sobre fundo de
violências crescentes e de migrações multiplicadas”.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">14. As crises são sinais de dificuldades de
reprodução das sociedades que as sofrem, que frequentemente dependem das
desigualdades económicas mas podem resultar de outros factores, como as famosas
manifestações de 1968, com especial relevo no Maio da França inteiramente
ocupada, fábricas e escolas; por outro lado, somos informados frequentemente
como as crises de guerra ou guerrilha em países periféricos, como se diz, são
por vezes tais que não se percebe como é que as funções alimentares, por exemplo,
são exercidas. Fora dessas crises mais visíveis, dá para causar espanto que as
sociedades ocidentais funcionem muito razoavelmente, havendo sempre, é certo,
aqui e ali mini-crises de tipo variado e a constância das desigualdades. Esse
espanto vem de se saber da imensa especialização de actividades que elas exigem
e de como milhões de pessoas trabalham de molde a, em geral, se poder ter
confiança no seu trabalho, no que comemos e em geral no que compramos. Ora, um
tal espanto parece ser um obstáculo às necessárias politicas contra a grande
ameaça das alterações climáticas, politicas de constrangimento de certos tipos
de consumos que favorecem os famosos efeitos de estufa; vê-se bem na maneira
como a propaganda dos partidos políticos da direita à esquerda, e portanto dos
governos populistas ou democráticos, continua a ser imperturbavelmente a proposta
de crescimento económico, sabendo eles que não podem propor retornos devidos às
ameaças climáticas. A questão é que estas ameaças não são de um apocalipse
total que se avizinhe com sinais inegáveis: </span><span lang="FR">os cientistas</span><span style="mso-ansi-language: PT;"> dizem que <i>a crise climática já começou</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, por exemplo na Califórnia são seus efeitos “os
incêndios florestais, uma das mais longas secas, além das vagas de calor
extremas no verão”. Como convencer as populações eleitorais de que é assim, de
que a ameaça diz respeito às vidas, agricultura e gado, água potável,
segurança, inundações com a subida do nível dos oceanos, sobretudo nos países
em desenvolvimento, mas também a Holanda ou Países Baixos, a actividade
económica dos países desenvolvidos? Quando se vê os protestos em França quase
paralisada com o aumento dos impostos, que turbulência social e politica não
despertarão os governos que propuserem politicas preventivas para uma crise
vagarosa e ocasional, em zonas muitas vezes longínquas (tem que ver com os
outros...), uma crise que não se vê com os nossos olhos nem nos nossos ecrãs,
apenas em discursos que pedem crença nos especialistas que a anunciam. Enquanto
as unidades sociais, famílias, empresas e politicas, não sentirem a crise, tudo
se passar como maus acontecimentos isolados aqui e ali mas lá longe, se só
acordarem tarde demais para promover a consciência da crise a tempo de precaver
os limites da temperatura até ao ano previsto de 2100. É possível todavia que
os efeitos das catástrofes lá longe tenham efeitos aonde elas não ocorrem.
Portugal não participou na guerra de 1939-45, não sofreu o que sofreram a maior
parte das populações europeias, mas sentiram-se cá consequências, nomeadamente
racionamento na alimentação, consoante o número de pessoas de cada família,
devendo-se fazer longas filas para obter manteiga no Campo Grande, morando nós
perto do Largo do Rato.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<br /></div>
<div style="mso-element: footnote-list;">
<!--[if !supportFootnotes]--><br clear="all" />
<hr align="left" size="1" width="33%" />
<!--[endif]-->
<div id="ftn1" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref1" name="_ftn1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[1]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;">F. Belo, <i>Epistemologia
do Sentido. Entre Filosofia e Poesia, a questão semântica</i></span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;">, F. Gulbenkian, 1991, §§ Q92-Q119.</span></div>
</div>
<div id="ftn2" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref2" name="_ftn2" style="mso-footnote-id: ftn2;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[2]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;"><i>S/Z</i></span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;">, 1970, Seuil; “Analyse textuelle d'un conte
d'Edgar Poe”, in <i>Sémiotique narrative et textuelle</i></span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;">, 1973, Larousse; “L'analyse structurale du récit. À
propos d'Actes 10-11”, in <i>Exégèse et herméneutique</i></span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;">, 1971, Seuil; “La lutte avec l'ange: analyse
textuelle de Genèse 32, 23-33, in <i>Analyse structurale et exégèse biblique</i></span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;">, 1971, Delachaux et Niestlé.</span></div>
</div>
<div id="ftn3" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref3" name="_ftn3" style="mso-footnote-id: ftn3;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[3]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;">o 4º capítulo do <i>Discurso
do Método</i></span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;"> de Descartes (anexo
a <i>Linguagem e Filosofia. Algumas questões para hoje</i></span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;">, INCM, 1987), a <i>Poética</i></span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;"> de Aristóteles e <i>Sobre a Verdade e a Mentira</i></span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;"> de Nietzsche (<i>Leituras de Aristóteles e de
Nietzsche</i></span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;">, F. Gulbenkian,
1994), com um balanço dessas tentativas em “Semiótica e Ciências Sociais” (<i>Revista
Crítica de Ciências Sociais</i></span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;">,
Coimbra, nº 10, retomado em anexo a <i>A Conversa, linguagem do quotidiano.
Ensaio de Filosofia e Pragmática</i></span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;">,
Presença, 1991) e nos §§ Q168-Q205 de <i>Epistemologia do Sentido</i></span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;">.</span></div>
</div>
<div id="ftn4" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref4" name="_ftn4" style="mso-footnote-id: ftn4;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[4]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;">É por isso que uma
fenomenologia geral de sociedades actuais é muito difícil, ainda mais quando se
é leigo no assunto. Provavelmente as sociedades de regime monárquico e
predominância agrícola serão mais fáceis, com as suas casas de tendência à
autarcia, com relações meramente locais, ou algumas regionais.<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn5" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref5" name="_ftn5" style="mso-footnote-id: ftn5;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[5]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;">A proposta de infra e
superestrutura parece contrariar o marxismo, mas há que ver que os conteúdos
não são os mesmos. Os dois motivos enxertam-se um no outro, tudo o que sendo trabalho
aprendido relevando da super-estrutura. Como Marx não faz intervir a biologia
na sua análise do infra-estrutural, mas ela está lá com todas as actividades
quotidianas das famílias, que ele considera ‘infra’ para dar ênfase à novidade
económica da revolução industrial, a super-estrutura capitalista.<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn6" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref6" name="_ftn6" style="mso-footnote-id: ftn6;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[6]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;"><i>Nature Climate Change</i></span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;"> (19/11/2018, citado pelo <i>Le Monde</i></span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;"> datado de 21.<o:p></o:p></span></div>
</div>
</div>
<!--EndFragment-->Fernando Belohttp://www.blogger.com/profile/17937204465115284686noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8208352897435046717.post-59683549990019717302018-11-14T12:24:00.001-08:002018-11-14T12:24:19.895-08:00A filosofia perene e os seus gestos históricos
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<br />
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<span class="Apple-style-span" style="font-size: 27px;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="FR"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>1. </span><span style="mso-ansi-language: PT;">Eis
uma maneira de dizer a diferença de paradigmas entre a filosofia tradicional e
a sua desconstrução por Derrida: enquanto que, desde Platão, se argumenta sobre
‘categorias’, ‘essências’, ‘conceitos’, temas resultantes da definição, a
gramatologia tem antes demais em conta <i>o gesto de escrita</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> que isolou esses temas, retirando-os do
respectivo contexto, a saber, a operação de definição filosófica e o
laboratório científico, gestos <i>históricos</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> de escrita dos textos que impõem fronteiras aos temas filosóficos e científicos
que eles tratam, sobre os quais argumentam. No comentário que fiz à recusa da
R. P. Filosofia em publicar o texto “Filosofia <b>com</b></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> Ciências, recuperar a dimensão filosófica das ciências,
suspensa por Kant”<i> </i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">no blogue <i>Filosofia
<b>com</b></i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"><i> Ciências</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> (18/04/2018), dei uma lista <i>ad hoc </i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">de exemplos de ‘gestos’ em filosofia, que tratarei
agora de detalhar um pouco, procurando mostrar em cada caso como é que o gesto
altera o curso dos temas que constituem o paradigma da filosofia escolar, que
se vê a si própria como uma “philosophia perennis”, quase anhistórica: embora
estudando a “história da filosofia”, ao pensar como que se esquecia dos
pensadores, das suas épocas e circunstâncias, das mãos que escrevem ou operam
laboratorialmente, do que relativizaria os seus argumentos, manifestaria a sua
busca da verdade</span><span lang="FR">. </span><span style="mso-ansi-language: PT;">Trata-se não apenas da historicidade da discussão filosófica, mas também de
procurar situar esta na história da civilização.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">2. Eis a lista que dei: o ‘sei que nada sei’
socrático e a dúvida metódica cartesiana; com a definição, a instituição da
Academia e do Liceu; a <i>Physica</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> como filosofia <b>com</b></span><span style="mso-ansi-language: PT;">
ciências; o plurilinguismo helenista, donde o motivo do ‘signo’, abrindo uma
brecha no ‘mesmo’ de Parménides, que tinha continuado em Platão e Aristóteles;
a maneira como o platonismo se apoderou do discurso cristão em Orígenes; a
teologia cristã levando no seu bojo a filosofia para a Europa; a recepção dela
pelas universidades medievais; Aristóteles substitui Platão no tomismo;
transformação nominalista deste; papel de Newton na critica de Kant; a redução
husserliana e a doação com retiro heideggeriana; a questão da escrita posta à
filosofia por um herdeiro de ambos, permitindo entender não apenas o que os
pensadores ‘pensam’ (logocentrismo), mas também o que eles ‘fazem’ escrevendo
historicamente (desconstrução).</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span lang="FR">3.
O propósito é ambicioso demais para o meu saber, por certo. Haverá que começar </span><span style="mso-ansi-language: PT;">pela própria escrita como invenção em sociedades
agrícolas e guerreiras, garantindo uma casta de nobres alimentados pelo excesso
de comida que camponeses cultivam, casta que nas guerras fazia escravos que os
dispensavam dos trabalhos de mãos, deixados a servidores e a artesãos. Foi este
ócio (<i>scholê</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">) que proporcionou
a alguns nobres e dedicarem-se a reflectir sobre as coisas do mundo e as
maneiras de governar as sociedades, a ler as literaturas literárias e filosóficas,
a escreverem por sua vez o que discutiam entre eles (assim como as Descobertas
e a escravatura, também os filósofos gregos eram guerreiros que filosofavam
assentes na escravatura). Pode-se situar as duas épocas principais do
pensamento filosófico ocidental: os séculos V-IV a. C. dos sofistas vindos a Atenas,
onde entre outros Sócrates, Platão e Aristóteles fizeram ‘escola’; os séculos
XVII-XVIII europeus de Galileu e Descartes, Hobbes, Newton, Locke e Leibniz
entre outros até Hume, Rousseau e Kant. Tratou-se de duas épocas de explosão de
publicação de escrita. Na época do helenismo, a publicação dum manuscrito fazia-se
depositando-o num templo, biblioteca ou arquivo oficial, onde se podiam fazer
cópias. Para uma difusão rápida, havia oficinas especializadas, onde escreviam
numerosos copistas a quem o texto era ditado<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn1" name="_ftnref1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[1]<!--[endif]--></span></span></a>.
</span><span lang="FR">Durante a Idade Média, eram monges que </span><span style="mso-ansi-language: PT;">copiavam os manuscritos da Antiguidade e
asseguraram que uma parte dela chegasse às universidades medievais, onde voltou
a haver, agora não nobres guerreiros, mas clérigos, a dedicarem-se ao ócio de
ler, discutir, pensar, escrever. Os Modernos europeus serão muito críticos das
universidades por se limitarem a ler e transmitir textos, mas só foram capazes
de tirar novos conhecimentos das suas experiências, marítimas ou laboratoriais,
por terem tido esse passado de vários séculos de ensino textual. Foi só o
desenvolvimento das comunas, artesanatos e comércios com as respectivas
populações que veio a permitir a invenção da tipografia, a explosão dos livros
produzidos industrialmente e a existência de numerosos<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>leitores, estudantes. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span lang="FR">4.
Paradoxo de Sócrates : </span><span style="mso-ansi-language: PT;">desdenhou
todo o saber que aprendera de seus mestres e da tradição, desdém de critica
radical que é o seu famoso “só sei que nada sei” – “</span><span lang="EN-US" style="color: #222222; mso-ansi-language: EN-US;">aquele homem acredita saber
alguma coisa, sem sabê-la, enquanto eu, como não sei nada, também estou certo
de não saber”, <i>Apologia de Sócrates</i></span><span lang="EN-US" style="color: #222222; mso-ansi-language: EN-US;">, 21d, será a formulação que se encontra
em Platão mais perto do aforismo tradicional </span><span style="mso-ansi-language: PT;">–</span><span lang="EN-US" style="color: #222222; mso-ansi-language: EN-US;">,
mas também não quis contribuir </span><span style="mso-ansi-language: PT;">para o
saber futuro dos seus discípulos, desdenhando de escrever aquando da explosão
dos manuscritos e das escolas sofistas do seu tempo. Ora, o paradoxo é esse desdém
ser parte da sua invenção da <i>definição</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> e portanto, por via das escritas de Platão e de Aristóteles, da invenção
daquilo a que chamamos filosofia: mesmo se se a desconstrói, é por grande
respeito pela construção que ela foi, que o maior critico de Sócrates não desdenhou:
</span><span lang="FR"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>“há que
admirar o homem por ser um pujante génio da arquitectura que conseguiu erigir
sobre água corrente um edifício conceptual indefinidamente complicado”,
espanta-se Nietzsche em <i>Sobre a verdade e a mentira em sentido extra-moral</i></span><span lang="FR">, de 1873. O paradoxo da recusa da escrita na </span><span style="mso-ansi-language: PT;">fundação da nossa filosofia estende-se a Platão (<i>Fedro</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">) e pelas mesmas razões: é que o alvo da definição
era a maiêutica de Sócrates, que o jovem que ele interrogava chegasse ele
próprio a definir a virtude que se discutia e por aí a pô-la em prática. A
definição deveria ser o fruto do diálogo, da dialéctica, como dois exemplos
modernos poderão ajudar a entender: a psicologia não directiva de Carl Rogers
busca que o cliente da relação psicológica chegue à sua própria verdade, o
psicólogo – anti-socraticamente – abstendo-se de acrescentar algo do seu saber
científico (o que bate certo com o ‘não saber’ socrático! paradoxo, não é?);
também a psicanálise freudiana se recusa a meter a sua teoria no trabalho de
rememoração analítica, já que é esta que, reconhecida pelo paciente como uma
verdade estranha saída de si, o libertará (foi por isso que Freud abandonou
precocemente a hipnótese, apesar do que permitia saber dessa verdade ao psicanalista,
mas não ao paciente). O paradoxo é que a <i>definição</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, mecanismo violento de escrita filosófica como já
é manifesto nos textos aristotélicos, tenha sido inventada ao serviço do que Derrida
chamou <i>logocentrismo</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, do
primado da interioridade na filosofia (e depois no cristianismo) que rasurou
essa sua violência escriturária no seio do seu próprio operar, como se pode ver
na leitura ‘mental’ de meditação. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">5. Há um paralelo à escola da filosofia ocidental,
a ideografia chinesa que forneceu o braço da administração mandarim dum império
que, tal como a filosofia, durou uns 23 séculos. Creio que é possível
argumentar que também foi a <i>definição filosófica</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> quem sustentou a escola ocidental: foi a ela a
que Platão atribuiu a eternidade das suas Formas ideais, à maneira da
intemporalidade da geometria. Uma maneira de argumentar sobre a definição como
operação de escrita violenta é correlacioná-la com a instituição da Academia
para ensinar jovens sobre coisas além do que toda a gente aprendia como suficiente,
ensinar coisas difíceis relevando do efeito da definição, a chamada <i>abstracção</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> que produz conhecimentos prescindindo dos
tradicionais cinco sentidos; dificilmente adquiridos, esses conhecimentos
também não se prestam ao diálogo nem à aplicação óbvia no social: é que este é
suspenso enquanto tal, enquanto contexto deixado fora das fronteiras (<i>fines</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">) do definido, aquilo que Aristóteles chamará
‘acidentes’, dado ao conhecimento sensível comum, o tal que não sabe dos
definidos aprendidos na Academia. Ora, esta instituição durou cerca de dez
séculos, até ser fechada no sec. VI pelo imperador Justiniano por relevar da
sabedoria pagã. Mas a definição e a abstracção voltaram alguns séculos depois
como a coisa própria das universidades<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">6. Em relação à obra de Aristóteles, a questão que
me interessa é a do papel central da <i>Physica</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> (o ente enquanto movimentando-se, preponderância
portanto dos vivos, do seu crescer, <i>phuô</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">), onde se fazem as definições centrais da sua obra – <i>ousia</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, <i>aitia </i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">(causa), etc – e que articulam as várias ciências sobre as quais ele
escreveu, sendo o eixo a definição de <i>ousia</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> no respectivo domínio, a começar pelo zoológico,
mas que se manifesta também no cap. 6 da <i>Poética</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, definindo a <i>ousia</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> da tragédia (texto no blogue <i>Filosofia com
ciências</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, 15/06/2012). Ora, a
Idade Média introduziu a obra filosófica de Aristóteles na teologia mas
privilegiando a Metaphysica (o ente enquanto ser, o movimento reduzido ao
estatuto de acidente), deixando a Physica e as suas questões a cientistas como
Roger Bacon e mais tarde Galileu. É a Heidegger que se deve a redescoberta da <i>Physica</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, de que disse: </span><span lang="FR" style="letter-spacing: .1pt;">“a </span><span lang="FR">Physica <i>de Aristóteles</i></span><span lang="FR" style="letter-spacing: .1pt;"> </span><span lang="FR" style="letter-spacing: -.15pt;">é, </span><span lang="FR"><i>em retiro, e por essa razão nunca suficientemente
atravessado pelo pensamento, o livro de fundo da filosofia ocidental</i></span><span lang="FR">”.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span lang="FR">7.
Outro gesto histórico decisivo para a futura Europa : a tradução de
Aristóteles para latim, com dois motivos filosóficos de fundo : <i>logos</i></span><span lang="FR">, traduzido por ‘razão’ (Cícero : o ‘animal tendo discurso’ vira
‘animal racional’), deixando de fora o discurso e a língua (v<i>erbum</i></span><span lang="FR">, <i>oratio</i></span><span lang="FR">), <i>ousia</i></span><span lang="FR"> traduzida por ‘substância’ (a <i>ousia</i></span><span lang="FR">
primária das <i>Categorias</i></span><span lang="FR">) e por ‘essência’ (a
secundária), relevando esta também do pensamento em língua; por outro lado, o <i>bilinguismo</i></span><span lang="FR"> helenista introduziu na díade grega clássica <i>nome / coisa</i></span><span lang="FR"> um terceiro termo, o <i>lekton</i></span><span lang="FR">, como
‘significado’, aquilo<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>que se
mantém na tradução com a coisa, quando o nome muda de língua (os Gregos
clássicos não traduziam para línguas bárbaras !). Estes gestos baralharam
completamente a herança grega, vindo a ser o ponto cego, se se pode dizer, do
debate realismo / nominalismo. A tríade do signo helenista nome / coisa /
significado veio a ser a base de linguagem / realidade (<i>res</i></span><span lang="FR">) / pensamento, a primeira que com o terceiro fazia a ‘essência’ da
segunda, a ‘substância’ da coisa ; o nominalismo negou que essa essência
pertencesse à substância dela, dissociou-as uma da outra, colocando a essência
na noção occamiana de ‘<i>nome</i></span><span lang="FR"> mental’ da coisa, de
que os nomes das línguas virão a ser os instrumentos na Europa clássica :
a oposição pensamento (<i>res cogitans</i></span><span lang="FR">) / coisa (<i>res
extensa</i></span><span lang="FR">) é uma herança nominalista sem lugar
(primacial) para os nomes, para a linguagem. E o ‘eu’ que pensa é uma <i>coisa</i></span><span lang="FR"> pensante, coadjuvada pela alma imortal. É esta que tem <i>ideias
inatas</i></span><span lang="FR">, as ideias cartesianas, que foram um enorme
sucesso filosófico, rdtão para as palavras e para os discursos como as almas
para os corpos, também podem ser imortais.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span lang="FR">8.
A alma imortal veio com outro gesto importante para a futura Europa ocorrido
nos tempos do helenismo: foi a maneira como o platonismo, com os seus seis
séculos de escola e de </span><span style="mso-ansi-language: PT;">obra filosófica,
se apoderou do jovem discurso que lhe apareceu no cristão Orígenes de
Alexandria e o platonizou, como era seu hábito face ao que lhe chegava vindo do
Médio Oriente, como diz o filósofo platónico Celso, anunciando Orígenes com uns
50 anos de antecedência. Foi este platonismo adaptado que venceu os concílios,
contra os teólogos de Antioquia, donde vinham os hereges face aos de
Alexandria. Ora, não se trata apenas de uma questão da teologia cristã, que
terá o seu patrão em Agostinho de Hipona: foi com estas vestes platónicas que a
filosofia foi transmitida às universidades medievais. Se é certo que Alberto
Magno e Tomás de Aquino substituíram Platão por Aristóteles, gesto que valeu a
citação de Heidegger no final do § 6, há que sublinhar que não o fizeram
integralmente. Platão havia introduzido uma oposição entre alma e corpo, mas
essa alma era imortal, isto é, susceptível de viver sem o corpo, com uma
substancialidade inteligível, o que Aristóteles criticou no seu hilemorfismo, a
alma como forma do corpo material: ora o Aquino, dependendo da sua condição de
teólogo cristão, manteve a imortalidade da alma (ignorada pela Bíblia, que
anunciava a ressurreição dos corpos, que era justamente o que desagrava a
Celso, citado acima), dando um peso filosófico (teológico coberto
filosoficamente) enorme à <i>res</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">
que cogita, ao pensamento. É nestes diversos gestos que a filosofia europeia se
constituiu, como muitos filósofos sabem, é claro. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">9. Outro gesto pouco conhecido de que falou
Isabelle Stengers em <i>A Nova Aliança</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, que muito me intrigou e que Jules Vuillemin tinha esclarecido, foi a
maneira como a <i>critica</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">
kantiana da razão pura se moldou na física de Newton, buscando aí a resposta ao
cepticismo de Hume que o acordou do “dogma” leibniziano: como é possível a
verdade de Newton? Para a ciência, os conceitos do entendimento construídos
sobre os fenómenos vindos da sensibilidade pelas formas a priori do espaço e do
tempo, e as ideias puras, isto é sem sensibilidade (abstractas?), para a
filosofia (e para a teoria?); trata-se da física de Newton, que desprezou as
“qualidades”. </span><span lang="FR">A maior parte destes exemplos </span><span style="mso-ansi-language: PT;">têm sido abordados neste blogue. Um deles, particularmente
significativo que virá num próximo livro meu, é o de relevar o <i>mesmo gesto
critico</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> de Aristóteles em relação
a Platão e o de Kant em relação a Leibniz, <i>em civilizações fortemente
contrastadas</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, algo de impensável</span><span lang="FR"> para uma philosophia perennis.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span lang="FR">10.
De que se trata nestes casos variados de implementação do pensamento filosófico ?
Digamos duma forma simples, que são transformações de civilização que abrem novos
horizontes às sociedades </span><span style="mso-ansi-language: PT;">onde alguns
pensadores se revelam capazes de filosofar, e cada um deles é sempre uma
singularidade, um enigma, um leitor de pensadores anteriores em que a escrita
se funda, fecunda. Nas duas emergências mais óbvias, a grega e a europeia, é a
multiplicidade de manuscritos e de livros que aparece claramente como ocasião
de pensamento, mas essa explosão de publicações é já índice de mais tempo livre
(o tal ócio, que deu o nome à escola) que alicia gente nova para querer
compreender quem são, para onde vão os humanos que assim desabrocham
colectivamente, mormente com o Renascimento, navegação e artes humanistas, mãos
que desenham, perspectivam, escrevem, se aliam com os olhos que até aí
predominavam no pensamento. A derrota dos Gregos dá origem ao helenismo, a sua
cultura tornando-se coisa dos Romanos mas também de outros cultos orientais,
como o cristianismo, que por sua vez ganhou preponderância com a exaustão do
império romano: a época que se seguiu, os longos séculos bem chamados
‘medievais’, atestam no seu vazio de pensamento, os seus monges intelectuais
tendo-se dedicado à cópia de manuscritos, tarefa obscura e formidável que
tornou possível um fenómeno que creio único na história dos humanos, a formação
das universidades dos seculos XII e XIII que pegaram nesses manuscritos e em
outros recebidos dos árabes e lendo e discutindo textos (sem experiêmcia,
criticaram os renascentistas) que deram bases a uma nova civilização que (re) <i>nasceu</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> com uma bagagem cultural da Antiguidade. Foi esse
sistema – que deu os pejorativos ‘escolástico’ e ‘académico’ – que tornou possível
que a filosofia chegasse como <i>berço de pensamento</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> duma civilização (que logo soube de si como <i>renascimento</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">), fenómeno inédito na história humana, sem o qual
não teria havido a modernidade europeia. Berço de acento cristão, é certo, a
própria filosofia sendo a ‘serva’ (<i>ancilla</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">) da teologia, levada como foi no bojo da Igreja, bagagem que os Europeus
completaram redescobrindo os grandes autores pagãos de Roma e o próprio Platão,
traduzido para latim na segunda metade do século XV. Ora, são as novas comunas
dos últimos séculos medievais que necessitaram dessas universidades, de se
ultrapassar a teologia agostiniana para monges, camponeses e guerreiros para
uma que tivesse a ver com as novas tarefas bem difíceis do urbanismo
renascente. Depois, as mãos renascentistas inventaram o laboratório científico
e com ele a filosofia reformulou-se, Bacon, Descartes e Hobbes. Kant e Hegel
são já a transição para a civilização que se anuncia com o desabrochar
formidável das ciências do século XIX: a <i>revolução</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> das próprias sociedades leva à importância ganha
pelo <i>tempo</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> e as novas ciências
serão da história: da terra e da vida, do trabalho ou economia, das línguas,
dos textos. </span><span lang="FR"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">11. O século XIX foi dominado pelas ciências que
forneceram os grandes debates, a economia com Marx, a biologia com Darwin, a
psicologia com Freud, deixando espaços, na margem do positivismo, para
tentativas de tipo existencial, de Kierkegaard a Nietzsche, enquanto que no
século XX a palavra de ordem de Husserl, de retorno às próprias coisas, teve
dois surtos, um existencial (Heidegger, Sartre, Levinas...), outro de aliança da
filosofia com as ciências sociais e humanas que estavam a impor-se atrás da
linguística saussuriana no chamado estruturalismo – sem sujeito nem objecto –
segundo o linguista Roman Jakobson. Em paralelo, o lógico contemporâneo de
Husserl, Gottlob Frege, deu origem às filosofias ditas analíticas que mal
conheço, mas em que as ciências puras e duras, como se diz, física, química e
biologia, têm um lugar destacado que o estruturalismo ignorou. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">12. Como dizer a relação das correntes
fenomenológicas com este século XX, com uma metade disparatada e outra de
reconstrução sobre as ruínas desses disparates, com uma pujança científica e
tecnológica imensa, esta inclusive nas guerras? Do ponto de vista da
fenomenologia geral em que me situo, esta pujança como que apagou o lugar tradicional
da filosofia europeia, substituída pelas ciências sociais como fonte de conhecimento
novo e de saber-fazer, mormente a economia<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn2" name="_ftnref2" style="mso-footnote-id: ftn2;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[2]<!--[endif]--></span></span></a>.
Modestamente, como é timbre do pensamento que inova não ser entendido
maioritariamente, colocou-se a essa pujança científica a questão heideggeriana
do <i>ser no mundo</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, a sua doação
retirada como aberto às inscrições bio-sociais (desconstrução derridiana), à
estruturação ‘interior’ dos ex-sujeitos e das ex-consciências pela
‘exterioridade tribal’ que a gera. E disso as várias ciências, se e quando o
souberem, estremecerão na teorização dos seus paradigmas, além dos efeitos
práticos de poluição (que estão inviabilizando a vida na Terra) resultarem dos
eufemísticamente chamados “efeitos secundários” da experimentação laboratorial,
que são de facto os efeitos imprevistos – o laboratório busca efeitos
‘primários’ na sua experimentação – que surgem fora do laboratório pelas
aplicações tecnológicas (mas Hiroshima e Nagasaki foram efeitos primários como
tal buscados, imensa nódoa da física quântica). É que a engenharia, desde Watt
e Volta (a corrente eléctrica), é <i>os gestos históricos do pensamento e do
conhecimento terem-se tornado um imenso</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> <i>gesto que revolucionou a história</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, revolucionou as cenas que os laboratórios científicos deixavam fora dos
seus muros, as técnicas apoderando-se de usos e quebrando as casas de antanho,
criando usos novos e novas especializações e portanto unidades sociais como
instituições de trabalho predominando sobre as famílias, alterando inacreditavelmente
a paisagem da civilização. Mas há que acrescentar que a ganância capitalista é
cúmplice desta poluição, sem que se perceba que a ciência económica cumpra a
sua cientificidade nesta questão: pelo contrário, as correntes monetaristas que
dominaram as últimas décadas e fomentaram as recentes crises parece continuarem
a predominar, porque também produzem efeitos secundários no bolso dos
economistas financeiros tornados gestores, numa ‘nova aliança’ da engenharia
electrónica com a ciência económica nobelizada, de que são índice os grandes
patrões multibilionários da Microsoft, Google e quejandos. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">13. Para quem trabalha em filosofia, perceber que
essa ‘nova aliança’ se apresenta como o resultado a jusante da fabulosa
corrente de pensamento feita de descobertas e invenções filosóficas e
científicas, o desaguar destas grandes paixões de vidas totalmente entregues ao
pensamento, ao conhecimento e à compreensão das coisas e dos humanos, como se
se tratasse do <i>telos </i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">de dois
milénios e meio da sua história, do seu alvo final. E as chamadas redes
sociais, com as suas vantagens, é bem de ver, substituem os livros que
impacientam os jovens apressados. Panorama desolador, uma catástrofe na
expectativa do pensamento, da razão que Kant anunciou como estádio adulto da
modernidade europeia. Mas a história conheceu épocas de desolação afins e é
delas que ressurge o florescimento duma nova geração que não conheceu bons
tempos e por isso teve que os buscar, que os fazer vir: entre os que nasceram
já com a electrónica e se fartaram dos dislates que a habitam, que os seus
predecessores não reconhecem como pares, como uma nova música estará já
brotando a esperança que acolherá os vindouros. </span><span lang="FR"><o:p></o:p></span></div>
<div style="mso-element: footnote-list;">
<!--[if !supportFootnotes]--><br clear="all" />
<hr align="left" size="1" width="33%" />
<!--[endif]-->
<div id="ftn1" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref1" name="_ftn1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[1]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span style="font-size: 11.0pt; mso-ansi-language: PT;">Nodet e
Taylor, </span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;"><i>Essai sur les origines
du christianisme. Une secte éclatée</i></span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;">, Cerf, 1998, p. 23.</span></div>
</div>
<div id="ftn2" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref2" name="_ftn2" style="mso-footnote-id: ftn2;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[2]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span style="font-size: 11.0pt; mso-ansi-language: PT;">Assim como
novas artes cinemáticas: o movimento da luz permite um conhecimento que parte
da ordem do sensível e que é fortemente atractivo; ora, o movimento foi a base
quer da physica quer da física.</span></div>
</div>
</div>
<!--EndFragment-->Fernando Belohttp://www.blogger.com/profile/17937204465115284686noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8208352897435046717.post-23851069422639870552018-11-05T07:52:00.001-08:002018-11-05T07:52:08.278-08:00Viagem no tempo ?
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<br />
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<span class="Apple-style-span" style="font-size: 27px;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>1. Um <i>Monde des livres </i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">recente faz uma breve recensão<i> Breves réponses
aux grandes questions de notre temps</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, dum livro póstumo de Stephen Hawking, dizendo entre outras coisas que
fala da possibilidade de “viagens no tempo”<span class="MsoFootnoteReference"> <a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn1" name="_ftnref1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[1]<!--[endif]--></span></a></span>.
Claro que não o li, não sei se é a favor ou contra essa possibilidade</span><span lang="FR">, como também não li a sua história do tempo, publicada há uns vinte
anos. </span><span style="mso-ansi-language: PT;">A dizer verdade, o que me
incitou a este pequeno texto foi a simples possibilidade de a questão ser
posta, ainda que se responda negativamente: ela ilustra a concepção vigente na
Física contemporânea de considerar o tempo (e o espaço, e o que Einstein chamou
“espaço-tempo”)</span><span lang="FR"> como algo </span><span style="mso-ansi-language: PT;">de <i>existente</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> em si, quase
como paralelo ao universo material, embora esse tempo não seja ele próprio
‘material’, julgava eu, mas diz-se na dita recensão que Hawking “explica que o
tempo não é o inexorável absoluto dos pêndulos, mas um material maleável<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn2" name="_ftnref2" style="mso-footnote-id: ftn2;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[2]<!--[endif]--></span></span></a>
que pode inclusivammente parar num buraco negro”, onde não há movimento,
acrescento eu. De qualquer forma, o tempo, ainda mais se ‘material’, provoca
nos físicos graves questões, como dava conta uma conferência do físico francês
Étienne Klein </span><span lang="EN-US" style="color: #333333; mso-ansi-language: EN-US;">(“Le temps existe-t-il?”, 12/06/2006)</span><span lang="EN-US" style="color: #333333; font-family: Verdana; font-size: 14.0pt; mso-ansi-language: EN-US;">,</span><span style="mso-ansi-language: PT;"> glosada neste blogue
(5/5/2015). Ora, foi o filósofo Aristóteles que introduziu o motivo de ‘substância’
(material informado, com motor e finalidade), que os Europeus desfizeram (no
sentido da desconstrução, encetada por Galileu e Newton), quem paradoxalmente
definiu o tempo de forma não substancial ou material, existente por si, e ainda
por cima antecipando cerca de dois milénios na mesma definição a descoberta do
tempo tal como Galileu o colocou na sua célebre experiência de <i>medir</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> [a água que tombava durante] <i>o tempo do
movimento</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> em análise, tornando
imperativa a invenção de relógios como instrumento essencial dos laboratórios<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn3" name="_ftnref3" style="mso-footnote-id: ftn3;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[3]<!--[endif]--></span></span></a>.
O paradoxo tem uma explicação: a “substância” que Aristóteles definiu (a <i>ousia</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">) era uma substância que se movia e a definição
aristotélica do tempo na <i>Physica</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> –</span><span style="color: #333333; font-family: Verdana; font-size: 13.0pt; mso-ansi-language: EN-US;"> </span><span lang="EN-US" style="color: #333333; mso-ansi-language: EN-US;">“o tempo é o número [a medida] do movimento segundo o
anterior e o posterior” (IV, 219 b 1) – subordinava-o ao movimento, como a sua
medida, </span><span style="mso-ansi-language: PT;">acrescentando-lhe aliás uma
dimensão que a Física ignorou e só um químico do século XX, Ilya Prigogine, pôs
em relevo: a sua <i>irreversibildade</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, contida no “</span><span lang="EN-US" style="color: #333333; mso-ansi-language: EN-US;">segundo o anterior e o posterior” da definição. Pode-se dizer aliás que </span><span style="mso-ansi-language: PT;">a alegada expressão de Galileu diante da Inquisição
</span><span lang="EN-US" style="color: #333333; mso-ansi-language: EN-US;">– </span><span style="mso-ansi-language: PT;">“e no entanto ela move-se” </span><span lang="EN-US" style="color: #333333; mso-ansi-language: EN-US;">– </span><span style="mso-ansi-language: PT;">dá conta implicitamente de que é esse movimento de
rotação que nos permite <i>medir o dia</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, embora sob a aparência do movimento do sol.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>2. Eu não sei que chegue para aclarar
a questão de saber aonde e quando é que os físicos foram buscar esta <i>separação</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> entre o tempo e o movimento que permite àquele
dar a possibilidade eventual de viajar no tempo, já que essa separação é o
oposto da sua prática laboratorial, em que o tempo é sempre e exclusivamente a
medida dos movimentos da experimentação; é aliás donde vem a inacreditável
noção de reversibilidade que supõe a viagem no tempo (ao passado, sem dúvida,
já iremos ao futuro), que o próprio Prigogine interpretou como resultante do
uso de fórmulas de tipo matemático, de equações reversíveis, isto é, que podem
sempre desenvolver-se para uma solução como voltar atrás, ao ponto de partida. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>3. Como é que o tempo se punha na
filosofia / teologia medieval? A conhecida resposta de Agostinho de Hipona
sobre a sua dificuldade em definir o tempo, sabendo bem o que ele era na ordem
prática, é porventura resultante do seu neoplatonismo, privilegiando a
eternidade desde as Formas ideais de Platão; será do lado do aristotelismo de
Tomás de Aquino que há que vasculhar, a partir de memórias antigas. Ora, o que
importa ao teólogo dominicano, a quem devemos a argumentação filosófica do
conjunto das questões teológicas na sua <i>Summa</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, é a metaphysica de Aristóteles e menos a sua
physica, o que parece corresponder à maneira como o movimento é secundarizado
como <i>acidente</i></span><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn4" name="_ftnref4" style="mso-footnote-id: ftn4;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[4]<!--[endif]--></span></span></span></a><span style="mso-ansi-language: PT;">, reino dos temporais singulares. Mas essa
metaphysica é teológica, o tempo dos movimentos segundo Aristóteles não se
aplica ao Deus imutável – sem movimento, alteração nenhuma – e eterno, portanto
sem tempo. Também é imenso, sem medida nem espaço. Uma questão que se discutiu
nessa época era a de saber se Deus conhecia os “futuríveis”, as coisas que
poderiam suceder a alguém se ele não tivesse tomado tal opção, por exemplo se
tivesse casado em vez de ser frade. É uma espécie de viagem de Deus no futuro –
sem tempo, passado, presente e futuro são igualmente presentes para o Ser
eterno – que obviamente se complicaria bastante com os futuríveis que seriam os
futuros dos filhos, netos, etc. Ora bem, Tomás de Aquino deu uma resposta muito
interessante: Deus só conhece quer o passado quer o futuro como presente, nas
acções e nos acontecimentos, e os futuríveis não são presentes, portanto Deus
não os conhece. Resposta que não diminui a omnipotência de Deus, note-se, mas
como que a liga à terra, no caso aos movimentos e ao tempo deles. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>4. Parece-me que esta bela resposta
significa que ainda no século XIII não havia o tempo e o espaço dos físicos do
século XVII. Meto aqui o espaço que, como se sabe, é um motivo ignorado pelos
Gregos, que tinham apenas o de lugar (<i>topos</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">), mas obviamente que também <i>mediam distâncias </i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">entre lugares, como se deduz da própria palavra <i>geometria</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, medição da terra. E o motivo físico de espaço
põe uma questão semelhante à de tempo, só que é a dimensão própria para viajar,
justamente na ‘terra’ que os Gregos mediam, que é dela mesma reversível, como
todos experimentamos em viagens de ida e volta, mesmo os astronautas vão e
voltam. Ora, aqui há uma inovação nos séculos XV e XVI, que foram as famosas
descobertas, nomeadamente a da esfericidade da Terra e os meridianos e
longitudes, estas a cruzarem-se em dois pólos e a tornar indefinidas as possibilidades
de viagens, como indefinido é o tempo enquanto horizonte das nossas vidas que
poucas chegam aos 100 anos, horizonte do nosso futuro.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>5. É extremamente tentador pensar que
o tempo e o espaço do século XVII foram inventados pelos físicos enquanto
laborando em laboratórios que eles próprios, Galileu e Newton nomeadamente,
fizeram com as suas próprias mãos hábeis: foi este <i>labor histórico </i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">que gerou o motivo newtoniano de “absoluto” do
espaço e do tempo que Einstein veio a criticar sob o tema da relatividade
(aliás galilaico): “o <i>espaço absoluto </i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">permanece</span><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">, por sua
própria natureza e <i>sem relação</i></span><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;"> a qualquer coisa externa, sempre similar e imóvel”</span><span style="mso-ansi-language: PT;"> e “o <i><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>tempo absoluto</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">,
</span><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">matemático e verdadeiro
flui, por si só e por sua própria natureza, de forma homogênea e <i>sem relação</i></span><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;"> com qualquer coisa externa”
(Newton)<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn5" name="_ftnref5" style="mso-footnote-id: ftn5;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[5]<!--[endif]--></span></span></a>.</span><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: PT;"> O espaço é imóvel, o tempo <i>sem
relação</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> com qualquer coisa
externa, isto é, com o movimento: foi assim que filosofou
anti-aristotelicamente Newton, mas também anti-experimentalmente, já que é na
experiência de movimentos que ele mede os (seus) tempos. Pode-se supor, e é
como supor que argumento aqui, que o génio que prescindiu das qualidades, e
portanto das substâncias, e que propôs “princípios matemáticos”, foi levado a
interpretar matematicamente o espaço e o tempo cruciais na nova ciência,
opondo-os às coisas que serviam para as suas experiências, que eram quaisquer e
relativas (“qualquer coisa externa”, escreveu). Donde talvez o “absoluto”,
digno da nova ciência como da “filosofia natural”. </span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;">O que suponho é consonante com o motivo gramatológico
de <i>desconstrução</i></span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;"> operado
pela Física que mede e <i>reduz</i></span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;">
as coisas empíricas cujo movimento é medido, <i>retendo</i></span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;"> apenas </span><span style="font-size: 11.0pt; mso-ansi-language: PT;">equações e medidas matemáticas,</span><span style="font-size: 11.0pt;"> </span><span style="font-size: 11.0pt; mso-ansi-language: PT;">“as diferenças e proporções” de Galileu. Os “absolutos” reflectem o
mal-estar logocêntrico do desconstrutor que se ignora enquanto tal. </span><span style="mso-ansi-language: PT;">Acrescente-se que o facto de Einstein ter
relativizado o absolutismo, não impede os físicos de serem mais newtonianos do
que pensam, ao guardarem esta dupla “sem relação” que sublinhei, que lhes
permitiria viajar no tempo. É que se não tivessem relação, não haveria Física
como ciência do mundo material. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>6. Não significa isto que não façamos
viagens no tempo, mas doutra maneira, atenuando tanto quanto possível o nosso
tempo e espaço, o agora e aqui dos nossos movimentos quotidianos, fechando-nos <i>no
silêncio</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> da leitura dum livro de
Platão ou de Marcos, de Dante ou de Galileu, encontrando a estranheza de outros
códigos de viver que os textos reproduzem e se aprendem com vagar, sem nunca
sermos capazes de nos esquecer do que sabemos depois desse passado visitado. Ou
com iguais cuidados de atenuação, fecharmo-nos <i>na sala escura</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> dum cinema que nos dê um filme histórico de
qualidade, nomeadamente na atenção aos códigos, como o inesquecível Pasolini
sobre o evangelho de Mateus, que devo ter visto algumas cinco vezes. São
experiências em que somos raptados ao nosso aqui e agora, levados pelo que
lemos ou vemos, num tempo ficcionado que nunca foi presente. E o que assim se
aprende dá-nos cultura histórica que se acrescenta como experiência cultural à
memória de experiências de vida, sem a qual o nosso ‘aqui e agora’, sem
passado, seria também incapaz de futuro. Estes dois tempos de antes e depois
que Aristóteles colocou na sua fabulosa definição de tempo, ‘passado’ e
‘futuro’, só têm sentido no ‘presente’, como revisto o primeiro e antecipado
(mais ou menos vagamente, consoante a distância) o segundo. Esta noção de
‘distância’ entre períodos de tempo e a de ‘linha temporal’ mostram bem como o
tempo e o espaço são indissociáveis e como este é o único que se dá à medida
directamente, sem relógios<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn6" name="_ftnref6" style="mso-footnote-id: ftn6;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[6]<!--[endif]--></span></span></a>;
é que os relógios são justamente a impossibilidade de viajar no tempo para o
medir: quando se chega ao termo do período a medir, já se está neste tempo
final, sem se poder voltar ao inicial, o tempo vai connosco, não podemos sair
dele! Trata-se justamente da irreversibilidade que Prigogine apontou como
lacuna do tempo dos físicos, que podem repetir os percursos e inclusivamente
por vezes fazê-los em sentido inverso. A relatividade restrita de Einstein
implica que, para velocidades perto da da luz, tem que se ter em conta também o
percurso da luz do olhar que mede que se junta ao tempo do percurso a medir: é
engraçado, ele trabalhava no registo de patentes de Zurich e na época procurava-se
encontrar maneira de sintonizar os vários relógios nas grandes cidades,
relativamente distantes, tendo ele que apreciar várias propostas que foram
submetidas. Físico teórico, sem dúvida, mas com problemas práticos que pediam
soluções teóricas, à maneira dos <i>puzzles</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> de Kuhn.<o:p></o:p></span></div>
<div style="mso-element: footnote-list;">
<!--[if !supportFootnotes]--><br clear="all" />
<hr align="left" size="1" width="33%" />
<!--[endif]-->
<div id="ftn1" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref1" name="_ftn1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[1]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;">São dados três exemplos
dessas questões : </span><span style="font-size: 11.0pt; mso-ansi-language: PT;">“</span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;">Deus existe ?Como é que
o universo começou ? Pode-se prever o futuro ou viajar no tempo ?</span><span style="font-size: 11.0pt; mso-ansi-language: PT;">”</span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;"><o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn2" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref2" name="_ftn2" style="mso-footnote-id: ftn2;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[2]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span style="mso-ansi-language: PT;">‘<i>Materiau</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">’ é um termo que em francês se usa no plural para
materiais de construção, com usos técnicos excepcionais no singular, o
adjectivo ‘maleável’ atenuando esse caracter constructivo.</span><span lang="FR"><o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn3" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref3" name="_ftn3" style="mso-footnote-id: ftn3;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[3]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;">Há um texto de Alexandre
Koyré que mostra como os laboratórios da nova ciência obrigaram à invenção de
relógios permitindo ‘medir’ o tempo, os pêndulos que refere Hawking.<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn4" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref4" name="_ftn4" style="mso-footnote-id: ftn4;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[4]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span style="font-size: 11.0pt; mso-ansi-language: PT;">E. Gilson, <i>Le
Thomisme</i></span><span style="font-size: 11.0pt; mso-ansi-language: PT;">, Vrin,
1947, p. 47 n</span><span style="font-size: 10.0pt; mso-ansi-language: PT;">.</span></div>
</div>
<div id="ftn5" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref5" name="_ftn5" style="mso-footnote-id: ftn5;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[5]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span lang="EN-US" style="font-size: 11.0pt; mso-ansi-language: EN-US;">Afinal estavam na Web estas duas definições.</span></div>
</div>
<div id="ftn6" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref6" name="_ftn6" style="mso-footnote-id: ftn6;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[6]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span style="font-size: 11.0pt; mso-ansi-language: PT;">No relógio
medimos ‘espaços’ do movimento dos ponteiros; nos digitais, o tempo é dado directamente
pelo tempo que há entre os números.</span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoFootnoteText">
<br /></div>
</div>
</div>
<!--EndFragment-->Fernando Belohttp://www.blogger.com/profile/17937204465115284686noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8208352897435046717.post-39978144314368704862018-10-30T16:34:00.002-07:002018-10-30T16:34:19.176-07:00Experiência espiritual, o que é ?
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<br />
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<span class="Apple-style-span" style="font-size: 19px;">uma tentativa fruste de auto-análise</span></div>
<div class="MsoNormal" style="tab-stops: 2.0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="tab-stops: 2.0cm; text-align: justify;">
<span lang="FR"><b>O
motivo de ‘ex-<i>per</i></b></span><span lang="FR"><b>-iência’</b></span><span lang="FR"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="tab-stops: 2.0cm; text-align: justify;">
<span lang="FR"><b>O
meu caso<o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="tab-stops: 2.0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="tab-stops: 2.0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="tab-stops: 2.0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="tab-stops: 2.0cm; text-align: justify;">
<span lang="FR"><b>O
motivo de ‘ex-<i>per</i></b></span><span lang="FR"><b>-iência’</b></span><span lang="FR"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="tab-stops: 2.0cm; text-align: justify;">
<span lang="FR"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>1. Uma longa citação do meu texto neste blogue <i>Prova
e provação de Deus</i></span><span lang="FR"> (16/08/2015) permite-me entrar no
tema. Retenhamos do <i>Dasein</i></span><span lang="FR"> – do pensador da doação da
fecundidade (múltipla, não ‘mono’, não ontoteológica), doação essa dissimulada,
retirada – que o ek-sistir dos humanos é um -<i>sistere</i></span><span lang="FR"> sempre-já fora (<i>ek</i></span><span lang="FR">-), exterioridade,
ser-no-mundo</span><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn1" name="_ftnref1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR" style="font-family: "Bookman Old Style";"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[1]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR">; a tão prezada por cada um de nós ‘interioridade’ vem-lhe da aprendizagem,
dos rastos (memória) das experiências passadas, rastos esses que lhe permitem
uma certa distância ou afastamento, um retiro, um <i>Fort</i></span><span lang="FR">-sein</span><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn2" name="_ftnref2" style="mso-footnote-id: ftn2;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR" style="font-family: "Bookman Old Style";"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[2]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR">, em relação ao <i>Da</i></span><span lang="FR">- (proximidade,
ser-o-aí), a esta ex-posição de exterioridade sempre-já. É este retiro que
retém a identidade do humano, que o guarda enquanto ‘ele próprio’ nessas suas
‘saídas’, nessas experiências mais fortes que o alteram; ele provém dos usos
recebidos dos antepassados, da repetição quotidiana, em que o seu ‘eu’ se vai
afirmando, <i>simultaneamente agindo fora e retirado, repetindo os outros mas
segundo o seu talento, estilo, idiossincrasia</i></span><span lang="FR">, os
rastos dos outros (heteronomia social) ficam esquecidos</span><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn3" name="_ftnref3" style="mso-footnote-id: ftn3;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR" style="font-family: "Bookman Old Style";"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[3]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> como condição da sua autonomia, sem o quê seríamos loucos, sempre
presos da exterioridade como alienação: o grande interesse deste motivo
heideggeriano é justamente o de permitir pensar os humanos fora da oposição
alma / corpo, sujeito / objecto, indivíduo / sociedade, como seres-no-mundo
tribal, liberdades finitas reguladas para cenas aleatórias. Por outro lado,
como se sabe, <i>Ser e Tempo</i></span><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn4" name="_ftnref4" style="mso-footnote-id: ftn4;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR" style="font-family: "Bookman Old Style";"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[4]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"><i> </i></span><span lang="FR">é construído sobre uma <i>experiência</i></span><span lang="FR"> de antecipação da morte como mudança duma existência imprópria,
inautêntica, em uma existência própria, autêntica. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="tab-stops: 2.0cm; text-align: justify;">
<span lang="FR"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>2. ‘Espiritual’ será a experiência de sermos
arrancados à nossa tribo (casa, família, instituição onde emprego), dum rapto,
arrebatamento, duma provação que nos transporta, nos move, nos promete a muito
mais do que a tribo, a “qualquer coisa de misterioso e de glorioso” (Leonardo
Cohen): alteração, metamorfose, conversão, abertura dum caminho inédito sem medida
comum com o que se era antes da provação do amor, antes da paixão ‘inaugural’.
Tempo relâmpago, claro-escuro, tempo fora do tempo, tempo acontecimento, <i>kairos</i></span><span lang="FR"> no grego do novo Testamento, tempo tal que não se volta mais atrás. O
destino mudou, uma (de)cisão se fez aí entre antes e depois. Fica-se assim cortado
dos seus antepassados, do sagrado de outrora: é nisso que uma tal experiência é
‘moderna’, podem-se atribuir experiências assim aos Profetas que escreveram a
Bíblia hebraica e aos Filósofos gregos, <i>mu</i></span><span lang="FR" style="font-family: "Bookman Old Style";"><i></i></span><span lang="FR"><i>tatis
mutandis</i></span><span lang="FR">. E ainda aos santos de todos os tempos e espaços
espirituais. Mas também, ainda que sem o acolhimento dito ‘fé’, aos grandes
apaixonados em seus textos e obras artísticas e de pensamento, o que se chama <i>cultur</i></span><span lang="FR">a em sentido forte, que nos permite abrir como nossos difíceis
itinerários humanos, nos dá algo como uma esperança em época tão mal tratada
como a nossa. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="tab-stops: 2.0cm; text-align: justify;">
<span lang="FR"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>3. Experiência é a palavra dum viajante em zona
estranha, hostil. Tomada na sua etimologia latina, a palavra ex-<i>per</i></span><span lang="FR">-iência diz um <i>per</i></span><span lang="FR">-igo, a saída (<i>ex</i></span><span lang="FR">-) de si, da sua identidade (tribal) assegurada até aí, o risco de <i>per</i></span><span lang="FR">-ecer</span><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn5" name="_ftnref5" style="mso-footnote-id: ftn5;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR" style="font-family: "Bookman Old Style";"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[5]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR">; uma alteração pois da identidade construída a partir dos antepassados,
mortos e vivos: a ex-<i>per</i></span><span lang="FR">-iência é vida / morte /
vida, uma morte na vida, uma sua alteração mais ou menos brutal. Ora bem, esta
ex-<i>per</i></span><span lang="FR">-iência, esta alteração decisiva, entre
aqueles que sofrem a sua provação a um nível especificamente ético, há muitos
humanos que a atribuem a Deus, ao totalmente Outro. Mas se o <i>si</i></span><span lang="FR"> de cada um é já tecido indefinidamente de outrem, desde a noite dos
tempos ancestrais, como separar este totalmente Outro de todos os outros e de <i>si</i></span><span lang="FR"> mesmo? A ex-<i>per</i></span><span lang="FR">-iência tornar-se-á rasto
também ela, memória, outrem-em-si, si-como-outro-mais-si-do-que-si (‘<i>inti</i></span><span lang="FR" style="font-family: "Bookman Old Style";"><i></i></span><span lang="FR"><i>mior
intimo meo’</i></span><span lang="FR">, dizia Agostinho de Deus: mais íntimo a
mim do que o meu próprio íntimo, também vale de outrem, como os nossos sonhos
atestam</span><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn6" name="_ftnref6" style="mso-footnote-id: ftn6;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR" style="font-family: "Bookman Old Style";"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[6]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR">): como é que ela aguentará a duração, já que haverá outras
experiências sempre possíveis? Não é o próprio que decide; pode-se regressar
duma ex-<i>per</i></span><span lang="FR">-iência em que o ‘si’ se <i>per</i></span><span lang="FR">-deu, <i>per</i></span><span lang="FR">-eceu? Quem deciderá então? A
(de)cisão está lá, indecidida todavia, pode ser que ela seja o futuro do -<i>per</i></span><span lang="FR">- da experiência: jogando de novo com o que chamamos memória, refará a
experiência de outra maneira, reabrindo o campo que ela tinha aberto, impedirá
o si perdido de se perder, perdendo-o novamente. Como conseguir falar de tão
fortes experiências, das seqüelas em toda uma vida do vendaval que a alterou,
dos altos e baixos que inevitavelmente se sucedem? O -<i>per</i></span><span lang="FR">- da ex-<i>per</i></span><span lang="FR">-iência não a torna incomparável
a qualquer outra experiência? Diz-se que o amor é cego, que não vê aquilo que
toda a gente à volta vê. Mas é a cegueira dum visionário, ele vê o que os
outros não vêem. É por isso que ele está aquém e além dos argumentos de pensamento.
São usos, hábitos, contextos quotidianos, que mudam nessas experiências-acontecimentos
de-cisivos duma vida que nunca mais será a mesma. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="tab-stops: 2.0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="tab-stops: 2.0cm; text-align: justify;">
<span lang="FR"><b>O
meu caso<o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">4. Foi no dia 30 de Março de 1953, eu ia nos 19
anos e meio, 20 contando com o tempo passado no ventre da minha mãe, em cujo
calor começou a brincadeira. Uma semana após a morte repentina da minha avó
materna, é por isso que me lembro da data, num retiro espiritual dirigido pelo
P. Abel Varzim e organizado pela Juventude Universitária Católica no seminário
dos Olivais</span><span lang="FR">. Estou sentado </span><span style="mso-ansi-language: PT;">no coro da capela e sucede-me um transe, não tenho outra palavra para
dizer, que me abarca o corpo todo, como um banho de água quente ou como um
forte orgasmo sem sexo, sublimado. Dura poucos minutos, mas transforma-me
noutro</span><span lang="FR">. Quarto dos nove filhos dum casal fortemente católico,
</span><span style="mso-ansi-language: PT;">no ambiente da capela e do retiro,
não tenho a menor dúvida em atribuir essa experiência ao Deus dos católicos.
Expliquei no texto citado de entrada sobre as razões porque não creio num
Criador do universo terrestre dos vivos, mantenho todavia uma relação ao cristianismo
(sem o amor do próximo, hélas!), que não sei dizer se é ou não de crença mas
vive ainda do passado forte que então se abriu. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">5. Durante muito tempo, fui extremamente discreto
sobre esta experiência, quereria aqui reflectir sobre ela a partir de quem
agora sou. Num texto recente sobre Maio 68, propus compreender a sua razão histórica
pela transformação operada por ele, entre o seu antes e o seu depois; também
esta experiência espiritual, quando não a interpreto já como a visita do
criador, pede para ser avaliada pela transformação decisiva, pela ruptura que
operou em mim. Quem era o rapaz que entrou nesse retiro espiritual? Alguém que
se tinha tornado um ‘bom aluno’. Duas lacunas me aparecem no meu percurso de
adolescente: não me lembro de ter alguma vez querido ‘quando fosse grande’ ser
qualquer coisa (filósofo menos do que tudo, chumbei em filosofia no 6º ano do
liceu, não percebia nada do que dizia o professor, sonolento em aulas depois do
almoço, assim como o manual era ilegível); nunca ninguém me aconselhou ou
incitou ao que quer que fosse que tivesse a ver com cultura ou com as questões
do mundo (eu tinha 12 anos quando a guerra acabou), lia muito mas ao calhas.
Fui um aluno razoável no liceu, o que aprendi estruturou-me a cabeça em áreas
diferentes, gostava sobretudo de matemática, por isso fui para o Técnico, e
depois para civil por exclusão das outras quatrco especializações então possíveis.
Como sucede a muito boa gente, perdi-me completamente na transição entre o
liceu, onde éramos bem enquadrados, com pontos e chamadas que nos faziam andar
com os estudos em dia, e um instituto em que não éramos obrigados a ir às aulas
teóricas e em que a matemática se tornou algo de incompreensível para mim. O
que teve como consequência que comecei a passar muito tempo a jogar à bola no
ringue da Associação de Estudantes, foi a minha boémia de menino de família
numerosa sem cheta. No 1º ano ainda passei rés-vés, no 2º, com quatro cadeiras
apenas, chumbei em três e só passei em Cálculo, a mais difícil, usei cábulas
nos exames. Mudei então para a Faculdade de Ciências na Escola Politécnica,
podendo frequentar algumas cadeiras do 3º, o que implicou bastante trabalho
desde o princípio do ano, tendo conseguido passar a todas e voltar para o 4º
ano do Técnico (com três cadeiras atrasadas que fui fazendo uma por ano) e
reencontrar os meus colegas anteriores. Ora bem, foi nesse 3º ano na Escola
Politécnica que se deu o tal retiro, o que significa que já tinha feito uma
espécie de conversão de vida como ‘bom aluno’. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">6. <i>O efeito da experiência espiritual foi
dar-me uma motivação de vida que eu não tinha</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, mas ela não jogou em relação aos estudos ou à futura carreira de engenheiro;
o que fez foi criar motivos que não havia, militância da JUC e frequência da
igreja, e igualmente me abriu a questões intelectuais e politicas, que
começaram a desenvolver-se lentamente, pois que vinha do zero. Só olhando mais
longe se percebe a mutação, quando larguei a ideia de engenharia, que nunca
fora minha mas uma exclusão de partes de quem não sabia o que queria ser, nem
tinha o mínimo de informação do mundo adulto para escolher. A escolha veio a
manifestar-se depois, primeiro com a decisão de entrar para o seminário
acabados os seis anos de licenciatura e mais tarde, depois da licenciatura em
teologia em Paris, em 1968, e da ruptura com a condição de padre católico, com
a decisão de prosseguir pela leitura materialista do evangelho de Marcos a que
se seguiu, em Lisboa e na Faculdade de Letras, a inesperada possibilidade duma
vocação filosófica – aberta no seminário por um extraordinário professor de
filosofia, o P. Honorato Rosa –, sempre com um pé fora da filosofia, nas
ciências, no cristianismo e na história europeia. O que se manifestou como
efeito daqueles minutos de transe foi <i>uma enorme paixão intelectual</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, totalmente ignorada pelo adolescente de 19 anos
que foi ao tal retiro espiritual. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">7. O que sugere que o ‘espiritual’ acabou por se
desvanecer – não fui capaz de ser santo – e virar intelectual. Mas é possível
que esta maneira de contrapor espiritual e intelectual, que levaria a ligar
aquele ao evangelho e este ao filosófico, não seja muito correcta. Comecemos
por distinguir intelectual e inteligente: este é quem compreende as coisas do
mundo, além dos seus interesses próprios, aquele é quem sabe jogar com conceitos
e literaturas. Há quem sem ter estudos superiores e sem ser intelectual seja
fortemente inteligente e há intelectuais académicos que são burros de fazer dó
(acontece-me em certos aspectos da vida). Os Profetas que escreveram a Bíblia
hebraica eram intelectuais, tal como os Filósofos gregos, embora com concepções
intelectuais diferentes, como mostra o livro de Daniel Sibony que liga o
pensamento de Heidegger ao desses longínquos Profetas. Também o motivo de
‘espiritual’ tem que ser distinguido de ‘religioso’, que se constituiu como uma
forma social englobante de toda a sociedade, desde o nascimento, enquanto que o
‘espiritual’ parte da conversão da vida e rompe com o aparato ritual e
doutrinal da religião. Mas também o ‘espiritual’ não é a pôr apenas do lado da
ética, que esta também tem incidências intelectuais, ainda que filósofos,
cientistas e artistas possam por vezes rebaixarem-se eticamente. Seria tentado
a pensar o que chamei ‘respiritual’<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn7" name="_ftnref7" style="mso-footnote-id: ftn7;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[7]<!--[endif]--></span></span></a>
do lado do <i>sopro</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> na vida, mais
do que da ética de que, melhor ou pior, muita gente dá provas em vidas que não
são fáceis: <i>‘respiritual’</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> <i>seria</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> <i>o sopro duma paixão que se põe acima do culto
dos feitiços habituais, o dinheiro, o poder, as ortodoxias mediáticas, uma
paixão que não transige, não se dobra em face do que impera</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">. Sendo assim, ‘não ter sido capaz de ser santo’ –
e é certo que não basta querer para o ser – não significará menos ‘respiritual’
(porque mais egoísta, por exemplo) mas mudança progressiva da tonalidade da
vida com a afirmação da paixão intelectual. Que esta tem as suas maneiras de se
manifestar ao próprio, através do que eu diria, utilizando um termo claramente
espiritual, através da <i>graça</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">
experimentada frequentemente como fecundidade da escrita bem além do que se
pode e se sabe, experiência do inesperado, duma frase que ao se escrever, ao se
terminar, abre outra sem que se saiba como. Será essa fecundidade que será dada
aos grandes apaixonados.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">8. Dito tudo isto, fica a questão: o que foi o
transe, a experiência <i>respiritual</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">? Alguma coisa se libertou em mim que se revelou dinâmica para o resto da
vida, durante 65 anos até hoje. O que é que podia ser? Não tenho ideia de que
antes fosse angustiado, gostava de me rir, mas o que veio a seguir mostrou que,
a chumbar no Técnico porque jogava à bola e a estudar estimulado na Escola
Politécnica, faltava-me qualquer coisa que me permitisse distância em relação
ao que fazia, pensar além do quotidiano e de mim. Haveria algo como uma falta
de capacidade de me tornar adulto, uma adolescência retardada que assim se
‘desencadeou’? Porventura foi um escape à autoridade do meu pai nos tempos em
que me vigiou os estudos e me ia buscar ao liceu onde ficava a jogar futebol ou
matraquilhos no Jardim Cinema, o ‘bom aluno’ tinha-me enfim começado a
libertar-me dele, naquele momento do coro da capela ter-se-á destapado parcialmente
o recalcado do que Winnicot chamou o <i>brincar</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> infantil, antes da aprendizagens das regras da
fala e da sala virem ‘calcar’ esse brincar primitivo do feto e do bebé, que
marcará todavia esse regrado aprendido<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn8" name="_ftnref8" style="mso-footnote-id: ftn8;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[8]<!--[endif]--></span></span></a>
dando-lhe um <i>estilo</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> pessoal.
Seja como for, soltou-se a possibilidade de <i>escolher</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> enfim o que queria ser quando fosse grande: foi
três anos mais tarde o renegar da ida para engenharia (que espreitara num
estágio de verão feito na fábrica metalo-mecânica da Mague em Alverca), indo
buscar claramente outra via que não a dum burguês beato e instalado, assim como
doze anos mais tarde, achando-me marxista, a avaliação da situação clerical
numa Igreja ligada demais ao salazarismo me fez mudar de rumo de novo sem saber
para onde, mas sem largar a perspectiva cristã que a experiência dos 19 anos me
abrira, procurando durante cinco anos – com emprego e casado, dois filhos –
relacionar Marcos com Marx: foi o primeiro fruto da paixão, em que espiritual e
intelectual caminhavam juntos. Depois veio o 25 de Abril e um ano mais tarde o
convite inesperado para o departamento de filosofia da Faculdade de Letras,
tendo como base curricular a publicação da <i>Lecture matérialiste de
l’évangile de Marc</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">: sorte grande!
(que devo ao Fernando Gil e ao Manuel Vilaverde Cabral, que mal me conheciam).
Levou alguns anos a encontrar o fio do futuro, a tese sobre epistemologia da
semântica da linguista saussuriana, onde Derrida e os <i>duplos laços</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> e, depois da tese, <i>Heidegger, pensador da
terra</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, encontraram o lugar
principal na minha, agora clara, paixão intelectual. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">9. Significa isso então que a desconstrução que
operei do cristianismo, trabalhando sobre os textos dos seus primeiros quatro
séculos, foi algo de puramente intelectual? O espiritual foi evacuado? Que
tenha largado o que era a única possibilidade de exercer a teologia em que me
licenciara em Paris e continuado esses cinco anos (1968-73) a trabalhar nas
questões que me apaixonavam, que nunca tenha largado nenhum ponto criticável do
cristianismo sem ser por argumentação, implica que houve – durante aliás toda a
minha vida futura – uma espécie de <i>docilidade</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> <i>intelectual no seio da atitude critica de
busca</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> que poderá ser o que sobrou
do espiritual. Outra maneira de responder a essa questão, haveria que perguntar
pelo que sobra dessa desconstrução: a resposta está num texto inédito<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn9" name="_ftnref9" style="mso-footnote-id: ftn9;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[9]<!--[endif]--></span></span></a>
sobre <i>a ética de fecundidade espiritual além do que se pode</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> dos cap. 5-7 do evangelho de Mateus, o chamado <i>discurso
da montanha</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">,<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>que outros passos corroboram. Ora,
pode-se presumir que, sendo um texto da dita fonte Quelle, comum a Mateus e
Lucas, sem influências nem gregas nem apocalípticas ou iranianas, sem
referências teológicas à morte e à ressurreição, presumir que se trata da <i>obra
de pensador de Jesus de Nazaré</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">,
recuperado dos posteriores enfeites messiânicos ou divinos, como que saído do
túmulo mitológico que o envolveu, como profeta espiritual alimentado pela
tradição bíblica hebraica. O espiritual redescoberto pelo intelectual. Mas eu
fico de fora,<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>estou a léguas dessa
fecundidade, sempre estive.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<br /></div>
<div style="mso-element: footnote-list;">
<!--[if !supportFootnotes]--><br clear="all" />
<hr align="left" size="1" width="33%" />
<!--[endif]-->
<div id="ftn1" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref1" name="_ftn1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="PT-BR" style="font-size: 10.0pt;"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[1]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="PT-BR" style="font-size: 10.0pt;"> Que fenomenologicamente se traduz na
maneira como a aprendizagem dos usos da sua tribo fazem dele um humano.<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn2" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref2" name="_ftn2" style="mso-footnote-id: ftn2;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="PT-BR" style="font-size: 10.0pt;"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[2]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="PT-BR" style="font-size: 10.0pt;"> J. Derrida (<i>La carte postale de Socrate
à Freud et au-delà</i></span><span lang="PT-BR" style="font-size: 10.0pt;">,
Flammarion, 1980, p. 342) aproxima o <i>Dasein</i></span><span lang="PT-BR" style="font-size: 10.0pt;"> de Heidegger do <i>Fortsein</i></span><span lang="PT-BR" style="font-size: 10.0pt;"> de Freud (o jogo infantil do Fort/Da em <i>Para
além do princípio do prazer</i></span><span lang="PT-BR" style="font-size: 10.0pt;">),
o que daria uma espécie de<i> Dafortsein</i></span><span lang="PT-BR" style="font-size: 10.0pt;"> que aqui me inspira.<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn3" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref3" name="_ftn3" style="mso-footnote-id: ftn3;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="PT-BR" style="font-size: 10.0pt;"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[3]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="PT-BR" style="font-size: 10.0pt;"> O motivo derridiano do <i>rasto</i></span><span lang="PT-BR" style="font-size: 10.0pt;"> implica o retiro e o esquecimento ou
apagamento heideggerianos.<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn4" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref4" name="_ftn4" style="mso-footnote-id: ftn4;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="PT-BR" style="font-size: 10.0pt;"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[4]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="PT-BR" style="font-size: 10.0pt;"> M Heidegger, <i>Être et Temps</i></span><span lang="PT-BR" style="font-size: 10.0pt;">, [1927], trad. E. Martineau, ed.
hors-commerce, 1985<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn5" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref5" name="_ftn5" style="mso-footnote-id: ftn5;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="PT-BR" style="font-size: 10.0pt;"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[5]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="PT-BR" style="font-size: 10.0pt;"> Como aliás no alemão (<i>Erfahrung</i></span><span lang="PT-BR" style="font-size: 10.0pt;">, experiência, <i>Fahrt</i></span><span lang="PT-BR" style="font-size: 10.0pt;">, viagem), creio que se trata do mesmo –<i>per-</i></span><span lang="PT-BR" style="font-size: 10.0pt;"> na semântica latina, a da viagem fora da
segurança do seu território, per-igo de per-ecer entre estranhas gentes, em
suas línguas e usos outros. W. Bromeier, tradutor francês de Heidegger,
"He</span><span lang="PT-BR" style="font-family: "Bookman Old Style"; font-size: 10.0pt;"></span><span lang="PT-BR" style="font-size: 10.0pt;">gel et son concept de l'expérience" (<i>Chemins
qui ne mènent nulle part</i></span><span lang="PT-BR" style="font-size: 10.0pt;">,
1962, Paris, Gallimard) diz numa nota que este ‘-per-‘ “significa o movimento
de atravessar, de ‘percer’ [em francês]” (p. 308). Ver ‘perig-‘ e ‘peregr-‘ no <i>Dicionário
Houaiss da Língua Portuguesa</i></span><span lang="PT-BR" style="font-size: 10.0pt;">,
2003, Lisboa, Círculo de Leitores, que, além de ‘experiência’ e ‘perito’,
acolhe também ‘peregrino’, mas não ‘perecer’.<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn6" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref6" name="_ftn6" style="mso-footnote-id: ftn6;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="PT-BR" style="font-size: 10.0pt;"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[6]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="PT-BR" style="font-size: 10.0pt;"> Quando, deixados os outros, recolhido só
na noite, olhos e ouvidos fechados, na maior intimidade, se perde a consciência
de si no sono, nesse mais íntimo do que o seu íntimo, encontramo-nos fazendo
parte dum povo de gentes estranhas e familiares, que fazem o que lhes apetece,
por vezes nos fazem mal, nos levam para onde não sabemos nem sempre queremos.<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn7" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref7" name="_ftn7" style="mso-footnote-id: ftn7;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="PT-BR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[7]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="PT-BR"> </span><span lang="PT-BR" style="font-size: 10.0pt;">“exercício em
torno de H<sub>2</sub>D”.</span></div>
</div>
<div id="ftn8" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref8" name="_ftn8" style="mso-footnote-id: ftn8;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="PT-BR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[8]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="PT-BR"> </span><span style="font-size: 10.0pt; mso-ansi-language: PT;">Os dois
princípios de Freud, o do<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>prazer e
o da realidade.</span></div>
</div>
<div id="ftn9" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref9" name="_ftn9" style="mso-footnote-id: ftn9;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="PT-BR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[9]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="PT-BR"> </span><span style="font-size: 10.0pt; mso-ansi-language: PT;">Versão
francesa no meu blogue <i>Questions au christianisme.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span></i></span><span style="font-size: 10.0pt; mso-ansi-language: PT;">Ver o texto<i> </i></span><span style="font-size: 11.0pt; mso-ansi-language: PT;"><i>Da fecundidade espiritual</i></span><span style="font-size: 11.0pt; mso-ansi-language: PT;">,<i> </i></span><span style="font-size: 11.0pt; mso-ansi-language: PT;">neste blogue (3/7/2018).</span></div>
</div>
</div>
<!--EndFragment-->Fernando Belohttp://www.blogger.com/profile/17937204465115284686noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8208352897435046717.post-51120737449454238822018-10-15T11:22:00.001-07:002018-10-20T05:13:18.316-07:00Dois tipos de laços: por conjunção ou por coordenação<!--[if gte mso 9]><xml>
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<br />
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
</div>
<div align="right" class="MsoNormal" style="text-align: right;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b>
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</b><br />
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<br /></div>
<b>
</b><br />
<div align="right" class="MsoNormal" style="text-align: right;">
<b><br /></b></div>
<b>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><b>Conjunção ou justaposição / coordenação ou sintaxe <o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">1. Uma forma geral de caracterizar os <i>duplos
laços</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> é dizer que eles <i>ligam
os elementos</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> dum ente ou
estrutura social e relevam de duas leis <i>indissociáveis</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> – nenhum dos laços pré-existe sozinho, não são <i>dois</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> laços mas <i>um </i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">laço <i>duplo</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> – </span><span style="mso-ansi-language: PT;">
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<!--StartFragment--><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT; mso-fareast-language: EN-US;">e <i>inconciliáveis</i></span><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT; mso-fareast-language: EN-US;"> – entre cada duplo laço e a cena dos outros todos por
razões diferentes consoante os domínios –</span> : uma
das leis dá o movimento ao ente ou estrutura social a um como que ‘motor’
alimentado de fora, a outra, recebida das leis de circulação da cena como um
‘aparelho’ de regras que permitem ao ente (ou estrutura) circular (ou
reproduzir-se) na cena face aos outros que aí circulam, dando sentido à sua
circulação (como um automóvel, que serve de modelo simples). Aproveitando o
último texto publicado, a diferença entre as moléculas minerais dos graves e as
moléculas orgânicas das células permite um primeiro exemplo destes dois tipos
de duplos laços: as moléculas minerais (podendo sem dúvida misturarem-se como
no granito, no vinho ou na atmosfera, em que predomina azoto e oxigénio),
formam graves <i>juntando-se moléculas iguais</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, ao invés das moléculas das células, <i>especializadas em funções
diferentes criando uma ordem nova</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, o que, a partir do grego <i>táxis</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> (ordem) juntando o prefixo ‘com’ (<i>syn</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">), deu o termo linguístico <i>sintaxe</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, de que <i>coordenação</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> é o
equivalente latino. <b><o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">2. <i>O simples não é deste mundo</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">. A Terra é um imenso conjunto geográfico, com
zonas de selva e outras urbanizadas. Estas são compostas de <i>unidades sociais</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> diversas, familiares e de emprego, compostas de
indígenas e de utensílios, do que os filósofos chamam ‘entes’, os quais são por
sua vez ‘compostos’ (de partes mais simples, por sua vez também compostas) e
que são susceptíveis de movimento, de mudança. Essas partes mais simples que
compõem o composto, algo as enlaça de maneira que condiciona as possibilidades
de mudança do composto, que pode ser móvel na sua cena (exemplo com os animais
compostos de órgãos) ou ser apenas susceptível de ser movido por outros
(pedaços de inertes). Trata-se duma aproximação comparativa dos laços dos
compostos que ou serão por <i>conjunção </i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">(ou justaposição) dos elementos homogéneos de que são compostos ou por
coordenação (ou ‘sintaxe’, ‘organização’ por via de ‘órgãos’) dos seus
elementos a partir da sua especialização; com efeito, é a <i>especialização</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> dos elementos que os compõem que define os duplos
laços por sintaxe. Os duplos laços do átomo ligam partículas – protões,
neutrões e electrões – os quais não subsistem por si sós, são <i>particulas</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, bom nome que mantém bem o do átomo, etimologicamente
aquilo que não se divide. Nem o átomo sozinho nem por mais forte razão as
partículas são ‘entes’ ou fenómenos em sentido terrestre, são “entes de
laboratório”, como dizia um dos pais da Mecânica quântica, Niels Bohr.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><b>A justaposição dos inertes<o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>3. Do átomo à molécula: os 2
electrões livres (da esfera de atracção ao núcleo, em que estão <i>retidos</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> todos os outros) terão esse papel de força
atractiva que liga quimicamente dois átomos em moléculas, e depois liga esses
pares de moléculas a outros de número diferente de protões (a química feita por
fotões / electrões), pares esses, simples ou compostos, que são por sua vez
capazes de formarem com outros iguais graves macroscópicos sólidos, líquidos ou
gases, sobre os quais actua a gravidade. A lei de atracção da gravidade de
Newton exerce-se, segundo ele, entre quaisquer dois graves, mas nós não a vemos
a actuar entre dois objectos quaisquer que aproximemos um do outro como se
fossem ímanes, porque o laço de atracção da Terra sobre eles dois é forte demais,
o que leva a pensar que só uma grande quantidade de graves é que parece capaz
de ‘engravidar’ como astro. O que implica que, do ponto de vista da fenomenologia
que eu tento, a partir do motivo de duplo laço em cinco descobertas científicas
decisivas do século XX, os electrões acopulando-se com fotões (Feynman) são os
elementos decisivos que permitem desdobrar quimicamente a matéria desde o átomo
de hidrogénio até aos materiais oferecidos à gravidade para o fabrico de
astros, o sistema planetário do sol e planetas, e depois as galáxias todas,
todo este macrocosmos entregue às órbitas criadas pelas forças de gravidade e
expandindo-se por inércia, a qual supõe o laço nuclear de cada átomo como o que
lhe garante uma identidade perene, o que se terá dado aos nossos antepassados
como ‘eternidade’. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="tab-stops: 35.45pt; text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">4. Se começo pelas estrelas é por as partículas à
solta que os físicos propõem para antes delas não me parecerem susceptíveis de
entendimento em termos de composição em laços, como disse acima. As estrelas
são, ao que eles dizem, formadas da conjunção de átomos de hidrogénio e de
hélio e as combustões que elas operam desses átomos estão na origem dos outros
átomos mais complexos da tabela periódica, que podemos dizer serem, segundo o
seu número de protões e neutrões, mais ‘especializados’ do que aqueles donde provêm,
sendo eles que deram origem aos planetas, nomeadamente à Terra em que todos
estes conhecimentos têm sido adquiridos ao longo dos séculos. Que as estrelas
sejam astros capazes de produzirem átomos até então inéditos, os dos graves dos
planetas, marca bem uma diferença – estrela / planeta – na génese da cosmologia
que veio a acentuar-se muito fortemente no planeta que inventou a vida. A
Terra, que Lovelock pensou – como Gaia – como uma unidade quiçá coordenada,
dá-se todavia como justaposição de compostos de três grandes condições, rochas
sólidas da crosta, mares líquidos e ares gasosos, litosfera, hidrosfera,
atmosfera. As suas mudanças são da ordem da química, que opera nas justaposições
em que os graves se encontram, e da ordem da física, segundo a gravidade que <i>liga
o conjunto</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> dessas três grandes
componentes como unidade planetária, em duplo laço que se faz com os laços dos
núcleos dos átomos impenetráveis. O que opera nestas conjunções que são os
graves, rochas, águas e gases do ar, são essencialmente <i>electrões e fotões</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, que ligam átomos homogéneos para formar as
respectivas moléculas, e estas entre si para fazer os graves em suas dimensões,
mas têm que pressupor o papel das forças nucleares que <i>ligam</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> protões e neutrões e os <i>retiram</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> tanto das modificações químicas como das mudanças
provocadas pela gravidade. As explosões nucleares como as da gasolina nos
nossos carros, em que as partículas do núcleo e as moléculas líquidas virando
gás manifestam uma violência que as faz escapar à gravidade terrestre, parecem
sublinhar que esta actua essencialmente sobre esses graves que resultam das
conjunções de moléculas homogéneas. Ainda que estas conheçam de facto, com dominâncias
de elementos – sílica das rochas, água dos mares, azoto e oxigénio dos ares,
respectivamente – heterogeneidades significativas, sem todavia chegarem a uma
coordenação como o motivo de Gaia postularia porventura. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="tab-stops: 35.45pt; text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="tab-stops: 35.45pt; text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><b>Foi a vida que inventou a sintaxe<o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">5. A célula é o primeiro duplo laço que se faz
claramente como uma coordenação de moléculas heterogéneas altamente
especializadas, bem mais complicadas do que as que formam o planeta Terra: <i>onde
há especialização tem que haver coordenação ou sintaxe</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, como em qualquer protozoário ou bactéria. Há um
paralelo curioso entre o duplo laço do átomo e o da célula: em ambos, a
movimentação interna é levada a cabo pela zona onde se fazem trocas da ordem da
química, electrões com fotões no primeiro, metabolismo na segunda, enquanto que
os laços restritos, os dos núcleos respectivos, têm em comum garantirem as <i>identidades</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> dos respectivos compostos, do átomo (moléculas de
graves) como a da célula (organismos), o que explicará que estes duplos laços
escapem ao modelo geral ‘motor + aparelho’ dos compostos (sendo que no caso do
átomo se garante também a inércia destes – graves e astros –, já que os
respectivos duplos laços incluem os núcleos atómicos). Em contraste com a alta
sintaxe da célula, as primeiras colónias de células cuja extensão cria uma
unidade animal na cena ecológica, serão simples justaposições donde lentamente
se farão embriões de órgãos, como proto-aparelhos digestivos muito simples
comuns aos vários anéis justapostos de vermes, por exemplo. O que é fortemente
aparatoso é como, tanto em invertebrados como em vertebrados, se dão estranhos
fenómenos de <i>metamorfose</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> que
parecem ao leigo ser (pelo menos nos vertebrados) a transformação de embriões
de tipo justaposto em adultos organizados com os seus órgãos alinhados em torno
de um esqueleto (de vértebras justapostas) com membros e músculos, o que exige
um sistema digestivo e respiratório com distribuição das moléculas da boca às
células todas e sistema neuronal que ‘sabe’ do conjunto e do ambiente próximo
da cena de forma a poder estimular a mobilidade para a necessária caça. O duplo
laço do organismo é constituído por este sistema que alimenta todas as células
e serve de laço ‘motor’ ao conjunto capaz de mobilidade que, laço ‘aparelho’,
constituído pelo sistema de órgãos de ‘ser no mundo’ (olhos, faro, ouvidos,
tacto da pele, sabor), a rede neuronal e cerebral e os músculos, se encarrega
da busca da necessária alimentação na cena ecológica.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">6. Os órgãos (de tecidos feitos) destes dois
sistemas são as peças que os duplos laços animais ligam. A questão é: como é
que se fabrica a especialização das células dos tecidos? Barbieri termina o seu
livro pela confissão da ignorância da bioquímica de 1985</span><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn1" name="_ftnref1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[1]<!--[endif]--></span></span></span></a><span style="mso-ansi-language: PT;">. As células do sangue, os glóbulos vermelhos, que
vão a todas as células, e os nervos do neuronal, axónios de neurónios, que
mobilizam os músculos – são ligações? Um, correlativo do genoma, o outro, do
aprendido – com as hormonas esteroides? Será que a embriologia esclarece a
questão? O sangue alimenta as células com moléculas, o neuronal mobiliza o
conjunto dos órgãos para a mobilidade necessária. Algumas etapas da composição
da anatomia, sabendo que se trata sempre do conjunto a ter que funcionar para
caçar e não ser caçado: ganhar esqueleto de vertebrado, ganhar sintaxe orgânica
além dos anéis com as metamorfoses, ganhar superfície neuronal para estratégias
mais complexas (neo-cortex). O que é que os electrões têm a ver com as células
e com as suas moléculas bioquímicas extremamente complexas, à base de carbono
nomeadamente? Essas moléculas são compostas por demasiados átomos que forças
intra-moleculares (electrões) ligam entre si; essa complexidade – que joga já
na diferença entre as moléculas que os glóbulos vermelhos do sangue levam,
aminoácidos, relativamente pequenas, que terão que ser sintetizadas, isto é,
compostas em moléculas mais complexas – parece ser a <i>fragilidade</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> mesma da vida, a sua mortalidade face à ‘eternidade’
das moléculas das rochas ou da água dos mares, será o que obriga ao metabolismo
incessante das células. Mas como os biólogos que eu li não falam nunca em
‘electrões’ nestas moléculas orgânicas, não sei acrescentar grande coisa a esta
hipótese. <i>A biologia é com a embriologia que repete a evolução</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> mas sem os obstáculos que esta enfrentou, usando
os truques que ela inventou em cada espécie e que o jogo ARNs/ADN retém;
depois, a memória do aprendido. O pouco que li sobre embriologia, já há algum
termpo antes de chegar a estas questões mais ambiciosas, não tinha nada a ver
com evolução, embora a velha tese de Haeckel, de que a embriologia recapitula a
evolução da espécie, pareça muito sedutora; um único exemplo: o líquido
amniótico do embrião, assim como o sangue que vai a cada célula, repetem a invenção
das células no mar, com a mesma percentagem de sal. As células nunca terão
funcionado fora do ‘mar’, o “meio interior” d Claude Bernard será um “mar
interior”.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><b>A linguagem é só sintaxe<o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">7. As línguas humanas, comparadas com matemática,
músicas (igualmente lineares na sua composição) ou desenhos de mapas ou
fotografias (sem essa linearidade, construídas em planos), são as únicas cujas
unidades, as palavras, são duplamente articuladas, donde os seus duplos laços,
segundo as duas dimensões da fala (<i>parole</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">), que a linguística saussuriana opôs à língua: a voz e o discurso. A voz é
a corrente sonora (ou a linha de letras dos textos alfabéticos como este) que
sai da garganta e entra no ouvido (que sai da mão que escreve e entra pelos
olhos), corrente essa que se percebe, pela energia implicada – na ex-<i>pressão</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> oral ou na im-<i>pressão</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> escrita – ser o ‘motor’ do fenómeno da comunicação;
mas que obviamente não é suficiente para ela, basta considerar que se ouve um
estrangeiro cuja língua se desconhece. A voz é feita de palavras <i>articuladas</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> por fonemas / letras, enquanto que o discurso <i>articula-as</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> em frases que permitem que o sentido do que
alguém diz se torne <i>comum</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> aos
que ouvem e partilham da mesma língua. Como é que o falar <i>colhe</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> as coisas do mundo a dizer de forma inerente a
esse dizer, como é que essa capacidade de <i>colheita</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> faz parte da língua? trata-se de palavras que são
<i>nomes</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, de coisas ou gentes, de
acções ou qualidades, etc. A colheita é inerente ao nome, ainda que este
conheça deslocações metafóricas sempre possíveis. Se não forem nomes, são
palavras de sintaxe (sincategoremas medievais, preposições, conjunções...) das
que o são (signos ou categoremas, substantivos, adjectivos, verbos e
advérbios). Na frase, as preposições <i>ligam</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> sintagmas nominais ao verbo, as conjunções <i>ligam</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> frases subordinadas à principal: são, por assim
dizer, arremessos de desdobramento, de terceira ligação. E a cena? É a maneira
de nomes e verbos <i>agarrarem</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">
coisas, gentes e seus actos: criarem uma constelação de actantes, é para isso
que serve a linguagem de seres no mundo, dar a ver / ouvir a cena contada. Sem
conhecerem justaposições (talvez lengalengas, ladainhas...), que facilitariam a
aprendizagem da fala a bebés, estes recebem como automatismos o que a pouco e
pouco vão dizendo, quer dos sincategoremas da frase quer da articulação dos fonemas
de que cada palavra é feita, isto é aprendem a falar correctamente sem terem de
aprender escolarmente as regras da gramática, que nós continuamos a utilizar
sem pensar nelas nem gaguejar. Ora bem, há uma maneira de entender a dupla
articulação / ligação entre voz e discurso, atentando em quem, em sequência de
um acidente tipo AVC, seja afectado nos músculos da fonação e tenha que fazer
terapia da fala: esta exige-lhe algo de ‘impossível’, que dê atenção ao que
quer dizer e escolha as palavras convenientes para o seu discurso, mas que dê
também atenção à maneira como diz cada fonema da voz, aquilo que qualquer
falante faz automaticamente (também um estrangeiro tem esse problema, ficando-lhe
por regra um sotaque que lhe vem de não conseguir dizer alguns como os
indígenas).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">8. A cena é feita das experiências (em sentido
lato, que inclui o que só se sabe de se ouvir dizer ou de ler) entre actantes
que se falam (eu / tu) – são os “discursivos” de Benveniste – ou repetem
acontecimentos outros que podem ser repetidos (narrativos) ou definem e
argumentam sobre essências, fora do espaço e tempo do eu / tu e dos verbos dos
acontecimentos, criando constelações de motivos de saber, do que, não dito por
eu / tu nem acontecido, permite compreender o que faz mover a cena (textos
gnosiológicos, como os da filosofia e das ciências, da matemática e da lógica).
Além de denotarem aquilo que nomeiam, os nomes em qualquer destes três grandes
tipos de textos criam <i>conotações</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> entre si no texto, estruturando-se como <i>códigos</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> que se vão dizendo / escrevendo, sendo o que <i>liga</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> os nomes e os verbos do esqueleto textual de
frases nessa constelação um código sequencial, outros códigos coadjuvando (analítico
e estratégico no evangelho de Marcos que li em tempos), assim como os vários
códigos paramétricos que se mantêm constantes ao longo do texto. Nos três tipos
linguístico-textuais de Benveniste, a instância de enunciação em torno do presente
(discursivo) e os códigos topográfico e cronológico em torno do aoristo
(narrativos) fazem parte dos códigos enquanto factor de desdobramento da frase
(dos linguistas) ao texto (dos semiotas); que sejam eles que são eliminados no
gnoseológico mostra que o paradigma dos sujeitos / verbos é o que estende a
frase para o texto, criando conotações textuais que são o factor principal:
aqueles dois fazem parte, marcando quer a espacialidade da enunciação quer a
temporalidade dos verbos, de forma radical nos narrativos, que o gnoseológico
reduz por efeito da definição. O discurso / texto é uma sequência articulada de
frases e é esta terceira articulação / ligação que é constituída pela repetição
de ‘actantes’ (que são lugares textuais que os textos singulares preenchem) na
extensão sequencial coadjuvada pelos códigos paramétricos. Tratar-se-á duma
quarta articulação de narrativos e gnosiológicos, <i>a dos códigos formando
paradigmas que dão azo a corpus</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><b>Os duplos laços das sociedades humanas<o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">9. Antes de os abordarmos, ponhamos a difícil
questão do desdobramento entre dois níveis de cenas abertas pelas ciências europeias.
A invenção da célula, supondo um jogo de fazer e desfazer moléculas durante um
bilião de anos e a pré-existência entre elas de algumas capazes de sintetizarem
moléculas mais pequenas segundo a sua própria ordem bioquímica (Barbieri), é
por assim dizer completamente gratuita, face à zona da gravitação sem dúvida,
mas também à da ordem química, de tal maneira as suas probabilidades eram
diminutas (um bilião de anos!). Se se tem em atenção que essa invenção é a duma
estrutura conservadora, capaz de se auto-reproduzir tal e qual (é o grande
efeito do ADN, parece-me ser a consequência da teoria do biólogo italiano, que
trabalhou muitos anos na Alemanha), resulta que a evolução, que implica
alterações anatómicas, é fortemente improvável. Presumo que a descrição que
Jean-Marie Vincent fez das hormonas esteroides, lhes permite ter um papel de
impulsão de algumas alterações internas, mas antes de haver glândulas que as
secretem já houve muita evolução: de qualquer forma, os duplos laços com a sua
relação essencial à cena ecológica e à criação de entropia (Prigogine) poderão
fornecer uma base teórica plausível. Já no que diz respeito às sociedades, a
mesma contradição entre conservação e progresso existe mas é mais facilmente
explicável. O risco é que, em ambos os casos, compreender a evolução ou a
história, não sendo possível pensar as coisas <i>apenas </i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">de baixo para cima, sempre o <i>telos</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> comande o desdobramento, embora de forma incipiente:
como evitar a teleologia? A resposta parece ser mais simples em história do que
em evolução, em que somos quase irresistivelmente levados a pensá-la como tendo
os humanos como o seu ‘fim’ (com a agricultura e a criação de gado como
‘vitória’ duma espécie na guerra da selva), embora não ‘finalidade’ (que
orientasse a evolução, lhe desse de avanço esse sentido). Resta saber se os biólogos
consideram que a agricultura e a criação do gado inventadas pelas sociedades
humanas e a respectiva “selecção” de variedades e raças fazem ou não parte da
evolução (porque não?). Em história, é mais fácil evitar a teleologia. O final
do ápice mediterrânico da Antiguidade, o império romano do Ocidente e o
intervalo de cerca de dez séculos até haver ‘renascimento’ do fio do progresso,
assim como, por outro lado, a extrema poluição que a tecnologia trouxe com
os<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>seus benefícios, a crise em que
nos encontramos sob a ameaça do aquecimento global, qualquer que seja a sua
causa, estes dois exemplos a menos de dois milénios de distância (e já houve
algo de equivalente durante três ou quatro séculos entre a Idade do Bronze e a
do Ferro, entre os séculos XII e VIII), são suficientes para evitar uma teleologia.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>10. A tribo é uma colónia de unidades
locais justapostas com usos e língua comuns, que trocam mulheres e bens e se
reúnem para fazer guerra e outros casos tribais: os conselhos de anciãos serão
os nós do laço político, os trabalhos (digestivo, etc) pertencendo às unidades
locais justapostas. São os desdobramentos que resultam de invenções técnicas
que vão estar na base da <i>especialização</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"><b> </b></span><span style="mso-ansi-language: PT;"><i>das unidades locais</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">: enquanto que as casas agrícolas permanecem numa
lógica de autarcia, de justaposição, nas vilas e cidades<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>casas artesanais criam um laço
económico, o mercado, e as casas de guerreiros dominam o laço politico,
formando conselhos (côrtes) de governo, em torno do que rege, o rei, o laço
global social, religioso, se votando a glorificar os deuses de quem dependem as
fecundidades económicas, colheitas e rebanhos, como as do parentesco, a das
mulheres e as saúdes dos indígenas de que elas cuidam, como da alimentação,
enquanto que o justifica os guerreiros é a defesa do conjunto e, por jogo de
reciprocidade que é a guerra, o ataque dos vizinhos que se revelem mais fracos
e susceptíveis de derrota e vassalagem <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">11. As invenções abrirão também, a parti da
invenção da escrita a especialistas desta, nomeadamente literatos, filósofos e
cientistas, que virão a abrir escolas secularmente marginais (tal como aliás os
mercados) e, no alvor da Europa, laboratórios. Será deles que sairão as
máquinas, desde o vapor da segunda metade do sec. XVIII, e a electricidade e
da<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>conjunção de ambas os motores
eléctricos e os automóveis e outros veículos e aviões a petróleo. Ou seja, a
revolução industrial que provocará, do que até aí era marginal – escola,
mercado, laboratório – uma explosão de especializações que rebentou sobre as
antigas casas agrícolas e a sua autarcia plurimilenária e as quebrou entre unidades
familiares sempre em justaposição entre elas e com paradigmas relativamente
equivalentes e unidades de empregos especializados, das quais depende o pão
para a boca dessas famílias. Mas todas as novas unidades locais (sem trabalho
alimentar), ao ganharem dimensão, precisarão de ‘conselhos de experimentados’,
à maneira dos antigos conselhos de anciãos tribais, que as governem como direcção
‘politica’ do laço interno da unidade. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">12. Aos dois tipos de laços – por conjunção ou por
coordenação / sintaxe – há que ter em conta outros dois que se combinam com um
daqueles: os que <i>fazem e</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">ntes,
inertes e vivos, os que fazem <i>unidades sociais</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> de muitos vivos e as respectivas sociedades, uns fazem
coisas (inertes ou vivos), os outros estruturas de coisas. Assim, as células em
sua sintaxe justapõem-se em tecidos e estes em órgãos que por sua vez se
coordenam na anatomia do organismo. Numa casa de antanho, como nas famílias
modernas menos rigidamente, indígenas mais ou menos especializados segundo
idades e sobretudo género, funcionam no mesmo paradigma que os justapõe aos das
unidades sociais vizinhas. Nas instituições, num todo em sintaxe, o trabalho em
série coordena trabalhadore/as que repetem os mesmos gestos no que se pode
chamar justaposição consigo mesmo (rotina exacerbada, que é o contrário da
sintaxe especializada). E como encaixar no jogo de duplos laços dois tipos
espantosos de fenómenos biológicos: as metamorfoses e a transformação de órgãos
justapostos em órgãos coordenados em sintaxe, por um lado e por outro, a tese
sedutora de Haeckel, na geração a seguir a Darwin, segundo a qual a evolução de
cada espécie biológica é recapitulada pela sua embriologia. Claro que este tipo
de ‘recapitulação’ é para ser lido com muitas aspas, é preciso uma certa
quantidade de especialistas de épocas diferentes para estabelecer a sua
verosimilhança. Mas de forma não sequencial, até porque desconta o que se tem
por erros, é óbvio que <i>a escola recapitula a história do saber ocidental,
como uma forma de embriologia social</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, desde a primária até aos seminários de doutoramento, e fá-lo através de <i>unidades
textuais</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, manuais e sebentas não
sendo outra coisa do que recapitulação, começando pela definição e pela lógica
de argumentação inventadas pelos Gregos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">13. E a menção dos Gregos faz surgir uma questão
final: <i>para que servem filosoficamente os duplos laços</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">? Há que dizer que a grande ambição deste motivo é
o de substituir o motivo deAristóteles de <i>ousia</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> (essência / substância na versão latina), que foi
o nó da sua <i>Physica</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> enquanto
Filosofia <b>com</b></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> Ciências. Ela
serviu-lhe para disciplinar a argumentação das várias ciências gregas. A
primeira pretensão dos duplos laços gramatológicos é a de corrigir –
fraternamente para cientistas, de filósofo (com ciências, não vindo de fora) –
os erros que a <i>ousia</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> gerou nos
paradigmas das ciências, erros resultantes da operação de <i>definição,</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> a qual foi fundamental para as ciências, mas com
‘danos colaterais’ (ontoteológicos). Como a definição exclui a cena dos entes
definidos, como ‘ambiente’ de que relevam os “acidentes” na sua singularidade,
variáveis consoante os entes definidos, o coração da <i>ousia</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, a sua essência, estava no próprio ente como
substância: <i>ontoteologia</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, o
ente em si próprio com o seu <i>eidos</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> (o que dele se vê) que a teologia cristã tornará facilmente na criatura do
Criador, e a filosofia / ciência europeia na dupla de opostos <i>sujeito / objecto</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">. A primeira vantagem dos duplos laços é a de
colocar os fenómenos na cena, na sua singularidade (e não uma ‘essência’
abstracta), como efeito produzido por ela, cena, por nascimento ou fabrico ou
química. Ora, a <i>ousia</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> foi
pensada para compreender <i>o movimento dos entes</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, fundamentalmente o dos vivos (os que crescem, <i>phuô</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, donde physica). Esse motivo foi repudiado pelos
físicos e filósofos do sec XVII, e com ele as ‘causas’ associadas aos seus
‘sentidos’, as de <i>matéria </i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">e <i><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>forma</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> por razões de inadaptação ao laboratório, cuja operação principal é a
medição do movimento, retendo apenas a de ‘motor’ (<i>kinein</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, o que dá o movimento) e nomeadamente negando a
causa final (<i>telos</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">). Esse
repúdio generalizou-se, como se fosse uma tese filosófica imposta pela ciência
emergente (apenas a Biologia resistiu alguns séculos), em todo o caso
tornou-se, mais do que um erro, quase um delito herético. A questão é: e porquê
essa rejeição? Devido ao facto da Física ocupar-se de inertes, tendo a sua
extensão filosófica aos vivos provavelmente num fisicalismo latente: a Física
seria capaz de explicar um dia mais tarde o movimento dos vivos que crescem
(como hoje está conseguindo, mas com dificuldades fora da cena, em aliar
bioquímica e anatomia). Foi todavia ela que inventou máquinas em que o motivo
de finalidade é estrutural, como qualquer automóvel ilustra, ainda que venha a
ser automático, não deixará de ter destino em cada viagem, como um aspirador o
tem na limpeza duma casa. E qualquer vivo na busca de alimentação como meio
necessário para evitar a morte. Os duplos laços implicam justamente, excepto os
dos inertes e os das células, que um dos laços serve de ‘motor’ e o outro de
‘aparelho’ encarregado da direcção, do sentido da circulação, têm motor e
finalidade. O que mostra que o movimento dos fenómenos (ou ser movido no caso
dos inertes, mas todos o somos quando caímos estatelados ou no esforço a fazer
para andar e para trabalhar) implica forças / energias exteriores dadas pela
cena (ao ‘motor’), a começar pelo seu fabrico ou nascimento que constrói um
‘sentido’ (buscado pelo ‘aparelho’) que só o é na cena e em relação aos outros
entes dessa cena, sejam vivos, sejam instrumentos. Donde uma terceira vantagem
– os duplos laços implicam sempre, entre os progenitores e os fabricantes (com
seu direito de propriedade), que resultam de <i>antepassados</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, de que recebem uma ‘marca’, que o nome de
família e do fabricante atesta. Se se trata de unidades sociais, os fenómenos
que elas ligam incluem outros nessa ligação como irmãos (ou primos; ou equipa
de trabalho) que são familiarmente comuns mas diferentes individualmente, como
atestam os gémeos como excepção da atenuação dessa diferença. Dito isto, só os
próprios especialistas poderão ajuizar do interesse eventual dos duplos laços
nas suas investigações, que obriga a questionar a oposição interior / exterior
nos seus paradigmas, o que já não é fácil e torna improvável que um
especialista seja capaz de atenção à dimensão filosófica (fenomenológica) do
mundo, mais difícil ser sensível ao jogo que eles permitem entre mais duma
ciência. Como é difícil por razões inversas de especialidade ao fenomenólogo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="mso-element: footnote-list;">
<!--[if !supportFootnotes]--><br clear="all" />
<hr align="left" size="1" width="33%" />
<!--[endif]-->
<br />
<div id="ftn1" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref1" name="_ftn1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="EN-US"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[1]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="EN-US"> “A evolução entre biologia e bioquímica, entre Darwin e Marcello
Barbieri (6/8/2017)</span></div>
</div>
</div>
<!--EndFragment--></b></div>
<!--EndFragment-->Fernando Belohttp://www.blogger.com/profile/17937204465115284686noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8208352897435046717.post-87100920443546045582018-09-30T10:50:00.000-07:002018-09-30T10:50:01.540-07:00A diferença entre a matéria inerte e a matéria viva
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<br />
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="FR"><b>Fotão, electrão
e </b></span><span style="mso-ansi-language: PT;"><b>“</b></span><span lang="FR"><b>o
resto da Física</b></span><span style="mso-ansi-language: PT;"><b>”</b></span><span lang="FR"><b> (Feynman)</b></span><span lang="FR"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="FR"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>1. O livro foi traduzido em português há 12
anos mas só dei por ele este verão, numa feira do livro: <i>QED. A
estranha teoria da luz e da matéria </i></span><span lang="FR">[1985], que tem
uma veia pedagógica equivalente às <i>Seis lições de física fundamental</i></span><span lang="FR">, que tanto me encantou. Tratou-se agora de quatro conferências em fim
de vida (estamos no seu centenário, morreu há 30 anos) sobre a QED, a
electrodinâmica quântica, que diz ser a mais bela e correcta teoria de toda a física
(mas é suspeito, é um dos seus criadores). </span><span style="mso-ansi-language: PT;">O que ele consegue é dar uma panorâmica que se entende <i>grosso modo</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> da estranha mecânica quântica, que coloca as
partículas nos seus lugares – foi sem dúvida a minha grande surpresa – e permite
uma ideia de conjunto ao leigo verdadeiramente notável. E fez-me outro favor:
colocou essas coisas que explicou em três grandes regiões, a dos electrões (com
a notável junção dos fotões que dá à luz e à óptica um papel primacial
inesperado na lógica da matéria), a do núcleo dos átomos e a da força da
gravidade, o que coincide com a minha proposta de <i>forças atractivas</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> <i>em duplos laços</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, a saber: a que liga protões e neutrões nos
núcleos dos átomos, a que liga electrões nas moléculas, desde o átomo até aos
sólidos, líquidos e gasosos, a que liga estes graves em astros e os astros
entre si. O livro trata apenas da segunda e brevemente da primeira na última
conferência e da terceira nas duas últimas páginas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>2. Começarei por lembrar rapidamente
a minha proposta para depois poder ver o que lhe sucede face ao que compreendi
da teoria de Feynman. É claro que esta pretensão pode parecer ridícula, mas o
próprio autor lhe abre a porta: “esta estrutura de amplitudes não levanta <i>dúvidas
experimentais</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">: podem ter todas as
preocupações filosóficas que quiserem quanto ao significado das amplitudes (se,
de facto, representarem alguma coisa) mas porque a física é uma ciência
experimental<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>e o quadro teórico
concorda com a experiência, isso é suficientemente bom para nós” (p. 169, subl.
Feynman), diz na abertura do 4º capítulo, “pontas soltas”. Também é suficiente
para mim, que ao fenomenólogo não cientista o laboratório é interdito e só pode
ser aceite, tratando-se apenas de interrogar filosoficamente (<b>com<i> </i></b></span><span style="mso-ansi-language: PT;">ciências) os significados dos conceitos, vistos de
fora do laboratório. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>3. Quando o motivo derridiano de <i>duplo
laço</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> me apareceu como
fenomenológico, isto é, como dando conta dos fenómenos de cinco ciências
principais (e das máquinas), foi a consideração de que, no campo tradicional de
fenómenos de cada uma dessas ciências, fora descoberto no século XX algo de
‘não fenoménico’: se o fenómeno é o que se manifesta, em cada ciência havia
algo de <i>retirado</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> do campo
fenomenal (o núcleo dos átomos, o ADN, o interdito do incesto em Antropologia,
os fonemas ou letras em Linguística e o inconsciente na Psicanálise). Em
Física. a força da gravidade dominava o campo dos astros e dos graves e as
moléculas da Química não foram então tidas em conta (tal como a anatomia em
Biologia), só o foram anos mais tarde com os manuais da minha amiga Carmo
Mateus e da Rosário<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Martins, mas
protões e neutrões do núcleo são <i>retirados</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> pela força nuclear (forte), quer do alcance da gravidade, quer das
transformações químicas. O que significa que nessa primeira abordagem só havia
o que Feynman excluiu da sua argumentação como sendo “o resto da Física”. O
desenvolvimento das leituras e da escrita multiplicou os duplos laços, o
primeiro consistindo no do átomo, entre o núcleo retirado e os seus electrôes,
um laço relevando da força nuclear e o outro da força electromagnética que liga
os electrões ao núcleo, as duas forças dos físicos que postulei como <i>forças
atractivas</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> à maneira da da
gravidade, sabendo embora que as forças electromagnéticas repelem também
partículas da mesma carga. Mas estas forças electromagnéticas têm um papel
fulcral em Química, o de ligarem electrões de dois ou mais átomos para formarem
moléculas e darem origem a <i>graves </i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">com três possibilidades terrestres normais, sólidos, líquidos e gases,
consoante a pressão e a temperatura, e a partir deles a 3ª força dos físicos, a
da gravidade – na minha interpretação limitada justamente às dimensões<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>macroscópicas dos tradicionalmente chamados
‘graves’ –, fabricar os astros<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn1" name="_ftnref1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[1]<!--[endif]--></span></span></a>.
Mas estes duplos laços dos graves e dos astros supõem sempre o da força nuclear
que retém protões e neutrões de transformações químicas e de cederem à
gravidade<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn2" name="_ftnref2" style="mso-footnote-id: ftn2;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[2]<!--[endif]--></span></span></a>,
assegurando assim a impenetrabilidade da matéria. Se for o caso de as
partículas que se desintegram de protões e neutrões (quarks e companhia) também
forem renitentes à química e à gravidade, teríamos que fotões e electrões
seriam as únicas partículas a lhes cederem, o que me parece adequar-se bem à
teoria de Feynman. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>4. O livro é deslumbrante. Para quem
tinha uma ideia vaga da Mecânica quântica e das suas múltiplas e inexplicáveis
partículas ao invés de toda a matéria, Feynman consegue propor um panorama que
cria a sensação de compreensão do conjunto surpreendente, consegue o que um
octogenário não esperava já em sua vida: fosse ou não esse o seu objectivo, arrumou-me
as partículas quânticas nos seus lugares. Do que compreendi e que Feynman nunca
propõe assim: haverá quatro tipo de partículas essenciais na estruturação da
matéria, as que já conhecíamos, fotões e as três dos átomos, o que dá as duas
nucleares inseparáveis, por assim dizer, e o par inesperado fotões / electrões,
que já vinha do efeito fotoeléctrico, um dos quatro famosos textos de Einstein
em 1905, aquele que lhe valeu o Nobel em 1921, mas que aqui revela uma
universalidade insuspeitada (por mim, o par) na estruturação de toda a matéria
além dos núcleos atómicos. Quem diria? A luz e a electricidade, o que há na
nossa experiência de menos material, menos ainda que os gases! Todas as outras
partículas, se bem percebi (haverá uma ou outra excepção?), quarks e companhia,
que tanta confusão fazem ao leigo, resultam da desintegração de protões e neutrões
em condições muito elevadas de pressão e temperatura, que não conhecem os
“átomos mornos” (Prigogine) da Terra. Sem saber a intervenção dessas variadas
partículas filhas das nucleares nas tecnologias que a Mecânica quântica tornou
possível, fico com a sensação de terem sobretudo um interesse especulativo, que
se poderia com propriedade chamar ‘metafísico’ (e não ‘metaphysico’, de
ascendência aristotélica): a busca incessante do ínfimo das coisas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>5. As duas primeiras conferências só
se ocupam de fotões, vidros e espelhos. O determinismo é excluído na base: se a
luz incide perpendicular a um vidro, os fotões atravessam-no mas alguns
reflectem-se: quantos? Só se pode calcular a sua probabilidade, segundo a
espessura do vidro, como as coisas se passam não se sabe. Feynman poupa-nos as
equações e substitui os números complexos (com parcela em <i>i</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">) respectivos p</span><span lang="FR">or setas que dizem
o percurso do fotão : o quadrado do comprimento da seta é a probabilidade
e a sua direcção o tempo do percurso, com dois sentidos possíveis (fotão que
atravessa o vidro, que reflecte e volta atrás). Estas setas somam-se, multiplicam-se,
contraiem-se e rodam. </span><span style="mso-ansi-language: PT;">Estas setas são
“amplitudes de probabilidade de um acontecimento” (p. 68) e dão-nos uma
simulação dos cálculos sobre os percursos dos fotões e mais tarde dos electrões,
cujas amplitudes são também as de se acopularem com um um fotão. A complexidade
das experiências laboratoriais e dos ‘verdadeiros’ cálculos são-nos poupados,
teremos apenas que ‘acreditar’ nas setas e acompanhar com cuidado os vários
casos de percursos que se vão complicando ao longo das conferências. Todo este
jogo de setas é dito ‘teoria’, mas ao aceitarmos o seu pacto que permite
entender o panorama, ao oferecer a nossa credibilidade a Feynman, fica uma
inquietação: trata-se de ‘teoria’ ou de um relatório da experimentação laboratorial
num certo código, metodologicamente muito fecundo? <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>6. Ora, é nesta inquietação que se
instalam as minhas dúvidas fenomenológicas, ridículas sem dúvida para qualquer
outro leitor feliz do texto. Os duplos laços postulam que as três forças
fundamentais dos físicos (há uma quarta, nuclear fraca, não estrutural) são
todas atractivas, com um efeito de <i>retenção</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> do que elas abarcam. Ora, como já era o caso nas <i>Seis
lições</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, elas são tratadas como
“interacções” entre partículas, com excepção da força da gravidade. Sejam duas
citações. “Havia o problema do que mantinha os neutrões e os protões juntos
dentro do núcleo. Percebeu-se imediatamente que não poderia ser a troca de
fotões, porque as forças que conservavam o núcleo íntegro eram muito mais fortes”
(p. 177). E 20 páginas à frente, ao terminar do livro: “na matéria [fora dos
núcleos atómicos], quase todas as forças eléctricas são gastas a manter os
electrões próximos do núcleo do seu átomo<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn3" name="_ftnref3" style="mso-footnote-id: ftn3;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[3]<!--[endif]--></span></span></a>,
criando uma mistura muito equilibrada de cargas positivas e negativas que se
anulam. Mas, no que respeita à gravidade, a única força é a atracção, que se
mantém somando e somando [setas], à medida que vão aparecendo mais átomos, até
que finalmente, quando chegamos às grandes massas pesadas que somos, nós
podemos começar a medir os efeitos da gravidade, nos planetas, em nós, etc.”
(p. 197)<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn4" name="_ftnref4" style="mso-footnote-id: ftn4;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[4]<!--[endif]--></span></span></a>.
Nestas duas citações trata-se das três forças fundamentais: há “forças que
conservam o núcleo íntegro”, assim como “forças eléctricas gastas a manter os
electrões próximos do núcleo do seu átomo”, “mas no que respeita à gravidade, a
única força é a atracção”, o que implica que não é o caso nas electromagnéticas
do átomo, apesar de “conservarem” os electrões ligados ao núcleo e obviamente
entre si: não se pode dizer que a força predominante é uma força electromagnética
de atracção entre electrões e núcleo? E o mesmo raciocínio valerá para a força
nuclear: manter protões e neutrões juntos não implica uma atracção entre eles?
Porque me interessa este ponto é fácil de perceber: são os duplos laços que o
exigem, e se a exigência fenomenológica deles vem também das outras ciências, é
certo porém que o motivo de <i>força de atracção</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> vem da própria Física, para grande espanto de
Newton que a descobriu, sendo que. “até agora, a gravidade não é compreensível
com base em outros fenómenos” (p. 38)<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn5" name="_ftnref5" style="mso-footnote-id: ftn5;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[5]<!--[endif]--></span></span></a>.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="FR"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>7. Antes de prosseguir, um esclarecimento
importante sobre o motivo de duplo laço (<i>lien</i></span><span lang="FR"> em
francês de Derrida, <i>bind</i></span><span lang="FR"> em inglês de Bateson), que
não é nada de fenomenal, verificável experimentalmente, mas um motivo
gramatológico (como <i>trace</i></span><span lang="FR">, <i>diférance</i></span><span lang="FR"> ou <i>suplemento</i></span><span lang="FR">), que talvez seja melhor
percebido como </span><span style="mso-ansi-language: PT;"><i>dupla ligação</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">: trata-se em fenómenos – sejam físicos,
biológicos, linguísticos ou sociais – do que liga os elementos de que são
compostos, fazendo deles uma unidade com um duplo funcionamento que permite que
esse fenómeno se mova ou seja movido. O exemplo simples dos cilindros do motor
de explosão e do resto do aparelho mostra que se trata de duas ligações entre
peças, sem que o engenheiro mecânico ‘veja’ ou ‘mexa’ nessas ligações que estruturam
o carro que ele constrói. Também na anatomia dum mamífero as duas ligações não
são ‘órgãos’ feitos de células. Acontece todavia que em Física há as três
forças fundamentais e seus campos que permitem detectar as duplas ligações, mas
também essas forças são caso de polémica, desde Newton que não conseguiu
‘imaginar’ (<i>fingo</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">) a força de
atracção que descobriu e calculou. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>8. Voltando à segunda citação do § 6,
o percurso de Feynman é o de ir subindo numa escalada de átomos até chegar aos
graves e aos astros que a gravidade afecta, atrai. Nessa subida não conta com
ela, como antes não contou também, com as forças nucleares e electromagnéticas
das duas citações. Já fiz essa critica em relação a átomos de água e a cargas
eléctricas nas <i>Seis lições</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">
(nota 5): tal como aqui as partículas, fotão e electrão, a ‘substância‘ tem o
privilégio sobre as forças e os campos, que não têm praticamente nenhum papel
nas quatro conferências. Ora bem, também se poderia pensar em fazer o percurso
inverso, em vez de partir do ínfimo descoberto recentemente, as partículas,
para a terra e os astros, seguindo o percurso histórico das descobertas
físicas, da terra para o ínfimo, este escrutinado nos laboratórios. É sem
dúvida o laboratorial que comanda a escalada das escalas, já Newton estudou o
movimento a partir da força mecânica sobre a ‘substância’ experimentada,
provavelmente a sua dificuldade em relação à atracção lhe venha da visão de
força da sua mecânica. Se partisse da Terra como um astro, o que sucederia?
Teria que colocar que tudo o que nela há de graves é reunido pela sua força de
gravidade. Continuaria a não saber imaginar esta, mas saberia de antemão que
ela não era como as outras forças mecânicas, guinchos ou alavancas, que dela
dependem como se depende dum ‘princípio’, dum laço ou ligação que permite
movimentos no seu seio. Ora, o que a teoria quântica permite é justamente ter
acesso ao outro laço ou ligação, aquela que garante a inércia que torna
possível que os graves se deixem mover. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>9. Compreende-se que eu tenha ficado
tão contente por Feyman me deixar a gravidade e o núcleo do átomo fora da sua
bela demonstração, como a confirmação que seria possível esperar dum físico da
minha proposta dos duplos laços. Quanto ao núcleo e à desintegração<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>de protões e neutrões em quarks, gluões
e companhia, toda essa cacafonia quântica que só embaraçava o leigo, fica-se a
saber que ela corresponde a estádios explosivos de desintegração de protões e
neutrões que sõ se dão a conhecer a altíssimas temperaturas, que não afectam a
nossa visão habitual do mundo. Enquanto que fotões juntam-se a electrões numa
dança de acopulamentos (termo de conotação erótica!) que, juntamente com os
núcleos atómicos torna possível <i>toda a Química,</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> <i>cujo papel é justamente o de</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> <i>produzir graves</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> <i>que oferece à força da gravidade como fruto de
cópulas sem fim</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">. O papel da luz,
dos fotões, nesta fábrica química da matéria fascinou-me<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn6" name="_ftnref6" style="mso-footnote-id: ftn6;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[6]<!--[endif]--></span></span></a>,
eu nunca tinha dado importância à óptica! Ora, fotões e electrões são as únicas
partículas simples, que não se desintegram (será por isso que podem copular).
Pegar pelas duas pontas – de baixo para cima para quem vem do laboratório, de
cima para baixo para quem vem da fenomenologia terrestre e considera a ‘unidade’
da Terra como duradoura – é o que fazem os duplos laços. Eles são extra-laboratoriais,
como aliás as estranhas forças de atracção. O que uns e outras permitem
entender: o laço da Terra joga com os de cada grave que ele conserva nela e
joga duplamente com os laços do Sol e dos outros planetas do sistema, que assim
é conservado desde que há observações astronómicas, apesar da expansão do
universo que hoje se sabe; cada grave tem laço que o atrai para a Terra
duplamente com o que liga as suas moléculas como grave; cada molécula liga os
seus átomos entre si e liga-se às outras moléculas do seu grave; cada átomo,
por sua vez é ligado aos outros com quem faz molécula e ao seu núcleo.
Finalmente, impenetrável quimicamente e sem poderem ser atraídas as suas
partículas para fora do núcleo pela gravidade, parecerá que o laço que conserva
este na sua impenetrabilidade se fará entre a força nuclear e a série dos
outros<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>laços que vai até aos
graves que a Terra guarda.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><b>A produção celular de entropia segundo Prigogine<o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>10. “A mecânica quântica explica
[...] a razão pela qual um átomo de oxigénio combina com dois átomos de
hidrogénio para formar água, etc. Portanto, a mecânica quântica forneceu a
teoria que está por detrás da química. Logo, a química fundamental é, de facto,
física” (pp. 39-40) e mais adiante: “os biólogos tentam interpretar o mais que
podem da vida usando a química, mas a teoria por detrás da química é a
electrodinâmica quântica” (p. 42), donde que também a biologia fundamental será
igualmente física, e Feynman chega a dizê-lo algures, identificando bioquímica
e biologia, mas aqui mostra a sua liberdade intelectual ao moderar essa
conclusão pela atribuição aos biólogos de “tentarem interpretar o mais que
podem da vida”, deixando assim o espaço para o que me vai interessar nesta
segunda parte: o que falta em Feynman, além desta questão dos campos e da
irredutibilidade dos laboratórios (Newton errado, no mesmo texto da nota 5),
pode ser esclarecido por esta comparação entre Física e Biologia. Acontece que
Prigogine, um químico que também foi Nobel como Feynman, se interessou pela
bioquímica do metabolismo celular e induziu dele, sem fazer intervir categorias
biológicas, uma categoria física nova por inversão doutra clássica: a de <i>produção
de entropia</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> (positiva), em contraste
com a entropia (negativa) como degradação energética da Termodinâmica do século
XIX (Clausius). Essa nova categoria permitiu-lhe compreender o que chamou <i>estruturas
dissipativas</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> como explicação do
conjunto de reacções químicas do metabolismo da célula: trata-se duma
estabilidade (estrutural) que tem uma base instável (dissipativa), supondo uma
alimentação exterior ao sistema. Foi algo de fulcral para a proposta dos duplos
laços da Filosofia <b>com</b></span><span style="mso-ansi-language: PT;">
Ciências<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn7" name="_ftnref7" style="mso-footnote-id: ftn7;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[7]<!--[endif]--></span></span></a>.
Ora, é relativamente claro que todos os fenómenos da vida, implicando doenças e
mortalidade, como os fenómenos sociais implicando crises e transições de
gerações, são fenómenos instáveis estruturalmente, relevam de estruturas
dissipativas, o que me permitiu generalizar a categoria prigoginiana, inclusive
ao campo da Física. O que aliás, é compatível com a perspectiva de
probabilidades e de acontecimentos de que Feynman se reclama como o que se pode
saber dos “percursos de fotões e electrões”.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>11. O que há então que tentar fazer é
confrontar átomos e moléculas com células como estruturas dissipativas. O que
há de acontecimentos, acopulamentos, entre fotões e electrões em ordem a
reacções químicas, dar-se-á sempre em condições de pressão e temperatura, por
certo, mas também de proximidade propícia entre moléculas que venham a dar
origem a novas moléculas. É provável que esta proximidade entre moléculas seja
habitualmente com um dos parceiros em estado líquido ou gasoso; de qualquer
forma, a gravidade terá um papel indirecto na propiciação dessa proximidade. Se
for assim, há sem dúvida limitações mais ou menos fortes das condições para
tais reacções químicas. O que é que permite que estas se dêem? Que os átomos
que trocam electrões – um de oxigénio e dois de hidrogénio, por exemplo, para
se obter uma molécula de água que permanecerá seja como gelo, com água ou como vapor
– garantam que permanecem átomos de oxigénio e de hidrogénio na nova molécula
de água, o que dependerá essencialmente dos respectivos núcleos (que, no caso
do oxigénio, mantenham também os electrões que não se trocam). O papel do
núcleo atómico, se se permite ao leigo, será então duplo: por um lado,
resistir, guardar a impenetrabilidade do átomo, por outro, deixá-lo oferecer-se
à troca química de electrões que produz a nova molécula. Como, tratando-se de
graves com muitos milhões de moléculas, todos os átomos jogam por igual nessa
reacção, e a força da gravidade intervém na propiciação da proximidade, parece
claro que as três forças, os três laços, jogam um papel aqui, e não apenas
electrões e fotões. Mais: parece-me claro também – mas quem sou eu? – que a
força da gravidade terrestre, a força do conjunto de todos os graves que é a
Terra, tem como correlato a força nuclear de cada átomo que garante a
impenetrabilidade de todos e cada um dos átomos. Porque o jogo de acopulamentos
entre fotões e electrões, sujeito a probabilidades é certo, não se faz <i>motu
propriu</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, é isso a inércia, o não
ter movimento próprio, ser movido, deixar-se mover por atracção
electromagnética, sem se mover por si. O que daria que estes fenómenos implicam
não apenas os laços locais, das moléculas que trocam e das novas que resultam,
mas outros laços de graves da Terra, os que condicionam a pressão e temperatura
na zona dessa troca química (como aliás se está vendo na crise das alterações
climáticas, com efeitos múltiplos de razões diversas). Temos então que ver como
se passam as coisas nos vivos que se movem por si próprios.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>12. Se se olha para a célula,
damo-nos conta dum metabolismo incessante de reacções químicas múltiplas e
jogando com moléculas muito mais complexas do que as dos graves minerais
inertes. A célula viva está sempre a mexer, mas para isso tem que ser
alimentada de fora, pelo sangue nos vertebrados, o que permite diagnosticar a
sua dupla ligação: o laço interno à membrana celular que engloba o metabolismo
e o laço necessário ao sangue como condição <i>sine qua non</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> desse mesmo metabolismo. Parece óbvio que seja a
maior complexidade das moléculas orgânicas – de átomos de carbono, oxigénio,
azoto, hidrogénio, fósforo, por vezes enxofre – que, razão de ser da diferença
para com os graves inertes, seja também a da complexidade do metabolismo como
actividade própria da célula. Evoquemos brevemente como é que isto começou.
“Teve início, conta o bioquímico italiano Marcello Barbieri (T<i>eoria
semântica da evolução</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">) em 1953 um
verdadeiro novo campo de investigações quando Stanley Miller submeteu uma
mistura de metano, amoníaco, água e hidrogénio a descargas eléctricas durante
uma semana e obteve aminoácidos” (p. 95). O autor pôde postular um jogo de
moléculas se agregando e se desfazendo que terá chegado um bilião de anos mais
tarde às primeiras células (3 biliões de anos antes da explosão de fósseis de
organismos no Câmbrico, há 600 milhões de anos). As primeiras moléculas tinham
propriedades que as tornavam capazes de participar na estrutura das futuras
células, tal como pedrinhas, penas e lama servem para se fazerem ninhos de
aves, só que aqui os ninhos serão auto-construídos e os materiais estão dispersos.
Se bem percebi a demonstração razoavelmente complicada para o leigo de Barbieri,
mais do que no ADN, é no que ele chama o ribótipo que está o segredo da
actividade celular: são <i>ribossomas</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> que concentram “muitos protagonistas da síntese proteica, aminoácidos,
mensageiros, transferências e enzimas activantes, que se encontram difundidas
livremente no citoplasma” (pp. 79-80). Donde a tese de Barbieri de que os
antepassados dos ribossomas são os verdadeiros antepassados da célula (como
agregado de moléculas que se reproduz). É esta conjunção que permite a fabricar
as proteínas que são necessárias à própria estrutura da célula, onde reside o
segredo da vida. Esta <i>síntese das proteínas</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> por tradução do ARN mensageiro faz-se sobre os
aminoácidos que foram extraídos dos alimentos no intestino delgado e passados
ao sangue, chegando à célula por assim dizer como ‘matéria prima’ a ser sintetizada
segundo a mesma ordem das moléculas do mensageiro. Ora, esta ordem de
composição da proteína é a necessária como molécula estrutural da célula,
segundo o ‘plano’ guardado no gene do ADN e previamente transcrito no
mensageiro, o que supõe que esse gene seja “expresso” por um mecanismo adequado,
de forma a corresponder à proteína desejada para a estrutura da célula, seja em
reparação duma deficiente, seja em ordem ao crescimento da célula para futura
reprodução em duas similares (conjecturo eu). Mas o que me parece decisivo é o
carácter<i> construído</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> destas
moléculas das células: donde vem a necessidade dessa construção? Julgo que só
haverá uma razão: essas moléculas complexas demais não existiam, tiveram que ser
inventadas, digamos <i>fabricadas artificialmente</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, por ARNs (faz parte das suas propriedades
moleculares) nesses proto-ribossomas como condição das futuras células. Estas
moléculas ‘artificiais’, supondo sem dúvida ligações por forças
electromagnéticas adequadas, terão uma espécie de <i>fragilidade estrutural</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">: construídas que foram por não as haver prontas a
usar nos mares e tempos da evolução pré-celular de invenção destes mecanismos
até se garantir a reprodução, como definição de célula: <i>como tendo movimento
próprio de se reproduzir se for alimentada por aminoácidos</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">. Note-se aliás, contra o determinismo genético
que grassou nos primeiros tempos da biologia molecular, como este processo
bioquímico joga segundo o <i>aleatório</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, tanto o das carências a colmatar – que sínteses a fazer, portanto que
genes a expressar – como o das ‘matérias primas’ que o sangue traz, segundo o
aleatório das dietas alimentares (regionais, ricos e pobres), a que a medicina
actual acrescenta moléculas fabricadas farmaceuticamente.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">13. Ora bem, pode-se pensar que serão estes
mecanismos produtores do que chamei ‘moléculasartificiais’ duma parte pelo
menos das moléculas da célula que correspondem à <i>produção entrópica</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> de Prigogine, que em <i>A nova aliança</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> justificava, limitando-se à bioquímica, com
reacções químicas não-lineares, auto-catálise, auto-inibição e catálise cruzada
(p. 223), sem nunca referir categorias propriamente biológicas. <i>A entropia
positiva seria a diferença entre este conjunto de moléculas agindo no
metabolismo duma célula e o amontoado delas mais os aminoácidos de matéria
prima que estão a chegar, entre a bioquímica da célula viva e a bioquímica de
moléculas duma célula sem célula</i></span><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn8" name="_ftnref8" style="mso-footnote-id: ftn8;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[8]<!--[endif]--></span></span></span></a><span style="mso-ansi-language: PT;">. Vê-se claramente aqui porventura a diferença dos
papeis entre<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>os vários tipos do
ribótipo (ARNs) no metabolismo e ADN retirado no núcleo: aquele dissipa, mas
para que essa sua capacidade não vá contra os interesses da célula, o ADN
mantém a estrutura, com um papel de ‘arquivo’, dando o modelo ao ARN mensageiro<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn9" name="_ftnref9" style="mso-footnote-id: ftn9;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[9]<!--[endif]--></span></span></a>,
que depois da síntese se degradará, inútil. O duplo laço da célula será
constituído pelo que Barbieri chama ribótipo, jogando no aleatório da
bioquímica do citoplasma, ligado ao núcleo dos genes, limitados à repetição que
garante a identidade do organismo que se reproduz.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>14. Feynman não terá dado por
Prigogine, que julgo aliás ter sido malvisto pelos físicos e químicos
estabelecidos<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn10" name="_ftnref10" style="mso-footnote-id: ftn10;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[10]<!--[endif]--></span></span></a>; fica por
saber se a teoria da electrodinâmica tem maneira de avaliar estes processos
bioquímicos e o seu carácter entrópico ou se não haverá uma barreira intransponível,
aquela que faz com que, nas questões fascinantes e complexas de articulação
entre ciências da vida e das sociedades humanas, não é nunca necessário contar
com a Física: as leis desta valem para toda a diversidade de organismos e de
estruturas. Nestas tão variadas ciências, os duplos laços vão ganhando novos
patamares – evolução e história – em que um duplo laço anterior se torna laço
motor do duplo laço posterior, por vezes articulando ciências diferentes, por
exemplo entre Biologia e Antropologia pela relação entre sinapses e usos
aprendidos (Kandel deu a pista) ou Linguística (a fala como uso). Ao contrário
da Física, se for verdade o que propus acima (final § 11), da relação da
gravidade com todos os núcleos atómicos, o que está de acordo com a <i>inércia</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">; nas ciências que têm a ver com vivos, estes
patamares que se acrescentam, dos unicelulares aos organismos, plantas e
animais, invertebrados e vertebrados, em ambos havendo como transição entre
anatomias de justaposição de órgãos e anatomias com um sistema complexo de
circulação de sangue a estranha invenção das metamorfoses. Também das palavras
e frases curtas aos discursos e textos, simples e complexos, aos corpus destes
e às escolas. Das tribos as sociedades agrícolas de casas formando reinos ou
impérios, com divisão do trabalho entre artesãos, guerreiros, escribas,
sacerdotes e escritores pensadores, filósofos e vinte séculos depois
laboratórios de cientistas além da geometria e da astronomia, e depois máquinas
e electricidade que vieram a permitir sociedades de instituições de emprego e
de famílias, de escola universal e de médias generalizados, e por aí fora, com
instabilidades sempre crescentes, guerras, fomes, epidemias, crises de vários
géneros..Trata-se de consequências das <i>mobilidades</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> e da sua <i>alimentação</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>15. Pode ter sido complicado demais,
mas para mim houve um <i>eureka</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">,
entre o deslumbramento da electrodinâmica de Feynman e o que ele me permitiu,
revisitar Prigogine e Barbieri, precisar esta diferença espantosa entre os
inertes e os vivos, que parece estar-se atenuando: as máquinas – o automóvel
que me serve de modelo de duplo laço, um inerte que, alimentado, se move – e a
electricidade que, além de se transformar de/em outras formas de energia
(mecânica, térmica, luminosa...), e de <i>correndo</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, transportá-la a distância com alto rendimento, o
que transformou completamente a paisagem urbana da civilização do século XX, se
revelou produtora informática de <i>movimentos humanos, tanto gestos como
cálculos</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">. O que se faz parte da
maior instabilidade e portanto da intensificação possível de crises, também
será remédio útil nas tentativas de as superar. Entre os apocalípticos que
temem o fim do mundo e os optimistas das novas tecnologias que antevêem o
futuro radioso sem uma nuvem, há lugar para esperança, apesar dos populismos
trumposos.</span><span lang="FR"><o:p></o:p></span></div>
<div style="mso-element: footnote-list;">
<!--[if !supportFootnotes]--><br clear="all" />
<hr align="left" size="1" width="33%" />
<!--[endif]-->
<div id="ftn1" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref1" name="_ftn1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[1]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span style="font-size: 11.0pt; mso-ansi-language: PT;">A minha
dúvida, que para aqui não interessa, é sobre a explicação habitual<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>da génese das estrelas.</span></div>
</div>
<div id="ftn2" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref2" name="_ftn2" style="mso-footnote-id: ftn2;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[2]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;">Nunca li que protões ou
neutrões interviessem nas trnaformações químicas, como fazem os
electrões ; quanto à gravidade, quando se desintegra o núcleo atómico os
protões e os neutrões partem como partículas loucas, não se deixam atraír pela
gravidade terrestre.<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn3" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref3" name="_ftn3" style="mso-footnote-id: ftn3;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[3]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;">Há dois periféricos
livres para se combinarem com outros e fazer moléculas.<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn4" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref4" name="_ftn4" style="mso-footnote-id: ftn4;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[4]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;">Tinha acabado de dizer
que </span><span style="font-size: 11.0pt; mso-ansi-language: PT;">“</span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;">a influência gravitacional entre os objectos
[as partículas] é <i>extremamente</i></span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;"> pequena</span><span style="font-size: 11.0pt; mso-ansi-language: PT;">”
(p. 196, sublinhando) pode-se pois considerar desprezível; desconsidera em
seguida as teorias doutros físicos de ‘gravitões’, partículas ligadas à gravidade,
o que conforte a minha hipótese no § 3.</span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;"><o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn5" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref5" name="_ftn5" style="mso-footnote-id: ftn5;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[5]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;">Ver o texto </span><span lang="EN-US" style="font-size: 11.0pt; mso-ansi-language: EN-US;">“Questão
(prigogiana(: o que é a força, a energia e a inércia?” (18/10/2017)</span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;"><o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn6" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref6" name="_ftn6" style="mso-footnote-id: ftn6;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[6]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;">A luz é privilegiada
pelas duas fontes do saber ocidental : é a primeira criação, antes do firmamento,
do sol e da terra, no lindíssimo poema com que abre a Bíblia hebraica ; o
motivo filosófico de <i>eidos</i></span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;">,
o que se vê dum fenómeno, do verbo <i>idein</i></span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;"> (ver), é feito por Platão Forma ideal eterna. Mas
nestas duas fontes, é a capacidade humana de ver assim como a possibilidade das
coisas serem vistas que recebem o privilégio da luz. Feynman abre à luz uma
vertente criadora de tudo que ultrapassa incrivelmente a criação de órgãos de
visão nos organismos animais, o que se deu<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>nos últimos 600 milhões de anos, já o universo tinha alguns
13 biliões. Mas a electricidade também, e essa só a conhecemos há uns 200
anos ! Incrívelmente, Feynman nem se deu conta desta consequência tão estranha
da </span><span style="font-size: 11.0pt; mso-ansi-language: PT;">“teoria da luz e
da materia”.</span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;"><o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn7" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref7" name="_ftn7" style="mso-footnote-id: ftn7;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[7]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;">Durante os primeiros
anos, o texto da proposta chamava-se <i>Le Jeu des Sciences <b>avec</b></i></span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;"><i> Heidegger, Prigogine et Derrida</i></span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;">, como aliás atesta o lugar ocupado pelo
químico belga entre os dois filósofos na capítulo 2, que apresnta o quadro
fenomenológico do texto.<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn8" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref8" name="_ftn8" style="mso-footnote-id: ftn8;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[8]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span style="font-size: 11.0pt; mso-ansi-language: PT;">Logo após a
morte, suponhamos, quando começa a entropia de Clausius.</span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;"> Seja dito de passagem que quando Prigogien passou em
Lisboa, em novembro de 1988, recusou esta relação entre as duas entropias, a
morte estava fora da sua visão das coisas, como quem <i>opunha</i></span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;"> as duas entropias, provavelmente por não
ligar a bioquímica à biologia.<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn9" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref9" name="_ftn9" style="mso-footnote-id: ftn9;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[9]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span style="font-size: 11.0pt; mso-ansi-language: PT;">Gostaria de
saber qual a diferença molecular dum átomo de oxigénio entre estas duas
moléculas, que a designação acusa no ‘desoxi’ do ADN</span></div>
</div>
<div id="ftn10" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref10" name="_ftn10" style="mso-footnote-id: ftn10;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[10]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span style="font-size: 11.0pt; mso-ansi-language: PT;">A sua
‘filosofia’ do “fim das certezas” não o terá ajudado, a sua parceira química e
filósofa Isabelle Stengers já não co-assinou este seu último livro.</span></div>
</div>
</div>
<!--EndFragment-->Fernando Belohttp://www.blogger.com/profile/17937204465115284686noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8208352897435046717.post-84805144942122334142018-09-19T04:17:00.003-07:002018-09-19T04:17:37.233-07:00Um passado que nunca foi presente
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<br />
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<span class="Apple-style-span" style="font-size: 29px;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">1. A expressão, bizarra em primeira leitura, é do
filosofo francês Emmanuel Levinas para dizer a incidência dum Deus sem essência
nem existência, além do Ser, do seu agir nos justos que fazem mais do que o que
podem e querem, do que aprenderam, efeito dum “traço diacrónico”: o que se
poderia comparar com noções como ‘inspiração’ ou ‘revelação’, que justamente
Levinas quer evitar, despersonalizando o divino, por assim dizer. No texto “<i>Da
fecundidade espiritual</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">” (neste
blogue 3/7/2018), nos seus §§ 12-14 procurei explicitar esta proposta
levinassiana, contrapondo-a à experiência da aprendizagem interpretada como
traço sincrónico e ligada à <i>différance</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> de Derrida: aprender a ler, por exemplo, faz-se num relativamente longo
presente que terá incidências de passado nas repetições posteriores, sempre que
se lê. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">2. Mas esta minha explicação, adequada no que diz
respeito a Levinas, foi-o menos em relação a Derrida; este retomou por vezes a
expressão por conta do que ele próprio escrevia e pensava como <i>différance</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, motivo que implica além do adiar também o
repetir: só posso repetir o passado porque ele já era repetição, passado pois
também quando era presente: nenhum ‘presente’ é puro e nele há sempre mais do
que um passado que, ao adiar o futuro presente; quando aprendi a ler, na
cartilha maternal de João de Deus, “cão casa gato”, já repetia leituras futuras
variadas. Sem linearidade causal, é essa a nossa dificuldade nestas coisas das
diferenças entre os tempos que também são diferenças entre coisas e repetições
que nunca se repetem exactamente: é que <i>aprender é aprender a repetir</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> e nunca se repete indenticamente quando se repete
a mesma palavra, já que o contexto é diferente e é ele que dá sentido a essa
palavra. Darei alguns exemplos<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>simples.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">3.O primeiro é o dos sonhos., em que se jogam
personagens oníricas variadas que a sua interpretação permite reconhecer como
gente que jogou na história do sonhador, mas que os mecanismos do sonho –
condensação, deslocamento e figuração onirica, segundo Freud – alteram de tal
maneira que esse carácter ‘histórico’ o torna, senão irreconhecível, pelo menos
estranho na sua actuação, não tendo pois nenhum contraponto ‘presente’ no tal
passado histórico, que pois não houve assim. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">4. Outro exemplo é da ordem dos limites
intrínsecos da investigação histórica, do trabalho do historiador em torno dos
documentos duma época dada, seja o caso de Galileu. Se o trabalho for bem
feito, restitui-nos uma biografia do físico italiano fidedigna, que significa o
melhor que conseguimos. Mas o ‘passado’ assim restituído por hipótese brilhantemente
nunca foi presente no século XVII, há algo que nenhum historiador pode alguma
vez conseguir captar no seu retrato de Galileu: aquilo que ele <i>não sabia</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> e que o historiador sabe que sucedeu depois,
aquilo que ele estranharia se voltasse à vida, a força da gravidade descoberta
por Newton, por exemplo. Esse ‘não saber’ não lhe era presente mas faz parte do
passado de Galileu como inacessível: os anacronismos são um dos pecados maiores
da investigação histórica. <i>Não se pode contar a história de Galileu como se
não tivesse havido história da física a seguir</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, mas devia-se, deve-se aproximar desse desiderato
o mais que seja possível. O que permite imaginar grandes inventores sem saberem
do que veio a ser feito do que eles inventaram: o Platão renascentista tornado
critico do Aristóteles medieval ou, entre o trágico e a farsa, Jesus e a
inquisição, Marx e o estalinismo (“Marx et Jesus, ce sont des cocus”, disse
José Escada, o pintor, uma noite na casa parisiense do Nuno Bragança).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">5. Nos antípodas deste exemplo com ‘gente grande’,
seja a memória de acontecimentos antigos da nossa vida. Quando restituímos
algum, muito importante ou mais ou menos trivial, sofremos a mesma dificuldade
do historiador, apenas com a ilusão de que nós ‘sabemos’, estávamos lá.
Lembro-me duma birra que fiz com 4 ou 5 anos, chegado com os meus irmãos à
quinta dos meus avós à beira de Matozinhos para passar férias tendo a minha mãe
ficado em Lisboa com outra gravidez ou a convalescência da última, e eu queria
voltar para casa e fiquei mais de uma hora a chorar no jardim sem entrar. Não
são apenas detalhes que me escapam, não me lembro da viagem de comboio até ao
Porto, não consigo voltar à cabeça da criança que fui, a tudo o que não sabia e
agora sei. É certo que é um caso extremo, uma das primeiras lembranças que
tenho, mas o mesmo se passa quando restituo a cena do meu primeiro namorico que
decidiu a minha vida, não sei da minha bela ingenuidade como hoje a lembro, já
que, por definição, o ingénuo não se sabe assim. Quando penso nesses passados,
o presente deles escapa-me, toldado pelo que foi passando. O tempo da memória é
deveras complicado.</span><span lang="FR"><o:p></o:p></span></div>
<!--EndFragment-->Fernando Belohttp://www.blogger.com/profile/17937204465115284686noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8208352897435046717.post-21228267957929931612018-08-05T08:36:00.001-07:002018-08-05T08:36:24.711-07:00Há que reabilitar a Física de Newton ?
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<br />
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<span class="Apple-style-span" style="font-size: 27px;"><br /></span></div>
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<span lang="FR"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span></span><span lang="FR" style="font-size: 12.0pt;">1.
A maior parte dos físicos parece acreditar que a Física de Newton está ultrapassada.
Por exemplo, um livro de divulgação da Mecânica quântica de 1985, de Sven
Ortoli e Jean-Pierre Pharabod, <i>Le Cantique des quantiques, Le monde
existe-t-il?</i></span><span lang="FR" style="font-size: 12.0pt;">, La Découverte,
mostra bem no sub-título o que chamaria a ‘cegueira dos físicos’ modernos, e
não creio exagerar </span><span style="font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT;">por
generalização indevida, já que presumo que é algo que afecta a dimensão filosófica
do paradigma dominante. O que pode significar a colocação desta tão estranha
questão – “o mundo existe?” – ainda que a resposta fosse positiva? Já li o<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>livro há muito tempo, na altura em que
saiu, creio, ainda longe das questões que se me puseram uma quinzena de anos
depois, ao redigir o capítulo sobre a Física Química do meu <i>Le Jeu des
Sciences <b>avec</b></i></span><span style="font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT;"><i> Heidegger et Derrida</i></span><span style="font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT;">. Em primeiro lugar, significa que a abordagem do
quântico por estes dois físicos implica o extremar do que muitos outros têm
pretendido: a total desconsideração da Física de Newton, que é aqui a do ‘mundo’
que ela descreveu. Como se o princípio da incerteza de Heisenberg, que torna
impossível a simultaneidade da medição da posição e da velocidade duma
partícula, fosse deslocado para o que fica aquém da abordagem desse... como lhe
chamar? ‘mundo’ quântico, ‘domínio’ quântico? onde não há nenhuma ordem não há
mundo, onde não se consegue sequer medir (o que foi sempre a chave do labor da
Física), não há domínio, controle. Isto é, é o próprio princípio da incerteza
que obrigaria a derivar a insólita questão para o ‘canto’ dos quânticos, que
tem mais aliás de ‘cântico’ do que de qualquer ‘canto’ duma das salas dum
laboratório. E é onde creio que reside a dificuldade, o lugar do laboratório;
todos os físicos sabem que o laboratório é essencial: os resultados do que no
seu labor se mede vão preencher as variáveis da equação em estudo. Mas quando
se passa à reflexão teórica, o laboratório parece esquecido, só se têm em conta
as equações e as definições dos conceitos. É a diferença dos laboratórios, das
escalas dos aparelhos de medição que torna impossível comparar as três físicas:
a das velocidades perto da da luz, a da dimensão espacial das partículas e a do
espaço e tempo dos graves terrestres. Como se sabe, quando nas equações das
duas primeiras as dimensões que lhe são específicas se tornam velocidades
terrestres e extensões do sistema métrico, chega-se a equações newtonianas. Só
esquecendo as diferenças de escala laboratorial é possível a uma ou duas das
físicas mais novas decidirem, a partir do respectivo laboratório, do carácter
ultrapassado da física mais velha, de cujo laboratório elas não sabem nada (os
físicos sabem, claro, mas não sabem do esquecimento).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>2. Ora, a
civilização actual é impensável – não na sua existência, mas na sua ordenação –
sem as milhentas técnicas inventadas segundo a Física de Newton em laboratórios
cujas medições fornecem resultados que continuam a <i>verificar cientificamente</i></span><span style="font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT;"> as variáveis das equações que se
foram construindo a partir do paradigma newtoniano: é o que valida essa Física
como ciência, com resultados verdadeiros sem incertezas heiseberguianas, tal
verificação continua a fazer-se quotidianamente. O que significa que a segunda
hipótese de leitura, retórica é claro, da insólita questão<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>– “o mundo existe?” – é a intentada: a
certeza (incerta?) dos dois físicos sobre a </span><span lang="FR" style="font-size: 12.0pt;">Mecânica quântica seria mais forte do que sobre o
Mundo que lhe deu origem, em que eles foram paridos, cresceram e se alimentam
todos os dias. </span><span style="font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT;">A
questão que me faz voltar a um texto anterior</span><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT;"> num texto (neste
blogue em 18/10/2017, “o que é a energia, a força atractiva e a entropia?”), </span><span style="font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>é a da <i>barreira</i></span><span style="font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT;"> que há entre as duas Físicas, a de Newton e a de Heisenberg.
<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>3. Coloquei
essa barrreira assim. Sabemos como é que, partindo da <i>matéria</i></span><span style="font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT;"> de que os engenheiros
newtonianos se ocupam, como qualquer um de nós quotidianamente, feita de graves
compostos de átomos e moléculas, um pedaço de urânio por exemplo, se passa para
as partículas quânticas: pela cisão e explosão dos átomos. E inversamente, como
é que das partículas se pode voltar aos átomos iniciais? nunca ouvi dizer nem
li que se o tenha conseguido experimentalmente, nem sequer que tenha sido
tentado. O que é que impede de se tentar? Presumo que não se pense que haja aí
um problema, que haja uma barreira entre as duas Físicas, tal como as
velocidades próximas da da luz supõem uma barreira entre Newton e Einstein
(provavelmente aliás esta mesma, já que os fotões também são partículas
resultantes de explosões de electrões solares). Como acabei o curso de
engenharia civil há mais de 60 anos e nunca mais acompanhei o que pode ter continuado
a haver de descobertas teóricas na Física clássica (tive o privilégio de ter
sido aluno de Rómulo de Carvalho no liceu Pedro Nunes) que alimente as invenções
tecnológicas, não posso senão conjecturar que o que tenha havido de descobertas
nesse campo seja considerado ‘menor’ em comparação com as duas grandes Físicas
do século XX, a da relatividade e a quântica, que manifestamente exaltam os
entusiasmos dos físicos que se ouvem nos médias. Ou seja, presumo que, com
Newton ultrapassado por Einstein, Bohr e os outros grandes, toda história da
Física clássica tenha passado à história, assim como os liceus entre nós se
tornaram ‘secundários’. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>4. Em que é que consiste essa barreira entre os
domínios da Física histórica e as duas Físicas dominantes hoje em dia, para
além das diferenças laboratoriais e das escalas de medição? A barreira consiste
nas <i>forças atractivas</i></span><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT;">: a) as nucleares que ligam protões e
neutrões nos núcleos dos átomos, b) as electromagnéticas que ligam electrões a
núcleos atómicos e a outros electrões – de outros átomos para formar moléculas,
de outras moléculas para formar moléculas compostas, de solidificação ou
liquefacção – mas que também se opõem quando as cargas são ambas positivas ou
ambas negativas, c) as forças da gravidade que atraem sólidos, líquidos e gases
para formar astros como a Terra, atraídos por sua vez por outros astros.
Richard Feynman, nas suas tão estimáveis </span><span lang="FR" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12.0pt;"><i>Seis lições sobre os fundamentos da
Física</i></span><span lang="FR" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12.0pt;">,
lembrou que os físicos do seu tempo continuavam sem saber como explicar </span><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT;">como
se faz a atracção a distância que deixou Newton perplexo: “não imagino uma
hipótese”<i> (hypotesim non fingo</i></span><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT;">,<i> </i></span><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT;">como
em fingir, no sentido de figurar, desenhar). Não tenho a certeza se se
considera as forças nucleares (ditas fortes) como forças de atracção, devido à
noção que me parece bizarra de ‘gravitão’ (partículas que sustentariam a
atracção), mas o que me parece certo é que as partículas encheram o olho dos
físicos e não lhes deixam consideração para essas ‘forças’. Se quando protões e
neutrões se ‘encontrarem’ a minúsculas distâncias entre ambos (em fermis)
atraem-se e se longe são indiferentes uns aos outros, portanto não havendo
‘forças’ distintas dessas partículas, ou as forças serão algo de ‘distinto’
delas? Há forças ‘fora’ do que atraem? A força da gravidade parece ser inerente
aos astros e aos graves componentes de planetas como o nosso; a minha heresia
sendo não acreditar que haja gravidade entre partículas, mas apenas forças
nucleares ou electromagnéticas consoante, isto é, os três tipos de forças são
relativos às escalas dos entes físicos, como disse em a), b) e c). <i>A
barreira é constitutiva de</i></span><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT;"> <i>matéria</i></span><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT;">, <i>a
saber átomos, moléculas, graves e astros</i></span><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT;">.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>5. O que julgo que proporciona o que chamei </span><span lang="FR" style="font-size: 12.0pt;">a ‘cegueira dos físicos’ modernos </span><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT;">é
algo que fez parte do “método” de Descartes de análise: a noção de dividir até
ao elementar e compreender de novo a realidade sintetizando a partir daí. É
nesta análise / síntese que está o problema, que os estruturalismos em
filosofia e certas ciências sociais, a complexidade de Edgar Morin, as lógicas
de sistema e em física o motivo de <i>campo</i></span><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT;"> puseram em questão.
A descoberta do mundo das partículas a seguir à dos átomos foi fascinante, é
óbvio, ainda por cima com problemas epistemológicos completamente novos. Na
minha ignorância, creio que se passa dum estado caótico, as partículas à solta
nos aceleradores, para partículas ligadas por forças atractivas que as
estabilizam em <i>matéria</i></span><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT;">. Reeves diz algures num dos seus
livros de divulgação que os conceitos habituais como este não têm sentido no
quântico, que não será ‘mundo’ nem ‘domínio’, apenas ‘caos’, porventura. Ora, é
esta <i>barreira entre o caos e a matéria</i></span><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT;"> que permite perceber
que <i>a força atractiva não é como a noção de “força” corrente em Mecânica</i></span><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT;">, o
que chamei ‘força local’, do tipo clássico da bola de bilhar que põe outra em
movimento, o que me permite concluir que terá sido, quero crer, a dificuldade
de Newton, em que estas forças mecânicas têm um lugar crucial. Continuará a ser
o que impede de ver a barreira entre o caos e a matéria.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>6. Antes de concluir, afaste-se um preconceito:
que o espaço seja relativo (Einstein) e não absoluto como Newton pensava, não
creio que afecte a sua física enquanto ciência laboratorial; também Einstein e
os físicos quânticos mantiveram o tempo reversível e ignoraram a sua essencial
irrever++sibilidade histórica, como demonstrou Prigogine, o qual por sua vez
também não foi capaz de estender o seu motivo precioso de produção entrópica ou
entropia positiva às forças atractivas constitutivas dos átomos, moléculas,
graves e astros. Tudo o que aqui se escreveu desemboca na proposta arriscada,
devido às minhas ignorâncias, que fiz no texto citado acima (§ 2), de colocar
estes motivos de energia e força atractiva como motivos constituintes da Física
de Newton, à maneira do princípio de inércia. Ou seja, passados mais de três
séculos sobre ele, <i>continua-se a não se saber ‘imaginar’</i></span><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT;"> (<i>fingo</i></span><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT;">) <i>o
que é a gravidade como força a distância, sendo no entanto o motivo central da
unificação da mecânica terrestre e da mecânica celeste numa só Física: este
motivo foi crucial para o desenvolvimento posterior da Física sem que esse
desenvolvimento tenha no entanto contribuído para o entender retrospectivamente</i></span><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT;">. É
ele que permite compreender o que se passa no laboratório de Física:
tratar-se-á, dum ‘princípio’ não matemático mas físico, deduzido e calculado a
partir de medições laboratoriais, dum <i>princípio físico de filosofia natural</i></span><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT;">.
Se nos lembramos que o motivo de ‘energia’, nome aristotélico (de <i>energeia</i></span><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT;">)
inventado por Thomas Young em 1807, era no tempo de Newton chamado “forças
vivas” (por Leibniz, se bem me recordo, num teorema com esse nome), percebe-se
que ele também faz parte deste grupo de princípios físicos. As <i>forças
atractivas</i></span><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT;"> atraem protões, neutrões, electrões, graves e astros,
isto é, retêm-nos, criando <i>entropia</i></span><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT;">; quando deixam de os
reter, eles disparam com <i>inércia</i></span><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT;">, e é isso a <i>energia</i></span><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT;">.
As físicas de Einstein e Heisenberg permitem compreender enfim a física de Newton!
Provavelmente permitiriam compreender inclusivamente porque é que nem Newton
nem nenhum dos grandes físicos até hoje foram capazes de imaginar, ficcionar, a
força de gravidade: princípio físico, seria ela que torna possível que façamos <i>experiência</i></span><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT;"> de
forças de ordem mecânica (enquanto que ‘atracções’ como os amores e outros
gostos relevam de um outro nível ôntico, o da vida). </span><span lang="FR" style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12.0pt;"><o:p></o:p></span></div>
<!--EndFragment-->Fernando Belohttp://www.blogger.com/profile/17937204465115284686noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8208352897435046717.post-28334858967960289192018-07-19T11:48:00.002-07:002018-07-25T05:30:58.312-07:00Retorno à questão da verdade<!--[if gte mso 9]><xml>
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<br />
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">1. Tratei dela a propósito da proposta dum
filósofo italiano sobre a chamada pós-verdade (no blogue, 11/02/2018), mas a
questão ficou pouco clara, sem sistematicidade argumentativa. E é uma questão
preocupante para quem se dá às questões </span><span lang="FR">fortes do sentido
das coisas e da vida. Volto pois a ela, procurando </span><span style="mso-ansi-language: PT;">saber donde partir o questionar. Há dois
obstáculos seculares à questão: por um lado, a separação entre pensamento e
realidade, entre as palavras e as coisas, entre o sujeito que questiona e o
objecto questionado, como se fossem dois mundos que se enfrentavam de zonas
opostas; por outro, a bitola absoluta para a verdade, vinda desde o platonismo
da diferença Céu / Terra onde o cristianismo alojara o Criador, valendo por si
só, <i>ab-solus</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, a que cada coisa
que ele criou é relativa, como criatura sua, a sua verdade anterior a qualquer
consideração do seu contexto particular, numa espécie de <i>tête-à-tête</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, a que Heidegger chamou <i>onto-teo-logia</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, discurso (<i>logo</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">s) do ente e do deus. Claramente predominante nas
filosofias dos cartesianos até Leibniz, a critica da razão pura desalojou-lhe
os três pilares, mantendo todavia o esquema cognitivo no sujeito / objecto,
aquele voltado para o mundo deste em seus <i>a prioris</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">2. É ainda neste esquema que Husserl liga a
consciência que percepciona ao objecto <i>que lhe aparece</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, ligados na intencionalidade do <i>aparecer</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> fenomenal, sem o qual não há consciência,; mas
também não há sensações prévias ao objecto percepcionado, que necessitem de ser
sintetizadas: a mesmidade do objecto na diversidade de percepções possíveis,
visuais, tácticas, acústicas, olfactivas, é condição da mesmidade da
consciência que percepciona, em sua intuição sensível. Só no passo seguinte, o
da intuição categorial, intervém a linguagem do juízo que <i>nomeia</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> o objecto S e o adjectiva de uma (ou mais) qualidade
P (S é P), o que mantém a secundariedade da verdade deste juízo em relação à
intencionalidade perceptiva. Não é certo que <i>Ser e Tempo</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> a desfaça como o fará a gramatologia, mas a sua
revolução consiste em retirar o <i>Dasein</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> do par ontoteológico sujeito / objecto ao colocá-lo como <i>ser no mundo</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, que é o dos outros humanos e do cuidar enquanto
habitante da Terra, permitindo ao II Heidegger recuperar a <i>phusis</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> de Aristóteles e a sua fecundidade, <i>a doação
que se retira</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">. Ora, faz parte
deste percurso a consideração da historicidade das palavras, mormente
filosóficas, a indagação de etimologias possíveis, como a célebre entre todas <i>alêtheia</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, verdade de algo ou de alguém como o seu desvelar
ao humano que cuida, verdade que é doada à sua nomeação. É o caso dum bebé que
nasce e se recebe – é menino ou menina? é preto, branco ou mestiço, em casal de
etnias diferentes?<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn1" name="_ftnref1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[1]<!--[endif]--></span></span></a> –, bebé a
quem se dá um nome como parte do ritual que o torna membro da tribo. Ou no caso
dum marceneiro que, trabalhando com vários tipos de madeira, faz um objecto
que, depois de (pro)duzido, de trazido à presença dos usos, se chamará cadeira,
ou mesa, ou armário. E se não tem nome ou este for ignorado, será por exemplo a
‘coisa’.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">3. O passo de Derrida introduz os outros e o
contexto da habitação com a questão da linguagem enquanto escrita, isto é, um
sistem que se re(pro)duz por aprendizagem em articulação com os outros usos.
Nem palavra nem frase são ‘verdadeiras’ , não são senão elementos de composição
de falas, discursos orais ou textos escritos. É certo todavia que se pode falar
da ‘verdade’ duma mesa, feita de nogueira, com mais de cinquenta anos, bonita e
adequada a uma dúzia de comensais, etc., ou da verdade da cadela Ginja, arraçada
de pastor alemão misturado, com 14 anos e com seus hábitos e gostos, a verdade
das suas possibilidades. Quando se trata da verdade dum humano, a questão é bem
mais delicada, já que em boa parte ele/a sabe melhor dela, da sua saúde e do
seu contentamento com a vida, das suas memórias e sonhos, do que lhe vem à
cabeça, enquanto que os que com ele/a convivem saberão do que observam de fora
ao longo dos tempos, do que lhe ouvem, talvez confidências, do que deduzem,
simpatias e aversões, habilidades e incapacidades, convivas esses que
rapidamente chocam com o enigma que ele/a é, e que ao/à próprio/a é dado doutra
perspectiva. A sua verdade é também ela de possibilidades, mas muito mais
vastas porque incluindo possibilidades de mudança de contexto, de mundo e de
usos, que pode até ser para longe da tribo de origem, a perder de vista o que,
tribalmente enquadrado, se sabia dele/a. Com efeito, o que se apercebe de
outrem é sempre no contexto tribal de relações (parentes, vizinhos, colegas,
amigos, conhecidos), em torno dos respectivos nomes, os quais vêm sempre no que
se conta ou opina dele/a, com as qualificações mais ou menos adequadas, mais ou
menos incertas. Coisa ou gente não se conhece sem os nomes respectivos, <i>não
há oposição entre um nome e a coisa nomeada</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, como não a há entre um retrato e a pessoa retratada, entre um mapa e o
correlativo território. Esta diferença coisa / nome vem constantemente na
filosofia grega clássica, <i>onoma / pragma</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, antes do helenismo ter acrescentado outras línguas ao grego e portanto a
economia da tradução, com o <i>signo</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> e o seu <i>lekton</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, o
significado do nome que o estrangeiro desconhece, ao ouvir o nome e sem ver a
coisa. [</span><span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Times New Roman'; font-size: 16px;">A denominação é certa mas não
é uma definição, contém por vezes um grau de incerteza, por exemplo em que se
escolhe os pratos pelos nomes no menu dum restaurante : escolhi ‘toucinho
do céu’, que nome supõe (uma receita e) um gosto e ao comê-lo perguntei a mim
próprio por que carga de água é que chamavam àquilo ‘toucinho do céu’]</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">4. Mas a grande diferença introduzida pela
gramatologia nesta questão da verdade está no aforismo “não há fora de texto”,
que implica que as coisas de que o texto fala são ditas, significadas pela
indicação do seu nome mas apenas conhecidas pelos efeitos nesse nome das
diferenças textuais, que podem figurar algo de diferente, como as metáforas,
por exemplo, esse algo será o que o texto dá a conhecer. Ora estes efeitos
textuais, escritos ou orais, em geral segundo códigos conhecidos dos falantes,
quando são relativos a usos estritos, são multiplicação de polissemias (de que
a metáfora é um caso) como economia estrutural da língua que evita que as
palavras usadas não ultrapassem os poucos milhares que se usam no quotidiano.
São bons exemplos de polissemia os provérbios, capazes de ilustrar situações
sempre diversas, tanto para o sim como para o não ou o talvez, exemplo popular
do que os eruditos fazem como poesia e literatura, pensamento ou conhecimento.
É que não se conhece nada senão relacionando com outros conhecimentos já
sabidos, à maneira do dicionário (imensa tautologia, Barthes) que dá as
significações das palavras através de outras palavras, possibilidade indefinida
de frases com limite de palavras, multiplicadas pela sintaxe, morfologia e
polissemia. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">5. A questão então é: como passar da verdade das
coisas e dos humanos para a verdade dos textos, orais ou escritos. A minha
proposta é abordar esta questão da verdade textual passando da diferença nomes
/ coisas para estoutra com a qual aprendemos uns e outras: receitas / usos,
aquelas sendo os textos narrativos que dizem estes em seu fazer-se. Teoria e
prática, saber e experiência, são aí sempre ligados, o que permite que a aprendizagem
ligue indissociavelmente os nomes, as coisas e o como se faz, <i>em verdade</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">. Verdade, em nome de quê? Dos antepassados que já
assim faziam. Digamos que é onde está a base que impede a radicalidade dos
cepticismos filosóficos, que sempre viveram da oposição nomes / coisas que aqui
não existe. Mas além dos usos, de carácter técnico, por assim dizer, há os
costumes, e é aqui que tudo fia mais fino. Se se puder dizer, de forma simplista,
que o que até agora chamámos ‘coisas’, da ordem dos ‘fenómenos’, do que aparece
aos olhos e talvez às mãos também, ao faro e aos ouvidos, releva do que a gramática
clássica designava por substantivos (e verbos, mas talvez não todos), sobra o
mundo dos adjectivos que qualifica e introduz gostos, aqueles que o provérbio
diz que não se discutem mas também os que se discutem, muitas vezes fortemente,
e que por isso mesmo deram origem à substantivação desses adjectivos: de livre
a liberdade, de justo a justiça, e por aí fora, essência e existência dos
filósofos. De forma geral, usos e costumes organizam-se segundo paradigmas e é
nesses paradigmas, nas suas variações históricas, que a questão filosófica da
verdade se põe, em torno de discussões de época. Há um exemplo no meu e.book <i>Da
Natureza à Técnica</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> (cap. 3.
21-31), sobre a querela medieval dos universais entre ‘realistas’ e
‘nominalistas’, em que se percebe como um especialista dessa época (Alain de
Libera) lê Aristóteles à maneira medieval (platonizado teologicamente, se se
pode dizer, na sua Metaphysica, ignorando a Physica de que aquela depende), no
que consiste a maneira da filosofia académica funcionar, isolando os textos do
mundo que os escreveu e ignorando as transformações desse mundo: ou seja, a
verdade textual deve incluir o gesto histórico da escrita em sua época, a da
discussão, deve ter em conta a história da civilização que impede a noção de
“philosophia perennis”. De maneira muito elementar, pode-se dizer que aquela
discussão – saber se em cada cavalo há uma essência de cavalo (realismo) ou se
esta é um ‘nome’ acrescentado pelos humanos aos cavalos (nominalismo) – foi
vencida pela verdade nominalista, pela sua <i>via moderna</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> sobre a aristotélica <i>via antiqua</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, tendo vindo a abrir a possibilidade cartesiana das
ideias e a possibilidade do laboratório da ciência física de Galileu e Newton,
a possibilidade de toda a ciência europeia, incluindo a biologia molecular. Só
que esta caracterizou a espécie equídea pelo seu programa genético em cada
cavalo e égua, confirmando numa outra conceptualidade a verdade dos realistas,
cuja derrota de então a tornou possível. Exemplo duma verdade, entre filosofia
e ciências, historicamente retorcida. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">6. O primeiro lugar dum inquérito sobre a noção de
verdade deve fazer-se, não apenas em tal texto, como também no paradigma
histórico em que ele foi escrito e depois naqueles em que foi lido: <i>buscar a
verdade desse texto, o que o fez escrever e ler</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">. O motivo de <i>paradigma</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> de Kuhn diz quer o que atrai um cientista à sua
ciência, digamos a tradição dela, como o que orienta o seu saber e fazer, os
puzzles a resolver, mas sem opor teoria e experiência, incluindo todo o operar
laboratorial e o teorizar em compêndios e revistas, condicionando a visão de
cada indígena do paradigma (que foi o que implicou muitas resistências a este
motivo). Ora, é um motivo que se presta a definir toda e qualquer unidade
social, fábrica, empresa comercial, unidade administrativa, família, e permite
em geral circunscrever a <i>verdade</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> dessa unidade social à sua verificabilidade em relação ao paradigma, aos
respectivos usos, como se faz exemplarmente no laboratório de física. No
exemplo dado acima, é a verificabilidade que o laboratório bioquímico deu ao
motivo de espécie biológica que permitiu concluir sobre a verdade filosófica
medieval e moderna. As ciências inventaram com os respectivos laboratórios
métodos de verificabilidade do conhecimento que produzem que a filosofia, com
apenas a definição, não conseguiu. Esta verificação diz respeito a <i>erros</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, não a <i>mentiras</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> nem a <i>ficções</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">. Estas duas formas de ‘não verdade’ só podem
jogar desde que respeitem a condição aristotélica da <i>verossimilhança</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> (<i>eikos</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">), isto é que pareçam verdade em relação ao paradigma em que se inserem. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">7. Resta dar um exemplo do que acima se disse como
tarefa de leitura da <i>verdade dum texto</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, daquilo que o fez escrever. Não sei que destino tiveram, a partir dos
anos 80, as semióticas estruturalistas dos anos 60 e 70, de que creio terem
tido sucesso – não sei se sucessores – quer as <i>Mitologias</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> de Lévi-Strauss, quer a leitura textual dum só
texto de Roland Barthes, <i>S/Z</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> e
outras três tentativas. Procurei seguir o método deste último em vários
exemplos, de que contarei um aspecto da minha <i>Leitura materialista do
evangelho de Marcos</i></span><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn2" name="_ftnref2" style="mso-footnote-id: ftn2;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[2]<!--[endif]--></span></span></span></a><span style="mso-ansi-language: PT;">. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">8. A Bíblia cristã (conheço muito mal a hebraica e
nada da tradição judaica de leitura) é considerada como o livro que foi mais
lido no Ocidente, mas nunca foi o seu texto, apenas pedaços, citações
destacadas do contexto e mesmo essas lidas com olhos gregos, platónicos ou não.
Foi também provavelmente o texto mais avaliado criticamente na modernidade mas
aí a armadilha maior foi a consideração praticamente unânime, crentes ou ateus,
de que se trata dum livro religioso. Os crentes, lendo a sua figura principal,
Jesus, como uma divindade incarnada que sabia tudo, acrescentaram-lhe a noção
implícita de que foi escrito para durar os quase dois mil anos que nos separam
dela. A exegese científica da escola histórico-crítica que predominou no século
passado cortou os textos evangelhos em perícopas (<i>Formgeschichte</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, história das formas), procurando encontrar nas
comunidades que receberam a pregação cristã inicial, ou seja no seu contexto de
destino, a razão de ser de cada uma delas. A ideia não é má, embora provavelmente
essas comunidades tivessem muito do imaginário ‘cristão’ do exegeta, mas teve
como consequência a desintegração do texto narrativo, suspeito aliás, com os
seus milagres, de infidelidade histórica. Diga-se desde já que, ao procurar-se
uma ‘verdade’ do texto, da narrativa, não se trata aqui de buscar<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>uma verdade histórica desse tipo,
embora alguns pontos de verossimilhança sejam possíveis e outros de
plausibilidade, com a não verificabilidade dos elementos relevando do código
mítico, opondo Céu / Terra / Abismo (desmitologização bultmanniana). Desse
trabalho exegético resultou uma tese importante no que diz respeito aos três
evangelhos ditos sinópticos, justamente por causa da relação entre eles
permitir uma ‘óptica’ de ‘conjunto’ (<i>sun</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">): Mateus e Lucas dependem de Marcos no que têm de paralelo, ambos têm uma
outra fonte comum, <i>Quelle</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, e
ambos têm uma fonte própria. O que faz de Marcos o primeiro, que mereceu a
confiança dos dois outros (enquanto que João releva duma tradição bem
diferente, com pouco paralelo com os outros três).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">9. Vamos então ao texto de Marcos em que, à
maneira de Barthes, repertoriei uma série de códigos de tipo paramétrico,
interpretando-os com uma grelha restituindo o modo de produção da Palestina da
época, que colocou o Templo de Jerusalém no nó do poder religioso, politico e
financeiro. Quando Marcos foi escrito, esse Templo tinha sido incendiado pelos
Romanos em 70 e pode-se perceber que nos três sinópticos a narrativa oferece um
antagonismo fundamental entre o actor narrativo profético Jesus e esse Templo,
donde expulsou os vendilhões e que ocupou, depois de discutir com as chefias
politicas e religiosas, tendo-as calado com autoridade. Três códigos
sequenciais articulam a trama narrativa, o principal conduzindo as acções dos
diversos actores narrativos, colocando em Jesus uma primeira palavra “o tempo
cumpriu-se e o reino do Deus está perto; convertei-vos e crede na boa nova” em
forte contraste com a última, “meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?”, que
é dada no original aramaico em que Jesus a terá pronunciado antes de expirar.
Outro código sequencial busca saber quem é este Jesus taumaturgo que fala com
autoridade e anuncia o fim dos tempos, entre várias hipóteses (profeta, João
Baptista ressuscitado, etc), um dos discípulos, Pedro, na sequência dum gesto
de partilha de pão e peixe, tendo reconhecido que ele era o Messias, o que ele
próprio prisioneiro confessará diante do tribunal judaico no Templo. Um
terceiro código se cruza frequentemente com este, o das estratégias de Jesus e
dos seus discípulos (que o seguem), das multidões (que o procuram e escutam) e
dos adversários (que tramam a sua perca desde muito cedo). Diante dessas
estratégias, Jesus escolhe a sua, fugir das cidades deixando-se atrair pelas
multidões fora delas, durante a primeira metade do texto, passada na Galileia;
na sequência da confissão de Pedro, decide-se a partir para Jerusalém onde
afrontará os senhores do Templo, refugiando-se em clandestinidade durante a
noite, onde será preso por traição dum dos seus, condenado pela autoridade
romana, executado e sepultado. Uma curta sequência junto do sepulcro dois dias
depois dá-o como ressuscitado e anuncia-o na Galileia. A narrativa é pois a dum
fracasso do Messias que anunciou o fim dos tempos, que teve sempre a precaução
estratégica de escapar aos seus adversários mas acabou apanhado. Questão que
poderá pôr um leitor: porque é que ele foi meter-se na boca do lobo, em
Jerusalém? O texto dá uma resposta a tal questão, fazendo Jesus por três vezes
anunciar o que lhe sucederá, como sofrimento, rejeição e crucifixão, mas depois
levantar-se-á dos mortos. Ora, esta predição do futuro narrativo é contraditória
com o código estratégico e com o que ele supõe de Jesus como alguém que toma cautelas
por não saber o que virá e que obviamente não quer ser morto, contradição aliás
que se manifesta claramente na surpresa total dos discípulos em torno do
sepulcro vazio. <i>É nesta contradição textual que se manifesta a verdade do
texto</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">. Não apenas em relação ao
que se passou 40 anos antes, mas sobretudo em relação ao fim do Templo que
acaba de ocorrer, que um longo discurso de Jesus anuncia, evocando uma
expressão profética sobre uma antiga profanação do Templo: “quando vires a <i>abominação
da desolação</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> erigida onde não
deve – compreende, leitor! – [...]”, este convite ao leitor sendo a chave do
texto, caso raríssimo na Bíblia em que se cita o seu leitor<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn3" name="_ftnref3" style="mso-footnote-id: ftn3;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[3]<!--[endif]--></span></span></a>.
É para o anúncio primeiro, “o tempo cumpriu-se e o reino do Deus está perto”,
que o leitor é chamado, a compreender que Jesus Messias virá brevemente, ele
que dissera que o faria enquanto fossem vivos alguns dos que o conheceram. As
cartas de Paulo mostram que os apóstolos acreditavam que Jesus voltaria em glória
ainda durante a vida deles. Em 70 já tinham morrido quase todos, agora que
também o Templo acabou, não falta mais nada; mas depois da morte na cruz, que
não tenha voltado como Messias foi o segundo grande fracasso (que Lucas procura
adiar <i>sine die</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">)<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn4" name="_ftnref4" style="mso-footnote-id: ftn4;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[4]<!--[endif]--></span></span></a>.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span lang="FR">10.
</span><span style="mso-ansi-language: PT;">Afinal, para o leitor de Marcos,
Jesus não foi o Messias. A verdade deste texto desdobrou-se em seguida, na
procura duma outra <i>resposta</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> ao
clamor do “meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?”, do que as possíveis no
paradigma antropológico hebraico, nem a ressurreição nem o retorno messiânico
que ela supunha. Essa nova resposta, já se esboça nos últimos textos do novo
Testamento, ajudada com terminologia filosófica (Colossenses, Efésios,
Filipenses 2,6-11, evangelho de João) mas desenvolver-se-á no paradigma platónico
de Alexandria, com o que será o dogma da incarnação, afirmado no sec. IV sem a
menor referência à ressurreição nem ao Messias. É certo que Deus e a ressurreição
são fenomenologicamente inverificáveis, que há muitas leituras textuais a fazer
nesta conclusão rápida, não impede que se possa vislumbrar que a <i>verdade de
Marcos</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> permite programar a
verdade da teologia cristã como resposta àquele clamor insuportável. </span><span lang="FR"><o:p></o:p></span></div>
<div style="mso-element: footnote-list;">
<!--[if !supportFootnotes]--><br clear="all" />
<hr align="left" size="1" width="33%" />
<!--[endif]-->
<br />
<div id="ftn1" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref1" name="_ftn1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[1]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span style="font-size: 11.0pt; mso-ansi-language: PT;">Tenho
vários sobrinhos em que a questão se pôs.</span></div>
</div>
<div id="ftn2" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref2" name="_ftn2" style="mso-footnote-id: ftn2;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[2]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;">Publicada em francês em
1974, traduzida em castelhano, alemão e americano. Em resposta ao sucesso duma
ficção célebre sobre o código bíblico, esta leitura foi retida na antologia das
50 obras principais de crítica moderna da Bíblia por um grupo de exegetes de
língua alemã, Thomas_Staubli, </span><span lang="EN-US" style="font-size: 11.0pt; mso-ansi-language: EN-US;"><i>Wer knackt den Code? Meilensteine der
Bibelforschung</i></span><span lang="EN-US" style="color: white; font-size: 11.0pt; letter-spacing: -1.0pt;"><b> </b></span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;"><i>50 Porträts</i></span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;">, Patmos, 2009, Dusseldorf [Quem é capaz de decifrar o
código ? Grandes marcos da investigação bíblica. 50 retratos] 35 anos após
a publicação, foi um consolo incalculável.</span><span lang="EN-US" style="color: white; font-family: "lucidagrande"; font-size: 14.0pt; letter-spacing: -1.0pt;"><b><o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoFootnoteText">
<br /></div>
</div>
<div id="ftn3" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref3" name="_ftn3" style="mso-footnote-id: ftn3;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[3]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;">Além do paralelo de
Mateus, apenas numa carta no início do livro do <i>Apocalipse</i></span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;"> (1,3). <o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn4" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref4" name="_ftn4" style="mso-footnote-id: ftn4;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[4]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;">Tratei da questão de
como se instituiu o dogma cristão da incarnação no texto de 23/02/2018.<o:p></o:p></span></div>
</div>
</div>
<!--EndFragment-->Fernando Belohttp://www.blogger.com/profile/17937204465115284686noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8208352897435046717.post-37742398270045487332018-07-03T15:51:00.001-07:002018-07-11T11:10:04.895-07:00Da fecundidade espiritual<!--[if gte mso 9]><xml>
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<br />
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<span class="Apple-style-span" style="font-size: 27px;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><b>Espiritual e religioso são coisas diferentes<o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>1. O cristianismo é um fenómeno
espiritual e religioso que tem uma relação estrutural à história da filosofia,
mas a consideração que vou fazer sobre essa relação leve-me a começar pela
distinção entre estes dois termos que são habitualmente tidos por facilmente
trocáveis um pelo outro, para em seguida mostrar como filosofia e cristianismo
não são exteriores uma ao outro. Dum ponto de vista antropológico, a <i>religião</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> reenvia para os usos que os antepassados
transmitiram pela aprendizagem das novas gerações (cada uso é justificado ao
antropólogo ‘porque os nossos pais já faziam assim’): não estando já lá,
ausentes, eles têm efeitos presentes na repetição desses usos, assim os rituais
relativos a seres sobrenaturais a reler escrupulosamente (<i>religio</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">: <i>relegere</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, Benveniste). Por outro lado, nas sociedades agrícolas, só os deuses têm
poder sobre a fecundidade dos campos, rebanhos e mulheres, assim como as
vitórias na guerra (ver as bênçãos e maldições do <i>Deuteronómio</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, cap. 28 e do <i>Levítico</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, cap. 26). A religião justifica o estado
actual<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>da sociedade como bendita
(ou não) pelos seus deuses, é <i>holística</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, cobre todos os seus indígenas, os que aprenderam os seus usos, diferentes
dos das sociedades estrangeiras. Foi desta clausura religiosa que, em meados do
milenário antes da nossa época, <i>saíram</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> o que se pode chamar <i>escolas de exercício espiritual</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, como Zaratustra na Pérsia (700-630), Lau-Tseu
(640-517) e Confúcio (551-479) na China, Buda na Índia /543-479), os Profetas
escritores em Israel (sec. VIII-VI), ou mesmo Heraclito, Parménides, Pitágoras e Sócrates na Grécia (sec.VI-V). 'Escola’ significa que, em vez da transmissão
de pais para filhos própria à sociedade, fez-se de mestres em discípulos a de
novos usos de escrita que se tornaram possíveis de continuar de geração em
geração. Eles têm em comum um corte mais ou menos nítido com as tradições
holísticas da sua sociedade, incluindo as religiosas, com as suas maneiras de
se alimentares e de respirarem – é isso, antes de mais, o novo <i>sopro</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> que diz a etimologia da palavra ‘espiritual’ –
com aquilo que nas casas ricas era tido como honra. Se nos limitarmos ao
exemplo de Sócrates, o corte com o saber tradicional é bem marcado pelo “só sei
uma coisas, sei que nada sei”, e no que diz respeito aos desejos de honra que
se abandonam, seja dinheiro, reputação, honra (<i>Apologia</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> 29 e), fortuna, interesses da casa, comandos do
exército, carreira politica, qualquer cargo, laço ou facção politico (<i>Apologia</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> 36b9), os prazeres de comer e de beber, do amor,
a beleza das vestes e do calçado e de outros ornamentos (<i>Fédon</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> 64d-65a), estes desejos sendo substituídos pela
busca da sabedoria e das virtudes, “a coragem, a temperança, a justiça e em
geral a verdadeira virtude, que se adquirem com a sabedoria” (<i>Fédon </i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">69b). Muito poucos se ocupam disso: “libertar a
alma não é, achamos nós, o fim a que os verdadeiros filósofos e apenas eles
aspiram ardente e constantemente?” (<i>Fédon</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> 67d). Há um desgosto das coisas do mundo das casas, uma busca ética
espiritual que não se pode confundir com a religião de todos nem com a sua
moral (os desejos devem seguir os usos ancestrais) que dizem respeito a todos
os cidadãos e a todas as instituições, nomeadamente as que dizem respeito à
educação da juventude.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>2. Este tipo de fenómeno, na sua
marginalidade, implica portanto a <i>escrita</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> de textos que se lêem e meditam; não foi<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>possível senão um certo limiar de cosmopolitismo, em que uma
certa diversidade de textos e a sua publicação em Atenas, em meados do sec V,
gerou debates sobre a avaliação dos saberes tradicionais e das escolhas (<i>heresias</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, nome das escolas filosóficas e dos cultos
orientais no helenismo, entre os quais o cristianismo dos primeiros três
séculos). Com o enfraquecimento da religião holística ancestral que ele veio a
substituir, a sua distinção em relação às outras escolas espirituais tornou-se
difícil pelo desaparecimento desta pluralidade com o colapso das grandes
cidades romanas do ocidente. Dois índices de como o cristianismo veio a sofrer
uma mutação de escola espiritual em religião: a regra para se tornar cristão
deixa de ser uma conversão espiritual dos costumes seguida de baptismo, este
torna-se o rito religioso social de nascimento dos bebés; desde o sec IV, a
instituição eclesiástica será incessantemente transbordada nas suas margens por
movimentos espirituais de adultos que se convertem a uma vida de ascese em
relação às honras sociais, uns integrados em seguida (mosteiros, conventos),
outros combatidos enquanto ‘heresias’, nos sois casos o motor desses movimentos
sendo a leitura das Escrituras. A dizer verdade, até à Reforma de Lutero, o
cristianismo não será uma ‘religião do livro’, já que este é escondido em latim
(até meados do sec XX no catolicismo, ainda testemunhei na minha juventude
desta ‘descoberta’ da Bíblia).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><b>Filosofia e cristianismo</b></span><span lang="FR" style="color: #444444;"><b>
<o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="FR" style="color: #444444;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>3. Pierre Hadot mostrou como as filosofias
grega e helenística relevavam do espiritual. Sócrates, disse Aristóteles,
inventou a <i>definição </i></span><span lang="FR" style="color: #444444;">;
os primeiros diálogos </span><span style="mso-ansi-language: PT;">de Platão
mostram-no a ajudar os jovens a descobrir por eles mesmos a boa definição das
principais virtudes, de maneira a que em seguida possam vivê-la. No <i>Ménon</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> (71d-72c), onde se encontra uma definição de
‘definição’ (sem o termo), é a de virtude que serve de exemplo. No <i>Parménides</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, espantosa ficção do velho pensador eleata face
ao jovem Sócrates, ficção essa que cobre a discussão dos argumentos do jovem
Aristóteles<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn1" name="_ftnref1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[1]<!--[endif]--></span></span></a>, crítico das Formas ideias do seu mestre: “começaste muito cedo, Sócrates, antes de
estares exercitado, a definir (<i>horizesthai</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">) o belo, o justo, o bom e cada uma das outras formas” (135c), sublinhando
portanto como essas Formas eternas eram o resultado da definição<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn2" name="_ftnref2" style="mso-footnote-id: ftn2;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[2]<!--[endif]--></span></span></a>.
A alma imortal é o correlato quer desta definição quer destas Formas ideais,
como se deduz desta citação: “quando a opinião realmente verdadeira e firme
sobre o belo, o justo, o bem e os seus contrários se produz nas almas, eu digo
que é o divino que nasce numa raça de demónios” (<i>Politico</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> 309c). Neste pensamento intelectual e espiritual
são inseparáveis, como testemunham as escolas do platonismo e do
neo-platonismo do império romano, foi o que tornou próximos filosofia e
cristianismo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>4. Este vem contudo dum outro
horizonte, duma antropologia hebraica totalmente estrangeira ao platonismo,
como mostra um parágrafo da primeira carta de Paulo aos cristãos de
Tessalónica: “nós, os que estaremos ainda vivos para a Vinda do Senhor [...]
seremos reunidos [...] e levados em nuvens para encontrar o Senhor Jesus nos
ares” (1Th 4,15-17), a bem-aventurança imortal, com ressurreição dos mortos
entretanto, sendo concebida como uma ascensão colectiva da terra para os céus;
este imaginário apocalíptico ilustra bem a ausência da oposição alma / corpo na
antropologia hebraica e no novo Testamento cristão, que se escreveu em torno do
motivo da ressurreição do Messias Jesus, obviamente incompatível com Platão<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn3" name="_ftnref3" style="mso-footnote-id: ftn3;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[3]<!--[endif]--></span></span></a>.
Ora, o inicio da última carta de Paulo, aos cristãos de Roma (1,1-4), mostra
como este obstáculo pôde ser contornado: “Paulo, escravo do Messias Jesus [...]
nascido da semente de David segundo a carne, definido (<i>horisthenos</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">) filho de Deus em potência segundo o sopro de
santidade pela ressurreição dos mortos de Jesus Messias o senhor nosso”.
Traduzido habitualmente por ‘constituído’ ou ‘estabelecido’, <i>horisthenos</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> é o particípio aoristo do verbo <i>horizesthai </i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">(<i>definir</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">) que se citou acima no <i>Parménides</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, o que significa que Paulo era suficientemente conhecedor de helenismo
para ser capaz de transpor o ente celeste hebraico (o Messias que virá
brevemente dos céus) no ente celeste grego, o <i>Filho de Deus</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> concebido como uma Forma ideal do platonismo.
Este título é com efeito desconhecido da tradição bíblica hebraica (Deus nunca
é dito ‘Pai’ dos Israelitas)<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn4" name="_ftnref4" style="mso-footnote-id: ftn4;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[4]<!--[endif]--></span></span></a>.
Que o obstáculo tenha sido contornado por este motivo grego de Filho de Deus<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn5" name="_ftnref5" style="mso-footnote-id: ftn5;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[5]<!--[endif]--></span></span></a>,
mostra-se na leitura do primeiro grande texto sistemático de teologia cristã, o
<i><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Peri Archôn</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> de Orígenes de Alexandria (escrito cerca de 315).
Esta história é lida habitualmente em termos de continuidade entre os textos
judeo-cristãos e Orígenes, mas a ruptura é bem evidente: a dizer verdade, não é
o jovem cristianismo que usa a linguagem filosófica grega, mas o discurso
platónico, velho dos seus seis séculos, que se apropria destes jovens textos
‘orientais’ e lhes aplica uma <i>redução<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn6" name="_ftnref6" style="mso-footnote-id: ftn6;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[6]<!--[endif]--></span></span></a></i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> completa, por assim dizer, de tudo o que neles é
narrativo, corporal, relevando dos sentidos, isto é “indigno de Deus”. Já não é
questão de Messias (a figura escatológica entrou em discrédito porque não se
realizou, ficou adiada), o capítulo a que um editor posterior deu como título
“O Cristo” não fala senão do Filho e da Sabedoria na Trindade. Para abreviar, <i>a
teoria trinitária e da incarnação não pôde ser concebida senão em meio grego,
com motivos filosóficos</i></span><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn7" name="_ftnref7" style="mso-footnote-id: ftn7;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[7]<!--[endif]--></span></span></span></a><span style="mso-ansi-language: PT;"><i>.</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> Todavia, o Deus dos filósofos (Platão, Aristóteles, Plotino) ignorava o
que se passa no mundo terrestre dos humanos, ele será enxertado com o Deus
bíblico que criou o mundo e conhece cada l´írio e cada passarinho, cada cabelo
humano, constituindo com a alma imortal a estrutura de base da teologia cristã
até hoje, dando ao que Heidegger chamou <i>ontoteologia</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> – a partir de Platão – a nitidez dum criador que
tem cada uma das suas criaturas diante de si. Que Nietzsche tenha dito que “o
cristianismo é platonismo para o povo” (prefácio de <i>Para além do bem e do
mal</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">), descontando o seu desprezo
por estes três termos, permanece um belo elogio: que uma mulher e um escravo
cristão acreditassem ter o Deus do Universo presente na sua alma, tornando-os
por vezes capazes de resistirem ao marido ou ao patrão, é algo de inaudito dum
ponto de vista histórico. Desaparecido o Messias, a Bíblia continuará a ser
lida na liturgia (em latim), mas se a filosofia espiritual de Platão não se
tivesse apoderado do cristianismo, este teria tido a sorte dos cultos que lhe
foram contemporâneos; só que também não haveria filosofia, já que foi o
cristianismo que a levou nas suas bagagens conceptuais: eles não são exteriores um
à outra, sem a sua simbiose não haveria Europa.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">5. O platonismo agostiniano era válido para
monges, camponeses e guerreiros, deixava de ser suficiente para as comunas de
artesãos e mercadores donde sairá a Europa, a qual terá necessidade de
Aristóteles – <i>a redução dele já não é a dos corpos mas, menos brutal, a dos
seus acidentes</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> –, duma razão
capaz de pensar as coisas da Terra, capaz de permitir de abrir o laboratório de
Galileu e de Newton. A estrutura da <i>Summa Theologi</i></span><span lang="FR"><i>æ
</i></span><span lang="FR">de Tomás de Aquino mostra como esta teologia é </span><span style="mso-ansi-language: PT;">amassada de razão filosófica: cada artigo (tem
mais de 3000) é estruturado por três objecções à questão do seu título, seguido
do argumento de autoridade teológica, seja bíblico, seja conciliar, seja dum
Padre da Igreja,, isolado num <i>sed contra</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> que decide no que diz respeito à adesão de fé mas sem intervir nos
raciocínios que se seguem, primeiro a demonstração da tese, em seguida a
refutação das três objecções iniciais: os argumentos, tanto as objecções como a
demonstração e as refutações, são todos de ordem exclusivamente filosófica: <i>a
Suma é um tratado filosófico sobre dados da fé.</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> Ela guardará todavia a alma imortal, que será
despedida por Kant – com o Deus e a substância dos númenos, o triplo pilar da
ontoteologia – e substituída por um sujeito voltado para o mundo,
permanecendo-lhe todavia oposto no sujeito / objecto e nas representações de um
no outro que circulam ainda facilmente (ontoteologicamente) em numerosos
discursos actuais, tanto filosóficos como científicos. A viragem no entanto foi
iniciada pelo <i>ser no mundo</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">
heideggeriano: é a dogmática grega do cristianismo que ora desaparece, tal como
em Orígenes as narrativas bíblicas desapareceram da teologia.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><b>Que futuro?</b></span><span style="mso-ansi-language: PT;"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>6. Desaparecem então o cristianismo e
as outras grandes religiões? Não se o pode prever. Encontramo-nos numa situação
cosmopolita que se parece, em certos aspectos, ao do império romano que conseguiu
acabar com as guerras no seu interior com o preço da evacuação do politico, o
que por seu lado trouxe o enfraquecimento da religião cívica e a proliferação
de escolas e de cultos espirituais. O que hoje ocupa o lugar do império é o que
Heidegger diagnosticou desde cedo como o <i>Ge-stell</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, esta estrutura técnico-financeira que está a
globalizar o planeta humano, em que nós temos o nosso emprego algumas horas por
dia numa interdependência que aboliu as fronteiras e reduziu a potencia dos
Estados nações como outrora a das autoridades locais toleradas por Roma, mas
sem haver imperador, nem cabeça, nem mesmo o Capital a tem, apesar do seu nome<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn8" name="_ftnref8" style="mso-footnote-id: ftn8;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[8]<!--[endif]--></span></span></a>.
Entra-se nele pela escola holística e pelos livros e impressos, toda a gente
sendo em seguida ‘chamada’ (a <i>ekklesia</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> era a assembleia dos ‘chamados’, convocados) pelo espectáculo incessante
dos médias de qualquer tipo, músicas, imagens em movimento, vozes
publicitarias, “the médium is the message” de Mac Luhan significando talvez que
são os médias que substituem o holístico das religiões, o novo <i>ópio do povo</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> (com divertimento, não é necessariamente
pejorativo, os livros foram os primeiros médias), este espectáculo que compensa a disciplinação
que os empregos do <i>Ge-stell</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">
nos impõem, rotina que nos magoa. Se se pode pensar que, juntamente com o
desporto de multidões, é este conjunto que ocupa hoje o lugar holístico das
religiões, não pareee que se possa argumentar filosoficamente sobre o
desaparecimento destas, apesar da sua perca de velocidade: a metafísica acabada
(Heidegger), poderá a filosofia argumentar sobre a sua desaparição, a da alma e
da esperança dum além da morte ou, pelo contrario, argumentar sobre a sua
sobrevivência? As doenças que não regridem tão depressa como se quereria, os
sofrimentos sociais impiedosos e a sua desproporção com o luxo manifestado
pelos médias, continuarão o seu papel em favor da consolação religiosa que
exploram os fundamentalistas? Pode-se pelo contrario argumentar em termos
filosóficos em favor da sobrevivência espiritual do cristianismo, sem poder fazer
nenhuma previsão, se for verdade que “o vento, o <i>pneuma</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, sopra onde quer (<i>João</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> 3,8), o próprio cosmopolitismo abre-lhe vazios
favoráveis, de que são testemunhas, por exemplo, as teologias de libertação,
mas também muitas vidas anónimas de cristãos dedicados a causas difíceis. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><b>A questão da fecundidade</b></span><span style="mso-ansi-language: PT;"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>7. Comparado com as cosmogonias
vizinhas, o primeiro capítulo da Bíblia (da sua última mão, cerca de um século
antes de Sócrates) é um texto ritmado (6 dias, 10 palavras) por uma razão que
não é inferior ao <i><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Timeu</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> de Platão. A luz, as plantas e as suas sementes,
os animais do mar, dos ares e da terá, o casal dos humanos, a palavra que <i>abençoa</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, isto é: “sede fecundos, multiplicai-vos” (Gn
1,22,28), tudo é declarado “bom” (7 vezes), com esta particularidade que tanto
os humanos como os animais são criados herbívoros, como se a lei da selva
carnívora fosse incompatível com esta bondade da criação<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn9" name="_ftnref9" style="mso-footnote-id: ftn9;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[9]<!--[endif]--></span></span></a>.
Dt 28 e Lv 26 já citados, confirmam a lição de Gn 1: <i>a bênção é a
fecundidade</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">. Não é de admirar, a
riqueza em todas as sociedades de antes da indústria releva essencialmente da
fecundidade das sementeiras, plantações e rebanhos, sem que os humanos possam
remediar à falta dela, é por isso sem dúvida que ela é uma das chaves das
mitologias. Os herdeiros das casas ricas também dependem dela: em <i>Os Sete
contra Tebas</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> 746 de Esquilo, a
razão da maldição que caiu sobre a casa de Laio, pai de Édipo, foi a
insistência da sua demanda dum filho, que terá querido forçar a mão do Deus. Na
Bíblia, o Deus mostra o seu poder fecundando uma velha estéril, Sara, dando em
Isaac uma descendência a Abraão (Gn 18,9-15), e depois uma outra mulher
estéril, Ana, cujo filho, Samuel, será o profeta que escolherá o rei David (1
Sam 1); depois doutra velha estéril, Isabel, mãe de João o Baptista (Lc
1,5-25), o último é o caso mais conhecido, pois que, para sublinhar o futuro Messias,
Jesus nem sequer terá pai humano<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn10" name="_ftnref10" style="mso-footnote-id: ftn10;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[10]<!--[endif]--></span></span></a>.
<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>8. Platão não parece ter ficado muito
espantado com a fecundidade, esses entes que nascem e morrem, geração e
corrupção, é o que lhe inspiram repugnância e o leva a procurar Formas ideais
eternas: a eternidade levou largamente a melhor sobre a fecundidade na tradição
filosófica greco-europeia. E no entanto, não há algo de escandaloso para a
compreensão que uma pequena semente se possa tornar uma árvores frondosa? Não
há um poder, uma <i>archê</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> da <i>phusis</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, nestes esntes vivos em que do menos sai o mais?
É um dos grandes espantos da <i>Physica</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> de Aristóteles, que ele consegue compreender como seu motivo da <i>ousia</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, que muda de acidentes sem deixar de ser a mesma
substância (<i>ousia primeira</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">) e
da mesma essência (<i>ousia segunda</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">) que os da sua espécie. Todas as coisas têm uma causa, é o grande motivo
do pensamento grego: a mesa, foi um marceneiro que a fez, mas os vivos têm o
movimento por eles mesmos (<i>kath’autôn</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">), eis o grande espanto. Também do lado bíblico, por exemplo esta pequena
parábola em <i>Marcos</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> – “[...] um
homem que terá lançado a sua semente na terra: enquanto dorme e se levanta, de
noite e de dia, a semente germina e cresce, <i>sem que ele saiba como</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">; por ela mesma, a terra produz primeiro a erva,
depois a espiga, depois esta cheia de trigo; e quando o fruto está prestes,
logo ele vem com a foice, porque a colheita está pronta” (4,26-29) – que conta
o trabalho agrícola, a fecundidade da terra sem que o semeador saiba como, a
que ecoa Paulo (argumento sobre a ressurreição): “tu semeias [...] um grão nu,
de trigo, por exemplo, ou de qualquer outra semente, e o Deus dá-lhe um corpo
como quer, a cada semente o seu corpo” (1Co 15,37-38). O que o camponês não
sabe, é ‘a terra dela mesma’, o Deus que tem o segredo da terra e da semente.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>9. Platão sabe todavia alguma coisa,
pois que quando quer falar da relação entre a experiência interior (de pensar)
e o seu discurso exterior, uma que não se vê e outro que se ouve, o único
recurso que parece ter ao seu alcance – sublinhado por Derrida, no seu texto
célebre <i>La Pharmacie de Platon</i></span><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn11" name="_ftnref11" style="mso-footnote-id: ftn11;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[11]<!--[endif]--></span></span></span></a><span style="mso-ansi-language: PT;"> – é justamente a relação entre o pai que pensa e
o seu filho, o <i>logos</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, em
oposição com o texto escrito, bastardo e órfão. O pai pode sempre responder
pelo seu filho, pela sua palavra viva, ao contrário do escritor que já não está
lá. O parentesco é a vida, a sua fecundidade, o que vem dela mesma, o que é
espontâneo, com acento sempre no interior, como convém a um pensador<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn12" name="_ftnref12" style="mso-footnote-id: ftn12;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[12]<!--[endif]--></span></span></a>.
E é ainda o que mostra a importância do ‘género’ – <i>genos</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">: nascimento, família, linhagem, raça, geração –,
motivo filosófico e lógico que pensa a multiplicidade das coisas do mundo,
submetidas ao nascimento e à morte, ao movimento e ao tempo, à geração em suma.
Ora, é o mesmo gesto, <i>mutatis mutandis</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, de Paulo quando ele quer dizer a <i>potência </i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">do Messias ressuscitado na sua própria obra, dele
Paulo – “eu plantei, Apolo [outro pregador cristão] regou, mas foi o Deus que
deu o crescimento” (1Co 3,6) –, <i>definindo-o</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> “filho de Deus em potência”, o que adiante
esclarece dizendo “o seu Filho, para ser ele próprio o primogénito de muitos
irmãos” (Ro 8,29): muito fecundo, não em filhos como o Pai, mas em irmãos.
Potência é a fecundidade, a qual é sempre o segredo do Pai.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><b>O enigma da aprendizagem: o aprendido prendeu o aprendiz</b></span><span style="mso-ansi-language: PT;"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>10. Este empréstimo metafórico da
fecundidade biológica pela cena do pensamento filosófico e pela acção
missionária cristã leva a interrogar a instituição da cena social, o como da
aprendizagem da linguagem e dos outros usos tribais, o que os sociólogos chamam
a socialização dos indivíduos, o que permite relevar o interesse do motivo heideggeriano
do <i>ser no mundo</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> (em <i>Ser e
Tempo</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">) e o de <i>retiro do Ser</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, tornado em 1962 (<i>Tempo e Ser</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">)</span><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn13" name="_ftnref13" style="mso-footnote-id: ftn13;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[13]<!--[endif]--></span></span></span></a><span style="mso-ansi-language: PT;"> o do <i>Ereignis</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> (Acontecimento ontológico que doa os
acontecimentos ônticos), da doação que <i>deixa ser</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> o que é dado em sua autonomia temporal. O que
está em jogo é o seguinte: como é que tal uso triabal, seja a linguagem, que já
está lá, ancestral, anterior à criancinha, se torna o seu uso, tão hábil e
espontâneo que ele o sente como seu, dizendo ‘eu...’, pensando, sonhando,
decidindo, empreendendo tal ou tal obra, útil ou artística. Como é que este
‘interior’ que o bebé ainda não tem, reino de toda espiritualidade, é
construído a partir do exterior tribal, dos seus pais e parentes, vizinhos e
colegas? Há muitas regras na língua, bastante precisas e complexas,
aprender-se-ão as mais importantes na escola bem mais tarde, mas aprende-se a
falar sem as conhecer, fala-se sem lhes poder dar atenção, ainda que se seja
linguista, <i>são elas que tomam posse</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> daquele que se tornará pouco a pouco um falante na sua voz inédita, que
não imita a dos outros, adultos ou velhos ou do outro sexo, todas diferentes.
Em ‘a-prender’ há um ‘prender’ a criança, um laço que liga nela o que será
preciso para que ele possa falar por si mesmo, espontaneamente, com habilidade,
exercer com autonomia a linguagem do seu mundo, <i>devir</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> (aprendendo outros usos também) <i>o ser no mundo
que ele não era</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> (antes, era um
‘ser no seio da sua mãe’). Este ‘prender’ não é todavia uma ‘prisão’ devida aos
que lhe ensinaram, que é certo que <i>participam</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> daquilo que foi aprendido como <i>o mesmo</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, as regras da língua, condição da linguagem como
capacidade de entendimento, de comum. Esta ‘parte’ dos mestres no aprendiz é um
laço também, é preciso todavia que eles se apaguem, que a doação deles – <i>heteronomia</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> – desapareça, <i>se retire</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, para que haja <i>autonomia</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, não permaneçam deles senão as <i>traces</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> (em francês), rastos, vestígios (portanto não é
uma prisão). Derrida levou um pouco mais longe o que aqui se faz a partir de
Heidegger: esta aprendizagem da linguagem faz-se por <i>redução fenomenológica</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> da empiricidade das vozes dos que ensinam para
que o aprendido se manifeste numa voz outra, inédita,<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>criada pelo jogo das diferenças linguísticas (entre as
diversas vozes: o ‘signifiant’ de Saussure), jogo que só existe em vozes, é
claro. Enigma da <i>différance</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">,
economia do mesmo (a língua que se aprende) e excesso do singular (as vozes e
suas falaas), apagamento dos mestres para que o aprendiz fale pela sua voz e
cabeça. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>11. Este enigma pode ser abordado
assim. Aprender implica a <i>passividade</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> daquele que antes não sabia, mas o aprendido é a sua <i>actividade</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, na sua voz, sem que entre os dois, passivo e
activo que durarão no tempo, se possa decidir, por exemplo primeiro passivo e
depois activo: este duplo laço – de voz e de pensamento, entre o quer fala e os
com quem aprende – permanecerá o tempo todo da vida, a lei tribal e a do
falante, que será corrigida pela primeira e deverá afirmar-se frequentemente
face a ela, ganhar distância, dissimulando e enganando, gritando se for
preciso, por vezes deprimindo-se talvez. Os mestres permanecem em retiro nos
discípulos como seus antepassados, <i>sem que eles saibam como</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> (os sonhos testemunham-no). O dualismo entre o
inteligível e o sensível foi uma (de) cisão devida à definição, historicamente
necessária, sem dúvida, deste duplo laço, corte entre a alma, depois o sujeito,
por um lado, e do outro o corpo, o mundo, os outros: substancializou-se o que
foi a lenta construção duma diferença duplamente ligada, em que nenhum é sem o
outro. A reminiscência é proposta no <i>Ménon</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> expressamente contra a aprendizagem, esta sendo manifestamente inadequada
a dar conta das grandes experiências de pensamento que justamente ultrapassam
tudo o que o pensador aprendeu, aquilo que se atribui aos deuses (citação do <i>Politico</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, § 3). Se foi sobre este enigma que esbarraram
Platão. Aristóteles, Descartes, Kant, Husserl, ou mesmo Heidegger, haveria
que perceber a indicação de que ela deve restar enigmática, fora da alçada da
definição filosófica e da determinação laboratorial. Aprendemos ao longo das
nossas vidas; este belo enigma dos grafos</span><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn14" name="_ftnref14" style="mso-footnote-id: ftn14;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[14]<!--[endif]--></span></span></span></a><span style="mso-ansi-language: PT;"> e das suas sinapses que de aprender se fazem</span><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn15" name="_ftnref15" style="mso-footnote-id: ftn15;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[15]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR" style="mso-ansi-language: PT;"> </span><span lang="FR">–</span><span style="mso-ansi-language: PT;"> imprimidas de fora nos neurónios (passividade),
elas são no entanto a actividade deles </span><span lang="FR">–, base da nossa
livre individualidade simultânea com a nossa socialização</span><span style="mso-ansi-language: PT;">, as duas indissociáveis, como se disse, é nesse
enigma que reside a fecundidade essencial das sociedades humanas, que lhes
permite prosseguirem no fio das gerações, <i>o próprio da fecundidade sendo ser
generosa.</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><b>A fecundidade torna-se espiritual</b></span><span style="mso-ansi-language: PT;"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>12. Em certos humanos, todavia, o enigma pode tornar-se mais enigmático quando lhes sucede deixarem de suportar os
usos aprendidos, que se tornam muito pesados para os seus desejos, quando são
levados a fugir dos limites da sua clausura tribal<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>imanente, religiosa outrora, mediática nos dias de hoje.
Porque os usos sendo hierarquizados, inclinam para ocupar os melhores lugares, <i>aqueles
em que possam fazer-se invejar</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">: é
aonde o ‘prender’ do aprendido se torna muitas vezes ‘prisão’. Há nos
evangelhos sinópticos três fórmulas de oposições que podem ajudar a entender o
que está aqui em questão: “Deus e o Dinheiro”</span><span class="MsoFootnoteReference"> <a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn16" name="_ftnref16" style="mso-footnote-id: ftn16;" title=""><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[16]<!--[endif]--></span></span></a></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, “Deus e César”<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn17" name="_ftnref17" style="mso-footnote-id: ftn17;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[17]<!--[endif]--></span></span></a>,
“Deus dos vivos e Deus dos mortos”<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn18" name="_ftnref18" style="mso-footnote-id: ftn18;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[18]<!--[endif]--></span></span></a>.
Trata-se de emblemas feitiços aprendidos, é certo, mas jogando por vezes com
uma força tal que não se apagam, permanecem heteronomia explícita que insiste
constantemente: tens que tornar-te rico, que dissimular face aos concorrentes
de cada dia, brigar pelos melhores lugares, cultivar astúcias como saber
experimentado. Cada um compreenderá o que pode vir um dia fazer nele
reviravolta – sucedeu a inúmeros homens e mulheres ao longo da história, não
apenas na tradição ocidental, longe disso – e fazê-lo romper com a clausura
social <i>imanente</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> aos usos
estabelecidos em torno desses feitiços, a ruptura dita <i>metanóia</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, conversão, mudança dos usos para maior ligeireza
na alimentação e na respiração. A espontaneidade devem ligeira, a habilidade
busca desapropriar-se das apropriações dos desejos pelos feitiços sociais,
ascese, esse longo trabalho do seu apagamento em vista duma espécie de
ingenuidade ética para a bondade, a clareza, a justeza da justiça, a temperança,
que sei eu? O sinal dessa liberdade encontrada é a alegria do novo caminhar. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="FR"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>13. Na antropologia hebraica do novo
Testamento, esta ruptura foi compreendida </span><span style="mso-ansi-language: PT;">pelo anúncio – boa nova, alegrai-vos – da iminência do fim dos tempos, que
o imaginário apocalíptico de Paulo aos Tessalonicenses (§ 4) ilustra como a <i>transcendência</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, maneira bíblica que implicaria a saída da Lei de
Moisés pela fé no Messias ressuscitado. A decepção das gerações seguintes fez
sem dúvida tanto para parar a conversão dos Judeus como para precipitar os
Cristãos para a alma imortal de Platão, que permitia escapar à clausura social
do império romano, tal como outros cultos faziam à maneira deles. O que se
chama <i>transcendência</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, se for
concebida <i>em relação à imanência social, religiosa ou imperial</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, será verificável nessas experiências excessivas
da alma, que aliás recomeçarão com o devir religião oficial do cristianismo, os
monges místicos do deserto, mosteiros, <i>devotio moderna</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, Reforma e seus posteriores <i>revivals</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>14. Actualmente, quando se torna
filosoficamente difícil, senão impossível, crer na criação, na ressurreição, na
incarnação, no céu / inferno das almas, esta escapadela espiritual pode
revestir aspectos muito diversos, de dedicação social (cada vez mais sem
referência cristã), artística ou outra. Como reconhecer o espiritual: a ruptura
com os feitiços torna-se manifesta na <i>fecundidade em torno de si que
transborda além das suas forças pessoais, na pobreza e nudez dos seus meios. </i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">O espiritual cristão terá na leitura dos textos
bíblicos uma referencia importante, qualquer que seja a sua posição face às
confissões integradas. Ora, o que se lê neles implica como apelo espiritual
predominante o amor do próximo como a si mesmo, que tanto é a coisa mais
difícil do mundo como está ao alcance de quem quer que seja, pobre ou rico,
cultivado ou analfabeto. A compreensão deste apelo pode conduzir à avaliação
dos desejos oprimidos dos que são chamados ‘os pobres’, os sem tribo. Paradoxo
da fecundidade: deixa-se a tribo para se esforçar por a devolver a outros, dela
excluídos. Se há um enigma da aprendizagem da fecundidade social, há um
sobre-enigma da desaprendizagem para uma fecundidade de outra ordem, ética. Se
com Derrida, se falou de <i>trace</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> (rasto) para o aprender dum duplo laço, o da sua espontaneidade e o que o
liga aos mestres apagados, retirados, aqui haverá que evocar Levinas que, a
propósito do santo, falava dum <i>rasto diacrónico</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, dum “passado que não foi nunca presente”, isto
é, que não conhece a sincronia da aprendizagem. A filósofa Fernanda Bernardo
define assim: “o seu desígnio é de pensar como a inquietação, o sobressalto, o
cuidado obsessivo do sujeito pela sorte do outro, se faz sentir <i>nele mesmo,
independentemente da sua vontade</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">”</span><span class="MsoFootnoteReference"> <a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn19" name="_ftnref19" style="mso-footnote-id: ftn19;" title=""><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[19]<!--[endif]--></span></span></a></span><span style="mso-ansi-language: PT;">. Não se poderia dizer melhor.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>15. Conhecer a alegria dada pela
ascese dos feitiços, a liberdade de se tornar ‘pobre’ pelo sopro que vos
prende, fecundos além do que podeis, tal é o desenho do discurso da montanha de
<i>Mateus 5-7</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> que começa dizendo
“felizes vós, pobres porque entregues ao sopro (ao espírito)” e termina com a
imagem duma casa construída sobre rocha que a tempestade não desfaz. <o:p></o:p></span><br />
<span style="mso-ansi-language: PT;"><br /></span>
<span style="mso-ansi-language: PT;">O original francês deste texto foi publicado em </span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;"><i>Noesis. Nº 24-25, Philosophie et Religion aujourd’hui</i></span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;">, automne 2014 – printemps 2015, pp. 141-153</span><br />
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<!--StartFragment-->
<span lang="FR" style="font-family: "times new roman"; font-size: 11.0pt;">Revue philosophique du Centre de Recherche
d’Histoire des Idées (dirigée par Pierre-Yves Quigier) de l’Université Nice
Sophia Antipolis </span><!--EndFragment-->
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><b>P. S. – Sobre o Criador</b></span><span style="mso-ansi-language: PT;"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="tab-stops: 3.0cm; text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>16. A história do
cristianismo diz respeito a gente que acreditava num Criador e esperava na sua
ressurreição no final do mundo, mais tarde que a alma deles viesse à presença
do Criador após a sua morte. Esta mitologia duma vida eterna no céu após uma
vida justa na terra já não é a nossa, de neurologias sem ‘almas’. A criação é
um antropomorfismo do obreiro humano para compreender a espantosa fecundidade
dos seres vivos: obrou o conjunto do céu e da terra, que já está sempre cá
antes dos humanos e de todas as coisas, vivas ou não. Criador de entes, como
dizem os filósofos, das coisas que se vêm e se tocam; como pensá-lo enquanto
criador de células e das suas moléculas complexas e frágeis, pedindo um metabolismo
incessante para se refazerem, ou então dos átomos e das suas partículas
fugazes, toda esta população que Bohr chamava “seres de laboratório”? Por outro
lado, este deslocamento antropomórfico depende duma concepção da causalidade de
tipo substancialista, que encontra o seu efeito específico no que hoje em dia
se chama <i>acontecimentos</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, cuja <i>imotivação</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> pediria uma determinação ‘metafísica’. Ora,
segundo Derrida, o que está em jogo em qualquer acontecimento – no limite, tudo
é acontecimento, a rotina sendo o seu grau zero – é “a unidade do acaso e da
necessidade num cálculo sem fim” (<i>Marges. De la Philosophie</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, p. 7), o que um automóvel pode ilustrar,
fabricado em laboratórios físicos e químicos segundo <i>regras rigorosas</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> em vista de fazer <i>percursos aleatórios</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">. Igualmente, qualquer animal na cena ecológica, a
sua bioquímica bem regulada pulsiona-o à busca aleatória doutro vivo para
comer, devendo fugir por sua vez de ser comido. Não tem importância alguma que
um biólogo seja ou não crente, o que ele tem é que fazer biologia: não é
necessária nenhuma grande Causa neste jogo de acasos e necessidades indissociáveis
(a própria noção de ‘regra’ ou ‘lei’ implica que ela joga em situações
aleatórias). Acrescente-se que é difícil de pensar a bondade dum Criador dos
vivos que tenha posto como regra da vida animal (ciclo biológico da reprodução
do carbono, elemento necessário de qualquer molécula dos vivos: fotossíntese
das plantas, herbívoros que as comem e são comidos pelos carnívoros) que a
sobrevivência do leão dependa da morte da gazela e esta da fome do leão, em que
vence o mais forte ou o mais astuto. Foi desta <i>lei da selva</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> que as sociedades humanas herdaram a sua
violência tecida de força muscular e de astúcia, a chamada questão do mal.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="mso-element: footnote-list;">
<!--[if !supportFootnotes]--><br clear="all" />
<hr align="left" size="1" width="33%" />
<!--[endif]-->
<br />
<div id="ftn1" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref1" name="_ftn1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[1]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span style="font-size: 11.0pt; mso-ansi-language: PT;">“Foi uma
observação que fiz no outro dia, ao ouvir-te-discutir aqui mesmo com o nosso
amigo Aristóteles”.</span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;"><o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn2" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref2" name="_ftn2" style="mso-footnote-id: ftn2;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[2]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;">Cf. no mesmo sentido <i>Metafísica</i></span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;"> 1078b18-34.<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn3" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref3" name="_ftn3" style="mso-footnote-id: ftn3;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[3]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;">Como mostra o fracasso
da pregação de Paulo em Atenas (<i>Actos dos Apóstolos, </i></span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;">17,22-33).<i><o:p></o:p></i></span></div>
</div>
<div id="ftn4" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref4" name="_ftn4" style="mso-footnote-id: ftn4;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[4]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;">É provável que seja
invenção de Paulo, que dele veio aos outros textos do novo Testamento.<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn5" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref5" name="_ftn5" style="mso-footnote-id: ftn5;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[5]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;">É</span><span style="font-size: 11.0pt; mso-ansi-language: PT;"> o único título usado pelos
textos cristãos do sec II dirigidos a figuras de intelectuais pagãos, onde nem
sequer figura o nome de Jesus: é o caso de <i>A Diogneto</i></span><span style="font-size: 11.0pt; mso-ansi-language: PT;"> (125-6), Aristide (125), Quadratus
(idem), <i>Pastor</i></span><span style="font-size: 11.0pt; mso-ansi-language: PT;"> de Hermas (meados do sec II), Taciano (idem), Atenágoras (176).</span><span lang="FR"><o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn6" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref6" name="_ftn6" style="mso-footnote-id: ftn6;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[6]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;">Usando uma verdadeira
máquina de transposição de sentidos entre narrativas e textos gnosiológicos, o
sentido literal mudando para anagógico ou moral ou espiritual.<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn7" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref7" name="_ftn7" style="mso-footnote-id: ftn7;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[7]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;">Paulo ignora a
incarnação (<i>Filipenses</i></span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;">
2,6-11 é ume interpolação gnóstica do século seguinte), <i>João</i></span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;"> tornou-se de muito difícil interpreatção,
devido ao peso da dogmática do sec IV.<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn8" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref8" name="_ftn8" style="mso-footnote-id: ftn8;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[8]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;">Gorbachov, de Klerk e
Mandela foram talvez os últimos políticos que conseguiram mudar o mundo deles.<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn9" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref9" name="_ftn9" style="mso-footnote-id: ftn9;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[9]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;">Gn 9,3, após o dilúvio,
alarga a alimentação humana aos animais, excepto o sangue (§ 14n).<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn10" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref10" name="_ftn10" style="mso-footnote-id: ftn10;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[10]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;">Foi apenas no contexto
do platonismo e do maniqueismo, no sec III, que será interpretado o nascimento
virginal em termos de sexualidade, Maria sempre Virgem, apesar dos evangelhos
mencionarem os numerosos irmãos de Jesus, incluindo Tiago, autor duma das
epístolas. Não se trata, como se costuma dizer, duma moral judeo-cristã, mas
irano-greco-cristã.<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn11" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref11" name="_ftn11" style="mso-footnote-id: ftn11;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[11]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span lang="FR" style="font-size: 10.0pt;">In <i>La Dissémination</i></span><span lang="FR" style="font-size: 10.0pt;">, Seuil, 1972<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn12" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref12" name="_ftn12" style="mso-footnote-id: ftn12;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[12]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;">Que irá em todo o caso
até ao ponto de escrever no <i>Sofista</i></span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;"> (263 e) que o pensamento da alma consigo mesma, sem
voz, <i>dianoia</i></span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;"> bem interior,
e o IlogosI são o mesmo.<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn13" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref13" name="_ftn13" style="mso-footnote-id: ftn13;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[13]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span lang="FR" style="font-size: 10.0pt;"><i>Questions IV</i></span><span lang="FR" style="font-size: 10.0pt;">, Gallimard, 1976</span><span lang="FR"><o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn14" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref14" name="_ftn14" style="mso-footnote-id: ftn14;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[14]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span lang="FR" style="font-size: 10.0pt;">J.-P. Changeux, <i>L’homme
neuronal,</i></span><span lang="FR" style="font-size: 10.0pt;"> Pluriel, 1983.</span><span lang="FR"><i><o:p></o:p></i></span></div>
</div>
<div id="ftn15" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref15" name="_ftn15" style="mso-footnote-id: ftn15;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[15]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span lang="FR" style="font-size: 10.0pt;">E. Kandel, <i>À la
recherche de la mémoire. Une nouvelle théorie de l’esprit, </i></span><span lang="FR" style="font-size: 10.0pt;">Odile Jacob, 2007.</span><span lang="FR"><o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn16" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref16" name="_ftn16" style="mso-footnote-id: ftn16;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[16]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span lang="FR" style="font-size: 10.0pt;">Mt 6,24, Lc 16,13</span><span lang="FR"><o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn17" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref17" name="_ftn17" style="mso-footnote-id: ftn17;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[17]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span lang="FR" style="font-size: 10.0pt;">Mc 11,17, Mt 22,21, Lc
20,25. César sendo o ocupante, a resposta de Jesus não pode representar o que
ela significa hoje, sob pena de cair na armadilha que lhe põem, as gentes não
se admirariam. As imagens sendo proibidas pela Lei, a resposta vale
implicitamente que a moeda do imposto com a imagem de César deve ser reenviada
fora de Israel, com o César. É este implícito que impede a acusação de
colaboracionista.</span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;"><o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn18" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref18" name="_ftn18" style="mso-footnote-id: ftn18;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[18]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span lang="FR" style="font-size: 10.0pt;">Mc 12,27, Mt 22,32, Lc
20,38. O deus dos vivos é o da fecundidadde (ressurreição), o dos mortos é o do
Templo (da religião) que se opõe ao Messias.</span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;"><o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn19" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref19" name="_ftn19" style="mso-footnote-id: ftn19;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[19]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR" style="font-size: 8.0pt;"> </span><span lang="FR" style="font-size: 10.0pt;">F.
Bernardo, 2000<i>, Transcendência e Subjectividade. A ‘Subject-illeidade’ ou a
responsabilidade ética como incondição do sujeito em Emmanuel Lévinas,</i></span><span lang="FR" style="font-size: 10.0pt;"> tese doutoramento, 2000 (primeira redacção
fotocopiada de 1997), vol. I,</span><span lang="FR"> </span><span lang="FR" style="font-size: 10.0pt;">p. 168 (eu sublinho).<o:p></o:p></span></div>
</div>
</div>
<!--EndFragment-->Fernando Belohttp://www.blogger.com/profile/17937204465115284686noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8208352897435046717.post-44831477727955606302018-06-15T19:19:00.004-07:002018-06-15T19:19:48.827-07:00A voz e as palavras
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<br />
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<span class="Apple-style-span" style="font-size: 27px;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="FR"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>1. </span><span style="mso-ansi-language: PT;">Luís
Miguel Cintra deu-lhe o mote, “a voz é o espelho da alma”, Gastão Cruz fez o
poema<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn1" name="_ftnref1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[1]<!--[endif]--></span></span></a>.
<o:p></o:p></span></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">“Não chamarei à tua voz um rio<o:p></o:p></span></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">de palavras ainda que ela o seja,<o:p></o:p></span></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">não o dizendo disse o que diria<o:p></o:p></span></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">se o quisesse dizer como devia descrevê-la.<o:p></o:p></span></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">Porém um rio procura a foz, e a voz<o:p></o:p></span></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">busca a nascente de todas as palavras.<o:p></o:p></span></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">Chamarei realidade à água antes da água<o:p></o:p></span></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">já que a voz como os olhos é espelho da alma.<o:p></o:p></span></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">À tua voz não chamarei um rio<o:p></o:p></span></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">de palavras porque<o:p></o:p></span></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">a água da voz é água<o:p></o:p></span></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">anterior à água das palavras”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">E o poema chamou-me a glosá-lo, a buscar aprender do poeta que não sabe
dissociar voz e palavras (dis)correntes e acrescenta o rio de água a </span><span lang="FR">Platão que também não os dissociava, ao falar do <i>logos </i></span><span lang="FR">dizendo que </span><span style="mso-ansi-language: PT;">“a </span><span lang="FR">corrente sonora que sai da boca recebeu o nome de discurso</span><span style="mso-ansi-language: PT;">”</span><span lang="FR"> (<i>Sofista</i></span><span lang="FR"> 263<sup> </sup>e).</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">2. Comecemos pela metáfora do espelho. Ao espelho,
<i>eu</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> vejo a <i>minha</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> cara, que os meus olhos não ma mostram, não a
vêem. Se os olhos são espelho, é um <i>outro</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> que vê a <i>minha</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> alma, como
quem vê um retrato. Em ambos os casos vê-se o que não é visível habitualmente –
e será o que justifica a metáfora, apesar da incongruência de fazer supor que a
alma está por detrás do espelho, pois que este é um ecrã: nós não nos
reconhecemos filmados num vídeo tal como os outros nos vêem (nem a nossa voz
áudio), o outro não vê a minha alma, aquilo dentro de mim a que só eu tenho
acesso, onde sou ‘animado’ ou nem por isso, que os olhos só revelam a alma
quando o ‘como vemos’ nos toca, quando nos comovemos, dando a quem nos vê o
fulgor de vermos (gentes, coisas de arte...). Esse fulgor é o que os olhos dão
do que vem da alma, bela palavra – hoje despida de qualquer metafisica ou
metapsíquica – que permite dizer do que de nós sabemos e nunca vemos. Ou ainda,
a alma dos olhos é como o olho do cameraman ou do fotógrafo, órgão da arte
deles e sua alma de artista que escolhe o que mostrar. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">3. Se for certo, isto é relativamente fácil de
entender no que diz respeito aos olhos, mais complexo será quando se trata da
voz. O que o poema dá é a recepção pelo poeta da metáfora dos olhos espelho
aplicada à voz e a sua busca da inteligência de LM Cintra, procurando entre a
voz e as palavras como entre os olhos e o que eles vêem, corrigindo assim a
metafora, deixando o espelho ser ecrã, já que a voz e as palavras estão do
mesmo lado do espelho, onde agora se ouve o que antes era ver e sem se atentar
nos ouvidos (por isso trouxe o enquadrar do cameraman e do fotografo à colação,
o olho deles e o que eles vêem do mesmo lado do espelho). Conhecesse o poeta ou
não a citação de Platão, porventura que a transformação da ‘corrente sonora’ em
‘rio de água’ tenha a ver com o lugar do espelho inadequado aos sons da voz.
“Chamarei realidade à água antes da água”, à água do rio antes de ter água,
realidade do vale por onde a água corre, mostra que ao poeta voz e palavras do
poema são correntes que dizem, falam de outra coisa ainda que é linda, sem
espelho que não seja voz de palavras poéticas. Mas o filósofo contrastava essa
‘corrente sonora’ com o pensamento da alma sem voz (<i>phonê</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">), para dizer que ele é o mesmo que o <i>logos</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, mas sem a voz que interessa fundamentalmente LM
Cintra. Claro que a este o texto também interessa muito, mas não aqui, onde a
voz é a da justeza do actor, há pois um deslocamento entre o mote e o poema, deslocamento
que resulta do recurso às palavras. Mas a favor da voz, se dizer se pode, com a
admirável diferença entre o rio que procura a foz e a voz que busca a nascente
das palavras. Onde nascem estas? Pois, com Platão, na alma, no pensamento (e
não nas ideias, que não têm palavras), onde a voz (a “tua voz”, LM) as acolhe,
as palavras que diz.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">4. Mas a coisa é mais difícil, que o rio é de água
e “a realidade é uma água antes da água”, o poema sabe dessa dificuldade que
duas vezes como que denega – “não chamarei rio à tua voz” – mas precisando
desse fluir entre foz e nascente, entre um depois e um antes, fluir que seja
duplo como a dupla articulação da linguagem, justamente a da voz (entre os
fonemas ou letras e a palavra) e a do discurso (entre as palavras e a frase e o
poema). O ‘antes’ será o da “água da voz que é anterior à água das palavras”. O
poeta sabe que, como dizia outro poeta, Manuel Gusmão, para fazer o seu poema
ele só tem as palavras dos outros e por aí sabe que essas palavras já cá
estavam antes da sua voz que teve que as aprender. Mas para isso a
anterioridade da água da voz só pode ser não dissociando: as palavras em sua
água só podem ser colhidas à nascente pela voz que já seja sede de palavras.
Sem essa sede, ninguém fala, não haveria palavras, como mostram os jogos hábeis
de entoações dos actores que já as crianças de poucos anos sabem entoar aos
outros em suas vozes. É no chilreio dos bebés como puro brincar sem palavras
que a voz começa a afirmar-se desde o primeiro choro, quando eles são quase só
alma, sem nenhum saber.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">5. O que interessa LM Cintra é que temos todos
vozes diferentes com que dizemos as mesmas palavras segundo as mesmas regras da
nossa língua, mas sobretudo que cada um tem voz diferente consoante o seu
estado de espírito, como se diz, a circunstância e as entoações que ela pede. E
é esta voz que ele quer que o actor deixe vir de maneira a ver-se-lhe, a
ouvir-se-lhe a alma quando diz o texto que lhe é dado, de que tem que saborear
o saber, antes de decorar. E aqui ele desmente o poema, que não é a voz que
busca a nascente das palavras mas estas que buscam uma voz inédita para
nascerem teatralmente, uma voz que não se sabia, que só para aquele momento
servia. O que há de admirável na maneira como Cintra fala desta sua arte é como
ele desconfia de técnicas que embaracem a voz e escondam a alma, esta dando-se
na espontaneidade que há de vir, de soltar-se desse saborear. </span><span lang="FR"><o:p></o:p></span></div>
<div style="mso-element: footnote-list;">
<!--[if !supportFootnotes]--><br clear="all" />
<hr align="left" size="1" width="33%" />
<!--[endif]-->
<div id="ftn1" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref1" name="_ftn1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[1]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;">Luis Miguel Cintra, <i>Cinco
conversas em Almada</i></span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;">, </span><span style="font-size: 11.0pt; mso-ansi-language: PT;">31º Festival de Almada, colecção
O Sentido dos Mestres, 2015, p. 111</span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;"><o:p></o:p></span></div>
</div>
</div>
<!--EndFragment-->Fernando Belohttp://www.blogger.com/profile/17937204465115284686noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8208352897435046717.post-89644686697901056922018-06-15T07:38:00.002-07:002018-06-15T07:38:32.252-07:00O fio que me guiou o percurso
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<br />
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: Times-Roman;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: 29px;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="EN-US" style="font-family: Times-Roman; mso-ansi-language: EN-US;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>1. Embora tenha havido um passado de estudante de engenharia e de
teologia e um trabalho de leitura dum texto antigo relacionando-o com a sua
época de escrita, semiótica com história em perspectiva althusseriana, as
coisas com que me divirto hoje </span><span style="mso-ansi-language: PT;">partiram
da minha tese de doutoramento. O seu alvo era uma questão que se discutiu muito
nos anos 60 da França estruturalista, sem se ter encontrado solução, como
indicava uma entrevista do grande linguista Émile Benvenista<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn1" name="_ftnref1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[1]<!--[endif]--></span></span></a>,
cuja citação é a exergue do meu texto<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn2" name="_ftnref2" style="mso-footnote-id: ftn2;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[2]<!--[endif]--></span></span></a>.
Perguntava-se ele se o verbo ‘faire’, com 80 referências no dicionário de
francês Littré, tinha 80 sentidos ou só um, e concluia: “on ne sait pas”.
Saussure introduzira dois substantivos novos, a partir de duas formas do verbo
‘signifier’, o ‘signifiant’ e o ‘signifié’ e o que não se sabia, no fundo, era
qual é o estatuto da face do signo a que chamou ‘signifié’; o que se sabia era
que o ‘signifiant’ era de facto ‘um’ e que o ‘signifié’ não era a
‘signification’ (o significado) dos dicionários (que eram as tais 80 do
Littré). O que eu fiz foi, em vez de partir da ‘teoria’ e das discussões em
torno dela, partir da prática (laboratorial) dos linguistas, da <i>comutação</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> ilustrada pelo mesmo Benveniste no primeiro <i>Problèmes
de Linguistique générale</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, e
restituir a dupla articulação da linguagem, tratando-a em seguida com a maneira
como em <i>De la Grammatologie</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">,
Derrida aborda o ‘signifiant’, ou melhor a diferença entre ele e os sons, pela
redução fenomenológica destes, mostrando que o que fica como ‘domínio da
linguística’ são as <i>diferenças entre os sons</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> que foram reduzidos. Então a minha astúcia (Derrida
não trabalhava sobre as duas categorias de Saussure) foi mostrar que o
‘signifiant’ correspondia à diferença entre sons da articulação fonemas /
palavra, a fala como <i>voz</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, e o
‘signifié’ correspondia à diferença entre sons da articulação palavras / frase,
a fala como <i>discurso </i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">ou<i>
texto</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, o que sublinhando a
unidade do primeiro, revelava que o estatuto do segundo era justamente a sua <i>polissemia</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, dependendo o ‘signifié’ de tal significante em
tal texto das suas diferenças na frase e das desta no texto, relevando pois da
fala / escrita como <i>acontecimento</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, ao invés da língua emm seus paradigmas restituídos pela linguística.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>2. O que implica que a linguística
trabalha sempre sobre ‘falas’ orais ou escritas, que são justamente
acontecimentos, desde as repetições de rotina (‘bom dia, como está?’) até aos
poemas, e que a língua (os signifiants e os signifiés) descoberta como ‘paradigmas’
não permite saber das falas senão as suas possibilidades. Nem sequer o ‘um’ do
signifiant’ coincide com o som da voz, não é ‘substancial’ como se julga,
digamos, mas feito de diferenças, ele é o <i>mesmo</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, as mesmas diferenças entre sons ou vozes não
idêntico/as, (mesma palavra / voz não idêntica): mesmo / não idêntico é um par
da gramatologia derridiana. No que diz respeito ao ‘signifié’, a polissemia, a
diferença mesmo / não idêntico, é muito mais vertiginosa, já que são sempre
diversos paradigmas morfológicos, sintácticos e textuais que jogam para
produzir tal ‘signifié’ em tal substantivo ou verbo de tal texto. Donde o
recurso dos dicionários ao chamado referente, à evocação por outras palavras da
coisa significada, para dar a significação da palavra, donde que o verbo
‘fazer’ conheça os tais 80 sentidos num dicionário exigente; assim também as
figuras tipo metáfora se acrescentam aos termos úteis correntes alargando as
polissemias, jogo poético por excelência.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>3. Antes mesmo de acabar a tese,
depois de ter lido os dois textos de Derrida sobre o duplo laço (ver “Derrida
em Lisboa” neste blogue), foi-me dado compreender, por um desses acontecimentos
misteriosos do pensamento que vem quando ele quer, como dizia Nietzsche, que os
duplos laços, ausentes da tese, permitiam compreender esta razão teórica da
dupla articulação da linguagem (entre fonação e ser ouvida da voz e rede
cerebral do discurso) mas também abriam a compreensão das outras ciências do
século XX, com os seus mundos de possibilidades e da mesmos / não-idênticos.
Mas foi apenas um vislumbre, só a leitura de cientistas e a escrita a par e
passo vinda dessas leituras me veio a fazer compreender do que se tratava,
levei bem 15 anos, senão 30 e tal, contando com este blogue: ele acaba por ser
na maior parte dos seus textos, dum reformado livre e feliz, a continuação de
pequenas descobertas neste vasto mundo que assim se abriu. </span><span lang="FR"><o:p></o:p></span></div>
<div style="mso-element: footnote-list;">
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<div id="ftn1" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref1" name="_ftn1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[1]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span style="font-size: 10.0pt; mso-ansi-language: PT;"><i>Problèmes
de Linguistique générale II</i></span><span style="font-size: 10.0pt; mso-ansi-language: PT;">, p. 20.</span></div>
</div>
<div id="ftn2" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref2" name="_ftn2" style="mso-footnote-id: ftn2;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[2]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span style="font-size: 10.0pt; mso-ansi-language: PT;"><i>Epistemologia
do sentido. Entre filosofia e poesia, a questão semântica</i></span><span style="font-size: 10.0pt; mso-ansi-language: PT;">, Gulbenkian, 1991.</span></div>
</div>
</div>
<!--EndFragment-->Fernando Belohttp://www.blogger.com/profile/17937204465115284686noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8208352897435046717.post-45228650162437582442018-06-04T10:41:00.000-07:002018-06-09T05:07:12.165-07:00Biologia e antropologia : articulação<!--[if gte mso 9]><xml>
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<br />
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>1. A questão que este texto procura
esclarecer diz respeito ao lugar da tribo na aprendizagem, que é tratada
habitualmente como sendo uma função do aprendiz, como se conjuga o verbo ‘eu
aprendo, tu aprendes’, etc. No <i>Para além do bem e do mal</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, § 17, Nietzsche escreveu que “um pensamento vem
quando ‘ele’ quer e não quando ‘eu’ quero’, de maneira que é <i>falsificar</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> os factos dizer que o sujeito ‘eu’ é a
determinação do verbo ‘penso’. Qualquer coisa pensa, mas que seja justamente
este velho e ilustre ‘eu’, não se trata, para dizer em tons moderados, senão
duma hipótese, duma alegação; sobretudo não é uma ‘certeza imediata’. [...]
Raciocina-se segundo a rotina gramatical: ‘pensar’ é uma acção, qualquer acção
supõe um sujeito activo, portanto...”. Ora bem, se aprender releva
essencialmente da tribo que <i>dá </i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">o uso que é aprendido e que o aprendiz <i>recebe</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> como condição de vir a ser, num processo temporal
de maior ou menor duração, capaz de exercer espontaneamente esse uso que aprendeu,
se há assim uma fase em que predomina a ‘passividade’ antes da ‘actividade’ ter
vingado, como se articulam as duas fases? Tratando-se de usos mais ou menos
complexos e que se repetem ao longo da vida, esta repetição hábil e espontânea
não deixa com o passar do tempo de relevar da tribo que os ensinou e onde eles
se exercem como aspecto da socialização dos indígenas. Tratar-se-á de tentar
esclarecer o lugar do tribal na expressão ‘eu aprendo’ (recordo que chamo
‘tribo’ ao conjunto social constituído pelas famílias, aquela que aonde se
nasce e a(s) que se constitui, pelas escolas que se frequentou e pelas
instituições em que se trabalhou, pelas gentes que se vão conhecendo, a quem se
aperta a mão ou se dá beijinho, a quem se diz ‘bom dia’).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>2. Esta questão, que tem a
particularidade de articular de maneira indissociável, como se verá, as
dimensões biológica e antropológica dos indígenas humanos, constituirá
porventura a questão mais candente em tudo o que vai desde a neurologia e as
correlativas psicologias até à antropologia e à economia: ela poria em questão
que haja uma distinção entre ciências sociais e ciências humanas. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>3. Parto da palavra ‘parto’, que em
latim tanto diz o nascimento dos humanos como em português como as ninhadas de
animais e produtos de plantas, prestando-se a ser lida como o episódio em que
um feto humano deixa de ser ‘parte’ do corpo da sua mãe, se-<i>para</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">-se e a-<i>par</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">-ece como autónomo, a<i>part</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">ado;
até aí, as suas células eram alimentadas pelo seu sangue mas este recebia
oxigénio e moléculas nutrientes do sangue da mãe, via cordão umbilical, agora,
os seus pulmões rasgam-se e começam a respirar o oxigénio por eles mesmos, o
seu aparelho digestivo fica capaz de uso – boca, esófago, estômago, intestino
delgado cujas paredes passarão ao sangue as moléculas nutrientes – mas, grande
‘mas’, como é que a comida chega à boca? Eis o limite da sua autonomia: sem
nenhuma capacidade de mobilidade – levará anos a aprendê-la, só lhe resta
(hormonalmente) chorar, isto é, pedir que cuidem dele sem saber que pede, só
volta ao ‘brincar’ (Winnicott) do tempo de feto feliz quando saciado pelo leite
materno. Em termos freudianos, ao chorar, o ‘princípio do prazer’ afronta-se
pela primeira vez (quiçá) ao ‘princípio da realidade’, o ‘biológico’ (autónomo)
ao ‘antropológico’. Claro que este já lá estava, como tribo justamente, desde a
concepção que o tinha em conta, senão antes. <i>O cuidado<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>como resposta ao choro é o início
tribal da aprendizagem</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">: a
articulação do biológico e do antropológico é da ordem da alimentação e da
economia. Se a ciência económica soubesse deste seu principiar, perceberia que
o seu primeiro <i>princípio</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> deve
ser o de impedir que haja fome na sociedade de que ela se ocupa. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>4. Este cuidado acompanha o
crescimento da criança como incitação à autonomia, isto é, à aprendizagem, ‘faz
isto’, ‘é assim que se faz’, trata-se da integração progressiva no paradigma
dos usos da família, como da escola, da <i>lei de aliança</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> da unidade social, em que entre alimentação, sono
e higiene se reparte a integração do biológico no social. Pode-se dizer que há
uma <i>força tribal</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> que comanda
assim as aprendizagens <i>comuns</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">
aos indígenas da tribo e depois uma <i>força de trabalho</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> que comanda as aprendizagens <i>especializadas</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> em termos de escolas superiores e de instituições
profissionais, em que se trabalha. São estas duas forças que têm a iniciativa
das aprendizagens, que as impõem ao bebé que nasce e à criança que anda, fala,
mexe, joga, ao adolescente e ao jovem que ‘quer ser’ isto ou aquilo, em
consequência do que vê e ouve da sociedade cosmopolita. Estas duas forças
relevam da dualidade famílias / instituições de trabalho, são ambas
atravessadas quer pela <i>lei da aliança</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, que diz respeito às aprendizagens que têm a ver com os paradigmas dos
dois tipos de unidades sociais, como pela <i>lei da guerra</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> que incita a querer ser melhor do que os outros
indígenas, olhando-os como rivais.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span><o:p></o:p></span><span class="Apple-style-span" style="font-family: "times new roman"; font-size: 16px;">Ora bem, o que são estas
‘forças’, uma ‘tribal’, outra ‘de trabalho’? São a incidência dos respectivos
paradigmas, familiar e de emprego, sobre cada um dos indígenas, onde ele é
apanhado pela unidade social, desde os processos de aprendizagem que lhe prescrevem o seu lugar nela. </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Times New Roman'; font-size: 16px;">O paradigma ‘atrai’, na
definição de Kuhn, mas também faz fazer.</span><span class="Apple-style-span" style="font-family: "times new roman"; font-size: 16px;"> </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: "times new roman"; font-size: 16px;">São estas forças que refere
habitualmente a expressão ‘tem que ser’, em francês ‘il faut!’: “o ter que ser
tem muita força”.</span><br />
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</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="FR"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>5. </span><span style="mso-ansi-language: PT;">Porque
é que as pessoas voltam sempre para casa? Questão bizarra, de tal forma é algo
de óbvio nas rotinas. <i>O que é</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> <i>que
as atrai</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">? Ou será que são os
empregos que as repelem? Pode-se pensar que ambas as forças jogam, a tribal
atrai e a de trabalho cessa, num jogo entre biologia e economia (antropologia):
esta, quando atrai, inibe as precisões daquela, nem sexualidade nem alimentação
nem descanso ou distracção são admissíveis, a própria linguagem é disciplinada:
o sexo é claramente interditado, à maneira do interdito do incesto na família
(ainda que não conste dos regulamentos, o escândalo que seria mostra bem, o
próprio assédio é mal visto), as outras precisões são disciplinadas em intervalos
previstos; o fim do trabalho é a retomada da economia biológica que joga como
atracção pelo paradigma familiar ou por outras atracções de foro tribal, café,
clube, igreja, casa de amigos, cinema, ida a uma loja comprar qualquer coisa.
Estas ‘forças de atracção’, não são apenas ‘interacções’, já que são todos que
são assim atraídos, ainda quando os ambientes não sejam folgados, quando as
relações entre os vários indígenas do paradigma conheçam crispações, tensões de
ordem politica, clubista ou outras. Ou seja, a biologia reintegra-se na
antropologia, a diferença entre elas sendo sobretudo assinalável justamente
pela disciplinação imposta pelos paradigmas das unidades de trabalho. Esta
disciplina, por sua vez, é tolerada nomeadamente devido ao salário que financia
o ‘tempo livre’ da biologia, estabelece dentro da própria economia a relação
estrutural entre as duas esferas: se ele impede teoricamente o dualismo entre
elas, corre todavia sempre o risco de o trazer à tona sob forma de ‘luta de classes’.
<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>6. Este panorama dual com riscos de
dualismo em torno do salário não cobre no entanto todas as situações de relação
pessoal com as duas forças que movem os indígenas: há casos em que não é apenas
a necessidade de salário que atrai para o emprego apesar da sua disciplinação,
quando a especialização que ele demanda torna o trabalho atractivo nele mesmo
pela criatividade pessoal que implica. Entre esses casos, o dum intelectual
universitário é-me mais próximo, quando a citação de Nietzsche por onde este texto
começou, quando “o pensamento que vem quando ele quer” anula a dualidade entre
ambas as esferas, ou traz a força de trabalho para dentro do tribal, ignorando
espaços e horários, tribo e trabalho. A questão que então se põe é: donde vem
esse pensamento que só vem quando ‘ele quer’ e que parece gratuito? Para tentar
encontrar resposta, há que retomar a questão dos sujeitos do ‘eu penso’ e do
‘eu aprendo’, que não relevam apenas do ‘eu’. O que chamei força tribal e força
de trabalho é de ordem pessoal, exercem atracção sobre o ‘eu’ de cada um, são
diversificadas segundo as respectivas idiossincrasias, relevam dos usos que
aprenderam, quer os tribais quer os especializados, podendo dar satisfações ou
incómodos, são pois indissociáveis do ‘eu’ mas não relevam apenas dele. Os dois
termos genéricos, força tribal e força de trabalho, reenviam em cada caso para
os <i>antepassados</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> com quem se
aprendeu, incitado nomeadamente por parentes e mestres: esses antepassados
retiraram-se, porventura morreram já, mas, incógnitos enquanto ‘passados’,
estão <i>retirados</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> no saber do
que ‘eu’ sabe em seu usar hábil e espontâneo, ausentes mas presentes em seus
efeitos constantemente repetidos, onde a memória não chega mas de que a psicanálise
pode ajudar a perceber os traços, os vestígios, por exemplo a partir da
interpretação dos sonhos. Mas é sempre num enigma estrutural que ela penetra,
através da técnica da associação de ideias em divã sem censuras lógicas, morais
ou ideológicas. Ora, “o pensamento que vem quando ele quer” vem sempre por via
de associações dessas, ao que se ouve ou lê ou divagando sem pensar nisso, sem
pensar em nada, trabalhando em associações que circulam no nosso cinema mental
a partir das antigas aprendizagens incessantemente repetidas, alterando-se nas
leituras de textos dos paradigmas ocidentais, vem “sem que se saiba como”, como
diz uma pequena parábola do cap. 4 do evangelho de Marcos que foi uma das
chaves da minha leitura dele. O que é impressionante é quando esse ‘vir’ do
pensamento – que normalmente, ainda que não se saiba como, responde a
preocupações, a buscas – se dá como desafio a qualquer fenomenologia, abre um
caminho que nunca fora vislumbrado, inventa o que não se sabia e virá talvez a
ser uma verdade da geração seguinte. </span><span lang="FR"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">7. Terá aqui cabimento distinguir biologia e antropologia, se mesmo a tribo parece ultrapassada, quando por vezes poucos são capazes de entender a novidade?</span></div>
<!--EndFragment-->Fernando Belohttp://www.blogger.com/profile/17937204465115284686noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8208352897435046717.post-26003261188910585422018-05-24T09:29:00.001-07:002018-05-24T09:29:21.079-07:00Desenho dum novo paradigma
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<br />
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<span class="Apple-style-span" style="font-size: 27px;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="FR"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="FR"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>1. O grande paradoxo da história ocidental da
inscrição é que as suas invenções cruciais, a definição filosófica e o
laboratório científico</span><span style="mso-ansi-language: PT;">, têm como meta
o conhecimento das coisas do universo mas voltando as costas a este, retirando
o fenómeno que é a definir ou a experimentar do contexto em que ele é dado, o
qual contexto é justamente uma parcela do ‘universo’ a conhecer. Esse paradoxo
foi marcado pelos dois filósofos mais importantes na relação entre filosofia e
ciências: o grego Aristóteles decretou com o motivo dos <i>acidentes</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> não susceptíveis de ciência, isto é, de
definição, que a sua ciência e a sua filosofia não conheciam o
‘fora-da-definição’, o que o europeu Kant confirmou, tendo encaixado a sua filosofia
crítica na matriz do laboratório newtoniano, ao apontar o que não entrava nele,
o ‘fora-do-laboratório’, como <i>númeno</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, o que escapa aos conceitos do entendimento (científico) e às ideias da
razão pura (filosófica), ficando apenas à mercê da razão prática, da ética
nomeadamente. Se se pretende que o motivo de <i>duplo laço</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> (Derrida) vem substituir no novo
paradigma gramatológico a <i>ousia</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> de Aristóteles, haverá que elucidar como é que ele enfrenta esse paradoxo.
É o que se vai tentar aqui.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>2. Se se trata de procurar desenhar as
grandes linhas da chamada realidade terrestre (para não abusar do termo
‘universal’) fora dos laboratórios das ciências, obviamente que se depende
destes e se introduz nessa realidade terrestre as fracturas irredutíveis entre
eles, as quatro grandes cenas da gravitação, alimentação, habitação e
inscrição, além de muitas outras que nelas se inscrevem criando relações entre
várias delas, como é o caso notável da psicanálise, mas também da invenção da
máquina, do automóvel e da lei do tráfego, e de muitas outras, nomeadamente as
electrónicas que estão a revolucionar as sociedades actuais: o que permite
prever que não haverá ‘monismos’, antes pelo contrário, os duplos laços são
multiplicáveis indefinidamente, a cada uso que se aprendeu, a cada texto que se
lê ou escreve. Mas se este novo paradigma, sendo de filosofia <b>com</b></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> ciências, depende destas ao abrir o espaço
daquela, também é certo que, situando-se na descendência de Husserl (fora do
laboratório) e de Heidegger (fora da definição), ele entra em conflito com as
teorias científicas que parecem incapazes de ‘saírem’ do respectivo paradigma
(científico) que é estritamente laboratorial, como aliás Kuhn sabia, ao
defini-lo como aquilo que os cientistas fazem seguindo programas estabelecidos,
normais. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">3. Foi um choque, perceber essa limitação no caso
do João Resina, um amigo meu extremamente inteligente, físico e professor do
IST, autor de livros sobre relatividade e quântica, mas também doutorado em
filosofia: propus-lhe a questão do automóvel, fabricado laboratorialmente
segundo <i>regras</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> da física e da
química e devendo fazer percursos <i>aleatórios</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, ao que ele me retorquiu com as causalidades do
motor, peça a peça, sem qualquer incidência no que ao tráfego diz respeito.
Dei-me conta de que por regra – de <i>formação</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, como se diz – o cientista não sabe as
consequências fora do laboratório da sua ciência, confirmando Aristóteles e
Kant! Ou estarei eu enganado, as regras laboratoriais dum carro são de outro
nível do que as do tráfego, que relevam duma antropologia? Sim, se se trata do
código da estrada, mas não, se se trata do <i>funcionamento</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> do carro fora do laboratório, aquilo para que ele
é feito, avançar, acelerar, travar, fazer curvas, etc, tudo coisas que o
engenheiro do laboratório tem que ter constantemente em conta nas suas experiências
e decisões. É certo que se trata de dois planos diferentes, um diz respeito a
fragmentos laboratoriais e o outro ao conjunto do carro, à <i>teoria</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> <i>que justifica</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> – pelo seu <i>telos</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, como diria Aristóteles, o seu fim – <i>o todo</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">. Aqui é óbvio que faz diferença tratar-se de
engenharia, de técnica, e não de ciência: foi esta que liquidou a noção de
causalidade final, mas aquela recuperou-a, dando-se ou não conta disso. O caso
da biologia molecular é exemplar aqui: a introdução dos laboratórios de bioquímica
que permitiram as análises do metabolismo de bactérias e as descobertas do ADN
e dos ARNs foi seguida duma extrapolação absurda da causalidade genética para o
todo do organismo e dos seus comportamentos ou capacidades (o que hoje se
tornou uma burrice generalizada a qualquer tipo de opinião, ‘é o ADN, meu ou
dele, que...’), como se o que a bioquímica descobriu não fosse pura e
simplesmente os processos que as células têm de auto-reparação mediante
alimentação, como se o conjunto do organismo não funcionasse segundo as regras
anatómicas que relacionam os diversos órgãos entre si e com o seu mundo
ecológico.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">4. O que é que está em causa? É a ignorância
teórica do papel do laboratório quando se trata justamente de fazer a teoria do
que acontece fora do laboratório quando se juntam os seus diversos fragmentos
de experimentação, ignorância essa que é aliás correlativa da ignorância
tradicional da filosofia sobre o papel da linguagem, considerada um simples
‘instrumento’ na relação sujeito / objecto. Essa ignorância resulta duma <i>evidência</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> <i>empírica</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> que privilegia os olhos e as mãos no que ao conhecimento diz respeito: a
evidência de que se está diante de ‘objectos’, como se estivessem soltos,
justapostos uns aos outros, sem relação uns com os outros, sem consideração
pelo <i>mundo</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> que eles fazem e de
que o ‘sujeito’ conhecedor é parte também, face a esses ‘objectos’ delimitados.
Um exemplo flagrante em física clássica da causalidade desta visão das coisas é
o das bolas de bilhar que batem uma na outra e transmitem movimento e força,
exemplo simples já que não necessita de se interrogar sobre a mesa de bilhar
nem sobre os tacos e o giz, não precisa de laboratório. <i>Ser e Tempo</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> em 1927 e <i>Tempo e Ser </i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">em 1962<i> </i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">puseram isto em questão. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">5. De repente, veio-me uma tentação: pensar que a
verdade das teorias físicas e químicas não é dada ao seu nível puramente
teórico, sem mais, mas apenas ao nível do conjunto <i>ciência e técnica</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> (esta resultante daquela), e aí, essa verdade é,
por assim dizer <i>definitiva</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">,
ainda que mais tarde essas técnicas se tornem obsoletas. O que iria contra a
ideia que parece maioritária entre cientistas e filósofos de que as teorias
actuais são erros adiados. Mas se for assim, ao nível destas ciências exactas,
encontra-se uma maneira de ultrapassar o paradoxo enunciado no § 1: as máquinas
e outras técnicas científicas serão maneiras de conhecer em casos concretos,
universais (onde haja laboratórios) e históricos, que vão até esta dada máquina
que eu sei utilizar, embora não conheça o seu funcionamento nem as diversas
teorias que ela supõe: aqui não haverá ‘acidentes’ nem ‘númenos’, Kant não
chegou a conhecer os comboios e, segundo Derrida algures sobre Hegel (<i>Marges</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">), este não foi capaz de introduzir no seu sistema
uma máquina que funcione. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">6. Mas há uma outra maneira, mais trivial
porventura mas podendo ir alem da técnica, de considerar a questão, se se
conjugar o conhecimento teórico, por exemplo, duma espécie animal suposta bem
conhecida cientificamente, com o conhecimento concreto desse animal, um gato de
estimação. Se o gato em questão é da estimação dum veterinário, tratar-se-á de
valorizar nessa conjugação o chamado ‘conhecimento sensível’, desvalorizado
filosoficamente por via da oposição metafísica entre inteligível e sensível, só
o primeiro tendo as honras duma ‘verdade’ digna das academias. Ora, o que assim
se explicita é, em contrapartida, uma forma fenomenológica geral de dizer em
que é consiste a verdade teórica das ciências no que diz respeito ao fora do
laboratório: aquilo que qualquer ciência digna desse nome conhece dos entes de
que se ocupa é, por assim dizer, <i>o mapa das suas possibilidades</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">. É justamente o que cada máquina, automóvel ou
computador, traz como razão de ser, o que o faz comprar. De cada vez que uma
delas é utilizada voltamos à conjugação da verdade científica com a do piloto
que a utiliza com seu saber adequado ao trajecto que está executando como
possível. Também a lei da selva completa a verdade biológica das diversas espécies,
cada indivíduo sendo obrigado a caçar para comer e a fugir de ser caçado, toda
a sua anatomia sendo construída para esse efeito. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">7. É-me mais difícil pensar em termos de ciências
das sociedades actuais, limitar-me-ei ao<i> paradigma</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> das unidades locais de habitação, famílias ou
unidades de trabalho, admirando-me de me parecer que não é esse um objectivo,
digamos antropológico, corrente. É provável que a extensão do motivo de Kuhn a
qualquer unidade social além das ciências seja já algo que não faz parte das
metodologias, como não o parece ser também o motivo de <i>uso social</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, apesar da sua repetição nas unidades do mesmo
teor. Porventura, a razão de ser desta lacuna, a meus olhos, será que se trata
de coisas que os indígenas <i>sabem</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> muito bem, e por isso não pareça aos inquiridores algo de significativo.
Se for assim, importa pôr a questão do que haverá a descobrir e para isso
recorrer à disciplina que serviu de piloto a este tipo de ciências no chamado
estruturalismo francês, a linguística saussuriana, que também foi importante no
trabalho filosófico de Derrida. Seja </span><span lang="FR">o caso estranho de se
poder ler um texto sem se saber quem </span><span style="mso-ansi-language: PT;">o escreveu, que foi o que Platão repudiou na escrita. Basta saber a língua,
incluindo os significados habituais de nomes e verbos. Quando a filosofia das
definições veio a prescindir de considerar as línguas, tomou nomes e verbos
pelas ‘coisas’ e ‘acções’ que eles indicam, isto é, segundo as evidências
empíricas imediatas (§ 4), sem mundo ordenado nem situação do que lê em relação
a esse mundo: lê-se como se se estivesse a ver (o que é aliás um grande louvor
que assim se faz à linguagem! sem dar por isso, talvez). O que é que a
linguística saussuriana veio esclarecer, <i>reduzindo</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> metodologicamente, quer o sujeito que fala (os
sons da sua voz) ou escreve (a sua letra pessoal), quer as coisas de que se
fala ou escreve, veio pôr em análise <i>os jogos de diferenças</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> variados (fonológicos, aquém dos sotaques;
sintácticos, morfológicos, semânticos e códigos textuais) que não são por regra
perceptíveis, já que têm efeitos por ‘paradigmas’ (em sentido linguístico,
aqui) sem que elementos destes estejam em jogo. Por exemplo, ‘a Maria é uma
rosa’ indicia que ela é uma ‘flor’, a sua feminilidade reduzida ao que esta tem
de ornamento, de beleza em vaso que a fixa. Outro,<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>derridiano: se nesse texto aparece a palavra ‘corpo’, também
‘alma’, ‘consciência’, ‘sujeito’, pares metafísicos habituais de ‘corpo’ jogam pela
calada (semioticamente), sem se dar por isso. São o que se chama <i>conotações</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, a psicanálise manifestou muitas como figuras eróticas
escondidas em conteúdos inocentes. Acrescento-lhe dois, que julgo não serem
conhecidos: as invectivas obscenas ‘vai-te f...’ (fuck you, vas-te faire
foutre) ou ‘vai para o c...’, que quando eu era garoto só se usava entre
rapazes e homens, só tinham sentido por serem marialvas, anti-gays,
equivalentes a chamar ‘maricas’, já que ‘fornicar’ é algo de agradável, não
pode ser insulto dito a uma mulher que é suposta gostar, tem que ser mandar um
homem fornicar com outro homem ou, no outro caso, um homem é enviado para o
pénis de outro homem. Ou seja, aparecem clichés não explicitados mas que
reflectem relações sociais e as línguas estão pejadas de jogos conotativos
destes, dos quais são importantes os que a própria filosofia criou, como a
ontoteologia que Heidegger explicitou e o logocentrismo devido a Derrida, que
são fáceis de reconhecer como formando a matriz do pensamento ocidental,
ignorada por civilizações com outros percursos, chineses, indianos,
eslavos<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>cristãos ortodoxos, talvez
islâmicos. Quem quer saber porque é que foi a Europa que chegou às ciências,
tem que procurar a resposta decisiva nesta matriz, o paradoxo sendo que foi a
ciência tornada possível por ela que encetou o lento processo da sua
desconstrução, ao eliminar a ‘substância’ experimentada das equações da teoria
para apenas reter as medidas dessa experimentação. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">8. Mas como os cientistas são filhos da filosofia
e das suas evidências empíricas na matriz ontoteológica e logocêntrica, eles
não se mostram capazes de compreender as transformações teóricas que as suas
descobertas laboratoriais demandam, as da realidade fora do laboratório. Reside
aqui um dos grandes problemas da filosofia <b>com </b></span><span style="mso-ansi-language: PT;">ciências, que faz com que ela seja de difícil
entendimento<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn1" name="_ftnref1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[1]<!--[endif]--></span></span></a></span><span lang="FR">. O que foi decisivo para a sua descoberta foi o motivo filosófico </span><span style="mso-ansi-language: PT;">do <i>duplo laço</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> que Derrida foi buscar ao psicólogo americano Gregory Bateson e que ligou
na minha cabeça as cinco ciências principais e as suas descobertas decisivas
pelo critério que permitiu reconhecer os duplos laços em cada ciência: no campo
de fenómenos de cada uma, encontrava-se uma <i>zona retirada</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, de não-fenómenos, já que ‘fenómeno’ é o que se
manifesta. Na física-química, a teoria do átomo e da molécula supõe que estas
são constituídas por átomos que se ligam por electrões móveis, em processo que
chega aos graves, o núcleo atómico sendo <i>retirado</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> por uma força nuclear que liga protões e
neutrões, impedindo-os de cederem à atracção da gravidade e à transformação
química com outros núcleos atómicos. Na biologia, a teoria da célula com o
seu<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>metabolismo que reelabora
incessantemente as moléculas da célula por síntese de proteínas ditada por um
ARN mensageiro, o qual é, de cada vez transcrito como cópia diferencial dum ADN
<i>retirado</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> no núcleo celular
(eucariotas), mantendo-se para a próxima vez enquanto que o ARN se degrada
quimicamente. Na antropologia, as unidades sociais jogam com um interdito de
relação sexual entre familiares que propulsiona as raparigas para troca com
outra família, conseguindo-se assim criar um sistema de parentesco inclusivo de
todas as unidades sociais da tribo, tendo vindo a aperceber-me que este retiro
das relações incestuosas se encontra nas instituições sociais como interdito de
sexualidade entre quem quer que seja, como condição de disciplina do paradigma,
como já era o caso no interdito do incesto; este motivo antropológico de
disciplina da sexualidade para boa efectivação dos usos da unidade social
implica uma espécie de <i>privaticidade</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> geral dos paradigmas, que os <i>retira</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> da multidão indígena exterior. A psicanálise elaborou a sua teoria das pulsões
em termos de inconsciente, um sector libidinal <i>retirado</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> da consciência, correlativo do interdito do
incesto. Enfim, a linguagem conhece uma dupla articulação das suas palavras,
por um lado articuladas em frases cuja sintaxe e morfologia permite produzir
sentidos comunicáveis segundo uma língua tribal comum, por outro as palavras
são articuladas por fonemas (letras) que são imotivados, <i>retirados</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> de sentido e de referência. Ora, o que as
análises vieram a permitir estabelecer, jogando como modelo dum automóvel, foi
que</span><span lang="FR"> – exceptuando os dois casos iniciais, constitutivos
dos dois grandes tipos de entes, inertes e vivos, a saber o átomo e a
célula,<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>– o laço de elementos
retirados </span><span style="mso-ansi-language: PT;">é quem fornece energia ao
movimento do fenómeno em questão, à maneira dum ‘motor’, e que o outro laço é
quem regula a circulação do fenómenos face aos outros, à maneira dum ‘aparelho
regulador’ que dá sentido: causa e fim restituídos.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">9. Como com Aristóteles e com Galileu e Newton, é
pois de <i>movimento</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> dos entes e
das estruturas sociais que tratam os duplos laços, incluindo o da sua geração e
corrupção, como diziam os Gregos, bem como da sua alteração. Ora o movimento,
tendo embora causas e condições, é dele mesmo <i>indeterminado</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, não se sabe nunca <i>a priori</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> que haverá tal ou tal movimento em tal ou tal
direcção. O que Newton demonstrou foi que o movimento dos inertes terrestres
releva da força da gravidade do planeta, assim como esta se joga com as do sol
e dos outros planetas: ora, a Terra é o conjunto dos todos os graves, é este
conjunto que atrai o movimento de cada um desses graves – uma pedra que cai
resistindo-lhe o ar ou outros sólidos no percurso, um fumo que sobe ou a
rotação da terra que alterna o dia com a noite – regido por essa estranha lei
da gravitação, a que, além dos protões e neutrões atómicos,<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>talvez só escape a luz (que não ‘cai’
para a terra) e porventura os sons e os electrões da electricidade industrial.
Mas não lhe escapam os vivos, cujo movimento por si mesmos (<i>kath’autôn</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">) se faz contra a força da gravidade a que estão
sujeitos, as árvores a crescerem para cima, os animais que erguem as patas para
andar e correr, as aves e os insectos que voam. É o carácter geral desta
indeterminação que implica a necessidade do laboratório criando <i>condições de
determinação</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, por exemplo, o
vácuo para atestar a aceleração da queda livre, mas sem nunca se poder fugir à
lei da gravidade terrestre. Quanto aos vivos, a indeterminação deles é
estrutural, já que depende da respectiva alimentação e esta releva das
condições ecológicas: as anatomias dos organismos têm órgãos de percepção –
faro, olhos, ouvidos, tacto – justamente tendo em atenção essa indeterminação
(como já era o caso do motivo aristotélico do ‘acidente’). Os duplos laços
respondem desta indeterminação geral, regida pelas suas duplas leis (indissociáveis
e inconciliáveis), é o que justifica que as ciências apenas possam detectar <i>possibilidades</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, como se disse acima.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">10. Ora, os duplos laços articulam-se com outros
de níveis diferentes, os da alimentação animal, por exemplo, jogando sempre com
os da gravitação, a biologia supondo a física-química, nos humanos também com
os da habitação, da economia e da politica. Esta correlação entre duplos laços
de níveis diferentes implica que os laboratórios das ciências de cada um desses
níveis tenha que <i>reduzir</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> os
duplos laços que relevem de outros níveis (a linguística reduzindo a acústica,
por exemplo, e a fisiologia da fonação, a fonética jogando na fronteira dos
dois níveis), o que os torna de experimentação possível. No entanto, cobrindo a
totalidade da realidade terrestre e relevando de ciências, os duplos laços
constituem uma rede que se pode dizer <i>sistemática</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, o indeterminismo de cada um deles impedindo que
seja totalitária, isto é, que ofereça qualquer ponto de interpretação susceptível
de <i>maîtrise</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, de domínio tanto
intelectual como prático. Que haja duas pontas iniciais para este sistema, a do
átomo e a da célula, como que fazendo uma <i>fractura</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> no sistema, a que existe entre as duas químicas,
a inorgânica ou mineral e a orgânica ou bioquímica, deixa duas <i>questões de
origem</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> em aberto: a dos graves é
respondida actualmente pelo mito astrofísico do big Bang, deixando em aberto
como se formaram os átomos de hidrogénio de que as estrelas se constituíram; a
dos vivos tem a meu ver a melhor aproximação na <i>teoria semântica da evolução</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> de Marcello Barbieri. Abstraindo do mito
estrondoso sem luz nem ruído, qualquer questão de origem, no decorrer da
evolução biológica como da história das sociedades humanas e das suas invenções
de inscrições, encontra sempre como resposta que há sempre já repetições aquém,
como dizia Derrida, que é a repetição que é originária. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">11. Enfim, a verdade das ciências, para além da
proposta das técnicas, manifesta-se em filosofia <b>com</b></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> ciências pela maneira como o motivo de duplos
laços se revela adequado à descrição dos movimentos realizados fora dos
laboratórios dos vários níveis. Mas uma tal verdade é <i>relativ</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">a à história filosófica e científica do Ocidente,
à sua vertente fenomenológica desde Aristóteles. Dentro desses limites
históricos, <i>não há aqui nem determinismos nem reducionismos nem relativismos</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">12. Resta sublinhar, citando um texto recente
deste blogue, a diferença da maneira de argumentar deste paradigma de
fenomenologia <b>com</b></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> ciências
face à maneira tradicional, desde Platão, de argumentar sobre ‘categorias’,
‘essências’, ‘conceitos’, temas resultantes da definição: a gramatologia que me
inspira tem antes demais em conta <i>o gesto de escrita</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> que isolou esses temas, retirando-os do
respectivo contexto, a saber, a operação de definição filosófica e o laboratório
científico, <i>gestos</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> <i>históricos</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> da escrita dos textos que impõem fronteiras aos
temas filosóficos e científicos que eles tratam, sobre os quais argumentam. É
numa paisagem totalmente modificada que os gestos das várias ciências se dão a
uma leitura filosófica que termina com a suspensão kantiana e permite perceber,
<i>tendo em conta o contexto fora do laboratório</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, os duplos laços dos fenómenos de que elas se
ocupam, entre fenómenos expostos e (não-)fenómenos, retirados. São exemplos de
‘gestos’ em filosofia: o ‘sei que nada sei’ socrático e a dúvida metódica
cartesiana; com a definição, a instituição da Academia e do Liceu; a <i>Physica</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> como filosofia <b>com</b></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> ciências; o plurilinguismo helenista, donde o motivo
do ‘signo’, abrindo uma brecha no ‘mesmo’ de Parménides, que tinha continuado
em Platão e Aristóteles; a maneira como o platonismo se apoderou do discurso
cristão em Orígenes; a teologia cristã levando no seu bojo a filosofia para a
Europa; a recepção dela pelas universidades medievais; Aristóteles substitui
Platão no tomismo; transformação nominalista; papel de Newton na critica de
Kant; a redução husserliana e a doação com retiro heideggeriana; a questão da
escrita posta à filosofia por um herdeiro de ambos, permitindo entender não
apenas o que os pensadores ‘pensam’ (logocentrismo), mas também o que eles
‘fazem’ escrevendo historicamente (desconstrução).</span><span lang="FR"><o:p></o:p></span></div>
<div style="mso-element: footnote-list;">
<!--[if !supportFootnotes]--><br clear="all" />
<hr align="left" size="1" width="33%" />
<!--[endif]-->
<div id="ftn1" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref1" name="_ftn1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[1]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span style="font-size: 10.0pt; mso-ansi-language: PT;">Há poucas
hipóteses </span><span lang="FR" style="font-size: 10.0pt;">de que alguém a
compreenda, porque ninguém conhece suficientemente as várias ciências para
entender o alcance da proposta, quer para cada ciência quer para a filosofia,
já que os próprios cientistas têm da sua ciência uma perspectiva ontoteológica
que os formata, recusam <i>a priori</i></span><span lang="FR" style="font-size: 10.0pt;"> o que um <i>out sider</i></span><span lang="FR" style="font-size: 10.0pt;">
propõe.</span></div>
</div>
</div>
<!--EndFragment-->Fernando Belohttp://www.blogger.com/profile/17937204465115284686noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8208352897435046717.post-11623109966470376182018-05-20T12:06:00.004-07:002018-05-24T09:30:56.425-07:00Maio 68 contra o patriarcado<!--[if gte mso 9]><xml>
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<br />
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<span class="Apple-style-span" style="font-size: 27px;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="FR"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>1. Diz-se habitualmente que um dos motivos de
Maio 68 foi a crise de gerações. Mas porquê nessa altura </span><span style="mso-ansi-language: PT;">e por todo o lado, do Japão à Califórnia? </span><span lang="FR">Revolução leninista, para tomar o poder ? claro que não, o
‘gauchisme’ ou esquerdismo pôde sonhar com isso (na Alemanha e na Itália deu
grupúsculos armados), mas em França nunca lhe esteve ao alcance.</span><span style="mso-ansi-language: PT;"> Se houve revolução, também não foi ‘cultural’, à
maneira do maoismo. Também não foi só uma ‘revolta’, apaziguada com os acordos
de Grenelle entre o governo e os sindicatos, que puseram fim às greves de
ocupação. A resposta implica uma avaliação das mudanças que houve. Em todo o
caso, para revolução, mais seria anarquista, que era a bandeira de Cohn-Bendit,
que no sábado de 11 de Maio, numa mesa redonda politica na televisão, a certa
altura voltou-se para os espectadores, desafiando os operários a juntarem-se à
greve dos estudantes: os sindicatos tinham convocado uma greve geral para 2ª feira,
13, os jovens operários de Sud Aviation, em Nantes, ocuparam as fábricas e o
movimento alastrou-se em ocupações anárquicas de quatro semanas, contra os
sindicatos e o leninista partido comunista, pararam comboios e metros, acabou a
gasolina nas bombas. Tudo parou, as pessoas nas ruas de Paris tratavam-se por
tu, a qualidade do tempo quotidiano mudou até junho.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>2. Se para se saber o que foi esse
anarquismo não programado teoricamente, há que perguntar pelas consequências,
então a mais célebre terá sido a da libertação sexual que veio para ficar,
seguindo-se o feminismo, os movimentos gays e lésbicos, assim como a contestação
das hierarquias<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn1" name="_ftnref1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[1]<!--[endif]--></span></span></a>. Contestação
por quem? Pelos que entraram na cena politica, as mulheres e os/as jovens,
aquelas chegadas à esfera social dos empregos fora de casa, estes/as a chegarem
à idade adulta em que se sai de casa. Foi uma <i>população nova na cena pública</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> que tomou a palavra – <i>la prise de la parole</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, título do ensaio de Michel de Certeau –, tomou a
palavra política, em França e por todo o lado, do Japão à Califórnia passando
por Praga. Contestou o patriarcado familiar, o pai e o marido-patrão, pela
simples presença afirmada sem licença fora de casa, mas fora de casa também contestou
o poder do pai, o patriarcado social, o poder dos ‘patrões’, dos professores e
dos ‘padres’, </span><span lang="FR">com o papa Paulo VI a desperdiçar o
‘aggiornamento’ conciliar com uma encíclica que proibia a pílula e abria a
porta da rua aos católicos progressistas</span><span style="mso-ansi-language: PT;">; contestados até os dirigentes sindicais e partidários leninistas, que bem
lhes responderam, aos grupúsculos de várias tendências, dizendo-os contaminados
com “a doença infantil do comunismo”.</span><span lang="FR"> Um cartoon apontava
o retrato na parede do </span><span style="mso-ansi-language: PT;">secretário
geral </span><span lang="FR">do P. C. F., brincando com o nome dele, Waldeck
Rochet: ‘va le décrocher’ (vai desprendê-lo). Quem assim ria, como se tornou
lendário o riso de Cohn-Bendit, que líder que ri não comanda, quem assim ri não
quer tomar o poder, delega essa tomada à imaginação. O esgotamento dos partidos
comunistas começou daí.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="FR"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>3. </span><span style="mso-ansi-language: PT;">Note-se
que Maio 68 também foi bom para os patrões: </span><span lang="EN-US" style="color: #545454; mso-ansi-language: EN-US;">30 anos mais tarde, </span><span style="mso-ansi-language: PT;">em </span><span lang="EN-US" style="color: #545454; mso-ansi-language: EN-US;"><i>Le nouvel esprit du capitalisme</i></span><span lang="EN-US" style="color: #545454; mso-ansi-language: EN-US;">, o sociólogo Luc
Boltanski mostrou como as empresas </span><span style="mso-ansi-language: PT;">fortemente
hierarquizadas tinham introduzido a flexibilidade do ‘espírito’ de Maio 68 e
simplificado burocracias, desmantelado produções em oficinas autónomas,
aligeirando quer em proveito dos vários níveis de trabalho quer em proveito do
capital (que entretanto entrou em outra lógica, neo-liberal, recuperando o que
acordara em Grenelle). </span><span lang="FR">Resta saber o </span><span style="mso-ansi-language: PT;">porquê deste movimento? no que ele implicou de
conflito de gerações, que não foi só no espectacular Maio francês, que iluminou
de liberdade os países capitalistas após vinte e poucos anos de desenvolvimento
com Estado social, a melhor época desde o fim da guerra do ponto de vista
social democrata. O que é que lhe permitiu o desencadeamento, que cadeados e
grelhas caíram para que mulheres e jovens assim se tenham apoderado das ruas em
todo o planeta industrializado? Responder à questão implica que se lembre que
somos estruturados com o que vem de fora, com o que <i>aprendemos</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, usos e costumes sociais que nos fazem da nossa
tribo com estilo individual, implica saber que as rupturas revolucionárias são
justamente a implantação de novos usos. Que usos tinham mudado para que Maio 68
fosse tão galvanizador? A invenção decisiva das sociedades modernas, com a
electricidade, foi a máquina: no pós-guerra, pela primeira vez as máquinas saíram
das fábricas e dos comboios e chegaram à população civil como grande <i>possibilidade</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> nova. Um artigo do <i>Le Monde</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> de 4 de Maio deste ano, diz como a Renault em
1972 lançou o modelo R5 que teve imenso sucesso até meados dos anos 80 e foi
concebido para “agradar a duas clientelas até aí negligenciadas: os jovens e as
mulheres”. Os tais que tinham tomado a palavra, que, sendo gente que usava a pílula,
que fazia amor e não a guerra, estavam a poder serem <i>pilotos</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> de automóveis, assim como elas igualmente manobravam
máquinas de lavar, aspiradores e outros electrodomésticos. E era o que fazia
diferença em relação aos ‘patriarcas’ lá de casa, em relação à geração anterior:
foram novos usos que os modernizaram, os tornaram autónomos nas suas vidas e
portanto críticos dos ‘antiquados’ que coarctavam essa autonomia, que muitos
nem sequer saberiam das novas possibilidades que estavam à vista, que as televisões,
o cinema e as músicas todavia mostravam. Sociedade de consumo? há que perceber
que para muitos foi acesso a um nível novo de conforto na vida, que saber
pilotar máquinas dá uma capacidade de autonomia inestimável, terá sido um dos
motores do que se abriu na grande alegria de Maio (que Junho acinzentou), uma
brecha, com riscos, mas que não se deve fechar (Cohn-Bendit).<o:p></o:p></span><br />
<span style="mso-ansi-language: PT;">[texto editado pelo Público on-line em 20 de maio 2018]</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><b>Em 1968, Marx já tinha 150 anos<o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">4. A coincidência de passarem 200 anos sobre o
nascimento de Karl Marx leva a perguntar pela ‘pertinência marxista’ da grande
greve do Maio 68 francês. Que não foi leninista, parece claro: os acordos de
Grenelle entre o governo gaullista e os sindicatos, “em que, segundo Jorge
Almeida Fernandes, os trabalhadores obtiveram uma inimaginável vitória, em termos
salariais e de horário, mas também de liberdade [...] criação dos comités de
empresa” (<i>Público</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> de 5/5/18),
representariam – “numa sociedade de abundância e em crescimento, no auge dos
‘Trinta Gloriosos’” (ibidem) –, pode-se dizer, o auge do reformismo social-democrata,
mas que a escola de Chicago de Milton Friedman se encarregou de recuperar para
o capital, a cavalo da nova vaga industrial electrónica. Há que distinguir duas
descendências do marxismo na viragem para o século XX, uma que procurou seguir
a critica do capital de Marx e teve que se adequar à evolução das sociedades
industrializadas, o reformismo social-democrata, e outra que não tinha que ter
em conta as lições de <i>O capital</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> por se tratar de sociedades de predominância agrícola mais ou menos feudal
na Rússia ou na China, e que, nos seus períodos ‘leninista’ ou ‘maoista’, o que
fizeram foram formas aceleradas de industrialização à base da “ditadura do
proletariado” exercida pelo Estado que se acentuou muitíssimo (também como
repressão) quando a teoria previa que se dissipasse, tendo culminado a partir
de certo momento em estruturas capitalistas (que na China mantiveram uma
tradição estatal de mais de dois milénios de burocracia mandarim disseminada
por todo o território). <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">5. Porquê a social-democracia ou o reformismo
marxista, vilipendiado pelos leninistas</span><span lang="FR"> (nomeadamente por
ter largado a nacionalização de toda a propriedade industrial</span><span style="mso-ansi-language: PT;">) como se só houvesse um tipo de sociedade e como
se o leninismo fosse marxista, ou seja, porque é que a revolução não vingou
como Marx preconizou? Não sei discutir a dimensão económica desta questão, mas
percebeu-se em Portugal nos anos 80 que esse tipo de revolução – como a houve
na pequena Cuba, mas igualmente um pais sem indústria – não era já possível nas
sociedades contemporâneas. Vejo duas razões ‘filosóficas’. Uma delas é que não
se pode prescindir do mercado como estrutura de troca em sociedades razoavelmente
complexas, já que da parte dos cidadãos o dinheiro é um mecanismo de liberdade
de escolha, ainda quando os orçamentos familiares são curtos; ora, essa complexidade
implica alguma autonomia entre as redes bancárias e financeiras e a dimensão
politica, tanto mais quanto esta estiver dependente de eleições democráticas e
de liberdade de expressão (vê-se bem nas autocracias actuais, Rússia, Turquia,
Hungria, Polónia). A segunda razão liga-se à primeira, o capitalismo ganhou
porque inovou fortemente em termos industriais e propôs, por exemplo acima,
automóveis e electrodomésticos que justificam que se queira ter melhores
salários. Não tenho dúvidas de que Marx não podia prever isso, ele nem sequer
soube das possibilidades extraordinárias que a electricidade iria dar à
indústria capitalista. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">6. A célebre IX tese sobre Feuerbach, que os
filósofos só o que fizeram foi interpretar o mundo, quando o que se tratava é
de o mudar, é ingrata em relação à filosofia. Marx pensava talvez nos
pensadores europeus até Kant (sem atender a que este separara filosofia e
ciências, enquanto Newton, por exemplo importante em termos de ‘mudar o mundo’,
se considerava filósofo e cientista), mas tendo o exemplo de Hegel diante dele,
em que a filosofia levava a melhor sobre a história, o direito e a economia.
Ora, Marx concebeu o seu materialismo histórico e dialéctico como uma forma de <i>filosofia
<b>com</b></i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"><i> história e economia</i></span><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn2" name="_ftnref2" style="mso-footnote-id: ftn2;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[2]<!--[endif]--></span></span></span></a><span style="mso-ansi-language: PT;"> e é destas dimensões científicas que lhe veio o
motivo de revolução, dependendo esta necessariamente das suas circunstâncias,
imprevisíveis (como ele próprio diz no prefácio de 1872 ao <i>Manifesto do
Partido Comunista</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">)<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn3" name="_ftnref3" style="mso-footnote-id: ftn3;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[3]<!--[endif]--></span></span></a>.
Sendo assim, o que propus como razão de ser da grande efervescência de há 50
anos, a mudança dos usos pelos carros e máquinas eléctricas, acaba por bater
certo com uma perspectiva marxista incidindo, não na esfera da politica, a não
ser no que aos acordos de Grenelle diz respeito que foi sol de pouca dura, mas
no que se poderia chamar a esfera antropológica da reprodução, para não dizer
do <i>erotismo</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, além da
reprodução biológica propriamente dita.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">7. Já agora, num bom artigo de jornal sobre Karl
Marx do jornalista Manuel Carvalho no mesmo número do <i>Público</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, em que cita algumas valorizações inesperadas de
Marx pelo deputado Paulo Rangel do PSD, uma delas é para dizer que “a ideia de
que são os factos económicos que explicam os comportamentos humanos em geral e
o próprio sistema politico foi o seu principal legado”. A fórmula tradicional
era “</span><span lang="EN-US" style="color: #333333; mso-ansi-language: EN-US;">não
é a consciência dos homens que determina o seu ser; é o seu ser social [a
economia] que inversamente determina a sua consciência”, com a palavra feitiço </span><span style="mso-ansi-language: PT;"><i>determinação</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> que Derrida detestava mas merece alguma consideração, comparando-a com
duas outras etimologicamente equivalentes, ‘definição’ e ‘delimitação’: as três
dizem limites, fronteiras (fines), términos, mas apenas ‘determinação’ tem
igualmente um sentido de ‘causalidade’, que se poderia dizer ‘substancialista’
não fora esta relação com os outros dois termos que dizem ‘limites’; o que
parece resultar desta comparação é que determinação diz a causalidade dentro
dos limites nos quais ela se exerce, isto é, <i>determinação de possibilidades
de movimento</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, que é justamente o
que as ciências dão a conhecer. Precisado assim o sentido, o que é que a
economia determina? Por exemplo, a vontade de comer que nos leva a sentarmo-nos
à mesa? Ou esta releva da nossa anatomia, ‘determinada’ pela lei da selva? É a
economia que determina a nossa anatomia ou pelo contrário a anatomia que
determina parcialmente a economia, obrigando-a <i>antes de mais</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> a instituir redes produtivas e comerciais de alimentação
e a que os salários pagos em geral sejam suficientes para alimentar as
famílias? Deve-se mesmo dizer que esta determinação implica uma prioridade
absoluta da ciência económica, a da eliminação da fome. Este primeiro
argumento, que se pode estender a outras necessidades biológicas ou anatómicas
como habitação e segurança</span><span lang="FR">, <i>implica que não haja </i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"><i>nenhuma instância </i></span><span lang="FR"><i>determinante</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">: atribui-la à economia significa cortar com a
biologia, opor a esta as ciências das sociedades. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">8. Venhamos agora à determinação da ‘consciência’
pela economia. Aqui, além do argumento anterior voltar – se a consciência
pertencer à anatomia cerebral –, parece que o velho marxismo cedeu à metafísica
dualista, na medida justamente em que este argumento procura contrariar esse
dualismo, sem ter neurologia nem filosofia da linguagem que lhe pudesse ajudar
a construir o argumento. É onde a formulação de P. Rangel é mais inteligente,
substituindo a consciência pelos comportamentos humanos, que seriam
‘explicados’ e não determinados pelos factos económicos. Insuspeito de
marxismo, parece que Rangel aceita esta ‘explicação’ como legado recebido por
não marxistas, o que torna a questão mais interessante ainda. O que entender
por ‘factos económicos’? Por um lado, exclui factos de dimensão politica e
cultural ou ideológica, por outro parece restringir a ‘instância económica’
geral a ‘factos’, que se possam confrontar com ‘comportamentos humanos’,
porventura às incidências da actividade económica de cada humano nos seus
comportamentos; mas por outro, que esses factos também expliquem o sistema
politico, deixa o económico igualmente do lado do sistema, não apenas dos
factos. Serão então os comportamentos humanos, enquanto ‘explicados’ (e não
‘determinados’), que pedem explicação: ora, eles foram aprendidos em unidades
locais, família, escola e arredores antes de instituições onde se trabalhe,
mesmo o que se revele da ordem da especialização profissional dificilmente se
desliga não apenas das outras aprendizagens como das idiossincrasias de cada
um. Aprendidos embora nos seus percursos na tribo, os comportamentos humanos
fazem parte do enigma estrutural de cada um, não são explicáveis por distinções
entre anatomia, económico, político, social, cultural, mas as aprendizagens
fizeram-se dentro de possibilidades que se foram alargando e restringindo –
novas possibilidades eliminam outras abertas anteriormente – ao longo da vida
(o que é sobremaneira grave é o que acontece àqueles que nascem em condições
tribais que desde logo têm possibilidades muito restringidas, à beira da
miséria e da fome). É por isso impossível pretender que os ‘factos económicos’
que implicam dimensões diversas, quer biológicas quer aprendizagens antropológicas
como andar e falar, determinem ou expliquem esses comportamentos humanos. Os
linguistas soviéticos discutiram nos anos 30 o lugar da língua na formação
social e Estaline decidiu a questão dizendo que a língua não pertence à
super-estrutura. Ora, como a língua está em todas as instâncias sociais, é o
próprio conceito de super-estrutura e da sua oposição à infra-estrutura que se
desvanece. Por seu lado, a ‘consciência’ enquanto forma susceptível de ser
factor social releva da fala, é a auto-afectação pela própria voz (Derrida),
aquilo a que Damásio chama ‘mente’. Com tudo o que as ciências hoje nos
ensinam, sabemos demais para continuar a acreditar em determinações que
determinem: as determinações que há, os limites de possibilidades, não têm
factores singulares a determiná-las, são, por assim dizer, pluri-determinadas. <o:p></o:p></span></div>
<div style="mso-element: footnote-list;">
<!--[if !supportFootnotes]--><br clear="all" />
<hr align="left" size="1" width="33%" />
<!--[endif]-->
<br />
<div id="ftn1" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref1" name="_ftn1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[1]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span lang="FR" style="font-size: 10.0pt;">Com alguma igualdade de
salários : quando em outubro de 68 fui trabalhar num laboratório de física
nuclear como operador de computador, tendo direito a um salário superior ao dos
meus colegas por ter uma licenciatura, foi-me proposto baixar o meu em proveito
do dos outros, para ‘trabalho igual, salário igual’.<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn2" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref2" name="_ftn2" style="mso-footnote-id: ftn2;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[2]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span style="font-size: 10.0pt; mso-ansi-language: PT;">Lenine
ter-lhe há dado uma dimensão exclusivamente política, creio eu que nunca o consegui
ler.</span></div>
</div>
<div id="ftn3" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref3" name="_ftn3" style="mso-footnote-id: ftn3;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[3]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span style="font-size: 10.0pt; mso-ansi-language: PT;">“Apesar das
circunstâncias terem mudado muito no decurso dos últimos 25 anos, os
princípios gerais expostos neste <i>Manifesto</i></span><span style="font-size: 10.0pt; mso-ansi-language: PT;"> conservam ainda hoje a sua exactidão nas suas
grandes linhas. Haveria que rever, aqui e ali, alguns detalhes. O próprio <i>Manifesto</i></span><span style="font-size: 10.0pt; mso-ansi-language: PT;"> explica que a aplicação dos
princípios dependerá em todo o lado e sempre das circunstâncias históricas
dadas, e que, por consequência, não há que atribuir importância demasiada às
medidas revolucionárias enumeradas no final do capítulo 2. Esta passagem seria
hoje, em bastantes aspectos, redigida de forma diferente”, escrevem Marx e
Engels no prefácio que redigiram para a reedição de 1872 do que consideram um
“documento histórico que não nos atribuímos já o direito de alterar” (</span><span lang="FR" style="font-size: 10.0pt;">K. Marx et F. Engels, <i>Manifeste du Parti
Communiste</i></span><span lang="FR" style="font-size: 10.0pt;">, trad. de Laura
Lafargue, Éditions Sociales, 1962, p. 9-10).</span></div>
</div>
</div>
<!--EndFragment-->Fernando Belohttp://www.blogger.com/profile/17937204465115284686noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8208352897435046717.post-15984803395783606482018-05-09T10:17:00.003-07:002018-05-10T04:32:58.286-07:00Exercício em torno de H2D<!--[if gte mso 9]><xml>
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<br />
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<span class="Apple-style-span" style="font-size: 27px;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">1. isto é, em torno dos três pensadores que me
inspiram, foram eles que fizeram o percurso até ao motivo de cena
fenomenológica (que em <i>Le jeu des Sciences</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> é o que dá o título ao capítulo sobre eles e Prigogine): devo partir de Husserl
ou recuar até ele? Ambas as hipóteses podem ter as suas fecundidades. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">2. Não há dúvida de que o ponto forte de partida é
a intencionalidade enquanto anulação da oposição sujeito / objecto: <i>sem este
na sua exterioridade, não há consciência</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, não há sujeito, não há pensamento, não há Cogito. O conhecimento é
prévio, é condição do pensamento; é portanto condição de um e do outro que o
mundo de objectos exista, embora venha a ser reduzido na sua empiricidade<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn1" name="_ftnref1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[1]<!--[endif]--></span></span></a>.
Mas tratando-se de ‘objecto’, como Heidegger dirá, está-se já na filosofia,
Husserl repete a definição que retira o ‘objecto’ do contexto, do mundo que
está na origem dos ‘objectos’. Ou seja, estes são objectos de percepção, visual
ou manual, mas </span><span style="mso-ansi-language: PT;"><i>inertes </i></span><span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Times New Roman'; font-size: 16px;">(tal como sucede nos exemplos dos filósofos europeus, ao contrário dos medievais que exemplificavam com cavalos)</span><span style="mso-ansi-language: PT;">, sem
movimento nem tempo, encaminham-se para essências ideais; é nesse caminho que
encontram a linguagem do juízo categórico que torna possível o nível básico do
conhecimento: S é P (sujeito é predicado), S substantivo (trata-se de um objecto)
é P adjectivo (qualidade a definir), sendo que o ‘é’ não é dado na percepção,
diz Husserl, Heidegger levou-o para o Ser que <i>dá</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> o tal objecto, mas este ‘é’ pertence à linguagem
filosófica da definição, a chamada ‘cópula’, nem sequer é verbo (não tem tempos
nem modos); fora da definição é uma forma verbal que permite dizer a existência
(das coisas do mundo), e por isso também dizer a ligação (cópula) entre os
substantivos e os adjectivos, as coisas e o que conhecemos delas, o que elas
são enquanto tais, a sua espécie. Dirá um dia Lyotard que os limites de Husserl
são os de a consciência que ‘constitui’ intencionalmente objectos não poder
constituir nem o Ser (Heidegger) nem o Outro (Levinas).</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">3. Heidegger fez cair as fronteiras entre o
objecto e o seu contexto, retirando o ‘sujeito filosófico’ do conhecimento (como
Kant retirara a ‘alma’), substituiu-o pelo <i>Dasein</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, o humano enquanto sendo no seu mundo, introduziu
o tempo e o cuidado, este implicitando quer o trabalho quer a linguagem. O Ser
é colocado desse lado do mundo, do lado que o dá, implicitando também o nascimento,
só explícita a morte, mas como antecipação, não como facto empírico, tão
implícito na temporalidade como o nascimento: mas o que é fortemente
implicitado com a temporalidade é o <i>movimento</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, nos seus exemplos as plantas (flores e frutos na
leitura que faz da <i>Physica</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> de
Aristóteles) mais do que os animais, que me lembre. Mas aí vai-se o
conhecimento, a biologia não o interessa mais do que as outras ciências, o
mundo dos humanos é aonde eles são projectados, afectados, compreendendo-o por
aprendizagem prévia (pré-compreensão) e com discurso que interpreta essa
compreensão, o que indicia – em <i>Ser e Tempo</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> – diferença entre compreender e dizer:<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>a linguagem será cada vez mais
importante, sobretudo a meditação da historicidade de palavras gregas e alemãs
arcaicas. As coisas também são temporais, não apenas os humanos, em <i>Tempo e
Ser</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>não são já dadas pelo neutro Ser da diferença ontológica,
mas ‘ser e tempo’ de cada coisa são-lhe dados pelo Acontecimento (ontológico: <i>Ereignis</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">), mais perto pois do contexto, do nascimento ou
do fabrico. Mas só mais perto, já que ele não chega a dizer que o <i>Dasein </i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">humano éa dado pelo <i>Ereignis</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, apesar do motivo da pro-dução (que será
sobremaneira das coisas, não dos vivos?). A grande descoberta do II Heidegger é
o <i>retiro da doação</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">: o que dá
ente deixa-o ser, dissimula a sua força doadora, <i>deixa ser o ente em sua
autonomia</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, em sua temporalidade,
motivo estrutural da cena fenomenológica<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn2" name="_ftnref2" style="mso-footnote-id: ftn2;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[2]<!--[endif]--></span></span></a>.
O que é crucial no motivo do Acontecimento é a pluralidade da doação, quase
larga o cordão umbilical à ‘criação’, à ontoteologia, abre o desenho da cena
fenomenológica (sem as especificações que lhes vêm dos diversos níveis científicos),
mas ainda sem algo que lhe é essencial, as relações entre os entes, que permanecem
uma ‘população’ sem organização, digamos assim: <i>Ser e Tempo</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> não sabia o que fazer do <i>outro</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> <i>Dasein</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, do <i>Mitsein</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">4. E é onde Derrida decide, com a <i>différance</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> e a <i>trace</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">. O que ele traz consigo e lhe permite revolucionar o campo
husserlo-heideggeriano é a predominância da linguística no alvoroço
estruturalista da época, aliança da filosofia com várias ciências sociais e
humanas mas batendo com a cabeça no muro do tempo que Heidegger abrira: <i>a
différance e a trace não teriam sido possíveis se se tratasse apenas de
filosofia, sem essa aliança</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">. Ora,
na primeira parte da <i>De la grammatologie</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, ambos os motivos avançam sem que a diferença entre ambos seja
esclarecida, pelo menos que eu tenha dado por isso. Com efeito, ele pretende
que entra pela linguística, pela linguagem, mas que poderia entrar doutra
maneira, que é apenas uma questão de estratégia, assim como repetirá frequentemente
que a <i>différance</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> e a <i>trace</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> têm muitos outros parceiros, <i>marca</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, </span><span lang="FR"><i>marche </i></span><span lang="FR">(degrau, caminhar),</span><span lang="FR" style="mso-ansi-language: PT;"> </span><span style="mso-ansi-language: PT;"><i>suplemento</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, e por aí fora, consoante o </span><span lang="FR">(</span><span style="mso-ansi-language: PT;">con</span><span lang="FR">)</span><span style="mso-ansi-language: PT;">texto, as oposições a desconstruir. Ora bem, é
claro para a <i>différance</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> que
ela vale para a linguagem, com o seu jogo entre ‘e’ e ‘a’, entre oral e escrita
na poesia e na literatura mas também na filosofia, por onde a gramatologia
entrou com uma nova questão vinda desde o <i>Fedro</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> de Platão; mas valerá igualmente para a biologia
e seu pro-grama genético? Por certo, que ele tem retenções e adiamentos como os
textos de língua, no metabolismo celular, ou na embriologia. Quando muitos anos
mais tarde, conversando com Elisabeth Roudinesco, Derrida falará da <i>trace
vivante</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, do rasto vivo, deixa
transparecer que a sua proposta gramatológica de que <i>o</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> <i>rasto é sempre prévio ao ente</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> vale para os vivos mas não é claro que valha para
os inertes, para as rochas ou para os oceanos e atmosferas, como se houvesse
uma ruptura entre os astros em geral e a vida terrestre, entre a física e a
química inorgânica por um lado e a biologia bioquímica por outro: as ciências a
interferirem na filosofia.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">5. Para esclarecer esta questão inesperada,
vejamos o que é que a <i>trace</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> ou
rasto acrescenta à <i>différance</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">.
A noção de ‘vestígio’ (<i>trace</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">
em francês) implica que este é um sinal ‘presente’ de algo de ‘ausente’ que o
precedeu como seu motivo, algo que ‘risca’: um risco é um vestígio de um giz,
de um lápis que já não está lá e deixou <i>marca</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, um traço. Esse ‘ausente’ que deixou ‘presentes’ <i>trabalhou</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, gravou, imprimiu, <i>inscreveu</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">. <i>Outro </i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">produziu<i> este</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, há relação
entre o que se nos dá como presente e o ausente que o deu. Exemplo maior: a
aprendizagem da linguagem, quando alguém fala aqui e agora, houve antes quem
tenha falado, cujas falas ausentes se inscreveram neste </span><span lang="FR">presente,
que é vestígio delas. Ora, esse ‘ausente’ que fez não é puramente ausente,
embora sem ser presente : está <i>retirado</i></span><span lang="FR">, está
lá sem estar, </span><span style="mso-ansi-language: PT;">como</span> <span lang="FR"><i>antepassado</i></span><span lang="FR"> (os antepassados não passam,
retiram-se). M</span><span style="mso-ansi-language: PT;">otivo</span> <span lang="FR">heideggeriano, sim, mas que largou o Ser e o <i>Ereignis </i></span><span lang="FR">Acontecimento, largou o nível da ‘diferença ontológica’, transpôs-se
para o das relações entre entes, para o trabalho que há entre eles, de geração
nomeadamente, exemplo importante. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span lang="FR">6.
</span><span style="mso-ansi-language: PT;">Voltemos à questão que dissemos
inesperada, entre química mineral e bioquímica. Dois átomos de hidrogénio e um
de oxigénio trocam electrões de maneira a formar-se uma molécula de água (H<sub>2</sub>O),
de tal maneira forte que acima dos 100 graus prefere desliquidar-se e
gaseificar-se, perdendo as forças electromagnéticas da liquidez, do que
desfazer a molécula, vai às nuvens, chove e volta ao mar, máquina a vapor,
sempre se guarda como água, tão importante na nossa biologia: dá para pensar
que uma molécula de água é ‘vestígio’ de dois mais um átomos que a deram? Que
da aproximação deles</span> <span style="mso-ansi-language: PT;">resultou a
transformação desses átomos numa nova molécula, sendo essa transformação o trabalho
do rasto? dizer que electrões, que são os elementos chave das transformações químicas,
se <i>inscrevem</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> numa molécula com
novas qualidades, fazendo-a? Mas os átomos estão presentes na nova molécula!
Outro fenómeno curioso, tão importante na nossa civilização, a electricidade é
uma corrente de electrões que correm através das moléculas dum cabo metálico,
por exemplo, sem se fixarem nele; são transporte de energia que algo produziu
que não está lá já, uma turbina de barragem hidráulica, por exemplo: pode-se
pensar gramatologicamente que a corrente é vestígio da pressão da turbina? Não
será reduzir o rasto à causalidade física? E a corrente ionizada dos sistemas
neuronais que gravam o que se aprende em sinapses, vestígio aqui de sons
ouvidos ou de pessoas vistas e acarinhadas <i>retiradas</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> de tal maneira que a activação dessas sinapses se
fará jogando numa circunstância diferente, sem que se saiba desses
antepassados? Por ora, não sei responder, nem sim nem não (talvez não); nem
sequer sei como é que a doação retirada heideggeriana, desviada da diferença
ontológica para o nível dos fenómenos, será adequada a estes químicos e
eléctricos. Já que estamos na bioquímica, as suas moléculas orgânicas são
exemplos muitíssimo mais complexos do que a da água, com o inconveniente de se
degradarem mais facilmente. Mas o que decide do </span><span lang="FR">‘</span><span style="mso-ansi-language: PT;">rasto vivo’ é a célula enquanto conjunto com
autonomia – a do seu metabolismo, que resulta da alimentação de novas moléculas
– de se auto-reproduzir: onde parece certo que a célula que se divide em duas
fica antepassada das suas ‘filhas’, estas vestígios dela, rasto ausente com
efeitos presentes. Ora, entre uma qualquer molécula orgânica, à base
nomeadamente de moléculas de carbono, e uma célula que se reproduz, há uma
molécula particular (não, não é o ADN), um ribo, que tem a propriedade de
‘sintetizar’ outras e de permitir assim o metabolismo e portanto a alimentação,
o ácido ribonucleico (ARN): será nestas moléculas, e derivadamente nos ácidos
desoxiribonucleicos (ADN), que perderam um oxigénio (desoxi) – bem gostaria de
saber as incidências dessa perda, nunca li ninguém a explicá-las – que estará o
segredo irredutível da <i>trace vivante</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> de Derrida; o ARN será um <i>escritor</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> de moléculas celulares, segundo Barbieri há um jogo complexo de ribos a
jogarem no metabolismo. E a questão que fica é: entre a água e o ARN, não
haverá rastos que levem à vida? Não só não sei responder, não sei que chegue
das duas químicas, do que as une <i>na</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> ciência química, como muito me admiraria que houvesse quem saiba
suficientemente de bioquímica e de gramatologia para poder responder. Também
não sei prever o que se ganharia com uma resposta positiva. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">7. </span><span lang="FR">M</span><span style="mso-ansi-language: PT;">otivo</span> <span lang="FR">heideggeriano, sim, mas
que largou o Ser e o <i>Ereignis </i></span><span lang="FR">Acontecimento, largou
o nível da ‘diferença ontológica’, transpôs-se para o das relações entre entes,
para o trabalho que há entre eles, de geração nomeadamente, escrevi
acima : mas não só. Também se transpôs para a diferença entre o
pensar/dizer e o ser que se pensa/diz, essa diferença que Parménides dissera
ser <i>o mesmo<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn3" name="_ftnref3" style="mso-footnote-id: ftn3;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[3]<!--[endif]--></span></span></a></i></span><span lang="FR">. Extraordinário percurso da desconstrução que reabilita um dos grandes
pensadores gregos, que o plurilinguismo do helenismo arrumara, o que depois
fôra acentuado pela tradição cartesiana até Husserl. Todavia Platão e
Aristóteles eram-lhe fieis. Platão : no <i>Sofista</i></span><span lang="FR">, pensamento e discurso são o mesmo (263e), discurso não pode ser sobre
nada (262e); Aristóteles : <i>ousia</i></span><span lang="FR"> é primária
(substância) e secundária (essência), o que o latim separou é o ‘mesmo’ em
grego. <i>Regressar a Parménides</i></span><span lang="FR">, como Heidegger não
ousou ou conseguiu,<i> foi a proeza de Derrida: </i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"><i>“</i></span><span lang="FR"><i>não há fora de
texto</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"><i>”</i></span><span lang="FR"> (<i>De la grammatologie</i></span><span lang="FR">, p. 227). </span><span style="mso-ansi-language: PT;">Quando penso/digo ‘o cão comeu o osso inteiro’, a
palavra ‘cão’ traz consigo um dado cão indicado pelo artigo definido, assim
como ‘osso’, enquanto que ‘inteiro’ traz uma qualificação aplicada ao osso. Do
contexto, o pensamento/dito não pensa/diz nada, aquilo a que se chama o
‘referente’, onde,<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>quando, de dia
ou de noite?, se o cão estava com fome ou pelo contrário saciado, etc; naquela
frase da dita ‘realidade’ só se pensa o que é dito, e sempre se pensa quando se
constata que o osso foi inteiramente comido por aquele cão, da mesma maneira
como qualquer cozinheiro, ainda que conversando, pensa cada gesto da sopa que
está fazendo ainda que não ‘diga’ nada, mas revelando-o quando adiante disser,
‘estava distraído, não acendi o lume’, não pensou o gesto dos fósforos e do
gás. E como não se pensa senão na sintaxe duma língua, dizendo mentalmente, <i>tudo
o que se faz é pensado em texto mental, ainda que distraidamente</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, a guiar por exemplo de quem também pode
conversar. O que não deixa de ser engraçado, é como para retornar a Parménides,
Derrida teve que ir roubar ao não parmenidiano Husserl<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn4" name="_ftnref4" style="mso-footnote-id: ftn4;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[4]<!--[endif]--></span></span></a>
a sua ‘redução’ para a aplicar à linguagem, à diferença entre os sons e as suas
diferenças significantes, para poder retirar a ‘subjectividade’ do pensador/falador
do texto que ele pensa/diz, e também retirar as coisas, podendo assim instaurar
a <i>lei da verdade</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, tal que
também permite mentir: só posso mentir, se o que eu digo sem ser em flagrante,
parecer verdade. As falas sobre o que se passou têm a mesma condição das
escritas, trazem pensamento, dito e factos. A condição da mentira é que o que
conta seja verosímil, possa passar como verdadeiro, era a condição que
Aristóteles propunha para as narrativas das tragédias (a ficção é uma mentira).
A mentira não é uma questão entre as palavras e as coisas, nem entre as frases
e os ‘factos’, palavra esta que releva da semântica do verbo <i>fazer</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, entre o que se conta, uma narrativa, e os factos
contados: é uma questão entre dois textos que contam os mesmos factos de
maneira diferente, o que não impede que se possa reconstituir e provar a
falsidade, mediante leitura de indícios dos factos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">8. Como é que a gramatologia de Derrida arrematou
a sequência Husserl / Heidegger nesta minha maneira de ler numa fenomenologia
geral? Se tenho razão em considerar as invenções da definição filosófica e do
laboratório científico como as duas etapas decisivas da aventura ocidental do
conhecimento, há que reconhecer que o gesto decisivo de Husserl de pôr a
intencionalidade esbarrou com o laboratório e com Galileu, na <i>Origem da
geometria</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> percebe-se que é ele
que interrompe a continuidade da história desta: o laboratório põe os
‘objectos’ em movimento como a grande <i>objecção</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> ao conhecimento, torna impossível uma percepção
pura (já que introduz o tempo na geometria, como medida do movimento
laboratorial), <i>Husserl veio aquém do laboratório</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">. Igualmente, o gesto decisivo de <i>Heidegger é
regressar aquém da definição</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">
(inventada por Sócrates, ele privilegia os mal chamados – ele acha –
pré-socráticos), inclusivamente a sua leitura tão fina da <i>Physica</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> de Aristóteles, o grande filósofo definidor, tem
que recorrer a Heraclito – “a <i>phusis</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> (o Ser) gosta de se esconder” – para encontrar o <i>retiro </i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>da
doação do Ser. Mas ambos os H<sub>2</sub> ficaram do lado dos ‘entes’ como
questão primordial do conhecimento, ainda que se tratasse dos humanos. Foi essa
amarra que a introdução da questão da escrita virou do avesso, relendo a antiga
aliança entre literatura e filosofia<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn5" name="_ftnref5" style="mso-footnote-id: ftn5;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[5]<!--[endif]--></span></span></a>:
com a força da <i>différance</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> que
recebera da redução husserliana, ele <i>colou o nome à percepção da coisa</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, acompanhando a inversão que já Heidegger lhe
infligira (pondo a intuição categorial – a do juízo sobre o percebido – como
prévia à intuição sensível, a da percepção), estendendo essa temporalidade à
dos textos <i>que não fazem mais nada do que dizer o mundo</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, os próprios falantes incluídos neste: os humanos
falam e escrevem entre si e assim se entendem no conhecer e no agir e no fazer
e no amar e no cantar... Que não nos lembremos do que se passou connosco antes
dos 3 anos, no tempo da in-fância, da não-fala, é sem dúvida consequência de
que a linguagem toma conta de nós, torna-nos espontaneamente inteligentes ao
aprendermos dos outros as primeiras possibilidades de os conhecermos e ao mundo
deles. “Não há fora de texto”: tanto diz que o que vamos sabendo é sempre particular,
parcelar e parcial, e por tanto incompleto, como diz que há muito mais mundo a
saber, a conhecer, que essa viagem é sem fim, é a nossa finitude.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">9. Heidegger lera palavras históricas, gregas e
alemãs, filosofara sobre as etimologias, deixando-as fora do contexto, como se
ainda guardasse um pé na definição abandonada. Derrida não lê palavras nem
frases (como os silogismos da lógica aristotélica), lê as palavras e as frases
nos textos que <i>conhecem</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">,
melhor ou pior, o mundo que dizem. O texto liga as sintaxes das frases em
sequências textuais mais ou menos longas que interferem entre si, no curto como
no longo contexto, sem regras gerais, a gramática textual a ter que ser
esclarecida de cada vez, o que ele faz constantemente, infatigavelmente, saltando
dum para outro texto que se repercuta no que está lendo, inventando de cada vez
o rigor da leitura que o texto lhe pede. ‘Sintaxe’ é a ordem (<i>taxis</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">) de con(<i>sin</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">)junto das palavras numa frase, mas como as frases num texto dado jogam
umas sobre as outras, a polissemia das palavras (que os dicionários registam
como variações de significado) é no texto que se situa, irradia consoante as
vizinhanças, próximas ou não. Em campos semióticos delimitados, quer
Lévi-Strauss (os mitos ameríndios) quer Barthes (um texto literário, <i>S/Z</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">), jogaram com um motivo de <i>código</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> para discernirem estes efeitos de diferenças de
sentido. Mas em Derrida este jogo de diferenças adentro do texto e com outros
textos vizinhos desfaz qualquer lógica susceptível de cientificidade, de
proximidade paradigmática, é derrotante para qualquer leitor. É porventura esta
complexidade que Platão teme no <i>Fedro</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, que o leitor – que não tem o escritor ao lado para lhe responder às
dúvidas – se veja tentado a fazer como os rapsodos que são capazes de recitar
Homero de cor mas tal hábito de memorização absorva neles a capacidade de
pensar autonomamente. O texto como contexto é o que resiste à definição, tal como
resiste à memória, é o que se presta ao esquecimento. Então o que Derrida
objecta a Platão leva a propor que o nosso conhecimento do mundo e das suas
coisas é feito de memória, de inscrição aprendida, misturada de esquecimentos
devidos à própria temporalidade corporal dos processos, como todos sabemos – e
mal nos iria que nos lembrássemos de tudo o que dizemos e ouvimos, escrevemos
ou lemos – que de nos esquecermos disto ou daquilo quantas vezes nos lamentamos.
Freud também fazia parte da aliança de Derrida. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">10. A maneira como Damásio chamou <i>mente</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> à internalidade da rede neuronal a que só o
próprio tem acesso ajuda a perceber que, por um lado, se trata de fenómenos
químico-eléctricos, de sinapses inscritas por aprendizagem (E. Kandel), e que,
por outro, é aquilo que nos é mais pessoal, aquilo que cada um de nós mais
privilegia no que é, no que ama, no que pensa, no que busca, aquilo que sempre
a filosofia e o cristianismo privilegiaram como intelectual, espiritual,
mental: Damásio articula assim como mesmo neuronal o que sempre foi ao longo
dos séculos dito e pensado como duas dimensões opostas e se trata de dois
acessos diferentes<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn6" name="_ftnref6" style="mso-footnote-id: ftn6;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[6]<!--[endif]--></span></span></a>. Uma
reflexão equivalente se pode fazer a partir duma caracterização do humano pelo
filósofo José Gil como “uma respiração que fala” (<i>As metamorfoses do corpo</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">). A respiração é um processo de conduzir o
oxigénio a cada uma das células, que será captado como fonte de energia do
metabolismo celular, donde o movimento do vivo. Falar é por seu lado transcender
a situação orgânica da mente e entender-se com a mente de outro. A palavra
grega <i>pneuma</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, <b>sopro</b></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, como <i>ruah</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> em hebreu e <i>spiritus</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> em
latim, que o cristianismo traduziu por ‘espírito’, mantém na sua letra relação
à <i>respiração</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, sem a qual não
há <i>fala</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">: articula igualmente
opostos tradicionais da filosofia. Poderíamos ousar: <i>respiritual</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, <i>neuromental</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">. Estes dois termos dizem como se movem os humanos com células a carbono e
como nunca se moverão os robots a sílica dos inteligentes do Vale da Sílica que
nos ameaçam o futuro, dizem o que eles não sabem mas que salta à vista dum
idiota como eu.<o:p></o:p></span></div>
<div style="mso-element: footnote-list;">
<!--[if !supportFootnotes]--><br clear="all" />
<hr align="left" size="1" width="33%" />
<!--[endif]-->
<br />
<div id="ftn1" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref1" name="_ftn1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[1]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span lang="FR" style="font-size: 10.0pt;">C</span><span style="font-size: 10.0pt; mso-ansi-language: PT;">ondição, ver-se-á com Derrida.
para se poder falar com a mesma palavra ‘cavalo’ de muitos cavalos empiricamente
não idênticos. Os nomes e palavras afins são o primeiro e fundamental exemplo
de <i>redução</i></span><span style="font-size: 10.0pt; mso-ansi-language: PT;">, o
que Husserl não viu e não interessou Heidegger, mas culminou em Derrida no “não
há fora de texto”.</span><span lang="FR"><o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn2" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref2" name="_ftn2" style="mso-footnote-id: ftn2;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[2]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span lang="FR" style="font-size: 10.0pt;">É o que ignora quem o
repudia por causa do nazismo, que é uma nódoa intelectual </span><span style="font-size: 10.0pt; mso-ansi-language: PT;">(</span><span lang="FR" style="font-size: 10.0pt;">não um crime !), insuportável justamente por
causa desta descoberta. Enquanto que o antisemitismo que durou até à velhice, Sibony
(<i>Question d’être entre Bible et Heidegger</i></span><span lang="FR" style="font-size: 10.0pt;">) mostrou que resulta de ele ser um ‘pensador judeu’
que se ignora, excepto numa zona qualquer ‘inconsciente’ onde se gera o
antisemistismo</span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;">.</span></div>
</div>
<div id="ftn3" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref3" name="_ftn3" style="mso-footnote-id: ftn3;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[3]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span lang="FR" style="font-size: 10.0pt;">Derrida trata dessa
questão no texto </span><span style="font-size: 10.0pt; mso-ansi-language: PT;">“</span><span lang="FR" style="font-size: 10.0pt;">Le supplément de copule. La philosophie devant
la linguistique</span><span style="font-size: 10.0pt; mso-ansi-language: PT;">”</span><span lang="FR" style="font-size: 10.0pt;">, <i>Marges</i></span><span lang="FR" style="font-size: 10.0pt;">, em que discute a relação entre categorias de
pensamento e categorias de língua tal como o grande linguista Émile Benveniste
(em <i>Problèmes de linguistique générale</i></span><span lang="FR" style="font-size: 10.0pt;">) os fizera encontrar nas <i>Categorias</i></span><span lang="FR" style="font-size: 10.0pt;"> de Aristóteles e na sintaxe da língua grega.</span></div>
</div>
<div id="ftn4" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref4" name="_ftn4" style="mso-footnote-id: ftn4;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[4]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span style="font-size: 10.0pt; mso-ansi-language: PT;">Mas a
intencionalidade é o início do gesto de retorno ao velho filósofo grego.</span></div>
</div>
<div id="ftn5" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref5" name="_ftn5" style="mso-footnote-id: ftn5;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[5]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span style="font-size: 10.0pt; mso-ansi-language: PT;">Com
cúmplices como Nietzsche, Freud, Blanchot, Mallarmé, Bataille, Ponge, tantos
outros.</span></div>
</div>
<div id="ftn6" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref6" name="_ftn6" style="mso-footnote-id: ftn6;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[6]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span lang="FR" style="font-size: 10.0pt;">No debate com Changeux (<i>Ce
qui nous fait penser. La nature et la règle</i></span><span lang="FR" style="font-size: 10.0pt;">, há tradução port.), Ricœur propõe-lhe esta diferença
de textos, aqueles que eu digo de mim e aqueles que dizem sobre o humano em geral,
mas Changeux nâo entendeu a objecção. Dirá em Portugal em entrevista a Ana Gerchenfeld
(<i>Público</i></span><span lang="FR" style="font-size: 10.0pt;">) que espera que
um dia os neurologistas possam ler o que os seus pacientes pensam, contra a
futura proposta de Damásio.<o:p></o:p></span></div>
</div>
</div>
<!--EndFragment-->Fernando Belohttp://www.blogger.com/profile/17937204465115284686noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8208352897435046717.post-29986980135394945092018-05-03T05:04:00.001-07:002018-05-03T05:28:40.203-07:00Derrida em Lisboa (novembro de 1983)<!--[if gte mso 9]><xml>
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<br />
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<span class="Apple-style-span" style="font-size: 27px;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="FR"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>1. Foi a primeira vez que Jacques Derrida veio
a Portugal, a Lisboa, a convite do Manuel Maria Carrilho, e eu tinha-lhe
escrito </span><span style="mso-ansi-language: PT;">a pedir uma entrevista e
dando-lhe conta duma dificuldade em que me encontrava na redacção da minha tese
de doutoramento. Começara por um projecto de análise de um corpus de
provérbios, com que aliciei o Professor Lindley Cintra que acabou por me
‘salvar’, mas percebi ao fim de alguns anos de tentativas que não sabia
linguística que chegasse e que aliás mesmo para um linguista seria algo de
quase impossível. Fiquei então com a questão da semântica que tinha encontrado
nessa tentativa, a questão do sentido, não apenas na frase, a nível da
linguística, mas também da semiótica, questão essa que fora crucial nos debates
estruturalistas dos anos 60 e 70 e que não tinha ficado resolvida. O que creio
ter conseguido com a gramatologia de Derrida (<i>Epistemologia do sentido</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, ed. Gulbenkian). <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>2. O problema era filosófico e podia
não me ter aparecido, já que não o lera em sítio nenhum: qual era o lugar do
‘corpo’ na linguagem, na ‘fala’ (<i>parole</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">), uma vez que excluído da ‘língua’, com os ‘sons’ reduzidos, à maneira de
Husserl, por Derrida sobre Saussure. Já tinha escrito o volume prático da tese,
a leitura semiótica da <i>Poética</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> de Aristóteles e da <i>Sobre a verdade e a mentira em sentido extra-moral</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> de Nietzsche (<i>Leituras de Aristóteles e de
Nietzsche</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, também editado pela
Gulbenkian), escolhidos por causa da questão da ‘metáfora’, com duas posições
opostas, e estava a escrever a parte teórica. Ao dar pela questão, tinha
organizado as aulas desse ano justamente em torno do tema do ‘corpo’, lendo
Lévi-Strauss e José Gil em antropologia, psicanálise, de que lera apenas a <i>Interpretação
dos sonhos</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, com o <i>Vocabulário</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> de Laplanche e Pontalis, e neurologia, com
Changeux que acabara de sair. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>3. Na conversa, houve um momento
importante, quando eu disse ‘sendo a linguagem que faz o homem’ e ele me
interrompeu ‘eu nunca disse isso’ e eu, inocente, ‘ai não? então sou eu que digo’.
A sensação que tive depois foi a de alguém que estivesse a conversar com Kant e
tivesse sido corrigido por ele! Claro que não sou capaz de restituir o que ele
me explicou, mas lembro-me bem de que disse que ‘corpo’, fazendo par oposto a
‘alma’, sempre que eu digo ‘corpo’ a ‘alma’ vem também, ainda que não dita. Com
efeito, tanto o ‘corpo’ como a ‘alma’ fazem de cada humano uma espécie de <i>ilha</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, desligada do ‘mundo’ que todavia lhes dá
alimentação e aprendizagem.
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<!--StartFragment--><span style="font-family: "Times New Roman"; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT; mso-fareast-language: EN-US;">Era pois necessário mudar de
perspectiva, vim depois a encontrar as raízes corporais da fala na fisiologia
do eixo neuronal entre a audição e a fonação, e a perceber mais tarde a
necessidade das várias ciências reduzirem os contributos umas das outras para
poderem isolar a dimensão de que se ocupam (portanto, de a linguística reduzir
a fisiologia e a acústica). </span><!--EndFragment-->
Além disso, a certa altura Derrida disse-me que os
dois livros dele de que mais gostava eram o <i>Glas</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> (Hegel e Genet) e <i>La carte postale</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> (Freud), aqueles que eu já lera dele sendo,
segundo ele, ‘ainda académicos’. Claro que fui lê-los logo de seguida, apesar
do tempo para a tese não ser muito: ora, foi neles que Derrida descobriu o
motivo de <i>duplo laço</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, que veio
a ser fulcral na descoberta da <i>Filosofia <b>com</b></i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"><i> ciências</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, as cinco me tendo vindo todas juntas justamente pelo jogo nelas de duplos
laços, como me foi dado numa tarde em que chegava a casa, como uma iluminação.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>4. Ainda hoje me arrepio com a ideia
do que teria sido de mim se não tivesse sido esse encontro com Derrida. Ora
aconteceu algo de incrível: tendo no final da sua primeira conferência, na Universidade
Nova, ficado combinado que almoçaríamos no dia seguinte, recebi logo de manhã
um recado a dizer que ele tinha tido uma crise do fígado muito forte essa noite
e que só depois confirmaria, sim ou não, o almoço. <i>Combalido, ele veio
almoçar comigo, generosamente, essa generosidade imensa foi duma grande
fecundidade no resto da minha vida</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">. Chapéu!</span><span lang="FR"><o:p></o:p></span></div>
<!--EndFragment-->Fernando Belohttp://www.blogger.com/profile/17937204465115284686noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-8208352897435046717.post-47969279959551507612018-04-27T05:20:00.003-07:002018-04-27T05:20:45.757-07:00Tempo de trabalhar e tempo de viver
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<br />
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<span class="Apple-style-span" style="font-size: large;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">1. A questão do chamado Rendimento básico
incondicional (RBI) é tratada na nova revista trimestral <i>Electra</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> duma maneira inteligente, pondo em contraste os
argumentos do filósofo André Barata que o defende em dez teses e os do “profissional
de transformação digital” George Zarkadakis (grego, vive em Londres) que o critica.
<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">2. Resumo da posição de A. Barata, a favor do RBI.
“Extinção do trabalho assalariado como um horizonte futuro possível”,
“desmercadorizar o trabalho, devolvê-lo ao campo das finalidades”,<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>“um rendimento universal independente
do trabalho interrompe o ciclo forçado de opressão social”, “uma politica de
rendimentos mais igualitária”, “todos contribuem de forma proporcionalmente
desigual para todos beneficiarem de forma igual”, “não convite ao
individualismo, mas um novo contrato social exigente”, “um novo fôlego para o
projecto europeu”: estas são as sete primeiras teses, as três últimas
debatendo-se com a ambivalência entre uma “social-democracia aprofundando e
alargando o Estado social” e um “mero ajustamento do sistema de produção,
garantia de distribuição de rendimento suficiente” para que “cada novo não
trabalhador não deixe de consumir” e propondo uma “transição de paradigma”, um
“compromisso pela emancipação”.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">3. Resumo da posição de G. Zarkadakis, critica do
RBI, que é estatista, “continua a subjugação do cidadão comum a uma oligarquia
económica e intelectual (que geralmente controla o Estado)”. O Estado tem
aumentado muito o seu papel na economia (como ilustram dois gráficos a
propósito dos EUA), “estamos à beira de uma revolta por parte dos cidadãos do
mundo desenvolvido” (como assinalam Brexit, Trump, Syriza, extrema direita
alemã e austríaca, etc.). Duas opções extremas : nacionalizar a economia, isto
é, comunismo; ou um “capitalismo de Estado e o RBI”, “um caminho para o totalitarismo,
seja marxista ou corporativista”. Questão ética também: “a maioria das pessoas
precisa de se sentir valorizada e produtiva, viver uma vida com significado”,
“uma vida de ócio nos limites da pobreza pode não parecer desejável”. “Se não é
o RBI, qual é afinal a solução? Usar a imaginação e pensar para além da
dependência de um tal Estado, em sistemas inovadores em que a inteligência
artificial , com outras tecnologias, potencie a nossa criatividade e
auto-desenvolvimento, não de cima para baixo, mas de baixo para cima. Em suma,
num futuro pós-trabalho, é preciso reinventar a democracia e o significado do
trabalho”.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">4. Da argumentação deste, retenho uma das
dificuldades maior da de Barata: dirigindo-se a toda a população, como se chega
lá sem ser através do domínio estatal e como consegui-lo sem conflitos imensos?
Em vez de se desenhar o que será o novo ‘paradigma’, à maneira das antigas
utopias, seria melhor ponderar a situação actual como ameaça de agravamento:
robots e computadores criam desemprego e precariedade, sem que se possa
garantir que será um processo sempre crescente que acabaria com todos os empregos
(que seria o contrário dos economistas que crêem no crescimento económico para
‘depois’ distribuir, aumentando empregos, melhorando salários e subsídios de
desemprego). <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">4. O diagnóstico deverá ter em conta não apenas o
desemprego (e os subsídios) e a precariedade dos salários, mas ter em conta
também o facto de a maioria dos salários que são propostos à população activa
correspondem a trabalhos monótonos detestáveis para gente cada vez mais
escolarizada e conhecedora das possibilidades de coisas interessantes para
fazer e ter em conta ainda que frequentemente, em férias ou quando chega a
reforma, muits gente fica sem saber o que fazer desse tempo todo livre. Ora, a
primeira medida que se apresenta – mas tendo em conta que este tipo de questões
não se ‘resolvem’ apenas ao nível de uma sociedade, terá que ser um processo
civilizacional – parece ser a da <i>diminuição dos horários de trabalho</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> em ordem a absorver-se tanto o desemprego como a
precariedade (já em 1980 reclamada por André Gorz em <i>Adieux au prolétariat</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, que glosei largamente em <i>Linguagem e
Filosofia</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, 1987), a dificuldade
sendo a de que não se tratará de medidas gerais, de leis para todas as zonas da
economia nem para todas as regiões, mas provavelmente de medidas oscilantes com
as conjunturas, pedindo contratos com firmeza adequada a essas oscilações e
vigilâncias sindicais e de fiscalização para evitar manobras contra os
trabalhadores. Sendo talvez uma etapa, já serviria para muita gente se
encontrar na situação de tempo livre a mais e de ir aprendendo a gozá-lo à sua
maneira, provavelmente com solidariedades de bairro, fomentando as municipalidades
associações ou locais mobilados de maneira a interessar actividades muito
variadas, de oficinas de reparação a casas de espectáculos, jogos e encontros.
É claro que há muita gente que tem trabalhos criativos, como se diz, onde se
fazem coisas apaixonantes que exigem estruturas, privadas ou públicas, que não
são improvisáveis em casa ou no bairro.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">5. Só a verificação de que o agravamento da
situação se torna incomportável com este tipo de medidas, devido ao desenvolvimento
tecnológico – que entretanto também será afectado pelas questões ecológicas e
de reciclagem de materiais – é que se deverá pôr a possibilidade da criação dum
tipo de RBI, mas destinado apenas a quem o preferir, a quem queira desistir de
hipotéticas melhorias de salários e dum consumo melhorado para poder dedicar-se
às coisas de que gosta: em vez de empregos chatos, tempo para viver. Este tipo
de solução teria a vantagem de não implicar nenhum tempo de ruptura mais ou
menos revolucionária, que haveria de se sujeitar a referendos de resultado incerto,
como se sabe, mas sobretudo de pôr as pessoas a decidirem entre o ‘desgosto de
trabalhar’ e o tempo de viver.<o:p></o:p></span></div>
<!--EndFragment-->Fernando Belohttp://www.blogger.com/profile/17937204465115284686noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-8208352897435046717.post-13984546340422407802018-04-17T19:34:00.002-07:002018-04-17T19:35:41.481-07:00ver no blogue FILOSOFIA COM CIÊNCIAS<!--[if gte mso 9]><xml>
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<br />
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<span class="Apple-style-span" style="font-size: large;"><br /></span></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<span style="font-size: 16.0pt; mso-ansi-language: PT;">recuperar a dimensão filosófica
das ciências, suspensa por Kant <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">1. O texto que esté nesse blogue, na mesma data, foi redigido em resposta a um
‘call papers’ da <i>Revista Portuguesa de Filosofia</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, da Faculdade de Filosofia de Braga, para um
número sobre <i>Filosofia e Ciência</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> (recordo com gratidão que, em tempos de João Vila-Chã director, este me
convidou para escrever um texto para o número sobre <i>A herança de Heidegger</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, que está neste mesmo blogue). Aqui procurei
expor com cuidado uma visão de conjunto da minha proposta fenomenológica. Os
dois árbitros a quem ele foi submetido acharam o texto “confuso” e a revista
recusou publicá-lo. Obviamente que a ‘confusão’ depende de, como o próprio
título assinala na sua invulgaridade, se tratar dum novo paradigma, relevando
da desconstrução pela gramatologia derridiana, e de os peritos, competentes no
“paradigma normal” (Kuhn) – hoje em filosofia das ciências, maioritariamente
‘analítico’ – não compreenderem a argumentação. Sempre pensei que este par de
árbitros é um mecanismo normalizador, evitando textos realmente inéditos,
‘revoluções paradigmáticas’. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">2. Uma maneira de dizer a diferença de
paradigmas: enquanto que, desde Platão, se argumenta sobre ‘categorias’,
‘essências’, ‘conceitos’, temas resultantes da definição, a gramatologia tem
antes demais em conta <i>o gesto de escrita</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> que isolou esses temas, retirando-os do respectivo contexto, a saber, a
operação de definição filosófica e o laboratório científico, gestos <i>históricos</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> da escrita dos textos que impõem fronteiras aos
temas filosóficos e científicos que eles tratam, sobre os quais argumentam. É
numa paisagem totalmente modificada que os gestos das várias ciências se dão a
uma leitura filosófica que termina com a suspensão kantiana e permitem
perceber, <i>tendo em conta o contexto fora do laboratório</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, os duplos laços dos fenómenos de que elas se
ocupam, entre fenómenos expostos e (não-)fenómenos, retirados. Mas há que
acrescentar que nos dois casos, um de Biologia outro de Física, em que
cientistas reagiram a textos meus, também não entenderam a argumentação. Como,
por outro lado, não são legião os fenomenólogos gramatologistas conhecedores
minimamente dos cinco paradigmas científicos e dada a minha provecta idade, não
posso ter nenhuma esperança de reconhecimento desta proposta.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">3. Exemplos de ‘gestos’ em filosofia: o ‘sei que
nada sei’ socrático e a dúvida metódica cartesiana; com a definição, a
instituição da Academia e do Liceu; a <i>Physica</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> como filosofia <b>com</b></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> ciências; o plurilinguismo helenista, donde o
motivo do ‘signo’, abrindo uma brecha no ‘mesmo’ de Parménides, que tinha
continuado em Platão e Aristóteles; a maneira como o platonismo se apoderou do
discurso cristão em Orígenes; a teologia cristão levando no seu bojo a
filosofia para a Europa; a recepção dela pelas universidades medievais;
Aristóteles substitui Platão no tomismo; transformação nominalista; papel de
Newton na critica de Kant; a redução husserliana e a doação com retiro heideggeriana;
a questão da escrita posta à filosofia por um herdeiro de ambos, permitindo entender
não apenas o que os pensadores ‘pensam’ (logocentrismo), mas também o que eles
‘fazem’ escrevendo historicamente (desconstrução). Neste mesmo blogue, o Manifesto
é uma visão de conjunto da proposta.<o:p></o:p></span></div>
<span style="font-family: "times new roman"; font-size: 12.0pt;">4. A primeira vez que esta dificuldade se me
apresentou institucionalmente foi na minha tese de doutoramento sobre a
epistemologia da semântica saussuriana, editada pela Gulbenkian, que o arguente
Vítor Manuel Aguiar e Silva, professor de Teoria da Literatura na Universidade
do Minho, me disse ter sido “uma honra” tê-la arguido. Dito de forma sucinta,
ela resolvia, com argumentação gramatológica, a discussão em torno do <i>signo
</i></span><span style="font-family: "times new roman"; font-size: 12.0pt;">que dominou o estruturalismo
nos anos 60 e que ficara sem solução: foi esta tese que despoletou esta
“filosofia c<b>om </b></span><span style="font-family: "times new roman"; font-size: 12.0pt;">ciências”. Ora, o filósofo e meu
amigo Fernando Gil, que fez parte do júri, explicou ao prof. Lindley Cintra que
o convidara que não conseguia argui-la porque não entendia a argumentação.
Percebi que nunca poderia ter tido um júri de filósofos: com efeito, sou doutor
em Linguística e não em Filosofia, em que apenas tenho como referencial
académico o concurso para Professor Associado na Faculdade de Letras,
departamento de Filosofia, onde ensinei Filosofia da linguagem durante 28 anos.</span>Fernando Belohttp://www.blogger.com/profile/17937204465115284686noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8208352897435046717.post-53771206425632744252018-04-09T05:51:00.003-07:002018-04-09T05:51:14.419-07:00A aliança e as quatro leis que regem o universo
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<br />
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<span class="Apple-style-span" style="font-size: 27px;"><br /></span></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<span lang="FR" style="font-size: 14.0pt;">(a partir das grandes descobertas científicas do
século XX)<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><b>A lei geral da habitação ecológica<o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><b>Sexualidade como aliança e lei da selva<o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><b>A aliança química e lei da gravidade<o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><b>A aliança tribal das palavras e das coisas e a lei da verdade falada<o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><b>A aliança da escola e dos livros e a lei da verdade escrita<o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-spacerun: yes;"> </span><span style="mso-ansi-language: PT;"><b>A aliança técnica da
civilização global<o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><b>Conclusão triste<o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">1. O que segue supõe o motivo fenomenológico d</span><span lang="FR">os duplos laços</span><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn1" name="_ftnref1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[1]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR">, silenciado para não tornar mais complicada esta tentativa de
responder ao</span><span style="mso-ansi-language: PT;"> vago desconforto que eu
sentia em relação às quatro leis da fenomenologia geral, a da selva e a da
guerra, a da gravidade e a da verdade: apenas ‘uma’ lei, sem mais, em cada
cena? E já agora, porquê se trata de ‘lei’? Num texto sobre ciências das
sociedades</span><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn2" name="_ftnref2" style="mso-footnote-id: ftn2;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[2]<!--[endif]--></span></span></span></a><span style="mso-ansi-language: PT;">, resumi a análise do antropólogo francês Pierre
Clastres, que contrapunha Lévi-Strauss e as trocas (de mulheres, bens e
palavras) e Hobbes e a guerra (de todos contra todos): a </span><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">lei geral das sociedades humanas
consistia em trocas adentro das fronteiras e guerra com os estranhos
estrangeiros além delas. Mas, tendo em conta que também entre irmãos (e
vizinhos) a rivalidade é muitas vezes a regra, a rivalidade de quem quer ser
considerado o melhor e o mais forte, acrescentei que se pode dizer que a dupla
lei das sociedades humanas é a lei da aliança e a lei da guerra, <i>a troca e a
sua razão (a discussão) sendo o antídoto desde sempre contra</i></span><span lang="EN-US" style="font-family: Times-Roman; font-size: 16.0pt; mso-ansi-language: EN-US;"><i> </i></span><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;"><i>a
guerra</i></span><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">. </span><span style="mso-ansi-language: PT;">Haveria portanto uma dupla lei, com a
particularidade de a aliança ser <i>constitutiva</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> da ordem social, é a grande tese das <i>Estruturas
elementares do parentesco</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">,
enquanto que a guerra, a rivalidade enquanto concorrência, arriscando-se a
destruir a sociedade, pode contudo conferir-lhe dinamismo, deslocando e
equilibrando forças que se disputam, tanto mais quanto sucede habitualmente
que, quando rivais são submetidos a outros rivais de nível mais forte, a
aliança liga os primeiros na resposta contra os segundos: rivais entre clãs
unem-se na guerra contra tribos vizinhas. Ora, a aliança sendo constitutiva da
ordem social, quer de cada unidade social quer da tribo, quer de cada casa quer
da cidade, a lei da guerra vindo na sequência da organização, dos contrastes
desta fomentando rivalidades, há que procurar a lei que rege a aliança: o defeito
da minha análise, talvez iludido pela força esclarecedora do modelo do
automóvel e da lei do tráfego e pela preponderância do motivo do <i>movimento</i></span><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn3" name="_ftnref3" style="mso-footnote-id: ftn3;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[3]<!--[endif]--></span></span></span></a><span style="mso-ansi-language: PT;">, o defeito foi o de ter limitado as análises à <i>circulação</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> nas cenas e não ter sabido perceber como introduzir
as leis de constituição de cada circulante: ora, essas leis parecem ser todas
leis de aliança. Foi esta a questão que me veio um dia destes. Não posso
continuar a falar de ‘lei da guerra’, como costumo, ou de ‘lei da selva’; e que
dizer da lei da gravidade e da lei da verdade? <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><b>A lei geral da habitação ecológica<o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">2. Como colocar então a questão da lei da aliança
duma tribo? Não temos que imaginar nenhuma ‘origem’ das tribos (porque já
muitas espécies de mamíferos e de primatas se organizam em sociedade, como os
chimpanzés de Jane Goodall), que são submetidas à lei da selva na sua cena
ecológica que lhes dita as <i>possibilidades ecológicas </i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">caso por caso, nomeadamente as dimensões dos
grupos, consoante as outras espécies que lhes servem de alimento ou de defesa
contra carnívoros mais fortes. O que as sociedades humanas acrescentaram, à
medida que foram desenvolvendo linguagem e instrumentos de usos variados de
habitação e culinária, foi o que chamaria <i>lei de habitação ecológica</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">: uma sociedade não pode ser uma multidão, tem que
se <i>organizar</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> residencialmente,
criar ‘unidades locais privadas’ em torno de um ou de alguns núcleos familiares.
Duas famílias unem o filho duma com a filha da outra, fazendo uma aliança entre
elas, tal como as outras o fazem, o conjunto dessas alianças sendo a <i>ordem
tribal do parentesco</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, subdividida
em clãs consoante as dimensões de população e as possibilidades ecológicas.
Nessas unidades, joga-se o interdito de parentesco que impede que elas se
fechem sobre si endogamicamente e as obriga às alianças, mas internamente a
unidade também é constituída por uma aliança, gerida por um paradigma de usos,
que é o que justifica a <i>privacidade</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> (retiro) face aos indígenas de outras residências, ainda que da mesma
tribo e de paradigmas equivalentes. O paradigma que se aprende implica lugares
ocupados por cada um, devendo ganhar habilidade e competência na relação com os
outros e obter o reconhecimento respectivo, com a inerente possibilidade de rivalidade,
de querer ser melhor do que o outro, de ocupar os melhores lugares. Quando a
invenção da agricultura e da criação de gado, a domesticação da lei da selva,
trouxe a possibilidade de especializações, de habitar em cidades, com uma
classe de guerreiros donde o chefe será rei, que na guerra farão escravos para
o seu serviço, enquanto outros vão melhorando ou inventando ofícios,
ultrapassando assim a mera condição biológica das casas rurais
auto-suficientes, criando o citadino. Nas nossas sociedades, acrescentam-se aos
casamentos das residências familiares os <i>contratos</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> que constituem empresas de diversa ordem numa
grande aliança social, que o aparelho do Estado, a moeda, a escola e os médias
regulam. Marido e mulher são aliados mas, como todos sabemos, frequentemente
andam de candeias às avessas, assim como com algum dos filhos e entre irmãos:
aliança com rivalidades (que os divórcios atestaram desde há milénios),
manifestamente que aquela é condição destas, assim como as alianças que
constituem uma tribo são condição prévia das guerras em que ela se empenhe.
Também as empresas, em concorrência com outras do mesmo ramo, implicam entre os
seus componentes a famosa “luta de classes”, entre os juros do capital e os
salários daqueles de cujo trabalho esse lucro resulta, ilustrando a dupla lei:
aliança sem a qual não há empresa e guerra na partilha dessas mais valias. O
marxismo teorizou esta dupla lei assim: a aliança é entre os trabalhadores e as
máquinas e outros meios de produção, as chamadas “forças produtivas”, a luta
entre os proprietários desses meios, o capital, e o salário dos trabalhadores,
as chamadas “relações de produção” e, segundo Étienne Balibar em <i>Lire le
capital </i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">(1965), é a unidade
contraditória dessa dupla que constitui o “modo de produção” capitalista. O
outro grande argumento da lei da guerra é a própria guerra entre sociedades ao
longo da história, desde as tribos, passando pelas ‘nobrezas’ guerreiras até à
feroz concorrência entre capitais e aos desportos de massa que entretêm paixões
adversas dentro das regras dos jogos. A lei geral da habitação ecológica é
composta assim de <i>aliança como</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> <i>lei de composição</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> e
guerra como resultante de <i>conflitos</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> entre os componentes no <i>movimento</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> do colectivo social.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><b>Sexualidade como aliança e lei da selva<o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">3. A lei da selva diz a cena ecológica, mas apenas
para caracterizar a inacreditável regra de os animais terem de comer outros
vivos, animais ou plantas, como condição elementar de sobrevivência, com base
no ciclo do carbono que parte da fotossíntese. O que me escapou foi a atenção
ao lugar da reprodução dos indivíduos que, na esmagadora maioria das espécies
desenvolvidas em organismos, se deve à prodigiosa <i>invenção da sexualidade</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> como capaz de alargar a variedade das anatomias
das espécies. O que há de prodigioso neste sistema, que acresce ao da
alimentação e ao da mobilidade, ambos articulados e regulados pelo sistema
neuronal, é que ultrapassa o princípio da economia química (a que viremos) de
juntar moléculas no contacto físico que vigora nas espécies que se reproduzem,
por exemplo, por cissiparidade (vermes) ou por brotos (hidras de água doce), e
de apostar no acaso dos encontros entre macho e fêmea, com a sua fraca probabilidade,
remediando a esta com a multiplicação enorme de sementes, de células gâmetas,
de pulsões de acasalamento, de nados duma só cópula fecunda. Ora, o que faz
todo o nascimento, de planta como de animal, é constituir a população da selva,
cujos animais ficam sujeitos à agressividade da respectiva lei. Pode-se aventar
uma hipótese que ligue estas duas leis: haverá, apesar de tudo, inúmeras
ninhadas de mamíferos, aves e peixes que acabariam por não ser ecologicamente
viáveis, mas que justamente serão a presa bendita de animais adultos e foram
portanto um factor – trágico – importante na história da evolução. Ora, esta
solução é evidentemente contrariada tanto quanto possível pela mãe (ou o pai
também) que procura defendê-los até serem capazes de se defenderem sozinhos,
ilustrando assim a lei de aliança familiar que é constitutiva do jogo da selva.
O etólogo Nobel Konrad Lorenz, num seu célebre livro sobre <i>A agressão</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, conta numerosos rituais de espécies vertebradas
e por vezes invertebradas que se explicam como inibidores de agressão de
congéneres da mesma espécie, quer para não comerem os próprios filhos, quer
machos ou fêmeas não se comerem entre si em época de acasalamento, autênticos
rituais de aliança que mostram como esta é inerente à lei da selva. Lorenz
chega a dizer, a dado momento, que “o canibalismo é no entanto extremamente
raro nos vertebrados de sangue quente” (cap. VII). No início desse capítulo,
intitulado, “comportamentos análogos à moral”, pusera a questão geral de saber
“como é que o rito consegue esta tarefa praticamente impossível de impedir que
a agressão intra-específica prejudique seriamente a conservação da espécie, <i>sem
que no entanto sejam eliminadas as suas funções indispensáveis no interesse da
espécie</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">” (subl. do autor), respondendo
que a evolução “guardou a pulsão sem a mudar [...] mas instalou, em casos particulares
onde ela podia ter efeitos nocivos, um dispositivo especial de inibição criado <i>ad
hoc</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">”, os tais rituais que conta a
seguir. A lei da selva tem assim uma componente de aliança, que foi aliás o
grande objectivo visado pela teoria da evolução de Darwin: pode-se dizer que
ela resulta da própria lei de aliança como incapaz de sobreviver sem moléculas
de outros, aliança e lei da selva são inerentes uma à outra. Lévi-Strauss
colocou a sua tese do interdito do incesto como um ‘universal’ de todas as
sociedades humanas, com divergências nas outras regras culturais, procurando
que não houvesse razões biológicas que justificassem a universalidade desse
interdito. É o tipo de argumentação que joga sobre oposições, no caso entre
natureza e cultura, de que o interdito seria a articulação. Mas pode-se
justamente objectar que havia uma razão biológica muito forte: a pulsão sexual
destinada a que houvesse muitos filhos deixou de ser nos humanos (e nos outros
primatas? nos chimpanzés de Jane Goodall ainda há cio) limitada a períodos de
cio, o que prejudicaria outros usos, nomeadamente relativos à alimentação. Não
é pois por acaso que a sexualidade foi sempre uma zona moralmente perigosa, de
adultérios e violações, ganhando um lugar na parafernália da lei da guerra. O
que contém este excesso sexual onde não há cio [porque é que este desapareceu,
nunca consegui saber] é assim o paradigma dos usos, cuja lógica implica programação
– retenção de ‘desejos’ que sejam obstáculo ao que se vai fazer que leva tempo,
preparar uma refeição ou construir uma cabana – por assim dizer uma característica
da habitação humana, que a agricultura desenvolverá fortemente, bem como o
artesanato especializado que ela tornou possível.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><b>A aliança química e lei da gravidade<o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span lang="FR">4.
Vindo agora à cena da gravidade, </span><span style="mso-ansi-language: PT;">cuja
lei geral é a da força de atracção entre astros (e graves), o que ficou por
elucidar foi o lugar nela da química, que se pode dizer ser na cena da
gravidade o análogo da sexualidade na cena da vida: com efeito, ela implica uma
proximidade física de moléculas diferentes se atraírem e formarem uma nova
molécula como <i>aliança</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> entre os
átomos das duas primeiras. Ora, é esta composição de moléculas mais complexas,
de cloro e sódio darem cloreto de sódio, o sal do mar, composta a água deste
por sua vez de moléculas de oxigénio e hidrogénio. Contando com as necessárias
condições de pressão e temperatura das estrelas, o que a química trouxe à cena
da gravidade foi justamente os graves em que ela se exerce como força atractiva
de forças electromagnéticas. Na Terra parece claro que estas forças são
necessárias para juntar as moléculas que farão aliança química em graves, mas
também se encontra a necessidade de haver graves compostos para que a gravidade
se exerça como Newton ensinou (embora também se possa saber da atmosfera que
envolve a terra, sujeitos os seus gases à força da gravidade, que estes não são
compostos, o todo sendo uma imensa mistura em que, a seco, predominam o azoto e
o oxigénio). Reside aqui a minha dificuldade em entender a sequência do big
Bang. [que eu saiba, Derrida nunca escreveu sobre questões de Física e Química,
suponho que terá sempre ouvido falar do big Bang com alguma suspeita, já que
pretendeu a partir do nível dos vivos, dos humanos e das línguas, do que chamou
<i>rasto vivo</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> (trace vivante)</span><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn4" name="_ftnref4" style="mso-footnote-id: ftn4;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[4]<!--[endif]--></span></span></span></a><span style="mso-ansi-language: PT;">, que <i>não há origem, </i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">sempre que nos aproximamos dela o que encontramos<i>
</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">é já repetições, <i>é a repetição
que é originária, </i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">disse paradoxalmente.
Digamos que a minha dúvida aqui depende do pensamento dele]. Como é que a
multidão de partículas se compôs em átomos e moléculas até se formarem as
estrelas. Como obviamente nenhum físico pode <i>aceitar sem ser por crença</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> a noção dum “ponto” sem dimensão contendo toda a
matéria e energia do universo, haverá que retomar a proposta de Prigogine e
Stengers em <i>Le Temps et l’Éternité</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, com aspas nas citações deles (p. 162 da ed fr). Em vez do big Bang do
modelo clássico (“uma singularidade, um ponto sem extensão em que se encontra
concentrada toda a energia e matéria do universo”, a que “as leis físicas não
podem aplicar-se”), eles retêm o modelo dito do “free lunch” [pic-nic] que foi
concebido retomando “um universo vazio, de curvatura nula” de Minkowski: sem
matéria, nem entropia nem espaço-tempo, “flutuações quânticas do vazio”,
instáveis, aparecendo e desaparecendo, uma espécie de “mini buracos negros dissipativos”,
de que um deles, tendo uma massa superior a 50 vezes a massa de Planck,
conseguiu “transformar a energia negativa do campo gravítico em energia
positiva de matérias”, tendo “por consequência uma curvatura do espaço-tempo
que, por sua vez traz consigo a materialização de outras partículas, etc.” À
maneira da cristalização dum líquido super resfriado [surfondu]”, acrescentam.
O adjectivo ‘dissipativo’, típico das suas ‘estruturas dissipativas’, aplicado
a ‘buraco negro’, põe-me algumas dúvidas, assim como este aplicado a
‘flutuações quânticas do vazio’. O motivo do buraco negro representa na física,
tanto quanto eu entendo, uma sobreposição de forças de gravidade sobre
expansões energéticas, vejo mal como joga com flutuações, mas tem a vantagem de
poder pensar a célebre explosão como uma expansão energética libertada de
forças da gravidade e que essa energia possa transformar-se parcialmente em
‘matéria’, deixando a minha dúvida sobre o <i>como</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> da aliança química que veio a redundar na
constituição de estrelas, cujas combustões foram o forno da constituição
química das moléculas mais complexas da Tabela Periódica, fabricando átomos com
suas forças nucleares e electromagnéticas e moléculas com outras forças deste
tipo. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span lang="FR">5.
Neste contexto, </span><span style="mso-ansi-language: PT;">haverá dois tipos de
actuações sobre os astros e seus graves: as da <i>expansão</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, feita de energia inerte resultante da explosão
primordial do buraco negro prigoginiano, a que se opõem <i>os três tipos de</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> <i>forças atractivas</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, nucleares, electromagnéticas e gravitacionais
(estas dominando a cena astral), as quais são pois constitutivas do universo.
Extrapolando Prigogine além do que ele propôs, estas forças jogam sobre a
entropia negativa (Clausius) da expansão criando <i>entropia positiva</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">: toda a matéria o seria, de acordo com a fórmula
célebre de Einstein E=m.c<sup>2</sup>, energia roubada à expansão; por outro
lado, as partículas que resultam das explosões de núcleos e átomos regressam à
entropia de Clausius, como faz parcialmente o vapor de água a ferver. Se isto
bate certo, todas as leis de aliança constituintes do nível superior que a
Terra tornou possível, as dos vivos e suas sociedades e usos, são leis que
ganham – por entropias positivas – sobre as forças do nível abaixo. Para
começar, a verticalidade das árvores é resultado dum crescimento em altura que
a gravidade não admitiria de si mesma e que releva da bioquímica que as
constitui, em seguida os animais, mesmo os que não voam: quando andamos, o pé
que se levanta – por energia do conjunto do organismo – contraria a gravidade
(por isso nos cansamos ao fim dum certo tempo, por isso também demora-se tempo
a aprender a andar, a nadar, a ir de bicicleta). Igualmente, a disciplina duma
unidade social, quando se labuta no campo ou na cozinha porque ‘o ter que ser
tem muita força’, contraria não apenas o cansaço mas também os eventuais
apetites sexuais da química biológica. Mas à noite, o cansaço volta a impor as
leis da selva e da gravidade, na horizontalidade das camas. E também a
linguagem, e com ela o saber e a razão, obrigando à verdade entre parceiros e
rivais, contrasta com a lei da guerra, que tem como objectivo impedir.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><b>A aliança tribal das palavras e das coisas e a lei da verdade falada<o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">6. Qual é o mecanismo, análogo da química e da
sexualidade, que constitui as unidades sociais, que dá acesso a elas como seu
indígena, participante no seu paradigma de usos? É a aprendizagem destes, que
também se faz por proximidade e contacto entre quem sabe e quem não sabe, a
linguagem servindo inclusivamente para aprender os outros usos, não apenas às
crianças que nasceram, como também no caso de quem entra num novo emprego, que
tem que aprender o que lhe é destinado fazer assim como os nomes e terminologia
do paradigma. Porquê a lei da verdade? É certo que à mesa se pode falar daquilo
que se está comer ou do bom vinho que se está a beber, mas não reside aí a
potência da linguagem: ela reside, sim, na possibilidade de se falar de algo
que se passou longe ou em tempos passados ou do que se planeia fazer nos dias
seguintes, tudo situações em que quem fala <i>testemunha</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> daquilo que diz e que os ouvintes não saberão mas
a que <i>dão crédito</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">. Testemunhar
do que se diz, como muito mais claramente no que se escreve em carta ou e.mail
que se envia, assim como dar crédito a esse testemunho, não é uma exigência
demasiada que se faz a quem quer que fale ou escreva: faz parte estrutural da
linguagem enquanto tal, que é assim que se a aprende (junto de alguém em quem
se confia) e se pratica durante toda a vida. Faz parte do <i>saber</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> que se tem das coisas e das gentes do mundo e <i>supõe
que</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, encadeados com outras regras
da gramática, nomes e verbos, adjectivos e advérbios, <i>as palavras da língua
trazem consigo do mundo aquilo que elas significam</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> (polissemias incluídas). É nesta suposição que
consiste a <i>lei da verdade</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, não
na de que todas as pessoas sejam sinceras ao falar ou escrever, já que podem
mentir se souberem dar a parecer que falam verdade. É uma lei que também
organiza o pensamento de cada um de nós: se ela nos escapasse, ficaríamos sem
saber se estávamos loucos. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">7. A linguagem, com os outros usos a que serve de
receita, é um laço de aliança tribal decisivo, que estabelece genealogias
ancestrais de quem se contam lendas e a quem se atribuem mitos e rituais que
todos reconhecem em cerimónias tribais colectivas: assim ela de-cide, corta entre
‘nós’ e os estrangeiros com usos estranhos, seja que neles não se confia <i>a
priori</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, seja que nem sequer se
compreende a língua, ou não se partilhe o sotaque regional. Sendo feita de
confiança, a linguagem contraria a rivalidade, que por vezes será levada a
substituí-la por gritos, que testemunham justamente da falta de crédito que se
dá ao outro ou que se acha que ao outro lhe falta. Mas não só: ela torna
possível estender formas de aliança a outros que se conheçam mal sem se ter que
entrar na cabeça deles nem ficar apenas na mímica; ela está no coração de todas
as tentativas de legislação para controlar rivalidades e crimes, na instituição
do direito, e igualmente na da escola, como busca colectiva de sabedoria, na
instituição da Academia e do Liceu para estudar e ensinar filosofia a quem
soubesse geometria e não estivesse confiante no que tinha aprendido na sua
tribo (“sei que nada sei”, lema ‘crítico’ de Sócrates).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><b>A aliança da escola e dos livros e a lei da verdade escrita<o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">8. Chegamos assim à quarta e última grande cena da
evolução e história terrestres, <b>a cena da</b></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> <b>inscrição, da escola e dos livros</b></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, onde a linguagem se opôs <i>criticamente </i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">aos saberes ancestrais transmitidos, aos mitos e
religiões ligadas ao poder económico e politico, tendo criado uma textualidade
crítica da linguagem corrente feita de opiniões, uma lógica de essências: quer
de ‘espécies’ (de Aristóteles a Lineu), quer de ‘qualidades’ (o bom, o belo, o
justo, a virtude, etc., visando melhorar a ética e a politica). Definidas,
essas essências são retiradas da instância de locução (eu / tu, aqui, agora) e
dos paradigmas morfológicos dos verbos, colocadas numa nova lógica de verdade <i>acima
dos acontecimentos singulares</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">,
dos ‘acidentes’ suspensos pela definição. Neste texto gnosiológico, filosófico
e científico, a linguagem duplamente articulada que já se situava <i>acima</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> da biologia, situa-se agora também <i>acima</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> da própria linguagem da habitação quotidiana,
votada <i>a compreender o universo</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, poucos humanos a entendendo, coisa de hiper-especialistas, o que se
revelou numa primeira secularização de espirituais letrados durante o helenismo
com platónicos e agostinianos. As universidades medievais foram possíveis por o
cristianismo, ao tomar o poder pelas mãos de Constantino até Teodósio e
exterminado os saberes concorrentes, ter antes sido recebido pelo discurso
platónico (e depois aristotélico) e trazer assim a filosofia grega no seu bojo.
É justamente a maneira como estas universidades medievais ofereceram à futura
Europa um berço cultural de discussões gnosiológicas, fazendo circular textos
dos Antigos no meio dos textos cristãos, foi esta articulação entre saberes de
civilizações, separados por cerca de dez séculos o fim duma e o começo da
outra, que constituiu uma cena original de inscrição, que continua a ser
desconhecida por quem tem por ofício entender a história em que esta cena se
inscreve (como Eric Jones e Yuval Harari no texto anterior deste blogue). Tomás
de Aquino fez de Aristóteles o mestre-escola das <i>universidades</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> medievais e da Europa que, apesar de crítico,
Galileu ainda venerava como “o Filósofo”: inventor do laboratório científico,
que só foi possível pelo retorno nominalista do conhecimento aos singulares ter
aberto à experimentação com medidas, à quantidade, como Newton dirá a renúncia dos
modernos às “qualidades ocultas” dos antigos. Em resumo: Galileu introduz o
tempo na geometria, tendo Newton acrescentado as forças da mecânica; o
heliocentrismo permitirá que a astronomia e a nova física seja uma só ciência,
a terra um astro entre outros planetas celestes (a grande oposição céu / terra
aberta à desconstrução), as línguas vernáculas desde Descartes abrindo às <i>ideias</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, pensamento sem língua, à <i>razão</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> <i>universal</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">9. As duas grandes invenções que transformaram o
mundo técnico foram a máquina que, como os animais, reproduz movimentos que
desafiam a gravidade por meios simplesmente mecânicos e vieram substituir o
esforço muscular de humanos e animais de tracção, e a electricidade como
corrente que se transforma noutras formas de energia – mecânica, térmica,
luminosa, sonora, electromagnética – e portanto em possibilidade de <i>transporte
destas energias</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> ao longo da
geografia, criando redes eléctricas que tornaram possíveis grandes cidades,
ultrapassando o isolacionismo geográfico das minas e fábricas da primeira vaga
industrial. O historiador da técnica, S. Landes, reclamava que a máquina a
vapor de Watt (e poder-se-ia acrescentar o dínamo do belga Gramme) foi
inventada empiricamente, a respectiva teoria, a termodinâmica, tendo demorado
um século a ser estabelecida: empirismo de historiador, já que Watt era
profissionalmente um fabricante de instrumentos laboratoriais, só foi possível
pelo contexto científico em que actuava (e de Gramme, cuja biografia
desconheço, pode-se dizer que foram razões científicas que levaram Volta a
inventar a pilha e portanto a corrente eléctrica). Este retorno espectacular,
sob forma de técnica, da cena hiper-especializada da inscrição filosófica e
científica à cena da habitação teve como consequência alçar também o nível dos
usos, fomentando, após o êxodo rural, a alfabetização do conjunto das
populações, com um aumento extraordinário de usos tecnológicos e burocráticos –
a <i>classe média</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> –, antes da
invenção das “correntes fracas” que permitiram a sua transformação em números,
letras, desenhos, fotos e fotogramas cinematográficos, tudo ‘grafias’, isto é,
inscrições, que vieram a tornar possível <i>a grande rede cibernética</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> com e sem fios que resultou com a rede de
transportes de mercadorias e pessoas, na globalização que está ameaçando essa
classe média que as “correntes fortes” tinham fomentado. Não só os seus
empregos, mas também os processos de aprendizagem: filósofos e cientistas
europeus foram sempre grandes leitores dos livros ‘difíceis’ que hoje estão na
mó de baixo, fora os manuais escolares. O que muito impressiona é como esta
história fabulosa da cena da escrita gnosiológica ocidental veio desaguar na
multiplicação indefinida dos médias, imagens, músicas e muita conversa, e nas
suas consequências<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>anárquicas nas
aprendizagens. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><b>A aliança técnica da civilização global<o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">10. É sem dúvida a disciplina de leitura de textos
abstractos por definição que claudica, nem tanto por libertinagem erótica ou
afrodisíaca, mais pela saciedade trazida à curiosidade pelas imagens e as músicas,
como se tratasse duma forma de embriaguez sonora-visual que melhor se encaixa
no mecanismo da aprendizagem, tal como Freud permite perceber a lógica que
chamou de <i>sublimação</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">: as
energias libidinosas, nas mulheres desligadas de períodos de cio, foram previamente
<i>deslocadas</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> para o esforço de
falar com o cuidado de distinguir as letras a tornar-se automático (pulsão
parcial oral) e para a higiene implicando retenção das fezes (pulsão parcial
anal) antes de se tornarem eróticas na puberdade (pulsão genital). Ora, durante
muitos séculos esta sublimação cristalizou-se no único média existente, os
livros manuscritos e depois impressos, sendo os seus cultores obviamente
minoritários. E assim hoje parece continuar, os livros gnosiológicos tornando-se
coisa de especialistas que tenham conseguido ser sublimados por disciplina
árdua, aquilo a que renuncia a maioria dos que frequentam as universidades. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">11. Estas duas grandes redes, máquinas e
iluminação, por um lado local, e cibernética globalizante parece constituírem <i>a
aliança técnica da civilização global contemporânea</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, de que as economias e as famílias e o respectivo
governo pelo Estado serão a imensa movimentação com motor monetário regido pela
lei da guerra capitalista na cena da habitação ideológica, isto é, de ‘ideias
soltas’ do contexto da habitação local que reactivam as guerras do campo
político e das crises económicas e financeiras. O que se chama “sociedade do
conhecimento” é o desaguar da cena da inscrição na da habitação sob forma de
temporal permanente. Como situar a lei da verdade aqui? A maneira como a justifiquei
no § 6 vale para o uso quotidiano das línguas e nesse ponto vale igualmente
para a escola e para as suas discussões em torno de textos gnosiológicos, a
critica dos erros fazendo parte essencial dessas discussões. Mas o seu carácter
histórico, cada texto sendo escrito no seu contexto, relativiza estruturalmente
a verdade gnosiológica, entre empiristas e idealistas, por exemplo, ou entre
pensadores da escola anglo-saxónica e fenomenólogos actuais. É a técnica,
enquanto resultante das longas discussões e definições filosóficas e
científicas, acima dos acontecimentos da habitação quotidiana, que fornece a
grande validação da lei da verdade gnosiológica: só que a relação dos
laboratórios científicos e os laboratórios de engenharia faz-se exclusivamente
através de medidas e equações matemático-físico-químicas, aquém dessas
discussões e interpretações teóricas, já que os conceitos e oposições
metafísicas que pautaram essas discussões não têm nenhuma pertinência para
descrever uma máquina ou a electricidade. Seja um exemplo: quero crer que se
pode dizer que a discussão entre nominalistas e realistas no final da Idade
Média, da vitória daqueles tendo resultado o projecto científico, veio a
culminar na biologia molecular que, de certo modo, deu razão as realistas
vencidos: o ADN é algo como a ‘essência’ duma espécie em cada um dos seus
indivíduos. História duma verdade torta, digamos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><b>Conclusão triste<o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>12.
Resumindo e concluindo. Porquê são <i>leis</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">? A dificuldade de estabelecer uma relação entre aliança (é uma lei?) e as
leis de circulação das quatro grandes cenas do universo terrestre surge logo na
da gravitação, já que nela a aliança é efectuada pelas três forças de atracção
a que a da gravidade preside, se se pode dizer: são as moléculas (que supõem
forças nucleares e várias electromagnéticas) que a nível macroscópio formam
graves que são retidas pelas forças de gravidade até aos astros de graves
feitos. Não parece haver diferença entre aliança e força da gravidade: é a <i>lei
da gravitação</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, que domina a cena
dos astros entre eles e a composição de cada um deles em seus graves, que faz a
aliança, e não se saberia como nem porquê não fora a descoberta da expansão do
universo como inércia resultante... de quê? Do que ironicamente Fred Hoyle
chamou “grande estrondo” pois que sem som nem luz: o big Bang é o <i>não saber</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> actual. A relação da cena da gravitação com a da
alimentação fez-se pela invenção de células, agregados de moléculas orgânicas
(alimentando-se) capazes de movimento próprio, com autonomia relativa em
relação à força da gravidade. A aliança que constitui os organismos é a maneira
como as respectivas anatomias são determinadas pela lei da selva</span><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn5" name="_ftnref5" style="mso-footnote-id: ftn5;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[5]<!--[endif]--></span></span></span></a><span style="mso-ansi-language: PT;"> de maneira a assegurarem a alimentação de todas
as células de todos os órgãos dessa anatomia, já que desde o início só há
crescimento se houver essa alimentação. A lei da selva é inerente à aliança
constitutiva como capacidade de sobrevivência, de reprodução, segundo Darwin
também de evolução. É este movimento, que resulta da anatomia alimentada e
falta às pedras e às águas do mar, que se sobrepõe à gravidade, a que todos os
vivos estão todavia sujeitos enquanto ‘graves’, estado a que virão enquanto
cadáveres, toda a vida alimentar sendo um adiamento dessa inércia final. É a
disciplina imposta sobre as regras bioquímicas da alimentação e da sexualidade
que tornou possível a formação de tribos razoavelmente populosas através de
unidades locais de habitação (com dimensão dependente das condições ecológicas),
primeiro na selva, depois dominando a sua lei pela agricultura e criação de
gado. A lei da habitação consiste justamente na posição dessa disciplina (de
que o interdito do incesto é a face mais visível) pelo paradigma dos usos, que
constitui a aliança entre os indígenas de cada unidade local que se prolonga
pela troca de filhas como aliança de parentesco que liga toda a tribo, celebrando-se
os antepassados comuns. Ora bem, esta aliança tribal, dela mesma parece poder
reproduzir-se quotidianamente segundo as rotinas transmitidas e aprendidas.
Tudo se passa como se a lei da guerra, quer rivalidades internas quer
hostilidades contra outras tribos, fosse um <i>excesso de habitação</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> sobre o biológico que recusa a monotonia e busca
movimentos ‘acima da animalidade’, como os mitos irão marcando. Esse excesso
proviria todavia da líbido sublimada, em busca de horizontes que a linguagem
abrisse, quanto mais não seja do que ser-se mais valente do que os vizinhos de
outra tribo. A lei da guerra parece ter-se imposto sempre como o motor das
transformações sociais a partir de insatisfações com aquilo a que o jovem acede
como adulto. Mas por outro lado, foi a própria lei da guerra que se impôs como
insatisfatória e gerou as escritas da cena da inscrição do Ocidente,
nomeadamente jurídicas. As primeiras escolas de experiências espirituais no
primeiro milénio antes da nossa era, Buda, Confúcio, Zaratustra, Profetas
bíblicos, foram apelos a conversões éticas, desligação de usos de destaque na
posição social, que na Grécia deram lugar também à invenção da definição em
aliança com a geometria, ética com politica e depois ontologia em Platão,
lógica e ciências em torno da <i>ousia </i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">na Physica de Aristóteles, mistura com o cristianismo, espiritualidade
platónica agostiniana e intelectualidade aristotélica tomista, singularidade
nominalista, astronomia que faz da Terra um astro do céu, Copérnico, Galileu,
Newton</span><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn6" name="_ftnref6" style="mso-footnote-id: ftn6;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[6]<!--[endif]--></span></span></span></a><span style="mso-ansi-language: PT;">, filosofia com geometria, tempo e mecânica,
essências e ideias, máquinas e electricidade. Heróis da lei da verdade na
composição de textos inovadores difíceis, que foi igualmente verdade critica do
que se recebera: aliança e crítica, tal a lei da verdade.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">13. E o que entristece é ver como o saber desta
epopeia europeia da inscrição, que conheceu nas Luzes do século XVIII, antes da
máquina a vapor e da electricidade, <i>a grande promessa histórica da
possibilidade do progresso de toda a humanidade</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, se manifesta hoje com poluições alarmantes para
o próprio futuro do planeta, como esse saber da dita tecnocracia – os
financiamentos de tudo o que é ciência e técnica estão sujeitos aos
impropriamente chamados “mercados financeiros”</span><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn7" name="_ftnref7" style="mso-footnote-id: ftn7;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[7]<!--[endif]--></span></span></span></a><span style="mso-ansi-language: PT;"> nas mãos de gente que se preocupa apenas com
décimas de milhões de dólares – ignora, de ignorância de pensamento, que é a
herdeira dessa promessa traída. Tanta paixão por compreender, tanta dignidade
de pensadores e inventores, abandonadas à ganância dos guerreiros do capital.
Que tristeza!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<br /></div>
<div style="mso-element: footnote-list;">
<!--[if !supportFootnotes]--><br clear="all" />
<hr align="left" size="1" width="33%" />
<!--[endif]-->
<div id="ftn1" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref1" name="_ftn1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="EN-US"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[1]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="EN-US"> No outro blogue, filosofia com ciências, 11 janeiro 2016.</span></div>
</div>
<div id="ftn2" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref2" name="_ftn2" style="mso-footnote-id: ftn2;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="EN-US"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[2]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="EN-US"> </span><span style="mso-ansi-language: PT;">Também no blogue
filosofia com ciências, 23/11/2015.</span></div>
</div>
<div id="ftn3" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref3" name="_ftn3" style="mso-footnote-id: ftn3;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="EN-US"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[3]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="EN-US"> </span><span style="mso-ansi-language: PT;">Sem ter dado atenção às
instituições que fabricam, vendem, reparem e seguram automóveis, que fazem
parte da proposta do final do capítulo 2 do <i>Le Jeu des Sciences <b>avec</b></i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"><i> Heidegger et Derrida</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">.</span><span lang="EN-US"><o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn4" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref4" name="_ftn4" style="mso-footnote-id: ftn4;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="EN-US"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[4]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="EN-US"> Em diálogo com Élizabeth Roudinesco, <i>De quoi demain…</i></span><span lang="EN-US">, Fayard/Galilée. 2001<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn5" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref5" name="_ftn5" style="mso-footnote-id: ftn5;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="EN-US"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[5]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="EN-US"> Tal como a lei do tráfego determina as anatomias mecânicas de
automóveis, motos e camiões.</span></div>
</div>
<div id="ftn6" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref6" name="_ftn6" style="mso-footnote-id: ftn6;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="EN-US"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[6]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="EN-US"> Que não se leram uns aos outros! Imagine-se Galileu, ressuscitado
43 anos depois de morrer, a ler Newton: esfregaria os olhos de contente ou
teria alguma dificuldade em entender? Newton que, por sua vez, um século mais
tarde não entenderia nada da newtoniana <i>Crítica da razão pura</i></span><span lang="EN-US">. <o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn7" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref7" name="_ftn7" style="mso-footnote-id: ftn7;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="EN-US"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[7]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="EN-US"> São apenas uma franja dos mercados propriamente dittos, a franja
dominante.</span></div>
</div>
</div>
<!--EndFragment-->Fernando Belohttp://www.blogger.com/profile/17937204465115284686noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8208352897435046717.post-16264969225158670592018-04-04T06:09:00.003-07:002018-04-04T06:09:51.910-07:00Marcos e Marx, em 1974
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<br />
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<span class="Apple-style-span" style="font-size: 27px;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="FR"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>O que na liturgia cristã se chama Semana Santa,
entre Domingo de Ramos e Domingo de Páscoa, é a comemoração piedosa dum
acontecimento espiritual-político de há 1985 anos que foi tudo menos piedoso. </span><span style="mso-ansi-language: PT;">Tratou-se da ocupação do Templo de Jerusalém por
uma turba que subira da Galileia, seguindo um carismático profeta e taumaturgo,
ocupação essa que calou os dirigentes do Templo devido ao apoio popular que ela
suscitou. Mas de noite, mediante traição, conseguiram prendê-lo e que fosse
crucificado. Quereria ter colocado este texto na semana que passou mas não deu.
<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Sucedeu que mão amiga me fez chegar o
artigo seguinte, de um filósofo e teólogo americano (Fort Wayne, Indiana) que,
com a preciosa ajuda do tradutor da Google, bastante melhor do que esperaria,
traduzi para português, deixando a referênciao inglesa para quem o leia
correntemente, o que não é o meu caso (virei analfabeto neste novo século).
Depois da versão portuguesa, coloco a minha resposta a Lance Richey. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="EN-US" style="font-family: ArialMT; mso-ansi-language: EN-US;"><a href="file:///url"><span style="color: #0016cb; font-size: 13.0pt;">https://novaojs.newcastle.edu.au/ojsbct/index.php/bct/article/view/533</span></a></span><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-layout-grid-align: none; mso-pagination: none; tab-stops: 28.0pt 56.0pt 84.0pt 112.0pt 140.0pt 168.0pt 196.0pt 224.0pt 252.0pt 280.0pt 308.0pt 336.0pt; text-autospace: none;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-layout-grid-align: none; mso-pagination: none; tab-stops: 28.0pt 56.0pt 84.0pt 112.0pt 140.0pt 168.0pt 196.0pt 224.0pt 252.0pt 280.0pt 308.0pt 336.0pt; text-autospace: none;">
<span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">Lance Byron Richey, University of Saint Francis,
<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-layout-grid-align: none; mso-pagination: none; tab-stops: 28.0pt 56.0pt 84.0pt 112.0pt 140.0pt 168.0pt 196.0pt 224.0pt 252.0pt 280.0pt 308.0pt 336.0pt; text-autospace: none;">
<span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">“MarK/X After Marxism. Fernando
Belo and Contemporary Biblical Exegesi<i>s</i></span><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">”, <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="mso-layout-grid-align: none; mso-pagination: none; tab-stops: 28.0pt 56.0pt 84.0pt 112.0pt 140.0pt 168.0pt 196.0pt 224.0pt 252.0pt 280.0pt 308.0pt 336.0pt; text-autospace: none;">
<span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;"><i>The Bible and Critical Theory</i></span><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">, </span><span lang="FR">vol. 8, nº 2,
2012, pp. 57-66<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="FR"><b>Resumo<o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span lang="FR">Em
1974,<i> Uma Leitura Materialista do Evangelho de Marcos</i></span><span lang="FR"> de Fernando Belo, combinou idéias marxistas e estruturalistas para
descobrir os temas políticos revolucionários que ele reivindicava estarem
codificados na narrativa de Marcos. Embora saudada na época como uma estratégia
exegética visionária, ela foi amplamente esquecida na última geração. Enquanto
que algumas das preocupações teóricas e políticas de Belo são inevitavelmente
datadas, as suas contribuições para entender o ambiente social e político da
Palestina do primeiro século e como textos religiosos como o Evangelho de
Marcos operaram dentro dele merecem a nossa atenção e avaliação crítica, que
este artigo tentará fornecer. Proponho uma dupla discussão sobre a abordagem
materialista de Marcos por Belo à luz dos desenvolvimentos subsequentes tanto
da filosofia quanto da teoria social marxista. Primeiro, vou delinear e avaliar
criticamente a teoria dos textos que se<span style="mso-spacerun: yes;">
</span>encontra na sua discussão do </span><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">“</span><span lang="FR">conceito de modo de produção</span><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">”</span><span lang="FR">, que
possibilita a sua exegese de Marcos como um texto político subversivo. Em
segundo lugar, explorarei brevemente o seu quadro do funcionamento específico
do “modo de produção” da Palestina do primeiro século, onde Belo vê o Evangelho
de Marcos como um desafio, dando especial atenção aos seus pressupostos
teóricos. Concluo que, embora o trabalho de Belo seja certamente limitado tanto
pelo estado da teoria quanto pelo conhecimento histórico de sua época,<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>os seus esforços inovadores para ler o
Evangelho de Marcos como um texto subversivo permanecem altamente relevantes
para os esforços contemporâneos da exegese materialista.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="FR"><b>Texto<o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span lang="FR">Em
1974, <i>Uma Leitura Materialista do Evangelho de Marcos</i></span><span lang="FR">, de Fernando Belo ([versão americana] 1981), combinou marxismo e
idéias estruturalistas para descobrir os temas políticos revolucionários que
ele alegou estarem codificados na narrativa de Marcos. Embora saudado na época
como uma estratégia exegética visionária, tem sido amplamente esquecido ao
longo da última geração, em grande parte devido ao colapso simultâneo do
estruturalismo como sistema teórico dominante na academia e do marxismo como
ideologia política dominante em grande parte do globo. Dada a renovação do marxismo
e da análise marxista que está a ocorrer actualmente em todo o mundo (e não apenas
na crítica bíblica), essa amnésia deve ser especialmente lamentada. Enquanto
algumas das preocupações teóricas e políticas de Belo são inevitavelmente
datadas, o seu comentário permanece uma tentativa intelectualmente empolgante e
politicamente poderosa para construir conexões entre prática religiosa, teoria
literária e acção política revolucionária. As suas contribuições para
compreender tanto o ambiente social e político da Palestina do primeiro século
como textos religiosos como o Evangelho de Marcos operando dentro dele merecem
a nossa atenção e avaliação crítica, o que este documento tentará fornecer.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span lang="FR">Vou
propor aqui uma discussão em duas partes sobre a abordagem materialista de Belo
em relação a Marcos, à luz dos desenvolvimentos subsequentes na filosofia e na
teoria social marxista. O meu foco será fundamentalmente teórico e não
histórico-crítico, com o objetivo de avaliar os pontos fortes e as limitações
da estratégia exegética geral de Belo, em vez de abordar questões específicas
sobre o texto de Marcos. Primeiro, vou delinear e avaliar criticamente a teoria
dos textos que se encontra na sua discussão do “conceito de modo de produção” e
que possibilita a sua exegese de Marcos como um texto político subversivo. Em
segundo lugar, explorarei brevemente o seu apanhado do “modo de produção” <i>específico</i></span><span lang="FR"> operativo da Palestina do primeiro século, no qual Belo vê o Evangelho
de Marcos como um desafio, com atenção especial dada aos pressupostos teóricos
da reconstrução histórica de Belo. Concluo que, conquanto o trabalho de Belo
seja certamente limitado tanto pelo estado da teoria como pelo conhecimento
histórico da sua época, os seus esforços inovadores para ler o Evangelho de
Marcos como um texto subversivo permanecem altamente relevantes para esforços
contemporâneos na exegese materialista.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="FR">CONSTITUINDO A
SUBVERSÃO: A TEORIA DO TEXTO DE BELO<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span lang="FR">No
“ensaio de teoria formal [do conceito de modo de produção]” que prefacia o seu
estudo de Marcos, Belo escreve: “o propósito deste livro é analisar uma
narrativa subversiva [no Evangelho de Marcos] e o trabalho ideológico que já se
faz nele” (1981: 33). A abordagem metodológica para essa tarefa, escreve ele,
“é sempre ler MarK com a ajuda de Marx: K / X portanto, se o posso dizer e
prestar homenagem ao esplêndido livro de Roland Barthes, S / Z ”(Belo 1981: 6).
Barthes (1977), é claro, é apenas uma das muitas fontes da moderna teoria francesa
em que Belo joga. Belo depende especialmente do marxismo estruturalista de
Louis Althusser (1969; Althusser e Balibar, 1970), matizado pelas teorias
linguísticas e psicanalíticas de pensadores como Sigmund Freud (1961a: 1961b),
Jacques Lacan (2006), Emile Benveniste (1973) e o primeiro Jacques Derrida
(1998), bem como o não categorizável Georges Bataille (1962; 1991</span><span lang="FR" style="font-family: Monaco;">‐</span><span lang="FR">1993). De facto, o que
distingue o pioneirismo do trabalho de Belo do de tantos exegetas materialistas
e marxistas é este muito intencional e detalhado emprego de conceitos
estruturalistas, linguísticos e psicanalíticos para ler o texto bíblico.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span lang="FR">Dada
a gama de influências no seu pensamento, mesmo um relato moderadamente
detalhado do complexo aparelho teórico é impossível aqui. Em vez disso,
gostaria de me concentrar em algumas das categorias centrais estruturalistas e
marxistas que ele emprega, uma vez que estas são mais centrais para a sua
estratégia como exegeta bíblico. Mais importante ainda, a auto-descrita “teoria
materialista dos textos” de Belo distingue entre três camadas da realidade
social no trabalho em qualquer texto: <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="FR">(1) o conceito
marxista clássico da superestrutura, isto é, “o nível das formas concretas” de
actividade económica, política e ideológica como um todo que determina as
possibilidades de prática dentro de uma determinada formação social (1981: 9);<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="FR">(2) a
infra-estrutura, isto é, os códigos e práticas específicas que definem os
práticas económicas, políticas e ideológicas dentro de seus próprios campos
autónomos. A última delas, a <i>região infra-ideológica</i></span><span lang="FR">, é “constituída por uma linguagem oral articulada como um sistema ...
criado como diferente da ‘realidade’ da formação social [que] torna possível
ler essa realidade, isto é, organizá-la de acordo com classificações semânticas
específicas” (1981: 9); e finalmente,<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="FR">(3) os próprios
textos individuais, especialmente textos narrativos (contendo “o discurso de
uma prática”), que são excepcionalmente bem adequados para comunicar os códigos
infra-ideológicos duma sociedade, “uma vez que a formação social é [ela mesma]
um conjunto complexo de práticas estruturadas” (1981: 30).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span lang="FR">Segundo
Belo, esses textos narrativos individuais, operando dentro de um sistema ideológico
simbólico que é determinado pela superestrutura, tipicamente funciona “para
estabelecer e / ou reproduzir os ... códigos da formação social” e assim
perpetuam a ordem social construída sobre eles (1981:31). Esta função
ideológica dos textos, facilitando, legitimando e perpetuando a ordem social em
que eles existem, é familiar aos marxistas de todos os tipos. No entanto, Belo
insiste em que os textos podem, pelo menos em alguns casos, em vez de funcionar
ideologicamente, “subverter esses códigos para os transformar” e, desse modo,
para refletir e permitir “práticas revolucionárias [que] sejam subversivas das
estruturas da formação social” (1981: 31). É precisamente essa subversão do código
ideológico de governo que Belo visa quando fala da “narrativa subversiva e do
trabalho ideológico que já se fez em Marcos”. Mas o que é esse “trabalho
ideológico que já se fez” em Marcos? Para Belo, nenhum<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>texto revolucionário nasce totalmente
formado para revelar de forma ideal a prática revolucionária, escreve ele – o
Evangelho de Marcos não é nenhuma excepção aqui. Pelo contrário, a relação
entre a práxis e a teoria é de carácter dialéctico. O caráter revolucionário de
qualquer texto,<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>a sua capacidade
de desafiar e subverter o código ideológico dominante, "não aparece de
repente, mas por um processo longo e lento, uma génese : uma primeira
saída fora do fechamento ideológico que permite uma leitura daquele fechamento;
depois a escrita programática dum <i>outro</i></span><span lang="FR"> ligeiramente
diferente e portanto uma primeira prática um pouco subversiva; etc. Novas leituras,
novos escritos, novos actos subversivos” (Belo 1981: 32)<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn1" name="_ftnref1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[1]<!--[endif]--></span></span></a>.
De facto, Belo insiste em que o acto de escrever, de narrar a prática
subversiva, é em si um elemento constitutivo daquela prática subversiva, pois é
apenas dentro de uma narrativa (o relato de uma prática ou de uma série de
práticas) que a subversividade pode ser pensada. “Como é que o conhecimento
teórico desta prática subversiva é possível? Sendo singular, a prática é
contada em uma narrativa ou série de narrativas. … <i>‘Narrativa’ significa a
narrativa do acto subersivo, uma narrativa subversiva</i></span><span lang="FR">”.
<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span lang="FR">Belo
pretende, quando fala da “narrativa subversiva e do trabalho ideológico que já
se fez em Marcos” (1981: 33), que o acto de narrar torna possível romper com os
códigos ideológicos dominantes e relacionar imediatamente as práticas para o
real e para a existência incarnada dos agentes, e não para a ordem simbólica
que anteriormente mediatizava e definia essas práticas. Belo escreve: “a
totalidade das forças organizativas determina os limites estritos de qualquer
prática política subversiva; a totalidade das forças inscritivas (ou a
totalidade dos textos orais e escritos) determina os limites estritos de qualquer
prática teórica subversiva. … Subversividade é [apenas] possível, então, se as
práticas em questão são deslocadas para fora do campo dos fechamentos, e se
afastam em direção aos locais materialistas do leitura” (1981: 31). Por outras
palavras, a própria possibilidade de prática política que subverte a ordem
política e económica dominante repousa sobre uma re-narrativa textual desta
prática que a interpreta precisamente como subversiva, em vez de permitir que
ela seja absorvida e definida dentro dos códigos ideológicos dominantes de uma
sociedade. Para ser ainda mais conciso: para Belo, pelo acto de narrar, o texto
subversivo identifica e cria uma prática subversiva! Belo aqui resiste à
tendência encontrada entre muitos marxistas para um rude reducionismo
economicista em todos os assuntos religiosos, exemplificado por pensadores tão
diversos como Karl Kautsky (1953) e Anton Pannekoek (2003), mas na verdade
rastreável ao próprio Marx (Boer 2010a). De facto, a realização teórica central
de Belo como exegeta materialista, sugiro eu, reside no uso que ele faz de
conceitos linguísticos para identificar a tarefa teórica que enfrenta toda a
exegese materialista. O seu “<i>áspero</i></span><span lang="FR"> esboço de uma
teoria das relações entre <i>narrativa, prática e ideologia</i></span><span lang="FR">” [subtítulo do meu livro, FB] trata o texto bíblico como pelo menos
quase-autónomo da ordem económica e possuidor de seu próprio simbolismo interno
e necessidade lógica (1981: 5). Isso leva Belo a negar a supremacia <i>absoluta</i></span><span lang="FR"> da esfera económica que reduziria todos os textos ao estatuto de meros
efeitos ou espelhos das relações económicas (como com o reducionismo vulgar dos
primeiros teóricos marxistas da religião cristã), ainda que adoptando uma
compreensão reconhecidamente marxista e materialista do texto. Respondendo à
famosa afirmação de Engels de que as relações económicas determinam a sociedade
“em última instância”, Althusser negou até mesmo a possibilidade das forças
económicas existirem totalmente à parte da sociedade, que inclui também forças
políticas e ideológicas: “desde o primeiro momento até ao último, a hora
‘solitária’ da última instância não chega nunca” (Althusser 1969: 113). Seja
como for, a interpretação de Engels do cristianismo foi tão reducionista quanto
é comumente assumida – um recente autor argumentou que não era (Boer 2010b) –,
Belo seguiu a proposta de causalidade estrutural de Althusser ao conceptualizar
a relação da religião com a estrutura mais alargada da sociedade. Ele escreve:
“a tese de Marx de que a formação social é, em última instância, determinada
pelo modo económico da produção é formulada assim: em última análise, a
instância económica determina a formação, seja por ter o papel dominante na
mesma ou por determinar se é a política ou a ideologia que tem o papel dominante”
(1981: 26). <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span lang="FR">Para
Belo, como para Althusser antes dele, as práticas textual, política e económica
estão <i>sempre já</i></span><span lang="FR"> em relações mutuamente
determinantes dentro da totalidade social, de forma que nenhuma esfera de
práticas humanas pode nunca ter prioridade absoluta ou definitiva e
determinação sobre qualquer outra. De facto, económico, político e ideológico
são eles próprios apenas “instâncias relativamente autónomas” de práticas
humanas que são determinados, em última análise, pela superestrutura, “que em
todos os casos já sobredetermina as instâncias infra-estruturais” (Belo 1981:
9). Assim, em boa forma estruturalista marxista, Belo conclui que o Evangelho
de Marcos não é apenas uma realidade exclusivamente textual – é sempre já uma
intersecção do económico e do político, tanto como da prática ideológica na
Palestina do primeiro século. Portanto, o Evangelho de Marcos tanto reflete
como ajuda a constituir (re-narrando-a) a prática subversiva dos primeiros
cristãos. Como Belo explica: “como proclamador dos actos subversivos, a narrativa
torna possível lê-los, ampliá-los e estendê-los. A narrativa tem pois um importante
e desvalorizado papel a desempenhar numa revolução”(1981: 32). Basta a importância
deste discernimento, juntamente com a seriedade intelectual com que Belo o
analisa, para o tornar digno da nossa atenção continuada no século XXI [digamos
que o que Richey chama a minha teoria dos textos articula a análise textual de
Barthes com a histórica de Althusser, a relação do texto com a sociedade que o
porduziu, o que hoje chamo fenomenologia histórico-textual, FB]. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span lang="FR">Uma
vez que ele tem a nossa atenção, o que deveríamos dizer hoje sobre o quadro
teórico em que Belo constrói a sua “leitura materialista de Marcos”? Como a discussão
já mostrou, ler Belo é entrar inteiramente no reino da grande teoria social que
marcou tanto a cena intelectual do final dos anos 60 e 70 e que separa esse
mundo cultural do nosso. Eu suponho que a mais óbvia (na verdade, a mais banal)
crítica que se possa fazer da teoria de Belo do texto é precisamente a sua
dependência de conceitos estruturalistas e questões políticas que parecem
datadas como calças de sino fora de moda e música disco. Despedir assim o
trabalho de Belo, porém, não teria sentido, seria um exercício de história na
moda ao invés de uma tentativa séria de separar o que está vivo e o que está
morto na exegese marxista estruturalista de Belo. No entanto, o tempo passou e
alguns juizos sobre as suas posições mais importantes, à luz dos
desenvolvimentos subsequentes, podem e devem ser feitos, ainda que brevemente.
Embora esta discussão dificilmente possa pretender ser uma lista exaustiva dos
desafios que confronta a estratégia exegética de Belo no século XXI, tampouco
deverá ser tomada como um <i>post mortem</i></span><span lang="FR"> identificando
falhas fatais na sua abordagem. Pelo contrário, o meu objetivo aqui é
simplesmente destacar alguns dos desafios teóricos e metodológicos mais
imediatos que um seguidor contemporâneo de Belo teria que enfrentar. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span lang="FR">Primeiro,
devemos levar a sério as críticas anti-essencialistas da sua metodologia
levantadas pelo pós-modernismo. Enquanto Belo se baseia nas obras de Derrida e
Barthes, que são ambos classificados entre os pais do pós-modernismo, o seu
meio intelectual é claramente definido por temas estruturalistas e pós-estruturalistas
que precederam o pós-modernismo na cena intelectual francesa, e o seu trabalho
claramente não é pós-moderno, tanto nas suas suposições como nas conclusões.
Por exemplo, Belo seguindo Althusser e Etienne Balibar (1970: 214), fala da
“invariância absoluta dos elementos que são encontrados <i>em todas as
estruturas sociais</i></span><span lang="FR"> (uma base económica, formas legais
e políticas e formas ideológicas)” (Belo 1981: 4). Esta suposição de que todas
as estruturas sociais de todos os tempos e lugares, pelo menos no nível
superestrutural, têm certas características essenciais em comum, é aceite como
auto-evidente por Belo – como de facto deve ser, dado o seu desejo de usar
Marcos como uma base para a moderna prática revolucionária e usar Marx como
chave para resolver todas as questões sociais. No entanto, a tendência de muito
pensamento pós-moderno para negar a comensurabilidade dos diversas sistemas
ideológicos e para enfatizar a singularidade de cada estrutura social particular,
torna esta suposição problemática, para dizer o mínimo. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span lang="FR">Não
é necessário ter lido profundamente filosofia pós-moderna para reconhecer os
problemas envolvidos nas propostas de qualquer sistema filosófico totalizador
(incluindo o marxismo) que suprimisse a diferença radical ou a incorporasse dentro
de um sistema mais amplo de identidade (o que é a mesma coisa). Lembre-se, por
exemplo, da insistência de Gilles Deleuze em que “estruturas sociais e
económicas, formas de pensamento, normas de acção, são todas produzidas através
de conjunções particulares e contingentes de desejos, acções e efeitos, e fazem
parte de um conjunto no qual cada elemento é condicionado por todos os outros”
(Baugh 2006: 285). Esta negação da comensurabilidade de fenómenos sociais
historicamente discretos é, ela própria, problemática, é claro, pois põe em
questão a própria possibilidade de conhecimento histórico objectivo. Embora o
próprio pós-modernismo seja talvez o resultado lógico da alegação de Althusser
de que a história é “um processo sem um sujeito”, isto é, um processo
indefinidamente descentrado sem uma lógica única (<i>contra</i></span><span lang="FR"> Hegel), conduzindo-o a uma conclusão e, portanto, sem qualquer
garantia de unidade diacrónica ou inteligibilidade, Belo não viu nem aceitou
essa consequência no seu trabalho. Quaisquer que sejam as visões do valor do
pós-modernismo, os leitores contemporâneos não podem aceitar o marxismo
estruturalista de Belo de forma acrítica ou como não problemática. No mínimo,
qualquer tentativa sustentada de prosseguir a metodologia de Belo no século XXI
precisaria de abordar (se não resolver) estes desafios filosóficos fundamentais
que surgiram desde os princípios dos anos 70. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span lang="FR">Em
segundo lugar, deve-se abordar o uso de Belo de conceitos freudianos (filtrados
através da psicanálise lacaniana) para conceptualizar o papel das “utopias”
tanto na prática social como na ideológica. A importância de Jacques Lacan na
cultura francesa do pós-guerra dificilmente pode ser subestimada (Turkle,
1992), e a sua influência no marxismo de Belo foi tão profunda como problemática.
Por exemplo, pode o “ideal” que regula e normaliza cada prática social
particular, isto é, a “utopia” duma dada sociedade,<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>ser realmente concebido como um “análogo na formação social
da pulsão freudiana” e a “ordem-utopia” que esse ideal cria na sociedade um
“análogo da pulsão de morte freudiana” (Belo 1981: 20)? Pode o psicanalítico
ser alinhado tão de perto e sem esforço com o económico, as ordens políticas e
simbólicas da sociedade? Duvido. Enquanto que a influência de Lacan e Freud
duramente não desapareceu (Žižek 2007), não se pode negar que o amplo estatuto
cultural de Freud diminuiu desde a década de 1970 (Dufresne 2006), nem se podem
ignorar os debates tanto sobre os fundamentos teóricos como sobre as evidências
empíricas da teoria freudiana que ocorreram desde que Belo escreveu (Grunbaum
1984; Sachs 1991; Robinson 1993). No mínimo, a própria compreensão de Belo da
psicanálise parece agora subdesenvolvida e desactualizada. Além disso, mesmo
que se aceite o princípio geral da solidez da teoria freudiana, o uso de Belo
como um análogo para as formações políticas e sociais requer uma teoria muito
mais grandiosa do que a maioria dos exegetas contemporâneos ou teóricos
políticos estão dispostos a aceitar. Certamente, a tentativa de Belo de usar
conceitos freudianos para estabelecer um isomorfismo entre os significados do
Evangelho de Marcos para a prática revolucionária no Modo de Produção
Sub-asiático na primeira Palestina do século e o Modo de Produção Capitalista
no Ocidente moderno continua problemático, para dizer o mínimo. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span lang="FR">Mesmo
deixando de lado estas críticas “externas”, talvez que a questão mais difícil
de todas seja: a lógica interna da teoria de Belo, definida pelo marxismo
estruturalista, pode realmente teorizar a possibilidade de mudança revolucionária
sem mais? Não se trata apenas da questão de saber se a revolução era uma
possibilidade histórica para os camponeses palestinianos do primeiro século.
Belo admite que “o que os camponeses de um [Modo Subasiático de Produção]
poderiam alcançar através da revolução seria um retorno às formas
‘comunitárias’ primitivas. A revolução era impossível para eles” (1981: 28). Em
vez disso, a questão é se um marxismo estruturalista, com a sua ênfase nas
limitações ideológicas, tanto sobre a subjetividade como sobre os agentes, pode
fornecer um qualquer quadro de prática revolucionária e da transição de uma
ordem social para outra – uma possibilidade negada no passado por alguns
marxistas estruturalistas (Hindness e Hirst, 1975). O absoluto [aspecto] não
discreto de cada instância histórica, a incomensurabilidade de todos os sistemas
sociais e a omnipresença da diferença tão celebrada por muitos pós-modernistas
são certamente presságios desta <i>aporia</i></span><span lang="FR"> nas
abordagens estruturalistas da história. De facto, a acusação do marxismo
estruturalista como essencialmente incapaz de explicar a mudança foi
notoriamente apresentada pela E.P. Thompson (1978; Bottomore, 1998), vários
anos após aparecer o trabalho de Belo, e continua sendo uma das dificuldades
mais sérias enfrentadas por esse ramo marxista. Evidentemente, várias
estratégias foram sugeridas para lidar com esse problema (Giddens, 1979; Anderson
1980) – pessoalmente não acho que seja intransponível – mas qualquer tentativa
de seguir hoje o método de Belo deve abordar também essas questões. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span lang="FR">Apesar
dessas dificuldades teóricas, insistiria em que o arcabouço teórico de Belo
permanece extremamente desafiador e promissor para os exegetas contemporâneos.
De facto, eu iria ao ponto de dizer que continua sendo promissor justamente por
causa dessas dificuldades, uma vez que as mudanças que ocorreram desde o
surgimento de seu trabalho, a ascensão do pluralismo metodológico dentro da
disciplina dos estudos bíblicos e a proliferação aparentemente interminável de
factores sociais, raciais e perspectivas de género na leitura das escrituras,
talvez tenham feito maior, em vez de menor, o desafio de transcrever o texto
bíblico num programa político viável. A incursão de Belo na grande teoria, por
mais estranha que seja à mentalidade académica de hoje, continua a ser uma base
essencial para qualquer leitura materialista politicamente astuta do texto bíblico.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="FR">A RECONSTRUÇÃO
HISTÓRICA DE BELO DA PALESTINA DO PRIMEIRO SÉCULO <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span lang="FR">Passando
da teoria dos textos de Belo para sua reconstrução do contexto histórico
específico da Palestina do século primeiro em que o texto de Marcos apareceu e
operou, encontramos tanto os persistentes pontos fortes do sentido histórico
geralmente sólido de Belo (pelo menos do ponto de vista marxista) como as
limitações impostas pela teoria histórica e social disponível quando ele
escreveu. Em vez de reconstruir o seu quadro da Palestina do primeiro século em
detalhe (tarefa que está além do escopo deste artigo), vou-me concentrar
brevemente aqui em dois pressupostos que regem a maneira como Belo conta o
contexto religioso-político de Marcos e oferecer algumas sugestões sobre como a
evolução posterior da investigação histórica e da análise sociológica poderia
melhorar o trabalho de Belo, deixando intacto o seu modelo básico. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span lang="FR">Primeiro,
Belo assume que a Palestina do primeiro século foi organizada como o que a
tradição marxista chama “Modo de Produção Sub-Asiático”, isto é, uma economia
agrária caracterizada por trabalho de escravos e de camponeses ao nível de subsistência,
cuja atividade económica estava centrada em aldeias rurais, mas governado e
explorado através de um aparelho de estado controlado pelos grandes
proprietários de terras, a classe mercantil e uma classe política urbana. Os
deslocamentos económicos e sociais ocasionados por esse sistema, por sua vez,
deram origem a lutas de classes e movimentos de guerrilha generalizada nos
campos e a ascensão nas cidades de um <i>lumpemproletariado</i></span><span lang="FR"> economicamente incapaz de ação política concertada (Belo 1981, pp
83-84). Este modo de produção sub-asiático, afirma Belo, produziu
fundamentalmente diferentes situações económicas e políticas na fértil região
norte da Galiléia e na região mais árida da Judéia, conflito entre os quais a
ideologia religiosa do Templo do Judaísmo concentrada em Jerusalém tentava
suprimir (1981, pp. 60-61). <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span lang="FR">Embora
Belo esteja, sem dúvida, correcto ao apontar as diferenças geográficas e
económicas entre Norte e Sul como [razões] críticas para explicar o sucesso do
ministério de Jesus na Galiléia e o seu fracasso na Judéia, bem como ao ligar a
resistência política ao domínio romano com as realidades económicas em toda a
Palestina, o conceito especificamente marxista de um Modo de Produção Asiático
– do qual o “Modo Subasiatico” de Belo é derivado, através do trabalho teórico
de Guy<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Dhoquois (1970) – é dificilmente
tão auto-evidente e não problemático como Belo assume. Deixando de lado a questão
de saber se as teorias marxistas do desenvolvimento social são em geral apropriadas
– como poderia a exegese marxista questionar isso? – dentro da sociologia marxista
tem havido muito debate sobre a viabilidade do conceito de um modo de produção
asiático (AMP). Como Bryan Turner observou na sua avaliação do conceito, muitas
vezes “o conceito de AMP tem sido usado de forma promíscua para descrever quase
todas as sociedades baseadas na propriedade comunal e aldeias auto-suficientes,
onde os mercados capitalistas são<span style="mso-spacerun: yes;">
</span>ausentes. … A AMP também está repleta de problemas teóricos. É difícil
ver, por exemplo, como aldeias auto-suficientes e autónomas podem ser
compatíveis com um estado centralizado que deve intervir na economia da aldeia”
(Turner 1998). Turner (1978, 1998) não está sozinho na sua crítica deste
conceito (Hindness e Hirst 1975; Krader 1975), embora outros estudiosos tenham
defendido a sua (limitada?) utilidade (Briant 2002: 802). Também abundam outros
problemas no conceito, incluindo o de explicar a origem do estado na ausência
de lutas de classes (Currie, 1984). De forma mais geral ainda, será o conceito
do Modo de Produção Asiático apenas uma expressão marxista do “orientalismo”
geral que tem atormentado os estudos ocidentais modernos das culturas não ocidentais,
de acord com escritores como Edward Said (1979)? Quaisquer que sejam as
respostas dadas a essas perguntas, fica claro que a aceitação de Belo desta
categoria social como um elemento essencial na sua exegese de Marcos levanta
dificuldades que um quadro materialista da história mais teoricamente informado
deve ter em conta hoje.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span lang="FR">Em
segundo lugar, de maneira muito estruturalista, Belo argumenta que o espaço
ideológico do primeiro século da Palestina envolveu “dois sistemas distintos
[que] podem ser encontrados nos textos legislativos do Antigo Testamento: um
sistema de <i>mácula ou contágio</i></span><span lang="FR"> e um sistema de <i>dívida</i></span><span lang="FR">, sendo o primeiro dominante em textos pertencentes ao documento
sacerdotal (P), o segundo em textos pertencentes aos documentos Eloísta (E) e
Deuteronomista (D)… Começando em certo período na monarquia subasiatica, os
dois sistemas são relacionados por uma dialética que é a duma luta de classes
”(1981: 38). Belo então elabora um quadro estruturalista muito complexo de
sentido em que esses sistemas simbólicos concorrentes (o sistema da mácula
sendo associado com a classe sacerdotal dominante e com o Templo de Jerusalém,
o sistema da dívida com a economia rural agrária e observância religiosa
popular no campo) espelham e mediatizam as tensões de classe geradas pelo Modo
Subasiático de Produção. De acordo com Belo, o sistema da mácula e o seu foco
na pureza e sacrifício do templo tem as suas origens no campo da monarquia
davídica, enquanto que o sistema de dívida, transmitido também através dos
profetas, representa a religião prática de “tribos pré-sub-asiáticas iniciais”
(1981: 56). Os conflitos sociais e económicos que resultam desta imposição do
sistema monárquico posterior na sociedade agrária, afirma Belo, definem a
sociedade na qual Marcos foi escrito e define o espaço dentro do qual sua
narrativa subversiva opera. Como Belo escreve: “Uma exegese dos textos
proféticos confirmaria facilmente, estou convencido, a brutal conclusão que já
é clara e que os exegetas burgueses sistematicamente evitam; o sistema de
classes estabelecido por David e a exploração do irmão pelo irmão são a
maldição que caiu sobre Israel e o levou para a devastação e exílio. Veremos
que o Evangelho de Marcos está localizado no mesmo campo no que diz respeito à
leitura da história de Israel” (1981: 56). <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span lang="FR">O
que devemos dizer sobre isso? Obviamente, a Hipótese Documentária, da qual Belo
tão claramente depende, sofreu críticas sustentadas desde que ele escreveu, e
seria rejeitada inteiramente por um número considerável (talvez até a maioria)
de estudiosos bíblicos hoje (Blenkinsopp, 2000). Contudo, esses debates parecem
menos centrais para avaliar o projeto de Belo (eu suspeito que Belo poderia
navegar por esses desafios e reter uma base bíblica e histórica para os
sistemas ideológicos que ele identifica a trabalhar na Palestina do primeiro
século) do que os desenvolvimentos metodológicos na pesquisa bíblica desde que
ele escreveu. Mais significativo, creio eu, para quem usa Belo hoje, é o
desenvolvimento de uma crítica social-científica que, ao longo dos últimos
trinta ou mais anos, apresentou uma abordagem muito sofisticada e um retrato empiricamente
bem fundamentado do mundo ideológico do Novo Testamento que não se centram em
torno da dicotomia <i>mácula-dívida</i></span><span lang="FR"> que o
estruturalista Belo propõe, mas sim em torno de sistemas mais universais de <i>honra-vergonha</i></span><span lang="FR"> como os propostos por Bruce J. Malina (2001). Essas abordagens levam
plenamente em conta as relações de parentesco, estatutos de classe e relações
económicas (assim como Belo), mas mediatizam-nas e interrelacionam-nas através
das investigações antropológicas e sociológicas mais do que através dos lentes
da teoria francesa. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span lang="FR">É
claro que essas abordagens social-científicas geralmente minimizam ou até eliminam
a consideração de classe para produzir o que Steven J. Freisen rotulou de
“crítica capitalista” do Novo Testamento, e deve-se resistir a tais tendências
(2004: 336). Um excelente exemplo de tal negligência (o que ajuda a explicar a
amnésia contemporânea em torno do trabalho de Belo) seria a <i>Leitura de
Marcos: Envolvendo o Evangelho</i></span><span lang="FR"> de David Rhodes (2004).
Este estudo, que faz uma abordagem explicitamente social-científica do texto,
relega o trabalho de Belo (que o autor admite ser “uma fascinante análise marxista
do Evangelho”) a uma única nota de rodapé (Rhodes 2004: 233), enquanto que o
estudo de Vernon K. Robbins (2009) não o referencia de todo. O próprio Belo
lamentou tais tendências numa geração anterior de estudiosos como Reginald de
Vaux (1961), que frequentemente colocava tanta ênfase na esfera ideológica
religiosa que até mesmo “negam a existência de classes sociais no antigo
Israel” (1981: 310 n. 72). A exegese marxista permanece essencial hoje, quanto
mais não seja pela sua insistência em que os exegetas não permitam que factores
sociais secundários e terciários distraiam os leitores das divisões económicas
e de classe que operam nos níveis mais profundos e determinantes da sociedade.
No entanto, estou relutante em afirmar que essas abordagens não identificam
características reais do espaço ideológico da Palestina do primeiro século, que
pode enriquecer uma exegese marxista, mesmo que não possa derrubá-la.
Certamente, qualquer estudioso em 2011 que deseja continuar o trabalho de Belo
e estendê-lo não pode ignorar o tempo que passou desde que ele apareceu pela
primeira vez. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span lang="FR">Os
dois pilares teóricos sobre os quais Belo edificou a sua reconstrução histórica
do primeiro século da Palestina, ou seja, o conceito marxista do Modo Asiático
de Produção e o modelo estruturalista do quadro do sistema de mácula / dívida
que o acompanhava, exige certamente uma explicação mais rica e subtil do que a
que ele lhes deu no seu trabalho. Levando a sério estes subsequentes
desenvolvimentos na compreensão histórica, tanto dentro da teoria marxista como
dentro do grémio alargado dos estudiosos da Bíblia, certamente mudaria muitos
detalhes do magnum opus de Belo, maneiras que ele nunca imaginou e que
provavelmente não o deixariam totalmente confortável. No entanto, até uma
maneira mais frutífera e sugestiva de relacionar os sistemas económicos e
ideológicos do primeiro século da Palestina ser apresentada, que consiga
preservar tanto<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>a sua autonomia
relativa como a sua inter-relação, a obra de Belo permanece um excelente ponto
de partida para os exegetas marxistas contemporâneos. Em vez de descartar a
solução proposta por Belo para esse problema como desactualizada ou
irrelevante, a exegese marxista contemporânea precisa de assumir a tarefa outra
vez.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="FR">CONCLUSÃO<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="FR">À luz da avaliação
e das críticas da “leitura materialista de Marcos” de Belo, o que devemos
concluir sobre sua relevância para as tentativas contemporâneas e futuras da exegese
marxista? Sem dúvida, o estudo de Belo mostra as limitações do estado do conhecimento
histórico e da situação teórica quando o livro foi escrito. Muitos dos seus
métodos e suposições históricas parecem muito mais problemáticas para nós do
que para os leitores parisienses de meados da década de 1970 e abordar esses
problemas exigiria algumas revisões substantivas, tanto em teoria quanto na
prática. No entanto, a abordagem de Belo para a Bíblia merece nossa atenção
contínua porque reconhece e tenta com rigor conceptual lidar com a profunda
complexidade da interação entre economia, política e texto que encontramos em
ação no Evangelho de Marcos. Uma tal sofisticação intelectual quando a leitura
do texto bíblico é essencial se quisermos escapar a leituras “políticas” que
favorecem o sentimentalismo moral e o narcisismo mais do que proporcionam
orientação para uma exegese política sustentada e teologicamente séria. Além
disso, o reconhecimento de Belo (tornado possível precisamente por sua
metodologia estruturalista) de que o caráter revolucionário de Marcos e do
próprio Evangelho foi subsequentemente re-narrado e "re-ideologizado"
na ideologia dominante e, portanto, despojado de seu poder subversivo é em si
uma contribuição crítica e duradoura que ele fez para a compreensão do texto
(Belo 1981: 33). Como tal, sua exegese materialista, por descobrir o poder
subversivo original desses longos códigos re-ideologizados, ainda pode “tornar
possível um confronto entre uma prática política que pretende ser
revolucionária e uma prática cristã que não pretende continuar a ser religiosa
”(Belo 1981: 1). Essa conquista, apesar dos inevitáveis problemas que
acompanham os seus esforços, faz com que o empenhamento teórico do texto de
Belo seja oportuno e, sugeriria em conclusão, de interesse duradouro e
significativo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;"><b>Minha resposta a Lance Reich este domingo<o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">Caro amigo<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">Estou muito feliz por ter lido o seu
artigo de 2012 sobre o meu livro MarC / X, a sua abertura intelectual para
discernir o que é datado e o que permanece válido para si. Estou surpreendido e
satisfeito com o que você diz no início sobre o ressurgimento do marxismo,
inclusive na crítica bíblica. Acontece também que você toma como objeto de
crítica o que ninguém havia feito na época e que, sem dúvida, se tornou mais
avaliável hoje. Por mim, concordo com sua primeira parte, mas não concordo nada
com a segunda (eu leio muito mal inglês).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">Regressei a Portugal em 1974,
durante a ‘Revolução dos Cravos’, e depois de alguns anos entendi que não havia
possibilidade de uma ‘revolução’, o que a nossa situação actual reforça:
revolução em Portugal? na Catalunha? na Bélgica? As lutas actuais não são
leninistas (duas vezes tentei ler <i>O que fazer?</i></span><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">, sem conseguir ir além das primeiras páginas),
não visam a tomada do poder do Estado, que deixou de ser 'decisivo', dizem
respeito ao local e ao global, como se diz, poluição e clima, racismo e
machismo, trabalhadores tratados como cidadãos e não como mercadorias,
diminuição das horas de trabalho e eliminação do desemprego, e assim por
diante. Ou seja, entendi que o marxismo não era senão uma análise das
sociedades capitalistas; por exemplo, o conceito de modo de produção, unidade
inseparável das ‘forças produtivas’ (relação trabalhadores / máquinas,
matérias-primas, etc.) e ‘relações de produção? (relação de capital e juros /
salárioz), parece permanecer adequado para entender uma fábrica capitalista,
sendo a primeira relação a da tecnologia, cujo líder é o engenheiro, e a
segunda, a das compras e vendas no mercado, de que o líder é o economista. Essa
dupla relação encaixa muito bem numa fenomenologia inspirada no motivo
gramatológico de <i>double bind</i></span><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;"> de Derrida, que desenvolvi jogando com algumas descobertas científicas
decisivas do século passado. Se você quiser espreitar, há uma apresentação no
meu blogue<span style="mso-spacerun: yes;"> </span></span><span lang="EN-US" style="font-family: HelveticaNeue; mso-ansi-language: EN-US;"><a href="http://www.philoavecsciences.blogspot.com/"><span style="font-family: "Times New Roman";">www.philoavecsciences.blogspot.com</span></a></span><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">. Concordo também consigo, foi
ingenuidade minha misturar Marx e Freud, a utopia e a pulsão.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">Dito isso, admito que o título “modo
de produção sub/asiático” talvez seja orientalista, como denunciado por E.
Said, embora acredite que a minha descrição da Palestina se mantém bastante bem
sem esse título. Não havia sem dúvida nenhum “Estado centralizado”, ele
preocupava-se obviamente com a ordem por causa do ocupante e recebia os dízimos
devidos ao clero, o que basta para caracterizar o político; que o Templo é o nó
do Tesouro, do Sinédrio e do Culto dos sacrifícios (os três misturados), é
mostrado nos sinópticos como uma espécie de adversário simbólico de Jesus o
Messias (João antecipa a expulsão dos comerciantes do Templo para
‘despolitizar’ o Messias), tudo se desmorona em ruínas em 70, tudo isso
parece-me ‘organizado’ no quadro proposto, marxista ou não.. Em suma, quando houver
uma melhor descrição, sera óptimo, mas vamos mantê-lo enquanto não houver
melhor, acho que também é a sua opinião.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">No que diz respeito aos sistemas de
mácula / dívida: actualmente, renuncio à noção de oposição dialética e luta de
classes entre eles – tornei-me “contra” a própria noção de dialética, que
pressupõe a exterioridade dos dois termos – mas creio que a revisão da exegese
do Pentateuco não afecta os dois sistemas, que são da ordem da antropologia hebraica.
Estou muito feliz com a nova exegese: se o Deuteronómio foi o primeiro a ser
escrito, então todos os grandes textos foram escritos por profetas, o que me
permitiu traçar um paralelo com os filósofos gregos. Os profetas hebreus, é a
‘corrente’ dos escritores que escreveram a Bíblia. Mas o sistema dom / dívida
claramente domina<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;"><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717">https://phenomenologiehistorique.blogspot.com</a><span style="mso-spacerun: yes;"> </span><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">o Deuteronómio (“que não haja pobre entre
vós”), assim como pureza / mácula domina o Levítico do documento sacerdotal,
que continua sendo a última mão da Tora, onde “os sacrifícios de vários tipos,
escreve Schmid, que originalmente tinham funções diferentes, tornam-se todos no
escrito sacerdotal sacrifícios de expiação; todo o culto se torna numa
instituição monumental de origem divina cujo único propósito é assegurar a
expiação "(Schmid, Hans Heinrich,”Para uma teologia do Pentateuco”, em de
Pury, <i>Le Pentateuque en question. Les origines et la composition des
premiers cinq livres de la Bible à la lumière des recherchess récentes</i></span><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;">, Labor and Fides, 1989, pp.
379-380). Foi a tomada do poder pelos sacerdotes no tempo da dominação persa,
eles tornaram-se os intérpretes das Escrituras, da escrita dos profetas. Não
vejo muito bem que se oponha a estes dois sistemas, um terceiro como honra /
vergonha, assaz mediterrânico, especialmente entre as máfias, uma vez que estes
diferentes sistemas antropológicos podem muito bem jogar uns com os outros, não
se excluem mutuamente. Só que não vejo muito bem como honra / vergonha pode ajudar
a ler Marcos ou os outros evangelhos, enquanto que a questão entre a
observância de rituais de pureza e dívida (pecado), entre os sacrifícios e a
misericórdia, parece muito importante na questão dos alimentos e da admissão
dos pagãos (Mc 7, Ga 2, Act 15), na crítica paulina da Lei, assim como
continuou a ser relevante ao longo da história do cristianismo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="mso-element: footnote-list;">
<!--[if !supportFootnotes]--><br clear="all" />
<hr align="left" size="1" width="33%" />
<!--[endif]-->
<div id="ftn1" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref1" name="_ftn1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[1]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;">Corrigi a citação</span><span lang="FR"> a partir do original francês (FB).</span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;"><o:p></o:p></span></div>
</div>
</div>
<!--EndFragment-->Fernando Belohttp://www.blogger.com/profile/17937204465115284686noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8208352897435046717.post-40306818183077163472018-03-26T05:38:00.001-07:002018-03-27T12:40:42.510-07:00Um buraco na história da humanidade<!--[if gte mso 9]><xml>
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<br />
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<span class="Apple-style-span" style="font-size: 27px;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="FR"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>1. O livro</span><span style="mso-ansi-language: PT;"> chama-se <i>Sapiens. Une briève histoire de l’humanité</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, versão francesa da versão inglesa do original
hebreu do historiador israelita Yuval Noah Harari (2012) e tem quase 500
páginas que se lêem muito bem, com bons exemplos em seus contextos muitos dos
quais ignorados do grande público, bons contastes entre épocas diferentes para
sublinhar parecenças ou diferenças entre épocas largas de história, ou seja,
aprende-se muito e mesmo as irritações filosóficas que tive aqui e ali acabaram
por me agradar, como direi a propósito do ‘buraco’ anunciado pelo título. A
linguagem é clara, apesar do empirismo radical e das lacunas devidas à
‘brevidade’ duma história da humanidade, que me lembre o nome de Platão nunca
aparece, e na parte final da ‘crendice’ nos projectos dos biólogos e
informáticos igualmente empiristas radicais, que só sabem, uns de bioquímica e
outros de sílica e digitalização. </span><span lang="FR">O livro</span><span style="mso-ansi-language: PT;"> consta de quatro partes: a revolução cognitiva, a
revolução agrícola, a unificação da humanidade e a revolução científica. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">2. A <b>revolução cognitiva</b></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> conta como as várias outras espécies <i>homo</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, neandertal, erecto e outros, se extinguiram há
cerca de 30000 anos, com a possibilidade de que o nosso <i>sapiens </i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">tenha contribuído para isso. Entre os anos 70000 e
30000, já com fogo e utensílios vários bem anteriores, a revolução cognitiva é
atribuída à invenção das línguas, de que Harari destaca três vantagens: poder
falar de coisas que aconteceram longe, no espaço e no tempo; permitir conversar
de tudo e de nada, isto é, ser um laço social, tribal; capacidade de ficção, de
poder falar de coisas que não existem, lendas, mitos, religiões. É nesta
terceira que o empirismo radical se anuncia: porquê decide o historiador que
essas coisas não existem? A partir do seu ateísmo? Este faz parte da
metodologia do historiador? Não creio que historiadores ou antropólogos
encontrem alguma vez indígenas que digam que aquilo em que acreditam existe ou
não à maneira dos ocidentais; se vasculharem bem, o que encontrarão
provavelmente sempre é que eles acreditam nessas narrativas e nesses rituais
porque os aprenderam dos seus antepassados, os quais também aprenderam de
outros que aprenderam, sem se encontrar nunca nenhuma ‘origem’ de mitos; tal
como nós aprendemos a falar sem saber gramática ou aprendemos na escola que a
terra é que gira em torno de si mesma e o sol está como que parado num dos
focos das elipses das trajectórias dos planetas, a grande maioria de nós não
sabendo demonstrar essa crença aprendida; além disso, encontrarão que, quer a
língua em que conversam, quer os rituais e mitos que jogam em festas, guerras,
nascimentos e funerais, são laços que integram todos os que são da tribo e
excluem os que não são. Ou seja, <i>a aprendizagem como mecanismo de reprodução
social é totalmente ignorada nas cinco centenas de páginas de descrição
histórica</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">. Com uma consequência
impressionante, à vista da imensa bibliografia, livros e artigos de
investigação, quase sempre anglo-saxónica, é certo: o capítulo que segue esta
tripla caracterização da linguagem, intitulado “a lenda de Peugeot”, explica
que ‘Peugeot’ não existe, é uma lenda, como o Estado moderno, a Igreja
medieval, a cidade antiga, a tribo arcaica ou o sistema judiciário não existem,
nada disso se vê, apalpa ou cheira: tratando-se de aglomerados acima de 150
indivíduos, são produtos imaginários, só ‘existem’ sob forma de mitos contados
de boca em boca. “Nenhuma destas coisas existe fora das histórias que pessoas
inventam e contam umas às outras; não há deuses no universo, nem nações,
dinheiro, direitos humanos, nem leis nem justiça fora da imaginação comum dos
seres humanos”. “Peugeot é uma criação da nossa imaginação colectiva. Não se a
pode mostrar apontando com o dedo; não é um objecto material; [...] existe como
ficção jurídica do tipo ‘sociedades anónimas de responsabilidade limitada’.
Empirismo nominalista, à maneira de Occam – “só existem os singulares”, a
relação de ‘pai’ só existe como ‘nome mental’<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn1" name="_ftnref1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[1]<!--[endif]--></span></span></a>
– ou de Margaret Thatcher, “a sociedade não existe, só existem homens e
mulheres”. O que é surpreendente é que os nomes das línguas não sejam
suficientes para<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>que algo que liga
humanos possa ‘existir’ sem ser ficção; o imaginário é uma noção alheia ao
‘colectivo’, releva da subjectividade individual, ao invés das palavras, que
são iguais para todos os falantes e também estruturam o psiquismo de cada um
deles. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span lang="FR">3.
A <b>revolução agrícola</b></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> é
introduzida com o seguinte título: “a maior fraude da história”. Ao espanto
inicial, sobrevem a explicação: a vida dos colectores caçadores na selva era
muito melhor do que a dos camponeses, o que lembra o que contava Pierre
Clastres algures em <i>La société contre l’État</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, de indígenas do Brasil que receberam machados
metálicos, dez vezes mais eficazes do que os seus de pedra, e que em vez de
cortarem dez vezes mais no mesmo tempo, cortaram a quantidade habitual em dez
vezes menos tempo, ganhando tempo para se enfeitarem e divertirem, ou a
caracterização por Marshall Sahlins das sociedades arcaicas como <i>sociedades
de abundância</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">. Nesta lógica,
Harari dará sempre lugar na sua síntese histórica aos seus aspectos mais
terríficos: as escravaturas, quer as antigas quer sobretudo as de africanos na
Europa e nas Américas, a dizimação (literal, reduzidos a 10%) dos indígenas
americanos nos primeiros 100 anos, o proletariado inglês dos começos da
industrialização do século XIX, mas também os animais que são hoje em dia
tratados de forma crudelíssima em vista da nossa alimentação. Aqui, não posso
senão tirar-lhe o chapéu! Terá direito a um capítulo final inédito: enquanto
historiador, interroga-se sobre a felicidade dos humanos e o sentido da vida nesta
época da história. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">4.<b> A unificação da humanidade </b></span><span style="mso-ansi-language: PT;">tem uma tese que me pareceu original: a de que
foram os impérios que conduziram a história para a unificação actual, além da
moeda e do mercado (com um excelente resumo do mecanismo da moeda e da
confiança bancária) e das religiões. O “papel histórico crucial da religião foi
o de dar uma legitimidade sobre-humana às frágeis estruturas sociais”, quando
se tratou de crenças universais e missionárias. Além do que se chama
habitualmente ‘religião’, Harari prolonga a noção às grandes ideologias
modernas: liberalismo, comunismo, capitalismo, nacionalismo, nazismo, distinguindo
religiões teístas e religiões humanistas e nestas incluindo o budismo (sem deuses).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span lang="FR">5.
A </span><span style="mso-ansi-language: PT;"><b>revolução científica </b></span><span style="mso-ansi-language: PT;">leva-nos ao extraordinário buraco deste empirismo
de sociedades à base de “imaginários comuns”, que foi o que me atraiu para
escrever este texto. O autor começa por contrastar a ciência moderna (com um
belo capítulo sobre a invenção das estatísticas) que começa pela <i>ignorância</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> de que os humanos não conhecem, as respostas às
questões mais importantes, enquanto que, segundo ele, “as tradições
pré-modernas do saber como o Islão, o cristianismo, o budismo e o confucionismo
[que] afirmavam que já se sabia tudo o que era importante saber sobre o mundo”.
Esta frase, com um conteúdo que aparece outras vezes, diz a <i>ignorância</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> do historiador: a filosofia não aparece nestas
“tradições pré-modernas do saber”, como se vê quando algumas páginas adiante se
põe a questão “porquê a Europa?”. A questão está longe de ser nova. Por
exemplo, o historiador Eric Jones, <i>O milagre europeu</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, Gradiva, compara a China, a Índia, o Islão
otomano e a Europa, que terão um equivalente estádio de civilização em 1400,
com alguns argumentos comparativos interessantes – a não existência de impérios
na Europa como os outros, os quais limitavam os ganhos dos seus mercadores, as
cidades livres que estiveram na origem do comércio intra-europeu, a planície
que vai da França aos Urais coberta de floresta – mas termina por não encontrar
argumento histórico que explique que, 400 anos mais tarde, a Europa irrompa
como civilização tecnológica e capitalista, e por resignar-se ao ‘milagre’.
Aqui esta ‘ignorância’ que desembocou em ciência, como que ‘inventada’ pelos
cientistas sem antecessores, explica-se pela aliança com os ‘impérios’
marítimos em que se ‘conquistam’ territórios e saberes geográficos, zoológicos
e botânicos sobre eles. Mas quando chega a 1800, aos comboios a vapor e a
tecnologia que vem com eles, à questão de saber porque é que a China e a Índia
não foram capazes de construir logo máquinas a vapor como as europeias,
encontra a seguinte explicação: “nem Chineses nem Persas tinham falta de
invenções técnicas como as máquinas a vapor (que podiam ser livremente copiadas
ou compradas); o que lhes faltava, eram os valores, os mitos, o aparelho
judiciário e as estruturas sócio-políticas, cuja formação e maturação levaram
séculos no Ocidente e que era impossível de copiar e de interiorizar
rapidamente. [...] desde os alvores dos tempos modernos que a Europa
desenvolvera a ciência moderna e o capitalismo, que os Europeus tinham ganho o
hábito de pensar e de se conduzir de maneira científica e capitalista antes
mesmo de gozarem duma vantagem técnica significativa”. O texto dá a ver que
Harari manifestamente só conhece a ‘ciência’ de longe, caracterizando-a pelo
“lugar central da observação e da matemática”: ora, esta disciplina de cálculo
exacto só ganhou este nome no século XIX, nos clássicos era chamada <i>geometria</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, que já Platão considerava aliada da filosofia na
Academia; quanto à ‘observação’ é o método próprio das ciências aristotélicas,
que o que ignoravam era a experimentação e a sua mensuração laboratorial, a
ciência inventada no século XVII. A grande diferença entre a Europa que
renasceu entre 1450 e 1520 e todas as outras grandes civilizações, foi que só
ela teve <i>antes de se formular como civilização, recebeu um</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> <i>berço cultural</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> vindo da Antiguidade e da discussão medieval de
textos filosóficos, lógicos, jurídicos, de medicina, além de teologia. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">6. <b>Eis o buraco</b></span><span style="mso-ansi-language: PT;">: para Harari, por certo que a metafísica releva
do imaginário, do que não existe, mas também coloca “os valores e os mitos” com
“o aparelho judiciário” sem mencionar o direito romano. O que ele ignora, tal
como Eric Jones e provavelmente a historiografia anglo-saxónica que ele cita
abundantemente em notas de pé de página, não é apenas a filosofia, misturada ao
cristianismo medieval: <i>ignora as universidades medievais, a invenção da
imprensa e o comércio dos livros, a Enciclopédia e as universidades e colégios!</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> Nada disto faz parte da história que ele conta,
muito menos históricas<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>do que os
livros e as escolas são as palavras que se ensinam e aprendem, veja-se ou não o
que elas dizem! Ora é neste buraco que tenho trabalhado, como mostro sobretudo
no e.livro <i>Da Natureza à Técnica (construção, desconstrução e reconstrução)</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, edição de autor na Leya. Não lhe passa pela cabeça
que a escrita alfabética, a invenção socrática da definição de essências [que
claro que não ‘existem’ à mão de semear] (e da ‘ignorância’: “sei que nada sei”
é o que lança a filosofia que tornou possível os laboratórios científicos!) e
da argumentação lógica por Aristóteles, em seguida a da geometria por Euclides,
que tudo isso – e também a alma imortal que também não ‘existe’, mas foi
extremamente<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>eficaz para induzir o
individualismo ocidental, ignorado pelas outras civilizações – fizesse parte do
que Newton, citando um medieval, chamava os gigantes aos ombros dos quais ele
se sentava. Ou seja, a sua concepção da ficção de coisas que não existem como o
mais importante da “revolução cognitiva”, e provavelmente o papel do “imaginário
comum” a sobrepor-se à existência da companhia Peugeot – de quem todos os que
nela trabalham e lhe compram carros falam constantemente, sem necessidade de
nenhum impossível, por definição, imaginário comum a milhões de pessoas – é que
o impede de ‘ver’ <i>o buraco da escrita que existe transmitindo-se por
aprendizagem através de escolas e de livros</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">. Apetece pensar que se trata dum exemplo (inesperado para mim) do que Heidegger
chamou ontoteologia: este senhor lê ‘vendo e mexendo’ nas coisas lidas,
discernindo nesse referente real o que existe e o que não existe, como um ‘sujeito’
diante de objectos. Para um ‘ateu’, deveria ser terrível ganhar consciência
dessa sua posição herdeira da teologia. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">7. Mas que esta brincadeira não afaste leitores:
vale muito a pena lê-lo, aprende-se imenso.</span><span lang="FR"><o:p></o:p></span></div>
<div style="mso-element: footnote-list;">
<!--[if !supportFootnotes]--><br clear="all" />
<hr align="left" size="1" width="33%" />
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<div id="ftn1" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText">
<br /></div>
</div>
</div>
<!--EndFragment--></div>
<div style="mso-element: footnote-list;">
<hr align="left" size="1" width="33%" />
<!--[endif]-->
<br />
<div id="ftn1" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref1" name="_ftn1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[1]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span style="font-size: 11.0pt; mso-ansi-language: PT;">O nominalismo
é a única corrente filosófica que refere a linguagem no título.</span></div>
</div>
</div>
<!--EndFragment-->Fernando Belohttp://www.blogger.com/profile/17937204465115284686noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8208352897435046717.post-82937168888395411362018-03-10T13:39:00.005-08:002018-03-10T13:39:59.242-08:00Céu de estrelas e acelerador de partículas
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<br />
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<span class="Apple-style-span" style="font-size: 27px;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="FR"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>1. </span><span style="mso-ansi-language: PT;">Escrevi
isto no meu último texto deste blogue. “A meu ver, a grande crítica que as
ciências em geral merecem, sobretudo a concepção que os cientistas delas têm,
tem a ver com o ‘fora do laboratório’: teoricamente, <i>os resultados
científicos só são válidos nas condições de determinação criadas pelos
laboratórios</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, os quais são
necessários porque justamente na realidade quotidiana reina a indeterminação,
vários tipos de efeitos jogando de forma casual ou pelo menos aleatória. Há,
que eu saiba, duas grandes excepções, bastante opostas: a astronomia, cujo
laboratório de telescópios enfrenta directamente a cena astral e pode calcular
com exactidão as suas causalidades sem interferências terrestres
significativas, e os aceleradores de partículas, em que o laboratório não se
distingue da cena em que elas explodem, o que provocará <i>provavelmente</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> os limites da mecânica quântica (não sei que
chegue para garantir esta afirmação)</span><span lang="EN-US" style="color: #0a0a0a; mso-ansi-language: EN-US;">”</span><span style="mso-ansi-language: PT;">. Escrevi,
e só depois de o ter publicado é que me dei conta de que estas duas excepções
correspondem, nada mais nada menos, do que aos dois novos domínios da Física, a
da relatividade e da velocidade astral da luz (que só se pode medir / calcular
nos astros não terrestres) e a mecânica quântica. O que merece uma pequena reflexão.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>2. Que a astronomia, decana das
ciências antigas como da física europeia, tenha como campo de compreensão um
mundo ‘determinado’ é o que corresponderá à perspectiva dos astrónomos gregos,
Aristóteles, por exemplo, considerando o movimento dos astros como <i>perfeito</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, em contraste com os movimentos terrestres, o que
porventura conduziu à noção astrológica de que o ‘movimento perfeito influía
nos dos humanos’ (a palavra medieval <i>influir</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> foi criada para dizer essa relação astrológica).
Mas também a lógica da demonstração do heliocentrismo de Newton (resumida num
texto deste blogue) supõe as órbitas dos planetas como determinadas, repetindo-se
periodicamente; creio que isso ainda é assim. Por outro lado, os cometas como o
de Halley também têm algo como uma trajectória que é conhecida, prevendo-se as
passagens dele à vista da Terra. Dito isto, haverá nos céus movimentos
erráticos? Se for o caso, isso não se opõe a esta característica da astronomia
de o seu laboratório coincidir, se dizer se pode, com a cena dos fenómenos
astrais, sendo certo todavia que a Terra é uma grande excepção em relação aos
outros astros: é dela que partem todas as medidas astronómicas, é do ponto de
vista dela que se fazem todas as cartas celestes, ainda quando tenham
contributos de sondas espaciais, uma vez que essas cartas são lidas na Terra,
ou com ‘olhos terrestres’ de astronautas no espaço. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>3. Quanto à Mecânica quântica, sem
dúvida que, desde a teoria do átomo nos começos do século XX, foi em
laboratório que ela foi sendo construída, Niels Bohr dizendo que “o átomo é um
ser de laboratório”, com a célebre indeterminação de Heisenberg sobre a medida
simultânea da posição e da velocidade duma partícula. Aqui, ao contrário da
astronomia, é a cena fora de laboratório que como que falta: presumo que ela
existe de duas maneiras. A primeira é sob a forma de bombas atómicas, o
filósofo greco-francês Cornelius Castoriadis tendo dito, ironicamente mas com
inteira razão, que a verdade da teoria física dos átomos foi validada pelas
mortes dos cidadãos de Hiroshima e de Nagasaki, ou ainda sob a forma de
centrais nucleares; a segunda, sob a forma de grandes aceleradores de
partículas por desintegração de certo tipo de núcleos atómicos. Tanto quanto
sei, e é certo que não sei muito, em todos estes casos o que se passa na cena,
fora do laboratório no primeiro caso e na cena-laboratório no segundo, são <i>explosões
</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">de partículas, onde as causalidades
são incontroláveis cientificamente e os procedimentos de medida da ordem da
estatística, a qual é sempre um recurso, uma confissão de não-saber no sentido
tradicional da física de Galileu e Newton. Apesar disso, há um (inacreditável)
estigma dessa física clássica como “errada” pelos físicos modernos, que têm a
mecânica quântica como “o infinitamente pequeno no qual se apoia a física
actual”, como diz a contracapa dum belo livro de Étienne Klein (<i>Einstein +6.
A revolução</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">). No entanto, já
Castoriadis falava “da antinomia epistemológica formulada por Heisenberg desde
1935 entre a constatação da não validade das categorias e das leis da física
ordinária no domínio microfísico e a demonstração dessa não validade por meio
de aparelhos construídos segundo as leis dessa física ordinária e interpretadas
segunda as categorias usuais”<span class="MsoFootnoteReference"> <a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn1" name="_ftnref1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[1]<!--[endif]--></span></a></span>.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="FR"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>4. A que vêm estas reflexões ? </span><span style="mso-ansi-language: PT;">Provavelmente não são senão mais um ponto do meu
desconforto fenomenológico (ignorante) diante, não destas duas novas físicas, é
claro, mas duma consequência da junção das duas na especulação sobre os
primeiros tempos do universo, uns 180 milhões de anos até à formação das
primeiras estrelas. Como é pensável tantos milhões de anos sem astros dignos
desse nome, apenas multidões de poeiras de átomos e de partículas? É a noção de
‘evolução’, a que é difícil de escaparmos, creio, como fazemos em relação à
formação da Terra e à epopeia da vida, que me parece que falta nesta
especulação, algo que se possa compreender. Ora, não se tratará aqui apenas de
Física mas também, e talvez antes de mais, da construção da Química: do núcleo
atómico, dos átomos mais simples (H e He) juntando um e dois electrões a esses
núcleos, depois dos outros átomos da fabulosa Tabela Periódica de Mendeleiev,
em seguida como átomos se juntaram para formar moléculas simples e mais
complexas. Questões que põem decisivamente a de saber como é que se fizeram as
ligações das forças nucleares e dos vários patamares de forças
electromagnéticas (que juntam electrões ao átomo, juntam átomos em moléculas,
depois juntam estas em graves), donde vieram, quando aparentemente, pensa o leigo,
quanto mais a multidão de poeiras se expandir mais as partículas estruturais
(protões, neutrões e electrões) se afastam umas das outras, quando a regra das
transformações químicas que geram moléculas é a da proximidade entre elas, que
nesta noção de expansão parece se desfazer: em vez de se aproximarem,
afastam-se. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>5. Estas teorias do big Bang e da sua
sequência até às primeiras estrelas (a partir das quais julgo que uma lógica se
apresenta), além de cálculos matemáticos que ignoro, serão apenas ‘especulativas’
ou haverá experimentação laboratorial adequada, inversão da que existe nas
explosões atómicas de bombas e centrais nucleares como de aceleradores de
partículas? Nestes casos, sabe-se experimentalmente como é que moléculas, átomos
e núcleos atómicos se desagregam; <i>mas há também experiências de protões e neutrões
se agregarem para formarem núcleos atómicos, de se lhes juntarem electrões e se
produzir um átomo?</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> Em mais
complicado, François Jacob, na <i>Logique du vivant</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> (1970) dizia, se bem me lembro, que se era capaz
de sintetizar todas as moléculas duma célula mas não se sabia com elas <i>construir</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> uma célula, as que temos vêm sempre de outras anteriores
(tanto quanto sei, as bio-tecnologias acrescentam moléculas a células, não
fazem o que F. Jacob dizia não se saber então fazer). A única experimentação
retroactiva, por assim dizer, que eu saiba é a famosa de Stanley Miller em
1953, que reconstituiu a atmosfera primitiva e conseguiu que hidrogénio,
amónio, metano, vapor de água, sob descargas eléctricas, tivessem originado
moléculas orgânicas. Nem sequer o estimado M. Barbieri, com uma excelente
teoria sobre as moléculas ribóticas na génese das células, fala em ter feito
experimentações sobre essas moléculas que justificassem a sua teoria. Voltando
à física, seria talvez mais fácil conseguir experimentalmente ‘construir’
átomos, que são bem mais simples do que células. Talvez que o problema dos
físicos seja justamente este, o da <i>simplicidade</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> que resiste a ser ‘pensada’; talvez que, em
épocas de “complexidade” (Edgar Morin), o método cartesiano da redução das
questões ao mais simples seja a esparrela filosófica em que caiu a especulação
física, a de imaginar uma poeira de partículas em procissão no céu das estrelas
ainda por virem, quando nos aceleradores de partículas não se constroem átomos
nenhuns. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">6. Seria preciso um/a novo/a Einstein, um/a
físico/a que tenha – como ele teve com o seu emprego em Zurich de leitor de
relatórios de “patentes nas quais se trata incessantemente de
electromagnetismo” (Klein, p. 54) – uma espécie de ‘laboratório de ideias’ que
lhe permita repensar o paradigma, repensar a antinomia epistemológica de Heisenberg
(§ 3), a relação entre a mecânica quântica e os instrumentos laboratoriais da
física ordinária. Mas se o/a houver – talvez que já o/a haja, sabe-se lá, longe
das universidades de topo – far-se-á ouvir de maneira a ser levado/a a sério? <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">7. Devaneios meus, porventura.</span><span lang="FR"><o:p></o:p></span></div>
<div style="mso-element: footnote-list;">
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<div id="ftn1" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref1" name="_ftn1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[1]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span style="font-size: 10.0pt; mso-ansi-language: PT;">“Science
moderne et interrrogation philosophique”, <i>Encyclopædia Universalis</i></span><span style="font-size: 10.0pt; mso-ansi-language: PT;">, vol. Organon, 1975, p. 48.</span></div>
</div>
</div>
<!--EndFragment-->Fernando Belohttp://www.blogger.com/profile/17937204465115284686noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8208352897435046717.post-27220145659038515632018-03-05T10:22:00.004-08:002018-03-05T10:24:20.108-08:00Ciência, pós-materialismo e espiritualidade<!--[if gte mso 9]><xml>
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<br />
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<span class="Apple-style-span" style="font-size: 27px;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="FR"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>1. Pela primeira vez vi referida </span><span style="mso-ansi-language: PT;">uma corrente de pensamento de cientistas e filósofos
que escrevem sobre “ciência pós-materialista”, denunciando a ciência europeia
ocidental a partir dos séculos XIX e XX como </span>“<span style="mso-ansi-language: PT;">materialista</span>”<span style="mso-ansi-language: PT;">. Foi um texto no <i>Público</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> de 3/2/2018 de Leonor Nazaré que cita, além de
dois livros, um em francês e outro em inglês, um “manifesto para uma ciência
pós-materialista” de 2014, que se encontra na Web tanto em francês como em
inglês. A autora reclama-se desse movimento para criticar o dogmatismo de David
Marçal (não fala do seu comparsa Fiolhais) contra tudo o que não seja medicina
ocidental da segunda metade do século XX, no caso a medicina tradicional
chinesa, cuja licenciatura foi aprovada recentemente pelo Ministério da
Ciência, sem que no texto dos inquisidores se perceba se alguma vez tentaram
saber em que é que consiste essa ‘medicina’ que não é ‘ciência’. Nem se os vê
preocupados, com o que Leonor Nazaré lembra de passagem: “</span><span lang="EN-US" style="color: #0a0a0a; mso-ansi-language: EN-US;">não me alongarei em
relação à componente financeira avassaladora associada às indústrias
agro-química e farmacêutica mundiais, na dependência da qual 25.000 lobbyistas
trabalham diariamente em Bruxelas, no sentido de inverter, impedir, ludibriar,
adiar qualquer esforço legislativo que vise proibir, por exemplo, os
perturbadores endócrinos e, de forma geral, os mais de 1500 produtos tóxicos e
cancerígenos cuja utilização é LEGAL no que comemos, respiramos, habitamos,
cultivamos, medicamos, etc. (cf. Stéphane Horel, <i>Intoxication. Perturbateurs
endocriniens, lobbyistes et eurocrates: une bataille d’influence contre la
santé</i></span><span lang="EN-US" style="color: #0a0a0a; mso-ansi-language: EN-US;">,
2015)”.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="EN-US" style="color: #0a0a0a; mso-ansi-language: EN-US;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>2.
Se há pois </span><span style="mso-ansi-language: PT;">boas razões para se
argumentar contra o dogmatismo de muitos cientistas, da física à bioquímica e
neurologia (o resto não é costume achar-se ser científico, a linguística estrutural,
por exemplo), a critica de que essas ciências seriam ‘materialistas’ e de que
se possa querer uma ciência pós-materialista (quando se trata de neurologia e
psicologia face a fenómenos paranormais e espirituais) é algo que merece
reflexão, já que se baseia na <i>oposição</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> <i>entre material e espiritual</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, típica do século XIX positivista, como se o interesse pela dita
‘espiritualidade’ implicasse anti-materialidade. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>3. A primeira questão é esta: a
física é ‘materialista’? O argumento é aduzido a partir da mecânica quântica,
da necessidade de ter em conta a interacção do observador para decidir da
mensuração das partículas. Ora, no que diz respeito à física clássica dos engenheiros,
à química e à bioquímica, a questão não se põe dessa maneira, nunca soube de
cientistas destas áreas que reclamassem esta característica quântica para as
suas questões laboratoriais. Por um lado, o motivo de ‘medida’ e de ‘dimensões’
susceptíveis de medidas só tem sentido em relação a coisas que chamamos
habitualmente ‘matéria’, dimensões a que se pode atribuir convenções de
sistemas de medida a partir duma unidade (centímetro, grama, segundo, no que no
meu tempo de liceu e IST se chamava o sistema CGS). Mas por outro lado, como
ilustra extraordinariamente bem o balde de água<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>com que Galileu media o tempo em “diferenças e proporções”
de peso de água, são os resultados dessas medidas que se prestam às equações
físicas de tipo algébrico, seja qual for o exemplo material da experimentação laboratorial:
<i>não é a matéria</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> – enquanto
realidade substancial, bolinha de pedra ou de ferro que desliza pelo plano
inclinado de madeira – <i>que é</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> <i>conhecida
cientificamente</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, mas as regras de
movimento, tipo lei da gravidade, que as equações e as suas variáveis preenchidas
com os resultados da experimentação permitem conhecer de forma universal,
científica. Aqui, o que faz o observador enquanto medidor não é relevante, a
não ser a exigência de que não erre, foi por isso que o problema da mecânica
quântica provocou um alvoroço tão grande, mas sem reflexos retroactivos sobre a
física de dimensões macroscópicas: o critério nesta, que está na base da maioria
da engenharia e tecnologia actuais, é ‘universal’ para qualquer laboratório,
independentemente da subjectividade dos cientistas. Isto não é ‘materialismo’,
é <i>exactidão científica</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, que
não joga da mesma maneira noutras ciências como a linguística estrutural ou
outras ciências sociais, nem sequer na economia. Foi esta exactidão que levou
Heidegger a dizer que “a ciência não pensa”, indo ao encontro de a ciência ser
estruturalmente laboratorial, mensuração e matemática algébrica adequada. Onde
o cientista pensa – usando linguagem de palavras articuladas em frases – é
quando propõe novas maneiras de experimentação ou de medir, ou novas hipóteses
teóricas, ou quando discute paradigmas. Nada disso é ‘materialista’ no sentido
pejorativo da palavra: a intervenção da matemática – que mede e conta, isto é
faz operações com coisas materiais, não soma ‘ideias’ nem sequer ‘imagens’ –
joga com “diferenças e proporções”, as quais também não são coisas materiais,
nem os números, nem sequer as palavras, diferenças entre sons ou riscos que
referem ‘coisas’, aliás tanto materiais como ideais. Já o marxismo teve
dificuldade em caracterizar a ciência e as línguas como ‘materialistas’ e não
como ‘ideologia’ (Estaline decidiu no debate soviético que a língua não
pertence à super-estrutura). <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>4. Não é pois por aí que o gato vai
às filhozes, as ciências, laborando com coisas materiais, não são
materialistas. A meu ver, a grande crítica que as ciências em geral merecem e
sobretudo a concepção que os cientistas delas têm, tem a ver com o ‘fora do
laboratório’: teoricamente, <i>os resultados científicos só são válidos nas
condições de determinação criadas pelos laboratórios</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, os quais são necessários porque justamente na
realidade quotidiana reina a indeterminação, vários tipos de efeitos jogando de
forma casual ou pelo menos aleatória. Há, que eu saiba, duas grandes excepções,
bastante opostas: a astronomia, cujo laboratório de telescópios enfrenta
directamente a cena astral e pode calcular com exactidão as suas causalidades
sem interferências terrestres significativas, e os aceleradores de partículas
em que o laboratório não se distingue da cena em que elas explodem, o que provocará
<i>provavelmente</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> os limites da
mecânica quântica (não sei que chegue para garantir esta afirmação). Ora, é
fora do laboratório que se situam as poluições todas e os efeitos secundários,
tudo resultante de lacunas laboratoriais inevitáveis, isto é, de experimentações
não feitas além das que foram feitas, das que as técnicas confirmam a exactidão
científica. Que os gases dos automóveis provoquem doenças respiratórias ou
efeitos climáticos nocivos, que o que cura certo tipo de células tenha efeitos
catastróficos noutros tipos, etc. Fora do laboratório e de certas rotinas, os
efeitos de factores com causas diversas congregam-se em <i>acontecimentos</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, que são possíveis, isto é, não determinados,
imotivados, desconhecidos pelas ciências fora dos seus laboratórios. Ora, o
dogmatismo dos cientistas vem de não terem em conta a importância do laboratório
para as verdades que eles descobrem e de transporem indevidamente essas
‘verdades’, <i>uma</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> <i>concepção
determinista</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> <i>para a realidade
em geral</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, o que é mil vezes pior
do que um pretenso ‘materialismo’. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>5. Do tal manifesto para uma ciência
pós-materialista<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn1" name="_ftnref1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[1]<!--[endif]--></span></span></a> (do seu §
15) retiro alguns pontos que merecem consideração. A afirmação de que as
ciências reduzem o ‘espírito’, que um pouco adiante é exemplificado pela dupla
vinda da psicologia racional clássica “vontade / intenção”, é perfeitamente
correcta. Qualquer ciência só tem um mínimo de cientificidade se reduzir a
subjectividade do cientista, mas mais além, a necessidade estrutural do
laboratório implica a <i>redução</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">
de tudo o que não corresponde às dimensões retidas para serem medidas do
fenómeno. Para dar um exemplo fora da física e das químicas, a linguística
estrutural reduz a Acústica e a Fonação fisiológica nas operações de comutação
com as quais constrói os seus paradigmas científicos (fonológicos, morfológicos,
sintácticos, lexicais). Nenhuma ciência pode ser retida, na tradição ocidental,
sem esta redução, o que significa que os ensaios de conhecimento das realidades
espirituais ou criam uma ciência própria (teológica ou agnóstica, não vejo o
que possa ser) ou procedem apenas a argumentação filosófica, não científica. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">6. Dito isto, há uma série de “fenómenos psi” que
merecem todo o interesse, nomeadamente a telepatia, fenómeno que muito me intriga,
claramente atestado frequentemente e de difícil explicação em termos das
ciências vigentes, ou ainda as “experiências de morte iminente” com
experiências fora do corpo durante uma paragem do coração, ou experiências
espirituais profundas durante essas paragens, donde se conclui que o espírito é
separado do cérebro, manifesta-se através dele mas não é produzido por ele;
ainda se citam, sem que se possa duvidar, casos de “médiums que comunicam mentalmente
com pessoas falecidas e obtêm informações muito precisas delas”, sugerindo
sobrevida da consciência após a morte e a existência de realidades que não são
de ordem física; acrescenta-se que “espíritos individuais podem aparentemente
unir-se” o que “sugere a existência dum Espírito envolvendo-os”. Os dois casos
obviamente ‘metafísicos’, a imortalidade do espírito e a existência dum
Espírito divino, são denunciados enquanto tais pelo verbo ‘sugerir’, que parece
afastar qualquer hipótese de ‘ciência’. Mas a telepatia e os médiums põem uma
questão muito interessante, a de saber se eles exigem a autonomia duma instância
‘espiritual’ relativamente ao cérebro. O que<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>é difícil é que nos laboratórios de neurologia põe-se também
a questão da relação entre a análise estritamente bioquímica-biológica das<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>redes neuronais e o ‘conteúdo’ dos
neurónios a que só o próprio tem acesso, o que Damásio chamou ‘mente’: entre
análise neurológica laboratorial e o discurso subjectivo da mente, contado pelo
próprio, há um salto metodológico que julgo intransponível, o que deixará lugar
para uma concepção filosófica espiritualista, mas não vejo como ‘científica’.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">7. Argumentarei por isso duma forma indirecta. Há
um caso extraordinário, mencionado noutro sítio da Web<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn2" name="_ftnref2" style="mso-footnote-id: ftn2;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[2]<!--[endif]--></span></span></a>,
dum tsunami na Indonésia em 2005 em que morreram 150 mil pessoas e em que não
se encontraram praticamente carcaças de animais – elefantes, javalis, búfalos,
leopardos – que pressentiram a vinda do mar e fugiram para as serras. Um
biólogo, especialista em ecologia e comportamento animal, explica que não se
trata dum “sexto sentido”, mas que “os animais teriam sentidos mais desenvolvidos
do que os nossos para detectar certos sinais premonitórios: uns ouvirão uma
gama maior de sons, outros perceberão melhor as modificações da pressão
atmosférica ou do campo magnético; em tudo o que é vibratório, tremores de
terra ou ondas sonoras, os animais têm aptidões que nós não temos ou já não
temos” (Hervé Fritz, CNRS). Ora, o ‘já não temos’ sugere que tinham os nossos
antepassados vivendo na selva e devendo defender-se dos perigos desta mas que
se foram perdendo com as novas tarefas trazidas pela agricultura e sobretudo
pela vida citadina. Então, os tais fenómenos psi, telepatia e médiums (para não
falar de levitação), corresponderiam a gente que guarda, sabe-se lá porquê ou
como, algumas possibilidades arquétipas, se dizer se pode, prévias à
aprendizagem da linguagem provavelmente; isto seria o caso dos “espíritos
individuais [que] podem aparentemente unir-se”, o que me lembra uma proposta de
José Gil em <i>As metamorfoses do corpo</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, a do “corpo comunitário” das tribos vivendo na selva, procurando
alertar-nos para comunidades muito diferentes do individualismo exacerbado da
contemporaneidade. “O corpo de que falam os selvagens não é o ‘corpo’
individual, porque este é em cada instante investido dos outros corpos da
comunidade – seja pela fala, pelos gestos, pela expressividade afectiva, pelos
jogos, por toques, carícias [...] Em cada comunidade primitiva o laço que une
todos os membros funda-se neste corpo comunitário [...] É onde se jogam partilhas
profundas: as funções mais imediatas, mais vitais – como a nutrição, a reprodução,
as excreções, as percepções – canalizam e reproduzem o Mesmo em que cada corpo
individual, fragmento e transmissão do corpo comunitário, compõe e analisa os
seus ritmos deixando-se atravessar pelos ritmos de todos os outros [...] É ele
que, oferecendo à comunidade a sua coesão, abre o espaço em que se elabora cada
singularidade, o espaço da individuação dos corpos, quer dizer dos ritmos
singulares. [...] As formas de educação que se encontram nas sociedades primitivas
mostram como desde muito pequenos as crianças entram em relação com uma
multidão de outros corpos, são manipulados por múltiplas mãos, balançados por
dez mulheres, confrontados com mil imagens parentais, identificados a mil
outras crianças e adultos. [...] A criança aprende os seus próprios ritmos,
aprendendo a modelar em si os dos outros. [...] em vez de implicar uma
atomização como nas sociedades ocidentais, o efeito de singularização supõe uma
coesão social extremamente potente”</span><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn3" name="_ftnref3" style="mso-footnote-id: ftn3;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[3]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR">. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span lang="FR">8.
A hipótese muito geral a </span><span style="mso-ansi-language: PT;">tirar seria
a de que médiums e gente capaz de telepatia seriam pessoas que guardam algo
desta potência comunitária, desta intuição de outros, da capacidade de uma
certa ‘comum unidade’ que poderá parecer-se com ‘relação espiritual’, sem ter
implicações metafísicas nem ser ‘materialista’, esta oposição não tendo aqui
lugar. Como dizer esta <i>espiritualidade</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">?<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn4" name="_ftnref4" style="mso-footnote-id: ftn4;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[4]<!--[endif]--></span></span></a>
O motivo releva no Ocidente da tradição cristã, em que predominou a perspectiva
platónica, opondo-a à matéria, como é o caso no manifesto em questão. Só vejo
como alternativa o <i>sopro judaico</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> que em Orígenes aparece platonizado como ‘espírito’ (“hipóstase
intelectual”), tenha sido ele como creio provável a fazê-lo, ou já antes
Clemente de Alexandria ou outro filósofo cristão anterior. Seria digno dessa
perspectiva o que releve de <i>acontecimentos</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> que escapem ao <i>domínio dos outros humanos</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, ao poder do dinheiro, ou ao poder social em
instituições ou ao poder politico ou ao poder dos saberes estabelecidos,
mediáticos, científicos, eclesiásticos, académicos ou que sejam. É fácil dar
exemplos, além dos espirituais anónimos, mulheres e homens que possamos
conhecer, os clássicos Mahatma Gandhi, Martinho Lutero King, o nosso Aristides
Sousa Mendes, Francisco, que está a renovar espiritualmente aos nossos olhos um
lugar de poder.</span><span lang="FR"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<br /></div>
<div style="mso-element: footnote-list;">
<!--[if !supportFootnotes]--><br clear="all" />
<hr align="left" size="1" width="33%" />
<!--[endif]-->
<br />
<div id="ftn1" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref1" name="_ftn1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[1]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;"> </span><span lang="EN-US" style="color: #4f5b66; font-size: 11.0pt;"><a href="file:///articles/Manifeste-science-Beauregard">https://www.inrees.com/articles/Manifeste-science-Beauregard/</a></span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;"><o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn2" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref2" name="_ftn2" style="mso-footnote-id: ftn2;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[2]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;"> </span><span style="font-size: 11.0pt; mso-ansi-language: PT;">Google: </span><span lang="EN-US" style="font-size: 11.0pt; mso-ansi-language: EN-US;">Tsunami - Incroyable : les animaux ont échappé à la
menace !</span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;"><o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn3" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref3" name="_ftn3" style="mso-footnote-id: ftn3;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[3]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;"> J. Gil, <i>Métamorphoses du corps</i></span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;">, La Différence, 1985, pp. 155-6.<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn4" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref4" name="_ftn4" style="mso-footnote-id: ftn4;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[4]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;"> Ver texto de 15/10/17 neste blogue, os §§ 1-2<o:p></o:p></span></div>
</div>
</div>
<!--EndFragment-->Fernando Belohttp://www.blogger.com/profile/17937204465115284686noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8208352897435046717.post-7940456989263381092018-02-23T15:54:00.003-08:002018-07-20T05:22:20.892-07:00Génese do dogma da Incarnação<!--[if gte mso 9]><xml>
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<br />
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<span class="Apple-style-span" style="font-size: 27px;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><b>Como se formou um dogma tão improvável?</b></span><span style="mso-ansi-language: PT;"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><b>Três gerações de textos<o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><b>Resposta ao fracasso de Jesus: Messias, que ressuscitou<o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><b>A contradição entre o messiânico e o teológico<o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><b>O Messias que não voltou: o 2º fracasso<o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><b>O vazio que a incarnação veio preencher<o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><b>Platão salva o cristianismo reduzindo a letra da Bíblia<o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="FR"><b>Questão
especulativa : porquê pai / filho ?<o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><b>Um paradoxo: das endogamias judaica e grega à universalidade cristã<o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><b>Filosofia e cristianismo no <i>berço cultural</i></b></span><span style="mso-ansi-language: PT;"><b> da Europa<o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><b>Como se formou um dogma tão improvável?</b></span><span style="mso-ansi-language: PT;"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>1. Para quem não conheça nada da
Bíblia, provavelmente este texto é pouco inteligível. A sua questão é a de
saber como é que se pode perceber um processo histórico de crenças que fez com
que um judeu da Galileia do princípio do século I, um profeta, se tornou num
Deus incarnado num Homem, a sua aventura tendo vindo a marcar o tempo antes e
depois dele: qual foi o papel da filosofia nesta génese? O que me interessa
nesta questão crítica dum tema fulcral do cristianismo, é guardar o que me
resta deste, que me salvou a vida quando, jovem estudante de engenharia civil,
sem sequer fazer dois dos três estágios que me valeriam a licenciatura, entrei
para o seminário onde tive como professor de filosofia o melhor intelectual que
conheci na minha vida, o P. Honorato Rosa. Nos cinco anos que lá andei,
tornei-me um intelectual com questões teológicas que, em vez de as arrumar de
uma vez, fui depois lentamente criticando, nomeadamente com o apoio de Heidegger
e de Derrida (e num último lanço, de J.-L. Nancy), que, com muitos outros, me
forneceram novas questões que desaguaram na filosofia <i>com</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> ciências. Pode-se pensar que, ao deixar de
acreditar num Criador – nomeadamente com a compreensão do seu papel de ‘causa’
última de imotivados, quer tratando-se das línguas, quer da evolução dos vivos
– a questão da incarnação ficava resolvida por apagamento, se se pode dizer.
Mas isso seria apagar tudo e há pelo menos duas coisas que me continuam a
interessar: o que se pode vislumbrar da personagem de Jesus através do
evangelho de Marcos (foi a minha primeira descoberta, na <i>Leitura materialista
do evangelho de Marcos</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, em
francês<i> </i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">(1974), lido com base
na leitura de <i>S/Z</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> de R. Barthes)
e a ética de fecundidade espiritual dos capítulos 5-7 de Mateus (em francês no
blogue <i>Questions au Christianisme</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">). Trata-se pois de pagar uma dívida de vida, de não a apagar.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><b>Três gerações de textos<o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>2. Há uma metodologia textual que
torna possível a questão: não se lê tal frase ou tal episódio isolado, o que há
que ler são textos, seguindo a sua cronologia, hoje razoavelmente conhecida,
relacionando-os com a história desses primeiros tempos cristãos (na
debatidíssima questão da historicidade das origens cristãs, <i>são os próprios
textos que se sabe hoje serem históricos</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, haja o que houver a compreender daquilo que eles contam). Classificaremos
os textos que nos interessam segundo três gerações: 1) a que vai do ano 30 ao
ano 60, 2) a que vai de 60 a 90 e 3) alguns anos depois de 90. O ano 30 é o
provável ano da execução de Jesus; a primeira geração contém as 7 cartas
autênticas de Paulo de Tarso, que não conheceu Jesus mas se tornou seu
apóstolo, fundando várias comunidades ditas <i>ecclesiai</i></span><a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn1" name="_ftnref1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[1]<!--[endif]--></span></span></span></a><span style="mso-ansi-language: PT;"> em nome do Messias ressuscitado. Há 14 cartas
atribuídas a ele, só 7 são dos anos 50, tendo sido executado em Roma em meados
dos anos 60 (como aliás o seu ‘rival’ Pedro também): <i>1ª Tessalonicenses, 1ª
e 2ª Coríntios, Filipenses</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">
(excepto 2,6-11)<i>, Filémon, Gálatas </i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">e<i> Romanos</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">. A segunda
geração retida é a dos três evangelhos sinópticos, <i>Marcos, Mateus e Lucas</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, por esta ordem, o primeiro fornecendo a trama narrativa
dos dois outros que o retomaram acrescentando-lhes materiais diversos, alguns
comuns aos dois (dito fonte Q) e os outros próprios deles. A terceira geração
compõe-se do evangelho de <i>João</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, das cartas de Paulo aos <i>Colossenses</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> e aos <i>Efésios</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> e do hino
de <i>FIlipenses</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> 2,6-11. Em
relação aos evangelhos, além da questão da ressurreição de Jesus, nós, leitores
modernos, somos confrontados com uma série de ‘milagres’ nas narrativas evangélicas,
que há que ler tendo em atenção o seguinte: alguns deles têm marcas de um
taumaturgo (por exemplo, Mc 7,31-35), os xamãs sendo frequentes nessas
sociedades antigas como ainda hoje na Índia e em África, isto é, Jesus era
alguém que sabia fazer certas curas; o primeiro dos evangelhos, o de <i>Marcos</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, foi escrito 40 anos após a crucifixão, o que dá
tempo para as curas virarem legendas e irem em crescendo nos outros, até à
ressurreição de Lázaro, quatro dias depois de sepultado em <i>João</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> (cap. 11), o último a ser escrito; enquanto <i>Marcos</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> tem uma cura hesitante (8,22-25), por assim
dizer, e marca a incerteza de duas possíveis ‘ressurreições’ com dúvidas de que
estivessem mortos (5,37, 9,26) e até põe a pergunta do que é isso de
“ressuscitar dentre os mortos” (9,10). <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>3. A chamada literatura apocalíptica
– que vem pelo menos desde os inícios do século II antes de Cristo, o texto
mais importante que nos chegou desses inícios sendo o do profeta Daniel (185 a.
C.) – corresponde à situação de impasse politico em que se encontrou Israel,
sob a ocupação militar dos sucessores de Alexandre e depois dos Romanos, após
uma série de derrotas e vassalagens anteriores a Assírios, Babilónios e Persas,
vencidos estes por Alexandre. Esta literatura, clandestina na sua linguagem por
razões políticas, constatou que a aliança profética entre o seu Deus, Iahvé, e
os seus antepassados liderados por Moisés, tinha fracassado completamente,
segundo os profetas por infidelidades dos seus reis à Lei da aliança, e
concluiu, face ao domínio militar dos ocupantes, que só lhes restava como
hipótese uma intervenção divina, através da figura (pouco clara) dum Messias
que inauguraria o <i>Reino de Deus </i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">para os que forem encontrados justos. Os textos das duas primeiras
gerações, à excepção de Lucas que opera uma transição de saída, inserem-se
nesta literatura apocalíptica, como se pode ver pela primeira palavra de Jesus
em Marcos, retomada por Mateus e omitida<span style="mso-spacerun: yes;">
</span>por Lucas – “cumpriram-se os tempos e o Reino de Deus está próximo;
convertei-vos e acreditai no Evangelho” (Mc 1,15) – e pela maneira como Paulo,
perto do final da sua primeira carta, a que enviou aos cristãos de Tessalónica,
na Grécia, evoca a ascensão colectiva dos justos: “nós, os vivos, os que
estaremos ainda cá para a vinda do Senhor [...] seremos reunidos [...] e
levados em nuvens para encontrar o Senhor Jesus nos ares” (1 Tess 4,15-17),
evocando Daniel 7,13-14 e o seu “Filho do Humano” colectivo. Muito estranha aos
nossos olhos de descendentes dos Gregos, trata-se da figuração da saída dos
justos da Terra para o Céu numa cultura que ignorava a imortalidade da alma
(como todo o novo Testamento a ignora).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><b>Resposta ao fracasso de Jesus: Messias, que ressuscitou<o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">4. A primeira geração de textos, os de Paulo, é
marcada não apenas pelo seu desconhecimento da vida terrena do “Messias segundo
a carne” como pelo seu não querer conhecê-la (2Co 5,16); embora também haja
aqui uma polémica com os outros apóstolos que foram discípulos de Jesus, apenas
a morte e a ressurreição deste lhe interessam como narrativa que funda a sua fé
e que terminará com este final apocalíptico, a vinda do <i>Messias escatológico</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, que Paulo espera que se dê durante a sua vida.
‘Messias’ é um termo aramaico que os textos escritos em grego traduzem por
‘Cristo’, que para nós, por razões que veremos, se tornou uma espécie de apelido
do tal Jesus, judeu de Nazaré. Como as nossas versões desses textos têm sempre
o termo traduzido, perdeu-se praticamente, mesmo entre exegetas, a visão
escatológica ou apocalíptica do termo “Cristo” e destes textos. Já o próprio
Paulo teve um problema com este nome de ‘Messias’ que, fortemente significativo
para judeus, não tinha sentido nenhum para os pagãos do mundo grego por onde
ele andou a fazer assembleias e por isso mesmo teve que inventar, desde a sua
primeira carta, um termo que fosse familiar aos seus convertidos: o de <i>Filho
de Deus</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, em que, após ter falado
do “Senhor Jesus Messias”, diz pouco depois que se trata de “servir o Deus vivo
e verdadeiro, à espera do seu Filho que virá dos céus, que ele ressuscitou dos
mortos, Jesus, que nos libertou da cólera que vem aí” (1Tess 1,9-10). Ora, no
mundo hebraico o monoteísmo é rigoroso, Deus não é pai e não tem filhos, ao
invés das divindades gregas e romanas, bem humanas nos seus amores e
desavenças. É na sua última carta, aos Romanos, que ele desvenda o sentido
desta filiação inédita, ao dizer de Jesus Messias que, “saído da linhagem de
David segundo a carne, foi <i>definido</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> (<i>horistenos</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">) Filho de
Deus com potência segundo o Sopro de santidade pela ressurreição dos mortos de
Jesus Messias, o nosso Senhor ” (Ro 1,4). Ora, <i>horistenos</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> é um particípio do verbo que Platão usa para
‘definir’: por exemplo, <i>horizesthai</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, o belo, o justo, o bom, as virtudes<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn2" name="_ftnref2" style="mso-footnote-id: ftn2;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[2]<!--[endif]--></span></span></a>,
definidos esses que colocou no céu das Formas ideais<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn3" name="_ftnref3" style="mso-footnote-id: ftn3;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[3]<!--[endif]--></span></span></a>.
O que significa que Paulo, para chegar aos ‘pagãos’ de cultura grega, <i>transfere
o ser celeste judeu, o Messias escatológico, para o ser celeste platónico, o
Filho de Deus</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">. É aqui o primeiro
passo da génese aqui analisada, mas não se trata ainda de ‘incarnação’: é só a
partir da ressurreição que Paulo definiu Jesus como Messias e Filho de Deus,
antes disso segundo ele não era ainda nenhuma dessas coisas. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">5. Em que é que consiste a ‘ressurreição de
Jesus’? Na resposta dos apóstolos judeus ao <i>fracasso</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> de Jesus, executado pelos Romanos sob acusação
dos chefes judeus, os quais apóstolos acreditaram no seu anúncio do Reino de
Deus, da escatologia. Paulo também acreditou que Jesus estava vivo e voltaria,
como se disse, mas colocando o Messias apenas a seguir à ressurreição. Os textos
da 2ª geração, os evangelhos sinópticos, como que respondem ao desafio de Paulo
que contestam, contando sem grandes divergências nessa narrativa comum, como os
discípulos de Jesus reconheceram quando ele ainda estava vivo que ele era o
Messias, bem antes do processo de Jerusalém, todos, incluindo <i>João</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, colocando esse reconhecimento por Pedro no final
da proclamação do Reino de Deus na Galileia e fazendo desse reconhecimento o
sinal para o próprio Jesus de que devia ter início a subida até Jerusalém, aonde
atacará os comerciantes do Templo e disputará a autoridade dos chefes, aclamado
pela população e traído por um dos discípulos. Vários indícios mostram que o
que moveu Jesus foi a expectativa que ele exprimiu numa figura apocalíptica, a
dum Filho do Humano colectivo que subiria para os céus<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn4" name="_ftnref4" style="mso-footnote-id: ftn4;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[4]<!--[endif]--></span></span></a>,
como se viu ser também a proposta de Paulo. Antes de morrer, o crucificado,
segundo <i>Marcos </i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">e<i> Mateus</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, dando um grande grito exclamou em aramaico <i>Eloi,
Eloi, lama sabactani</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, que depois
traduzem <i>meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, os que o ouviram dizendo que chama por Elias, o
qual tendo figurado numa teofania com Moisés no início da subida a Jerusalém,
tinha justamente em seu tempo sido levado em corpo para o céu: como se o texto
indicasse assim a última esperança do moribundo. Ora, o texto de <i>Marco</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">s, como mostrei há mais de 40 anos com a luz
semiótica de Barthes, é uma narrativa com os seus imprevistos de reacções dos
vários personagens em relação a Jesus – multidões, discípulos, doentes,
adversários – em que ele tem que tomar estratégias de clandestinidade evitando
as cidades, como quem tira conclusões do que lhe acontece, como qualquer líder
humano, digamos, rezando à parte por três vezes, quando a decisão a tomar é
mais grave (Mc 1,35, 6,46, 14,32-39). É essa lógica narrativa (que será desfeita
a pouco e pouco pelos outros evangelhos) que dá valor a este grito de abandono,
que é assim a confissão da derrota por aquele que começara por anunciar a
proximidade do Reino de Deus. Pode-se dizer que todo o discurso teológico,
incluindo estes textos até aos dogmas posteriores, é uma <i>resposta</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> a este grito de abandono, insuportável para a
noção de incarnação.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><b>A contradição entre o messiânico e o teológico<o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">6. Mas o texto sabe de si, onde por vezes o seu
autor não alcança, e contraditou-se com estes seus códigos de contingência
narrativa: aonde ao longo de todo o texto se vai dizendo as leituras e
estratégias de Jesus face ao que vai acontecendo, contrapõe-se a essa sua
‘ignorância’ do que ia sucedendo (que uma parábola assinalara em Mc 3,26-29,
que desapareceu dos outros evangelhos) uma tripla <i>predição</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> do que lhe vai suceder na subida para Jerusalém
(8,31, 9,31, 10,33-34), ser rejeitado pelas autoridades, morto e ressuscitar;
ora essa predição é por sua vez contraditada manifestamente pelos quatro
evangelhos com a estupefacção das mulheres e dos discípulos diante do túmulo
vazio. Claramente relevando do narrador que já sabe o fim da história, este
discurso <i>pré-destina</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> o que
vier a suceder de trágico como um ‘plano de Deus’ sobre o seu Messias: o
messiânico – dele mesmo um motivo de glória escatológica, que virou agora
incerto e derrotado – torna-se <i>decisão teo-lógica</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> dum plano de salvação, predita pelo próprio
Messias que Pedro reconhecera: está aí a trave mestra do discurso teológico
cristão. Não apenas com alcance no futuro, esta predestinação teológica teve
efeitos no próprio texto: a agonia de Jesus no Jardim das Oliveiras e a
desesperança de abandono final apagam-se, como se se tratasse de teatro metafísico.
É aonde o <i>homem</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> Jesus <i>começa
a ser apagado pelo Messias</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">,
aquém, se se pode dizer, da sua transfiguração como Filho de Deus pela
ressurreição segundo Paulo. Também se apaga a dimensão politico-religiosa da
messianidade de Jesus: nomeadamente, rasura-se a razão dessa subida a
Jerusalém, de que fica apenas o confronto com o Templo e as autoridades judias,
dizendo <i>Marcos</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> que eles
“seguiam a caminho, subindo para Jerusalém,<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Jesus caminhava à frente deles, e eles estavam assombrados,
os que seguiam iam cheios de medo” (Mc 10,32). Ora, tendo em conta que o que
desencadeou a decisão da viagem, foi uma assembleia de 5000 homens reunidos no
deserto (Mc 6,30-44)<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn5" name="_ftnref5" style="mso-footnote-id: ftn5;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[5]<!--[endif]--></span></span></a>,
comentando <i>João</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, que é um
despolitizador<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn6" name="_ftnref6" style="mso-footnote-id: ftn6;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[6]<!--[endif]--></span></span></a>, que “eles
disseram que ‘ele é verdadeiramente o profeta que deve vir ao mundo’ e que
Jesus deu-se conta de que eles viriam buscá-lo para o fazer rei, e fugiu” (Jo
6,14-15), e sabendo-se que Lc 10,1 conta que no momento da partida, Jesus
“enviou 72 discípulos, dois a dois, diante dele, em todas as cidades e localidades
em que ele passaria”, como um líder que reúne a maior multidão possível para
estarem à sua chegada numa manifestação imensa que Mc 15,7 dirá ter sido “<i>a</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> sedição” (“<i>a</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> revolta”, F. Lourenço), todos estes indícios – e ainda uma espécie de
denegação de Lucas dizendo “porque ele estava perto de Jerusalém, e eles
imaginavam que o Reino de Deus iria aparecer naquele momento” (19,11),
acrescentando uma parábola que não tem nada a ver com isto – sugerem que a
razão da subida a Jerusalém terá sido a convicção firme de Jesus de que se ia
realmente consumar o Reino de Deus, a subida pelos ares do Filho do Humano
colectivo. E foi dessa convicção, formada pelo êxito da campanha na Galileia
abençoada por Deus e despoletada pela conjuntura dos 5000, que terá resultado o
desespero do abandono por Deus. Terá sido este Jesus, <i>Messias</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> <i>derrotado</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, que foi apagado pela futura incarnação.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><b>O Messias que não voltou: o 2º fracasso<o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;">7. Percebe-se todavia que um tal líder messiânico </span><span style="mso-ansi-language: PT;">tenha suscitado a crença de que, apesar da morte,
fora levado para o Céu, vivo, ressuscitado: todos os textos do novo Testamento
vivem dessa fé em Jesus como Messias que havia de voltar na glória manifesta do
Reino de Deus. O problema é que não voltou. Ele teria precisado que a geração
dos que estavam com ele não morreria antes desse final glorioso (Mc 9,1).
Marcos, que era um adolescente quando Jesus foi morto, soube em Roma, 40 anos
passados sobre essa morte, já os principais apóstolos tinham morrido,, que Tito
tomou Jerusalém e que o Templo foi incendiado, donde ter concluído que a vinda
do Reino para breve fora anunciada por esse fim do Judaísmo palestiniano: “leitor,
compreende!”, escreve (13,14). O seu texto acaba bruscamente com um jovem que
anuncia a ressurreição e reenvia os discípulos para a Galileia onde o verão,
como quem, discípulo que foi de Paulo, junta as duas pontas da fé messiânica
deste, a ressurreição que foi e o retorno escatológico que vai ser em breve, o
tempo duma viagem de regresso à Galileia após o fiasco da subida a Jerusalém.
Mas Marcos morreu, como todos os que conheceram Jesus, e ele não voltou: foi o
segundo grande <i>fracasso</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">,
depois do da crucifixão, a que a ressurreição respondera. Agora, é a própria
noção de Messias, que Paulo, como Marcos, ligara à ressurreição, que claudica,
nomeadamente para Judeus: se os apóstolos tinham dado a volta a um impossível
Messias condenado, derrotado, dizendo que ressuscitara e que voltaria, esse
argumento deixa de valer para<span style="mso-spacerun: yes;">
</span>Judeus<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn7" name="_ftnref7" style="mso-footnote-id: ftn7;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[7]<!--[endif]--></span></span></a>. E como para
os de cultura grega, a ressurreição do corpo não tinha qualidade espiritual
diante da “alma imortal” platónica que desdenhava de tudo o que era “geração e
corrupção”, estes dois fracassos deixaram um vazio na passagem para a terceira
geração dos textos bíblicos cristãos: <i>foi esse vazio que a incarnação veio
preencher</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><b>O vazio que a incarnação veio preencher<o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">8. Para preencher esse vazio, estes textos fizeram
uma segunda operação filosófica, após a primeira, a da deslocação do Messias
escatológico judeu para o Filho de Deus grego, destinada a tornar este capaz de
singrar no mundo da cultura grega (§ 4). Esta nova operação nota-se quer no
prólogo do evangelho de <i>João</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">,
quer nas cartas aos <i>Colossenses</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> e aos <i>Efésios</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> completadas
por discípulos de Paulo e mantidas em seu nome, quer ainda no hino inserido em
Fil 2,6-11, textos estes onde aparecem termos filosóficos como <i>morphê</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, <i>schêmati</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> e o célebre <i>Logos</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> de <i>João</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> que “era Deus” (1,1) e “fez-se carne, habitou
entre nós” (1,14). O movimento encontra-se claramente enunciado na <i>primeira
carta de Pedro</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">: “o Messias, discernido
antes da fundação do mundo e manifestado nos últimos tempos por causa de vós”
(1,19-20). Digamos que se trata de repensar o conjunto do ‘plano de Deus’ e
para isso, à maneira filosófica de quem busca fundamentos, partir do seu fim, o
</span><span lang="FR" style="font-family: "symbol";">W</span><span style="mso-ansi-language: PT;"> (o Messias escatológico) e chegar ao seu A, ao seu início: “desde antes da
criação do mundo” (Ef 1,8), “o seu Filho bem-amado [...], primogénito de toda a
criatura, pois foi nele que foram criadas todas as coisas [...] primogénito
dentre os mortos [...] pois aprouve a Deus fazer habitar nele toda a plenitude”
(Col 1,15,18-19), “Messias Jesus, de condição divina, não se reteve igual a
Deus, mas aniquilou-se a si mesmo, tomando a condição de escravo e tornando-se
semelhante aos humanos” (Fil 2,6-7). Quanto ao evangelho de <i>João</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, cujo prólogo é uma peça que lhe foi acrescentada
de fora e nunca mais será questão de “Logos”, é um texto particularmente
difícil de situar entre o mundo judeu e o mundo grego, seguindo uma tradição
narrativa sobre Jesus diferente da dos sinópticos e acrescentando-lhe diálogos
com uma teologia sem nada que ver com os outros três, onde nomeadamente o
motivo de Filho e de Pai ombreia com o de Messias, como se o ultrapassasse, e
tendo uma fórmula – “o Pai e eu somos um” (10,30) – que, lida após as
definições dogmáticas, se tornou praticamente incompreensível, tanto do ponto
de vista do monoteísmo judeu como do pensamento platónico. Pode-se dizer que
João ultrapassa os sinópticos na maneira de desafiar Paulo que não se
interessava pelo “Messias segundo a carne”. Aqueles colocam a questão de Jesus
segundo a carne, isto é, antes de morrer e ressuscitar, ser o Messias no
coração das suas narrativas, enquanto que o motivo de Filho de Deus importado
de Paulo tem neles um papel secundário, embora crescendo em <i>Mateus</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> e <i>Lucas</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, mas nunca tendo a relevância narrativa como a do título de Messias. <i>João</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, por sua vez, mantendo embora a questão do
Messias na sua narrativa e nos debates dela, coloca também o Filho de Deus duma
forma que seria impensável para Paulo;<span style="mso-spacerun: yes;">
</span>no entanto, segundo o prólogo, o <i>Logos</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> tornou-se carne e Filho em Jesus (1,14), não
haveria Filho antes, apenas o <i>Logos</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">. Embora a meu ver se possa ser crente apesar desta génese, estas questões
que estou colocando têm pressupostos que as anulam a quem elas incomodarem:
basta que se considere que todas as cartas atribuídas a Paulo (excepto <i>Hebreu</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">s) são dele, para esta restituição genética ficar
bastante coxa, nem sequer vir à cabeça. Ou, mais simplesmente, crer que tudo na
Bíblia é ‘palavra de Deus’.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><b>Platão salva o cristianismo reduzindo a letra da Bíblia<o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">9. O vazio para olhos judeus resultante dum
Messias que afinal não era Messias, pois que não voltou quando era esperado,
leva a que as comunidades cristãs, que deixam praticamente de recrutar judeus e
serão compostas praticamente apenas de gente de cultura grega, vão tendendo a
olhar as coisas na perspectiva desta: nomeadamente, a ressurreição dos mortos é
mal vista face à condenação platónica do corpo pela “alma imortal”. É notável
que os textos da Bíblia cristã aguentam muito bem o balanço a favor da ressurreição
e ignoram a imortalidade da alma, mas aquela será cada vez mais difícil de
aceitação filosófica ao longo do século II, donde que a tendência será a
acentuar o Filho de Deus e <i>a sua pré-existência, que subordina a ressurreição</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">. O que é sintomático: uma meia dúzia de textos de
intelectuais cristãos dirigidos aos seus congéneres pagãos<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn8" name="_ftnref8" style="mso-footnote-id: ftn8;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[8]<!--[endif]--></span></span></a>
nem sequer citam os nomes ‘Jesus’ ou ‘Cristo’, apenas ‘Filho de Deus’. Celso,
filósofo platónico critico do cristianismo (178), escreveu que “a sabedoria
bárbara vale pouco se não for corrigida e aperfeiçoada pela razão grega” (<i>Contra
os cristãos</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, § 2), anunciando
assim a grande operação filosófica platónica de Orígenes de Alexandria
(185-254), que se pode dizer ter sido o fundador da teologia grega cristã como
o outro grande painel do discurso cristão, ao lado do painel bíblico,
conservado na liturgia mas interpretado por olhos platónicos (aristotélicos, no
século XIII<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn9" name="_ftnref9" style="mso-footnote-id: ftn9;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[9]<!--[endif]--></span></span></a>). O que se
passou de extraordinário, do ponto de vista histórico, foi um velho discurso
filosófico de seis séculos apoderar-se deste jovem discurso judeo-cristão que
lhe chegou às mãos e elaborar-lhe uma ortodoxia que o veio a validar aos olhos
de dirigentes futuros e a permitir a Cristandade medieval donde surgirá a
Europa. Depois de Paulo e de João, Orígenes foi um novo ‘salvador’ do
cristianismo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">10. O platonismo é a <i>redução filosófica</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> de tudo o que é corporal e histórico pela prevalência
apenas da <i>alma imortal</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, o que
significa que o novo discurso cristão <i>reduz </i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">o bíblico donde veio, criando uma hermenêutica dos
sentidos bíblicos que transfere o chamado “sentido literal” ou “histórico” das
palavras e imagens metafóricas em “sentido moral” ou “espiritual”. O que afecta
nomeadamente a maneira de falar de Deus. “Pela sua <i>palavra</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> os céus foram feitos, pelo <i>sopro</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> da sua boca todos os seus exércitos [os astros]”
(Psalmo 33,6), eis uma formulação bíblica, que retoma o antropomorfismo da
criação, em Gn 1 a Palavra criadora e em Gn 2 o sopro que dá vida a Adão;
palavra liga-se à Sabedoria, o sopro da boca ao Espírito santo. Mas não é
suficiente, há que recorrer à noção de Pai e de Filho, que ela própria põe problema
ao teólogo platónico, lendo aí uma metáfora humana, implicando semente de macho
e ventre de fêmea. Pelo contrário, “o <i>Logos</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> de Deus, escreve ele, a sua Sabedoria, recebe
nascimento do Deus invisível e incorporal, como um acto de vontade procede da
inteligência” (<i>Traité des Principes</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, 1976, p. 239-240): sem semente nem ventre, só guarda “a unidade de natureza
e de substância para o pai e para o filho” (idem, p. 41). <i>Phusis</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> e <i>ousia</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, aqui estão as palavras filosóficas que vêm acolitar o “Filho de Deus” da
carta aos <i>Romano</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">s de Paulo
1,4, recordando o “definido” e substituindo Messias, ressurreição e Sopro
santo: trata-se da <i>mesma</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> <i>ousia</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, tese que o concílio de Niceia (325) consagrou
com a palavra <i>homoousios</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">
(mesma natureza do Pai e do Filho) e o de Calcedónia (451) as duas <i>ousiai</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> (naturezas) do Filho, humana e divina, o dogma da
incarnação, enfim. Nada a ver com a ressurreição, que permaneceu na liturgia
como festa principal do ano, a Páscoa, mas ficou sem papel nenhum na teologia
dogmática ensinada nos seminários, por exemplo</span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;">, como também não Messias nem nada que tivesse a ver
com as narrativas evangélicas de Jesus. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;"><b>Questão especulativa : porquê pai / filho ?<o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;">11. Resta</span><span style="mso-ansi-language: PT;">
uma questão especulativa: das três hipóteses </span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;">que, por exemplo, Orígenes considera para dizer a </span><span style="mso-ansi-language: PT;">‘segunda pessoa da Trindade divina’, a Sabedoria (<i>Sophia</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">), o Verbo (<i>Logos</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">) e o Filho, porquê foi este último que ganhou e
nenhum dos outros dois candidatos, ambos</span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;"> filosófica e teologicamente possíveis ? Foi a filosofia que
decidiu do lado da tradição de Platão. Com efeito, escreve Derrida, a propósito
quer do <i>Fedro</i></span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;"> quer do <i>Teeteto</i></span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;"> : </span><span style="mso-ansi-language: PT;">“[...] prestar uma atenção sistemática – o que, que eu saiba, nunca foi
feito – à permanência dum esquema platónico que atribui a origem e o poder da
palavra, precisamente do <i>logos</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, à posição paterna. [...] a origem do logos é o <i>seu</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> <i>pai</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">. Dir-se-ia por anacronia que o ‘sujeito falante’ é <i>o pai</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> da sua palavra”<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn10" name="_ftnref10" style="mso-footnote-id: ftn10;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[10]<!--[endif]--></span></span></a>.
A que questão responde este esquema que o prólogo de <i>João</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> retoma, sabendo-o ou não? No </span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;"><i>Teeteto</i></span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;">, cabe ao parteiro Sócrates avaliar </span><span style="mso-ansi-language: PT;">se o discurso do discípulo que ele interroga é
verdadeiro, ou se é falso, uma quimera, um aborto, enquanto que no </span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;"><i>Fedro</i></span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;"> é o autor </span><span style="mso-ansi-language: PT;">do
discurso que responde por ele, como um pai pelo seu filho, enquanto que o texto
escrito é um bastardo, sem pai que responda pelas dificuldades que o leitor
encontrar. Nesta metafórica, o autor do discurso<i> </i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">(<i>logos</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">) é o que tem o pensamento (<i>dianoia</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">) e, segundo o <i>Sofista</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">
(263e), trata-se do ‘mesmo’, pensamento e discurso, mas o primeiro, diálogo da
alma consigo mesma, sem voz, é <i>inacessível</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> a outrem, de que apenas o segundo é testemunha. Não se trata da questão da
mentira, mas da do erro: mesmo errados, pensamento e discurso são o ‘mesmo’, é
para isso que é necessário o papel maiêutico de Sócrates que só tem acesso ao
discurso, ao <i>logos</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, ao filho. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">12. Ora bem, o prólogo de <i>João</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> começa por “No princípio era o <i>Logos</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, e o <i>Logos</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> era junto de Deus, e o <i>Logos</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> era Deus” e adiante “[...] ele que, nem sangue nem vontade de carne nem
vontade de homem, mas Deus gerou. E o <i>Logos</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> fez-se carne e habitou entre nós, e nós vimos a
sua glória, glória que recebe do seu Pai como Filho único” para terminar “nunca
ninguém viu Deus, o Filho único, no seio do Pai, fê-lo conhecer”
(1,1,13-14,18). Aplicando a ‘mesmidade’ do <i>Sofista</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> a Deus inacessível (nunca ninguém o viu) e ao <i>Logo</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">s, este torna-se Filho dele, donde que Deus se
torne Pai, ao encontro da ‘mesmidade’ da filiação. O dueto que era conhecido em
toda a Bíblia, era constituído por Deus e pela Palavra: por esta ele criara o
mundo e falara aos profetas; o que era novo, era que ele fosse ‘pai’<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn11" name="_ftnref11" style="mso-footnote-id: ftn11;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[11]<!--[endif]--></span></span></a>.
<i>O versículo 14 transforma Deus em Pai e a sua Palavra em Filho</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">: é a relação de filiação, a mesmidade de ‘género’
entre pai e filho<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn12" name="_ftnref12" style="mso-footnote-id: ftn12;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[12]<!--[endif]--></span></span></a>,
que é chamada para <i>pensar</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> o
que está em questão, tendo implícita a ‘mesmidade’ platónica entre o pensador
inacessível e a sua fala. Ora, o que está em questão, quer no platonismo, quer
em Paulo de Tarso, é uma abertura do plano espiritual / intelectual, uma <i>viragem</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> além do que tinha sido recebido até então: é essa
viragem que a relação de filiação deve permitir pensar em ambos os casos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><b>Um paradoxo: das endogamias judaica e grega à universalidade cristã<o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">13. Para saber em que ela consiste, há que
enfrentar um paradoxo (que, que eu saiba, nunca foi enxergado, se me é
permitido repetir a desenvoltura de Derrida) constitutivo da história aqui
evocada, a do encontro entre a cultura judaica e a cultura grega, em contraste
forte com a cultura romana. Nesta, como se sabe, o <i>paterfamilias</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> dispunha dum poder despótico sobre os seus filhos
que podia inclusivamente deserdar e adoptar até um escravo em lugar deles; em
correlação com este menosprezo pelos laços de sangue, a cidadania romana será
alargada progressivamente fora de Roma e da Itália, a povos bárbaros inclusive,
a quem acabou por legar línguas latinas, deixando que o latim original se esgotasse.
O contraste é flagrante com os Judeus, que se consideravam um povo eleito e não
admitiam o casamento com ‘gentios’, conservaram as suas escrituras sagradas a
ponto de voltarem a ressuscitar a velha língua delas; contraste igualmente com
os Gregos, também eles se achando culturalmente superiores aos outros povos de
línguas ‘bárbaras’, também privilegiando o casamento endogâmico e tendo trazido
a língua da sua cultura até hoje, apesar das múltiplas ocupações por outros
povos após os Macedónios, dos Romanos aos Turcos. Ora esta endogamia feroz e a
respectiva intolerância para com os povos vizinhos implica claramente <i>uma
importância desmedida da relação pai / filho, não apenas ao nível do sangue mas
da casa e da cultura</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, em
contraste com os Romanos que nos deixaram o direito como herança mas se
cultivaram filosoficamente com o que receberam dos Gregos. Ou seja, há nesta
Antiguidade que herdámos dois casos de fronteiras apertadas que tiveram como
frutos elaborações culturais decisivas para o berço da Europa futura. Mas estas
fronteiras cerradas implicavam o não expansionismo<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn13" name="_ftnref13" style="mso-footnote-id: ftn13;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[13]<!--[endif]--></span></span></a>
(que os Romanos cultivaram fortemente) e portanto que essas elaborações
culturais não se destinassem a sair deles, não fossem ‘universais’. Foi preciso
serem empurradas para fora, os Gregos por Alexandre que fundou o farol
intelectual do helenismo no seio do império romano, Alexandria, os Judeus por
Tito que os expulsou da Judeia e de Jerusalém, dando saída às igrejas cristãs
que seguiram os caminhos de Paulo de Tarso, o qual por sua vez fora empurrado
para a viragem pela crença forte na escatologia iminente, que o tornou
expansionista por urgência (pensou em vir até à nossa península). A viragem de
Platão foi para a filosofia: a definição e a alma imortal como paradigma
individual do pensamento, o privilégio deste – inacessível – sobre o <i>logos</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> comum e democrata, dando origem a um paradigma
gnosiológico que Aristóteles prolongou em várias ciências que a <i>Physica</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> unificava. <o:p></o:p></span></div>
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<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">14. Voltemos à filiação: porque é que ela permite
pensar as viragens? O que é que há de esclarecedor da viragem cristã na
Trindade Pai, Filho e Sopro santo, que faltaria em Deus, Verbo e Sopro santo ou
Deus, Sophia e Sopro santo? Provavelmente a relação da <i>fecundidade</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, tal como ela é fortemente privilegiada entre
Gregos e Judeus, como o segredo da reprodução das sociedades agrícolas patriarcais
endogâmicas. No mundo filosófico grego, para se pensar a fecundidade,
recorreu-se além da filiação<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn1" name="_ftnref1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[1]<!--[endif]--></span></span></a>
a outro exemplo também de tipo familiar, o motivo do <i>género</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> (generalidade, geral) – que compreende várias <i>espécies</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> e indivíduos diferentes – que releva do espanto
face à fecundidade, a potência da <i>phusis</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, que do menos saia o mais. Ora, como o que se encontrou na Alexandria de
Orígenes foi o helenismo, isto é, a cultura grega praticada por povos bárbaros,
a receber no seu seio uma narrativa judaica trazida por gentios, parece que a
compreensão do cruzamento destes dois êxodos culturais – de que somos
descendentes – pela relação pai / filho a um nível de metáfora transcendente,
universal, só terá sido possível pela quebra dessa relação endogâmica a nível
antropológico, pela viragem em relação às duas culturas de origem. Se as
grandes aventuras da inteligência e da ética só foram possíveis em mundos endogâmicos,
a Filosofia no grego e a Bíblia no hebraico, a relação pai / filho do
cristianismo veio a poder ser a criação por um Pai universal dos humanos além
fronteiras e participando do Filho. Ora, que os evangelhos recorressem a
parábolas de plantas que crescem para ilustrar o Reino de Deus, um contexto não
directamente antropológico de sublinhar a sua fecundidade, a 30, 60 ou 100
vezes, tendo como fruto o amor do próximo – entre irmãos com um Pai – digamos a
‘generosidade’ que o género exibe como a sua marca, a que resulta do amor
sexual. E há um passo de Mt 23,8-9 que leva a viragem ao mais alto nível –
“vocês são todos irmãos, não chameis a ninguém vosso ‘pai’ na terra, porque só
tendes um, o Pai celeste” –, o da recusa do ‘pai’ do patriarcado judaico.
Grande diferença aqui se coloca para com a filosofia e suas discussões à luz
dum parteiro estéril no <i>Teeteto</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">: é o amor do próximo que decide em última análise da verdade cristã, como
se diz na <i>1ª carta de João</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">
4,20, carta em que “Deus é amor” e tudo são relações de filiação e fraternidade.<o:p></o:p></span></div>
<div style="mso-element: footnote-list;">
<!--[if !supportFootnotes]--><br clear="all" />
<hr align="left" size="1" width="33%" />
<!--[endif]-->
<div id="ftn1" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref1" name="_ftn1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[1]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;">Aborda-se assim a a
diferença neurológica entre a mente de Damásio e o que ela publica como o seu
discurso, oferecido à psicologia. Com a primazia do interior sobre o exterior,
ignorando a aprendizagem daquele a partir deste como relação social.<o:p></o:p></span></div>
</div>
</div>
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</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="mso-ansi-language: PT;"><b>Filosofia e cristianismo no <i>berço cultural</i></b></span><span style="mso-ansi-language: PT;"><b> da Europa<o:p></o:p></b></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<span style="mso-ansi-language: PT;">13. Ainda que não se seja crente – nomeadamente
que não se precise de nenhum ‘criador’ para compreender as fecundidades que a
biologia molecular nos esclareceu enfim, esvaziando as variadas mitologias das
antigas sociedades agrícolas que dependiam das colheitas e rebanhos fecundos
para sobreviverem de que não controlavam a fecundidade, eram favores divinos
nas mitologias (por exemplo, 1Co 15,37-38) –, ainda assim há que reconhecer que
esta dogmática filosófica que criou a teologia cristã salvou o cristianismo, ao
dar-lhe um discurso à altura do platonismo espiritual das elites gregas e romanas,
permitiu-lhe sobreviver além das narrativas de milagres e ressurreições, como
não o conseguiram as outras escolas filosóficas e espirituais suas
contemporâneas que soçobraram com o império romano<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn14" name="_ftnref14" style="mso-footnote-id: ftn14;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[14]<!--[endif]--></span></span></a>.
Salvaram-no na parte ocidental do antigo império como Cristandade que veio a
inventar, por força quer da filosofia quer da teologia quer do direito romano,
as universidades medievais que foram, tanto quanto sei, o caso único em toda a
história dos humanos<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftn15" name="_ftnref15" style="mso-footnote-id: ftn15;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[15]<!--[endif]--></span></span></a>
de sociedades que tiveram um <i>berço cultural</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;"> de discussão dos textos antigos, <i>antes e como
condição de se estruturarem como Europa, a partir de 1450-1520</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">, com a invenção da imprensa e o protestantismo,
as descobertas dos oceanos e continentes e o humanismo da Renascença (ver o meu
e.book<span style="mso-spacerun: yes;"> </span><i>Da Natureza à Técnica</i></span><span style="mso-ansi-language: PT;">). <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36.0pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="mso-element: footnote-list;">
<!--[if !supportFootnotes]--><br clear="all" />
<hr align="left" size="1" width="33%" />
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<br />
<div id="ftn1" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref1" name="_ftn1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[1]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span style="mso-ansi-language: PT;">Como as assembleias
democráticas de Atenas, o termo significando os ‘convocados’ ou ‘chamados’.</span></div>
</div>
<div id="ftn2" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref2" name="_ftn2" style="mso-footnote-id: ftn2;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[2]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span style="font-size: 11.0pt; mso-ansi-language: PT;"><i>Parménides</i></span><span style="font-size: 11.0pt; mso-ansi-language: PT;">, 135c. Importante que o exegeta
bíblico saiba algo de filosofia, mas há que dizer que esta relação entre a
definição e as Formas ideais não é habitualmente referenciada entre filósofos,
que eu tenha dado alguma vez por isso.</span></div>
</div>
<div id="ftn3" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref3" name="_ftn3" style="mso-footnote-id: ftn3;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[3]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span style="font-size: 11.0pt; mso-ansi-language: PT;"><i>Metafísica
</i></span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;">1078b18-34</span></div>
</div>
<div id="ftn4" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref4" name="_ftn4" style="mso-footnote-id: ftn4;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[4]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;">A escrita dos textos
contraíu o carácter colectivo que se encontra em Daniel e em Paulo para o
indivíduo Jesus, tornando a figura enigmática até hoje para o comum dos
exegetas.<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn5" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref5" name="_ftn5" style="mso-footnote-id: ftn5;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[5]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;">Coberta nos nossos
textos pela chamada </span><span style="font-size: 11.0pt; mso-ansi-language: PT;">“</span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;">multiplicação dos pães</span><span style="font-size: 11.0pt; mso-ansi-language: PT;">”, sendo que o número de 5000 se
encontra em todos os quatro evangelhos, assim como o seu lugar decisivo para a
subida para Jerusalém.</span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;"><o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn6" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref6" name="_ftn6" style="mso-footnote-id: ftn6;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[6]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;">Um dos exemplos mais
notáveis é que a cena de confrontação com o Templo e com as sua autoridades,
que nos sinópticos é a causa óbvia e obviamente política de prisão e condenação
no acabamento da narrativa, é transferido por João para o início, no cap. 2,
terminando a cena contra a ‘ignorância’ que Marcos lhe atribuía : </span><span style="font-size: 11.0pt; mso-ansi-language: PT;">“Jsus conhecia-os a todos e não
precisava de ser industriado sobre ninguém, ele sabia o que há no homem” (Jo
2.24-25).</span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;"><o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn7" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref7" name="_ftn7" style="mso-footnote-id: ftn7;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[7]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;">O que confirma Trifão, o
personagem judeu dum diálogo do filósofo cristão Justino, do sec II<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>(</span><span style="font-size: 11.0pt; mso-ansi-language: PT;">67,2 e 68,1).</span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;"><o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn8" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref8" name="_ftn8" style="mso-footnote-id: ftn8;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[8]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;"><i>A Diogneto </i></span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;">(125-6),</span><span lang="FR"> </span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;">Aristides e Quadratus (125), Hermas e Taciano
(cerca de 150), Atenágoras (176).<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn9" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref9" name="_ftn9" style="mso-footnote-id: ftn9;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[9]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;">Desta viragem medieval
de Platão e Agostinho para um Aristóteles platonizado (metafísico sem physica)
a obra prima é a Suma<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>teológica de
Tomás de Aquino : trata-se com efeito dum tratado de argumentação
filosófica sobre odado cristão, sendo<span style="mso-spacerun: yes;">
</span>os argumentos propriamente teológicos encerrados em </span><span style="font-size: 11.0pt; mso-ansi-language: PT;">“s</span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;">ed contra</span><span style="font-size: 11.0pt; mso-ansi-language: PT;">”</span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;"> que decidem
da doutrina sem intervirem na argumentação filosófica. Refundador digno de
Orígenes, o fundador.<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn10" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref10" name="_ftn10" style="mso-footnote-id: ftn10;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[10]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span style="font-size: 11.0pt; mso-ansi-language: PT;">Derrida,
“La pharmacie de Platon”, <i>La dissemination</i></span><span style="font-size: 11.0pt; mso-ansi-language: PT;">, Seuil 1972, p. 86.</span></div>
</div>
<div id="ftn11" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref11" name="_ftn11" style="mso-footnote-id: ftn11;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[11]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;">Apenas quatro textos
falam de Deus como pai dos israelitas, só um mais antigo, de Jeremias (3,19) do
século VI a. C. </span><span style="font-size: 11.0pt; mso-ansi-language: PT;">O
monoteísmo rigoroso da Bíblia hebraica impedia ‘um’ filho de Deus.</span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;"><o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn12" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref12" name="_ftn12" style="mso-footnote-id: ftn12;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[12]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span style="font-size: 11.0pt; mso-ansi-language: PT;">Sem a mãe
(cujo epíteto de “Mãe de Deus” desencadeará o dogma da incarnação, que virará
“sempre Virgem”, esquecendo-se os outros filhos de que falam os quatro
evangelhos.</span></div>
</div>
<div id="ftn13" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref13" name="_ftn13" style="mso-footnote-id: ftn13;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[13]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span style="font-size: 11.0pt; mso-ansi-language: PT;">Os Gregos
fundaram colónias na Ásia Menor e no sul da Itália, mas que eram cidades gregas
habitadas por gregos, não ocupação de outros povos.</span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;"><o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn14" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref14" name="_ftn14" style="mso-footnote-id: ftn14;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[14]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span style="font-size: 11.0pt; mso-ansi-language: PT;">Com a ajuda
aliás da intolerância atroz dos<span style="mso-spacerun: yes;">
</span>dogmáticos cristãos que herdaram de Roma a <i>veritas</i></span><span style="font-size: 11.0pt; mso-ansi-language: PT;"> imperial (<i>veni, vidi, vinci</i></span><span style="font-size: 11.0pt; mso-ansi-language: PT;">) que, segundo Heidegger (num
seminário sobre Parménides), deita abaixo, faz cair (<i>fallere</i></span><span style="font-size: 11.0pt; mso-ansi-language: PT;">) o ‘falso’ e deu a Inquisição, o
dogma condenando os hereges (</span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;">Eliane
Escoubas, ver no meu <i>Heidegger, pensador da Terra</i></span><span lang="FR" style="font-size: 11.0pt;">, § 47).<o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn15" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=8208352897435046717#_ftnref15" name="_ftn15" style="mso-footnote-id: ftn15;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span lang="FR"><span style="mso-special-character: footnote;"><!--[if !supportFootnotes]-->[15]<!--[endif]--></span></span></span></a><span lang="FR"> </span><span style="font-size: 11.0pt; mso-ansi-language: PT;">Comparável
apenas ao mandarinato chinês e a sua literatura que aguentou um império de mais
de 2000 anos.</span></div>
</div>
</div>
<!--EndFragment-->Fernando Belohttp://www.blogger.com/profile/17937204465115284686noreply@blogger.com0